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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.18  Campinas  2018  Epub 01-Mar-2018

https://doi.org/10.4025/rbhe.v18.2018.e026 

Artigo Original

A formação leitora em manuais escolares: o caso de um leitor não escolarizado (século XX)

The reading training in textbooks: the case of a non-educated (20th century)

La formación lectora en manuales escolares: el caso de un lector no escolarizado (siglo XX)

Lisiane Sias Manke1  * 
http://orcid.org/0000-0001-5085-8791

Ana Maria de Oliveira Galvão2 
http://orcid.org/0000-0001-9063-8267

1Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

2Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil


RESUMO

Resumo: O objetivo do artigo é analisar o papel de dois manuais escolares nos processos de formação, como leitor, de um indivíduo não escolarizado, nascido em 1921, considerando-se a relação que se estabelece entre os protocolos de leitura e os sentidos produzidos nos textos dados a ler. Trata-se dos livros didáticos Noções de história do Brasil, de Afonso Guerreiro Lima, e Geographia elementar, de José Theodoro de Souza Lobo. A realização de entrevistas e a análise de documentos escritos possibilitou compreender que, na trajetória desse indivíduo, a influência dos livros didáticos de infância é bastante significativa. Nesses livros, adquiriu conhecimentos básicos e organizou conceitos chave que, combinados com experiências socioculturais vivenciadas, nortearam seus modos de ler, de escrever e de produzir sentidos.

Palavras-chave: práticas de leitura; livros didáticos; trajetória individual

ABSTRACT

Abstract: The purpose of the article is to analyze two school textbooks in the learning processes, as a reader, of a non-educated individual, born in 1921, considering the relationship established between the reading protocols and the meanings produced in the texts provided to be read. It refers to textbooks called Noções de história do Brasil (Concepts of history of Brazil), by Afonso Guerreiro Lima, and Geographia elementar (Elementary geography), by Theodoro de Souza Lobo. The carrying out of the interviews and the analysis of the written documents enabled the understanding that in the path of this individual, the influence of childhood textbooks is quite significant. In these books he acquired basic knowledge and organized key concepts which, combined with sociocultural experiences he faced, guided his reading, writing and production of meanings.

Keywords: reading practices; textbooks; individual experience

RESUMEN

Resumen: El objetivo del artículo es analizar el papel de dos manuales escolares en los procesos de formación, como lector, de un individuo no escolarizado, nacido en 1921, considerando la relación que se establece entre los protocolos de lectura y los sentidos producidos en los textos dados a leer. Se trata de los libros didácticos Noções de história do Brasil, de Afonso Guerrero Lima, y Geographia elementar, de José Theodoro de Souza Lobo. La realización de entrevistas y el análisis de documentos escritos posibilitaron comprender que, en la trayectoria de ese individuo, la influencia de los libros didácticos de niñez es bastante significativa. En esos libros adquirió conocimientos básicos y organizó conceptos clave que, combinados con experiencias socioculturales vividas, guiaron sus modos de leer, de escribir y de producir sentidos.

Palabras clave: prácticas de lectura; librosdidácticos; trayetoria individual

Introdução

Os manuais escolares têm cumprido papel significativo nos processos de formação escolar do século XIX, quando sua produção foi iniciada no Brasil, ao século XXI, foram sendo adaptados aos programas de ensino, às renovações curriculares e aos novos paradigmas educacionais, consagrando-se na cultura escolar. Embora produzidos para o uso das instituições de ensino, esses materiais, por vezes, têm seu percurso alterado por diferentes contextos de apropriação. Neste artigo, temos por objetivo analisar o papel de dois manuais escolares nos processos de formação, como leitor, de um indivíduo não escolarizado, nascido em 1921, considerando a relação que se estabelece entre os protocolos de leitura e os sentidos produzidos nos textos dados a ler (Chartier, 1994). Trata-se da trajetória de um agricultor aposentado, que foi alfabetizado por uma professora leiga, na propriedade rural de seu pai, no sul do Rio Grande do Sul. Desse período, ele guarda dois livros, um de história e outro de geografia, que acompanharam sua trajetória, influenciando os modos de ler e escrever que foram desenvolvidos de modo autodidata ao longo de sua vida. Trata-se do livro Noções de história do Brasil, de autoria de Afonso Guerreiro Lima, e Geographia elementar, de José Theodoro de Souza Lobo. A trajetória em evidência contribui, especialmente, para pensarmos o papel dos textos didáticos em comunidades marcadas pela rarefação da palavra escrita e o sentido que esses textos cumprem na formação dos leitores.

As investigações que se ocupam da história dos manuais escolares vêm mostrando que as leituras realizadas em livros didáticos não se restringem ao contexto escolar, pois esse suporte tem se constituído, para parte significativa da população brasileira, em um dos principais meios de aproximação das culturas do escrito, especialmente, em contextos de escassa circulação do escrito, como consideram Galvão e Batista (2009). As pesquisas empreendidas contribuem para compreendermos o papel dos manuais escolares em uma sociedade de tardia ampliação do sistema educacional e fortemente marcada pela ausência da leitura e da escrita entre a maioria da população, considerando que, até a segunda metade do século XX, o número de analfabetos era superior ao de alfabetizados no Brasil. Assim, as táticas de aproximação dos processos de escolarização, por vezes, foram materializadas no uso autônomo de manuais produzidos para a escola. Em estudo realizado por Galvão e Oliveira (2007), por exemplo, sobre os objetos e práticas de leitura de um ‘novo letrado’, os livros didáticos pareciam representar uma espécie de ‘reserva de saberes’.

No quadro mais geral, relacionado às práticas dos leitores fora da escola, ou mesmo, após a escolarização, o historiador Roger Chartier, em conferência realizada na abertura do IX Congresso Brasileiro de História da Educação (Chartier, 2017), confere aos livros didáticos o status de livro dos livros. Ao tratar do contexto francês do século XIX, indica que, na compreensão das escolas públicas primárias do período, a competência da leitura e da escrita seria a chave para se assegurar o progresso da civilização, pois possibilitaria aos indivíduos o acesso ao verdadeiro conhecimento, que estava unicamente nos livros e que faria recuar as práticas empíricas, a superstição arcaica e os falsos conhecimentos transmitidos pela tradição oral. Para tanto, o livro didático, constituído por extratos de obras que compreenderiam todo o saber humano, possibilitaria a transmissão de múltiplos saberes e a formação de um indivíduo “sábio”. No mesmo sentido, Bittencourt (1993), ao tratar da produção didática para as instituições públicas brasileiras, no final do século XIX, ressalta a crença no livro didático, compreendido como peça importante para o progresso educacional, baseado no mesmo ideário francês de que “[...] um livro lido é um livro apropriado que induz a novos hábitos” (Bittencourt, 1993, p. 21). Permanecia, assim, da França ao Brasil, a concepção iluminista do poder da palavra impressa, presente nos manuais escolares, que seriam capazes de instruir e formar gerações.

Ao considerarmos a relevante presença dos manuais escolares como meio de aproximação das culturas do escrito por indivíduos pouco, ou não, escolarizados, dedicamos especial atenção aos meios de apropriação desse suporte de leitura. Assim, o conceito de ‘apropriação’, discutido por Chartier (1990), torna-se central, compreendido como o processo que determina a operação de construção de sentidos do texto/impresso lido. Ao considerar a leitura como prática cultural e os leitores como seus agentes, entendemos que as práticas de leitura são modeladas a partir da relação estabelecida entre o leitor, compreendido sempre em suas condições histórico-sociais, e o texto/impresso. Os indivíduos são sensíveis às experiências sociais vivenciadas, que produzem modos múltiplos de ser e sentir, estando a formação leitora associada a essas diferentes vivências. O gosto por determinadas obras, os modos de ler, a interpretação e a modelagem do sentido do texto são resultado de um processo, ao mesmo tempo individual e coletivo, que transcende as práticas consideradas, a priori, próprias de cada grupo social. A partir dessa percepção, constitui-se a apropriação das leituras realizadas por um indivíduo não escolarizado que tem nos manuais didáticos sua principal referência.

Para compreender tais práticas de leitura, procedemos a dois movimentos em termos metodológicos: a realização de entrevistas e a análise de documentos escritos (os próprios livros didáticos e textos manuscritos autorais). Foram realizadas sete entrevistas com o sujeito, entre os anos de 2008 e 2016, que resultaram na produção de longos depoimentos, aproximadamente 16 h de gravação no total, que permitiram compreender, de forma aprofundada, a relação que estabelece com a cultura escrita, os meios de constituição do acervo, o uso que faz dos livros didáticos e os sentidos que produz ao escrever ou transcrever pequenos textos. A partir das fontes orais, consideramos a necessidade de analisar também os aspectos textuais e gráficos das duas obras didáticas de referência para o leitor, além dos textos autorais que resultaram das leituras que ele realiza. Desse modo, o conjunto de documentos analisados, orais e escritos, tem possibilitado a compreensão do social em pequena escala. Conforme Revel, o princípio de variação de escala é um recurso fecundo, ao possibilitar que se construam objetos complexos e se considere a estrutura folheada do social (Revel, 1998). Nesse sentido, para Bensa, “[...] o detalhe vale pelas fatias de realidade que revela, pelo peso das circunstâncias e das motivações que suporta, pela compreensão dos contextos aos quais introduz” (1998, p.45). Ou seja, ao variarmos a escala de investigação, valorizamos os detalhes e os traços secundários, executando-se a análise exaustiva dos dados empíricos. Assim, partimos do princípio de que as trajetórias individuais compõem os processos históricos, que vão do local ao global, não havendo compreensão parcial do social, mas a compreensão do social a partir do individual. Nessa perspectiva, estabelecemos as condições e os processos de formação leitora de um indivíduo, que possui determinados modos de ler e de produzir sentidos a partir das leituras que realiza, mediados pelos processos históricos vivenciados.

Uma trajetória atrelada a dois livros de infância

Durante a República Velha (1893-1930), no Estado do Rio Grande do Sul, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), à frente do governo, implementava suas ações políticas, baseadas na doutrina positivista, gerando a denominada ditadura científica, em que toda questão social se transformava num ‘caso de polícia’ (Flores, 1993). A oposição ao governo republicano contava com os representantes do Partido Federalista, culminando em inúmeras batalhas partidárias, entre estas, a Revolução de 1923. Na ocasião, o Estado dividiu-se entre borgistas (representantes PRR) e assisistas (adeptos do Partido Federalista), para a campanha eleitoral ao governo do Estado. Com a vitória de Borges de Medeiros, a oposição, liderada por Assis Brasil, aderiu à revolta armada para derrubar o governo eleito. Os combates se estenderam por 11 meses, deixando um saldo de destruição e morte.

Nesses anos de instabilidade política e grande insegurança, mais precisamente no ano de 1921, na localidade rural do distrito de Cerrito, município de Canguçu, nasceu o protagonista desta narrativa: Ismael, o terceiro filho do casal Antonio Joaquim e Amélia. A propriedade da família tinha na pecuária a principal fonte de renda, atividade que predominava na região, paralelamente à agricultura. As terras da família haviam sido herdadas do avô paterno de Ismael, figura de significativa atuação política na localidade, herdeiro do comendador Caldeira (bisavô de Ismael). Ao rememorar a infância, as memórias mais expressivas de Ismael em relação ao pai são relativas aos conflitos sociais que vivenciara:

Eu me criei vendo meu pai contar [...] pegavam os cavalos dos pobres colonos, ninguém era dono de nada [...], meu pai era dos federalistas quando Getúlio Vargas entrou, e estavam sofrendo muita perseguição, então meu pai sempre contava que veio conhecer democracia quando Getúlio foi o governo, porque terminou com aquela bagunça de revoluções (Ismael, 2009).

Não há evidências de maior atuação do pai de Ismael nas atividades do Partido Federalista, mas suas memórias evidenciam que os conflitos adentravam os limites das propriedades rurais, em um período de significativas rivalidades partidárias. As memórias de Ismael são povoadas de referências às ações políticas e sociais do avô - vereador, federalista, abolicionista, veterano da Guerra do Paraguai -, e pelos relatos do seu pai em relação às dificuldades vivenciadas pela família nos primeiros anos do século XX. Assim, diferentemente do avô, que teria tido significativa inserção social e política na região, seu pai teria se dedicado principalmente aos trabalhos na propriedade rural.

O pai e a mãe de Ismael não frequentaram a escola, mas sabiam ler e escrever, e o mesmo ocorria com os demais membros das famílias materna e paterna. O domínio da leitura e da escrita por indivíduos não escolarizados, diante da ausência do sistema educacional, evidencia que os meios utilizados para a entrada no mundo da escrita poderiam ser diversos, sendo a aprendizagem doméstica, com alguém que dominasse o sistema escrito, uma alternativa para a aprendizagem das primeiras letras. Em 1930, Antonio Joaquim e Amélia, pais de Ismael, com três filhos de idades entre nove e 13 anos, ainda não alfabetizados, por não terem acesso a uma instituição escolar frente à realidade educacional do município de Canguçu, contrataram uma professora para alfabetizar seus filhos. A pessoa contratada não possuía formação para o ofício, mas se dedicava à alfabetização, morou durante um ano na casa da família, período em que as crianças receberam, de forma sistemática, os ensinamentos necessários para aprender a ler, escrever e contar.

Ismael, aos nove anos de idade, em 1930, viu sua rotina ser alterada pela atuação da professora Maria José. Em um espaço simples, com poucos recursos, ela reunia as crianças para alfabetização, conforme relata: “[...] a professora lecionava numa casa velha que tinha no lado da casa do meu pai, e tinha um salão grande, as crianças vinham ali e ela ensinava todas as manhãs” (Ismael, 2009). Em relação aos materiais utilizados, relembra: “[...] as penas de escrever meio se abriam...às vezes se abriam demais, já faziam porcaria. Então tinha que ter a mão bem levezinha. [...]A gente usava caderno, mas conta se fazia na pedra, a pedra de escrever com lápis da pedra, mas tinha caderno também” (Ismael, 2016a).

As atividades realizadas pela professora, por vezes, não agradavam o menino acostumado a outras atividades, que gostava de estar envolvido com os animais, como afirma: “[...] eu não era muito de estudar, eu gostava era da lida do campo. [...]às vezes eu ia, outras eu encilhava um petiço e ia pro campo. [...] eu com oito anos me envolvia muito era com a lida do campo, ah eu gostava, eu ia todo dia!” (Ismael, 2009). Contudo, atualmente, ressignificando suas memórias, Ismael valoriza, sobremaneira, as aprendizagens que adquiriu com essa professora: “[...] eu aprendi com ela a ler, escrever e fazer as quatro operações, e naquele tempo lendo e fazendo as quatro operações se defendia muito bem” (Ismael, 2009). O uso do verbo defender indica para o sentido prático e, ao mesmo tempo, simbólico, do domínio da leitura e da escrita, que também é explicitado quando afirma: “Depois de ‘acolherá’[juntar] as letras, seguia! (risos)” (Ismael, 2009, grifo nosso). Essa frase é emblemática, pois expressa a percepção de que a alfabetização, o domínio do sistema escrito, possibilitaria circular no universo da cultura escrita e adquirir novos conhecimentos, de forma autodidata.

No final daquele mesmo ano, 1930, estando Ismael e suas irmãs alfabetizadas, a professora foi dispensada. Mas, antes de deixar a fazenda, indicou a compra de dois livros didáticos, para que a formação de seus alunos tivesse continuidade, uma vez que sabiam ler e escrever e, assim, já possuíam condições de tornarem-se ‘sábios’ com o auxílio dos livros. O pai deveria comprar um livro de história do Brasil, para um conhecimento básico sobre a história do país, e outro de geografia, para estudarem os limites geográficos de cada nação, conforme relata Ismael. O livro de história teria sido comprado na cidade de Pelotas, o centro urbano mais próximo da fazenda; o livro de geografia foi emprestado por um primo da família materna que, por ser mais velho, já havia utilizado a obra em seus estudos. Conforme Bittencourt, na passagem do século XIX para o XX, “[...] era essencial garantir a difusão do vínculo nação-território, necessitando-se dos estudos de geografia para o conhecimento do espaço físico do ‘país’ e da História Nacional para legitimar as formas de conquista do continente que é o Brasil” (Bittencourt, 1993, p.30). Parece ter sido essa a compreensão da professora ao indicar a leitura das duas obras, que complementariam a formação dos jovens recém-alfabetizados, para que, mesmo fora do espaço escolar, adquirissem conhecimentos básicos para atuação social e a formação da identidade nacional.

Conforme discute Hébrard (2001), desde as reformas no século das luzes até as expansões escolares do século XIX, as políticas de alfabetização compreenderam que a leitura, por sua transparência, permitiria ao livro transformar o leitor: “Neste sentido, ensinar a ler um grupo social até então analfabeto é apresentá-lo ao poder, com direito infinito, do livro” (Hébrard, 2001, p.36). Contudo, diz o autor, a maior parte dos trabalhos atuais concerne à leitura uma imagem bem diferente, ao considerar o ato de ler um “[...] processo de produção de sentido no qual o texto participa mais como um conjunto de obrigações do que como estrita mensagem” (p.38). Na sociedade brasileira do início do século XX, o poder concedido ao livro não estava apenas na sua mensagem, mas especialmente em sua raridade, na rarefeita circulação do impresso, que elevava o seu poder simbólico. Desse modo, dominar o sistema escrito e apropriar-se (no sentido de tomar para si) dos conhecimentos ali contidos era ação destinada a poucos. Nesse contexto, resta, entretanto, questionarmos o ‘poder’ dos livros que Ismael recebeu após a alfabetização. O que fez com os livros? Como os lia? Com quem os lia? Em que momentos do dia lia? Que interpretações fazia das leituras? Que conhecimentos socioculturais mobilizava para acessar os textos?

As memórias de Ismael restringem o alcance de algumas das respostas a essas perguntas. Em suas narrativas nos diz somente: “[...] depois que eu comecei a ler eu comecei a ler sozinho, mas depois de um certo tamanho eu não liguei mais [...] Mas ali naquela História eu aprendi o descobrimento do Brasil, quem e quando foi. Naquela História! E os estados e capitais na Geografia” (Ismael, 2008b). O certo é que os dois livros acompanharam Ismael durante toda a sua trajetória e, certamente, influenciaram a sua forma de ler e escrever, especialmente, pelo simbolismo que possuem: livros de infância, que lhe possibilitaram adquirir conhecimentos básicos sobre as ciências sociais e que foram levados na mala quando foi prestar serviço militar.

“Os livros que eu tinha eu levei na mala” (Ismael, 2008b). Aos 23 anos de idade, em 1945, durante a II Guerra Mundial, Ismael recebeu a convocação das Forças Armadas do Brasil, para prestar serviço militar no quartel de Quaraí, Rio Grande do Sul. Diante da necessidade de afastar-se pela primeira vez da casa dos pais, tentou se precaver, levando, consigo, o dinheiro da venda de umas novilhas e seus dois livros didáticos. Os relatos do irmão que já havia prestado serviço militar lhe fizeram pensar que esses livros poderiam ajudá-lo a fazer um curso de cabo e, assim, ascender na carreira militar, possibilitando-lhe melhores condições de trabalho no Exército, como relata:

Os livros que eu tinha eu levei na mala. E era importante porque a Geografia foi aonde eu aprendi os estados e as capitais [...]. E na História do Brasil foi onde eu aprendi o descobrimento do Brasil, quem descobriu, o ano, a era foi onde eu aprendi a história do Brasil (Ismael, 2008b).

O meu irmão dizia que era coisa horrorosa ficar no quartel como soldado raso, e eu fui então [...] e me acompanhou a minha Geografia velha, que eu ganhei de presente desse meu primo, e aquela História do Brasil, que foi na mala comigo. [...] Mas eu fui com aquela fé, mas levei comigo os livros (Ismael, 2009).

Essa atitude, por si só, demonstra a crença na cultura escrita, pois Ismael tinha convicção de que o conhecimento advindo dos livros poderia lhe possibilitar um lugar de distinção na hierarquia militar. Após uma semana no quartel, foi submetido ao exame de seleção para o curso de cabo e, com quatro meses de serviço militar, foi promovido para essa nova função. Ele atribui a aprovação no exame de seleção aos ensinamentos de sua professora e aos livros de história e geografia, embora também afirme não ter utilizado os livros em nenhum momento, pois já conhecia o conteúdo e não havia tempo para a leitura no quartel. Os livros teriam lhe servido como uma espécie de suporte de memória, ou mesmo, tendo uma função especialmente representativa nesse processo de seleção e aprovação.

É possível concluir que o serviço militar aproximou Ismael da cultura escrita, contribuindo para que adquirisse novas aprendizagens e percebesse, de forma prática, o valor social da leitura e da escrita. Ao ser promovido, as condições de trabalho foram alteradas e sua remuneração aumentou. Dessa forma, a intenção inicial se concretizou, pois este foi seu objetivo ao colocar os livros na mala: alcançar melhor posição na hierarquia militar. Como cabo, passou a fazer uso da escrita cotidianamente, desempenhando seu trabalho com desenvoltura, como relata: “E logo eu peguei muita média com ele [tenente], ele tinha muita confiança em mim, e via que eu fazia muito empenho, ele via que eu tava sempre com o lápis e qualquer coisa eu tava anotando” (Ismael, 2009). Esse trecho nos remete para o papel da escrita, para a importância e o reconhecimento social dessa prática, frente às experiências vivenciadas no quartel.

Ao retornar para casa, Ismael casou-se e continuou morando na propriedade que herdara de seu pai, onde criou seus quatro filhos. Atualmente, aposentado e morando sozinho, desde o falecimento de sua esposa, vive cercado por livros, entre estes, os livros didáticos de infância, considerados ‘relíquias’, como afirma: “[...] eu guardo como uma relíquia” (Ismael, 2008a). Como leitor assíduo, possui um acervo composto de outros livros didáticos, enciclopédia, livros de história do Brasil e textos fotocopiados de livros emprestados, além de resumos e textos que escreve a partir das leituras que realiza e das vivências que rememora. Atualmente, a leitura e a escrita ocupam o seu tempo, os seus pensamentos e lhe oferecem conteúdo para falar sobre o passado e o presente. São práticas por ele associadas ao ócio, à velhice e à ausência dos trabalhos rurais. Para compreendermos as apropriações dos livros, por Ismael realizadas, é necessário estabelecermos a relação entre o conteúdo e a forma tipográfica dos dois livros de infância e a maneira como organiza suas narrativas sobre o que lê, e mesmo, os modos como constrói a escrita dos textos autorais. Assim, passamos à análise dos textos didáticos.

Os livros didáticos de infância

A partir dos pressupostos da história cultural, consideramos, na pesquisa, os aspectos textuais e gráficos das obras, pois um impresso dá-se a ler a partir de um conjunto de protocolos de leitura, que foram produzidos, tendo em vista um leitor-modelo1, no intuito de indicar os caminhos para a produção de sentidos. Para Chartier (2014), a compreensão do texto é inseparável da análise da materialidade do impresso, que confere a ele uma forma fixa. Assim, apoiado nos estudos de McKenzie, o autor afirma que o significado de um texto, canônico ou não, “[...] depende das formas que o tornam possível de ler, ou seja, das diferentes características da materialidade da palavra escrita” (Chartier, 2014, p.20). Referindo-se ao antigo regime, observa que os livros começavam com uma série de textos preliminares ao texto principal, que conduziam o leitor para determinada leitura da obra. Assim, demonstra a necessária análise dos aspectos textuais e gráficos de uma obra, para se chegar à apropriação que dela é feita, indicando para uma proximidade entre história cultural e crítica textual. Nas palavras do autor,

O objeto fundamental de uma história que se propõe a reconhecer a maneira como os atores sociais dão sentido a suas práticas e a seus enunciados se situa, portanto, na tensão entre, por um lado, as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades e, por outro, as restrições e as convenções que a limitam - de maneira mais ou menos clara conforme a posição que ocupam nas relações de dominação - o que lhes é possível pensar, dizer e fazer. Essa observação [...] é válida, desse modo, para as práticas ordinárias, disseminadas e silenciosas, que inventam o cotidiano (Chartier, 2009, p. 49).

Assim, de modo a compreender as apropriações do texto lido, em toda a sua complexidade, o trabalho investigativo requer a combinação da compreensão das diversas convenções que limitam as capacidades inventivas da leitura: a textualização (que editor e autor pretendem atingir e constituir), as formas de publicação (materialidade do texto, projeto gráfico) e as competências e disposições socioculturais dos leitores. Nessa perspectiva, analisamos os dois livros de infância de Ismael, por compreendermos que tiveram significativa contribuição na formação de seus modos de ler.

Os exemplares dos livros de Ismael não possuem mais capa e dados bibliográficos, tendo sido necessário um trabalho investigativo sobre as obras. Depois de buscar vestígios junto a pesquisadores e bibliófilos, que ajudassem a indicar a autoria das obras, ambos os livros forma identificados e localizados no acervo de livros didáticos do Laboratório de Ensino de História - LEH/UFPel. O livro de história intitula-se Noções de história do Brasil, de autoria de Affonso Guerreiro Lima2, publicado pela livraria do Globo3, localizada em Porto Alegre, teve dez edições publicadas, a 1ª em 1915 e a 10ª em 1942 (Martins, 1978). No acervo do LEH/UFPel, localizamos cinco edições dessa obra, a 3ª edição de 1925; a 5ª edição de 1931; a 7ª edição de 1935, a 9ª edição de 1939 e a 10ª edição de 1942 , que possibilitaram concluir que o exemplar que pertence ao acervo de Ismael trata-se da 3ª edição de 1925.

De igual modo, identificamos o livro de geografia como a obra de José Theodoro de Souza Lobo4, intitulada Geographia elementar, que teve ampla circulação no Rio Grande do Sul por ter sido adotado nas aulas públicas do Estado (Pais, 2010).Foi possível localizar dois exemplares desse livro: a 5ª edição de 1898, publicada pela livraria Rodolpho José Machado, de Porto Alegre, e a 17ª edição de 1941, publicada pela gráfica da livraria do Globo. Ao compararmos a edição de Ismael com essas outras edições, observamos que a 5ª edição guarda maior semelhança com o livro dele, contudo essa edição possui acréscimo de conteúdos e formas diferentes de apresentá-los, embora partes dos textos sejam idênticas. Desse modo, é possível que o livro de Ismael seja de uma edição mais antiga, anterior a 1898, considerando que o exemplar foi adquirido por um primo mais velho, que lhe deu o livro por já ter concluído seus estudos.

Trata-se de dois manuais escolares, considerando a discussão apresentada por Choppin (2004) de que esses artefatos culturais assumem, ao longo da história, múltiplas funções (referencial, instrumental, documental, ideológica e cultural), “[...] que podem variar consideravelmente segundo o ambiente sociocultural, a época, as disciplinas, os níveis de ensino, os métodos e as formas de utilização” (p. 553).

Os manuais analisados não definem o nível ou a série a que se destinam os conteúdos, mas a apresentação das obras situa a disciplina e as indica para os supostos leitores. No manual Noções de história do Brasil, o autor, na apresentação, escreve: “Aos senhores professores rogamos que nos advirtam as lacunas e erros encontrados[...]” (Lobo, 1898, p. 3). Na apresentação da Geographia elementar, o texto assinado pelo autor afirma: “Organisando este livrinho, só tive em vista facilitar o estudo da Geographia aos meus jovens patrícios. [...] observações que solicito de todos os meus doutos colegas de magistério, a quem mui especialmente a ofereço, dedico e consagro” (Lobo, 1898, p. 5). É possível considerar que o público leitor visado era o alunado das escolas primárias, mas a leitura deveria ser mediada pelos professores, a quem primeiro se destinavam as obras. Assim, o leitor-modelo para os autores seria principalmente os professores, que utilizariam os manuais em suas aulas, realizando uma leitura crítica, direcionando os usos, indicando lições, fazendo arguições a respeito dos textos, sugerindo os sentidos a serem produzidos. Sendo assim, provavelmente os autores pressupunham um leitor com habilidade de leitura - o professor -, que auxiliaria seus alunos a apropriarem-se das obras, extraindo os conhecimentos ali disponibilizados.

A obra Noções de história do Brasil é um livro de formato 22 x 15 cm, que possui 184 páginas. Os textos são impressos somente em cor preta, a letra possui tamanho 7 pontos, e algumas notas explicativas presentes no corpo do texto possuem tamanho de 5 pontos. Os títulos têm tamanho 9 pontos e são destacados em negrito. Além de a letra ser bastante pequena, a cor do papel, no tom bege amarelado, não apresenta contraste, prejudicando sobremaneira a legibilidade5 do texto. As imagens, em sua maioria de bustos de personalidades históricas, são reproduzidas em escala cinza. São poucas as frases ou palavras colocadas em destaque no texto. Quando isso ocorre, o recurso utilizado é o negrito, normalmente para datas e nomes de vultos históricos.

Não há abertura de capítulo, apenas um título em nota de rodapé superior indica o assunto da unidade. Cada unidade é composta por várias lições, que ocupam sempre duas páginas do livro. Na página à esquerda está o texto principal, destacado pelo título da lição; na página à direita, encontram-se um quadro denominado Resumo cronológico da lição e um texto denominado Leitura, de caráter literário, assinado por diferentes autores, como, por exemplo, Olavo Bilac, Coelho Neto e Rocha Pombo. Esses aspectos são ilustrados na Figura 1:

Fonte: Acervo particular Ismael.

Figura 1: Páginas 104 e 105, livro Noções de história do Brasil 

É importante destacar que a editoração gráfica do livro cumpre papel decisivo quanto à organização dos conteúdos, pois, em toda a obra, cada lição ocupa apenas um par de páginas, havendo, portanto, um esforço para que haja um padrão na apresentação dos conteúdos. Esse aspecto é destacado pelo autor na apresentação da obra, quando apresenta o tipo de texto que o leitor encontrará na página par e na página ímpar do livro. Esses aspectos tipográficos correspondem ao que parece ser a proposta da obra: uma abordagem objetiva que favorece a didatização do conteúdo, permitindo a adequação precisa do tempo destinado ao ensino de cada lição e a compreensão da lógica de organização dos assuntos a serem trabalhados.

No final das unidades, há um quadro cronológico, denominado ‘Recapitulação’, que contempla os principais acontecimentos abordados na unidade. Após o término de algumas unidades, é apresentado um quadro-resumo, intitulado ‘Quadro de Civilisação’, que faz menção a acontecimentos políticos, econômicos, sociais e/ou culturais do período em evidência, conforme Figura 2:

Fonte: Acervo particular Ismael.

Figura 2: Páginas 156 e 157, livro Noções de história do Brasil. 

De igual modo, a análise da textualidade do livro indica para uma proposta bem definida, que contempla temáticas políticas, lutas de conquista e colonização territorial, considerando o então desejado progresso do Estado brasileiro. O texto de cada lição caracteriza-se por um resumo descritivo dos acontecimentos, organizados por período, destacando, especialmente, o nome dos personagens históricos e a data dos acontecimentos. Ou seja, o texto, em uma breve descrição, centra-se em recorte temporal, personagem histórico, feitos/acontecimentos.

A divisão da história brasileira está organizada em 13 unidades: primeira unidade: ‘Tempos anteriores ao descobrimento’ - trata da característica do território e da vida dos selvagens (indígenas); segunda unidade: ‘Tempos históricos’ - o próprio título indica para o início da história do Brasil, que se dá com o ‘descobrimento’ do território; terceira unidade: ‘Os primeiros governadores’ - da criação do governo geral à fundação das primeiras cidades; quarta unidade: ‘Piratas e conquistadores’ - destaca a presença de ingleses e franceses no território brasileiro; quinta unidade -‘Os hollandezes no Brasil’-possui nove lições, todas sobre a invasão holandesa, destacando os heróis da guerra brasílica; sexta unidade - ‘O despontar da nacionalidade’ - aborda o papel dos bandeirantes e guerras do período; sétima unidade - ‘Consequência da guerra da Successão de Hespanha’ - trata das disputas territoriais no sul do País; oitava unidade -‘Tempos anteriores á independencia’ - traz lições sobre a vinda da família real, a abertura dos portos e a volta da corte para Lisboa. A nona unidade (Regencia de D. Pedro), a décima (1º Império), a décima primeira (Governos regenciaes) e a décima segunda (2º império) abordam o período imperial brasileiro, enquanto a décima terceira ‘Republica Federativa’ - introduz os novos tempos então vividos. Nas últimas unidades, o destaque é dado para os aspectos políticos, as guerras e suas conquistas. As lições são seguidas de quadros cronológicos com o resumo dos acontecimentos e não apresentam atividades a serem realizadas pelos alunos, ficando a critério do professor propor metodologias para a aprendizagem dos conteúdos6.

A objetividade dos textos das lições e dos quadros cronológicos contrasta com os textos denominados Leitura, que apresentam narrativas históricas em linguagem e estilo literários, a exemplo do texto Corsários, assinado por Olavo Bilac, como se observa no fragmento:

Levantar ancora, soltar pannos, e partir [...] Para onde? Para onde soprasse o vento! O resto, o acaso o faria. Navegavam por dias longos e noites espessas, á espera de que a sorte os conduzisse ao encontro de alguma embarcação de commercio, que contivesse tesouros (Olavo Bilac apud Lima, 1925, p. 53)

Assim, o livro Noções de história do Brasil apresenta conteúdos organizados de modo cronológico e descritivo, característica dos manuais escolares do período7, e também, narrativas históricas ao molde dos textos que compunham os livros escolares de leitura8. Conforme Bittencourt (1993), os livros de leitura apresentavam conteúdo histórico, destinado aos estudantes da escola elementar, e contemplavam histórias sobre tradições brasileiras, ‘costumes indígenas’, ‘heróis nacionais’ e seus feitos, assim como biografias. “A ‘história’ contemplada por estes livros apresentava-se de maneira fragmentária, opondo-se ao cuidado meticuloso de vários compêndios que primavam pela sequência cronológica” (Bittencourt, 1993, p. 214, grifo do autor). Portanto, o livro em evidência combina essas duas propostas editoriais: cuidado meticuloso com a sequência cronológica e histórias literárias sobre tradições brasileiras.

Em relação à outra obra, Geographia elementar, de autoria de Souza Lobo, trata-se de um livro de formato 18 x 139 cm, que possui 208 páginas. A análise do exemplar de Ismael será realizada em paralelo à edição de 1898, 5ª edição, visto que o exemplar dele não está completo. Os textos são impressos somente em cor preta, a letra possui tamanho 10 pontos para o corpo e 14 pontos para os títulos, um pouco maior, se comparada ao livro de história. Contudo a letra em tamanho pequeno, em papel bege amarelado pelo tempo, faz com que o texto tenha pouca legibilidade. Algumas palavras são colocadas em destaque no texto, assim como os títulos e subtítulos, para tanto, são utilizados negrito, letras em tamanho maior e fonte sem serifa. Não há imagens no livro, mas a 5ª edição destaca, na contracapa, a presença de mapas (‘contém esta Geographia nove nítidos Mappas’), reproduzidos em papel maior e bem fino, coloridos, dobrados no tamanho das páginas do livro. No livro de Ismael não há mapas, mas podem ter sido extraviados com o tempo, em virtude da fragilidade do papel. Os mapas eram apresentados de forma ilustrativa, não havendo referência nos textos sobre os dados neles presentes.

O conteúdo do livro está organizado em uma parte introdutória sobre definições gerais de geografia e mais quatro unidades, denominadas como ‘partes’. A primeira parte apresenta noções de geografia física e divide-se em cinco capítulos, cada um deles abordando aspectos de um dos continentes. A segunda parte, também subdivida em cinco capítulos, desenvolve o conteúdo de geografia política, a partir dos continentes. Os capítulos apresentam a descrição dos países que compõem cada um dos continentes, com indicação de longitude, latitude, limites, superfície, população, governo, religião e cidades principais. A terceira parte tem como título ‘Noções de chorographia do Brasil’ e é composta por três capítulos: ‘Parte physica’, ‘Parte politica’, ‘Estados do Brazil’. A quarta e última parte trata especificamente do Estado do Rio Grande do Sul. Os textos são apresentados de forma sintética, com dados objetivos, organizados em tópicos, como ilustra a Figura 3:

Fonte: Acervo particular Ismael.

Figura 3: Páginas 120 e 121, livro Geographia elementar 

O uso de colchetes é recorrente na organização dos textos, especialmente na parte sobre geografia física. Nos demais capítulos, o uso de elementos gráficos também se faz presente, como estratégia de organização dos tópicos que são brevemente desenvolvidos.

No capítulo dedicado ao Brasil, na parte que trata da geografia política, além dos dados como superfície, população e outros referentes a cada um dos Estados, há abordagens que caracterizam o contexto sociopolítico da época, marcado pela relação entre Igreja e Estado e pela presença das forças militares na organização do Estado civil.

O capítulo sobre o Rio Grande do Sul é aberto com um texto histórico, extraído da Chorographia do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo, que discorre essencialmente sobre os tratados entre Portugal e Espanha pela posse do território. Entre outros, destaca aspectos como limites, superfície, população, divisão administrativa e eclesiástica, dados sobre instrução pública, aspectos físicos, clima e produções naturais. De acordo com Bittencourt (1993), muitos autores transitavam confortavelmente entre compêndios de história e geografia, no final do século XIX, defendendo que a história só poderia ser compreendida por aqueles que tivessem noção exata da estrutura do solo sobre o qual se desdobraram os acontecimentos históricos.

Essa concepção parece ser comum à compreensão de Ismael em relação às obras de história e geografia, as quais lhe foram apresentadas na infância como leituras essenciais para a formação da cidadania, conforme orientou a professora que o alfabetizara. Assim, a referência que constituiu sobre essas áreas do conhecimento está vinculada à importância dos vultos históricos, às datas, aos aspectos políticos e geográficos de territórios em que se desenrolaram importantes acontecimentos históricos, questões destacadas em ambas as obras e evidenciadas nas narrativas e escritas realizadas por Ismael.

Dos livros didáticos aos modos de ler e escrever

A leitura e a escrita, que sempre tiveram espaço na vida de Ismael, embora não sendo uma prática relacionada com sua atividade profissional, passaram a fazer parte de sua rotina, de forma mais intensa, após a aposentadoria. Os textos de sua preferência são aqueles que abordam temáticas históricas e geográficas, apresentam curiosidades, efemérides, acontecimentos relacionados com sua trajetória de vida ou com a história de seus antepassados: “Esses dias eu descobri um Caldeira [sobrenome de Ismael] aqui na História [livro didático], em 1615, ele conquistou um território do Pará, deve ser dos mesmos ainda, em 1615” (Ismael, 2008b).Já a escrita está relacionada ao registro das leituras mais significativas que, por vezes, assumem a característica de compilação de textos lidos. Assim, para Ismael, ler e escrever são práticas relacionadas ao prazer, à distração, à ocupação do tempo livre, mas, além disso, são maneiras de rememorar o que vivenciou, de retomar assuntos sobre os quais já possui algum conhecimento, de buscar novos conhecimentos sobre temas que o mobilizam. Ou seja, sua relação com a cultura escrita está ligada ao sentido estético e, ao mesmo tempo, prático, experiencial que essas práticas podem lhe oferecer.

Ismael, ao falar sobre as leituras que realiza, indica para os modos de ler e os sentidos produzidos, demonstra preferência por textos que apresentam acontecimentos vividos ou narrados por seu pai, ou que fazem referência a sua origem familiar. De igual modo, dados biográficos de personalidades históricas estão entre as leituras que prioriza, especialmente quando se trata de homens que atuaram no cenário político ou tiveram destaque em termos econômicos e que são naturais da região Sul do Rio Grande do Sul, como observamos no seguinte relato:

Tem a biografia do Coronel Pedro Osório, que é uma coisa muito importante, que eu também tirei de um livro. Esses dias eu estava no barbeiro, e estavam falando e eu escutei e disse: não, não, não é nada disso, eu tenho um xerox da biografia do Coronel Pedro Osório e não é nada disso, tá tudo, tudo errado. E disse: o Coronel Pedro Osório era filho de Caçapava do Sul, ele nasceu em 1854 e perdeu o pai com 17 anos, veio para Pelotas quando tinha 14 anos, foi trabalhar nas charqueadas e foi o primeiro plantador de arroz dessa região. Ele criou granjas em nove localidades, Cascalho, Cotovelo, Graça, Feitoria, Retiro, Tapes, Escano, Arroio Grande e Cerrito. Tinha três charqueadas e fazenda em cinco município. Morreu em 1931(Ismael, 2008a).

Todos os dados narrados nas entrevistas sobre a trajetória de Pedro Osório foram relatos de memória, sem que realizasse qualquer consulta a textos escritos, o que também aconteceu ao falar de outros sujeitos históricos, como Silveira Martins, general Médici, Visconde de Mauá e Hermes da Fonseca. Também são destacados em suas falas os “heróis” nacionais, como podemos ver no trecho a seguir: “Joaquim José da Silva Tiradentes, pra ver o que é o povo, imagina que ele foi condenado à morte por ter ideias republicanas, agora é homenageado” (Ismael, 2008b).A mesma atenção é dada a fatos pontuais, efemérides e curiosidades, como observamos na seguinte passagem em que relata: “[...] o telefone foi criado em 1776, D. Pedro II tinha 50 anos e não tinha telefone, então quando ele tomou conhecimento do telefone disse: Meu Deus isso fala! Essas coisas o pessoal acha engraçado, então eu conto e todos querem saber” (Ismael, 2008b). Percebemos que tais conhecimentos, adquiridos por meio das leituras que realiza, possibilitam-lhe formas de interação social.

Ismael demonstra ter significativa capacidade de memorização, especialmente de números. Por diversas vezes falou de cor o número de pessoas mortas e feridas ao final da II Guerra Mundial, o número de habitantes de diversos países e municípios, como também datas representativas para a história nacional. Em uma de suas falas, afirmou: “[...] essas nações [países contemplados pelo livro Geographia elementar], tenho quase tudo gravado [memorizado], superfície, população tudo da minha geografia velha, já que eu não viajo, leio pra ter uma noção, não ficar no escuro, tô velho, mas quero sempre saber mais” (Ismael, 2008b). O saber de cor é uma forma de adquirir, de tomar para si o conhecimento presente nos livros, que passam a ser seus no momento em que adquire a capacidade de recitar dados precisos sem o auxílio do suporte escrito10, a exemplo do excerto que segue:

Quando o Brasil tinha 22 milhões de habitantes a China já tinha a 400 milhões, no primeiro recenseamento do Brasil, em 1870, a Índia tinha 294, a Rússia 134, os Estados Unidos 82, Alemanha 65, Japão 50 e depois a Inglaterra 40. É gente na China! Eu guardo [memorizo] porque aqui eu aprendi os estados e capitais [referindo-se ao livro didático Noções de história do Brasil] (Ismael, 2008a).

Ao se referir as suas preferências de leitura, afirma:

Eu sou dos resumos, [...] eu vejo num livrinho como esse aqui, essa geografia, uma coisinha, a pessoa toma um conhecimento enorme com pouca explicação. É as instruções que a gente recebe no exército, que a pessoa tem que ser bem breve, se é qualquer coisa, um recado tem que ser bem breve, se não o indivíduo nunca dá direito. [...] Agora pegar esses livros com esses mapas e muitas explicações, isso não tem maneira! E parece mentira, mas essa geografiazinha com esse tamanho, a gente tem uma noção dos países de todo o mundo (Ismael, 2016a).

Suas práticas de leitura privilegiam assuntos e temas que são ‘recortados’ dos livros que lê, em uma prática de leitura parcial do texto que corresponde a uma apropriação fragmentada das obras, ou seja, não é o livro por completo que o instiga, mas alguns temas em especial. Para esse leitor, os livros didáticos correspondem às suas expectativas de leitura, pois é própria desse gênero a apresentação de textos curtos, que possibilitam a leitura de alguns fragmentos sem prejuízo do todo.

É com o mesmo sentido, de ‘retirar o conhecimento do livro’, de organizar as memórias, de registrar para si, que a escrita ganha sentido em suas práticas como um suporte de memória. Assim, Ismael escreve textos decorrentes das lembranças do quartel, a exemplo do que relata: “[...] esses dias eu escrevi, acordei no dia 2 de dezembro e lembrei da ocorrência que houve no dia das eleições, então eu escrevi o que aconteceu com a patrulha do exército” (Ismael, 2010). Mas a escrita também é utilizada como modo de organizar as leituras que realiza, produzindo textos sobre questões históricas e geográficas que lhe parecem relevantes de serem destacadas, a exemplo das listas que organiza, conforme demonstra: “[...] aqui eu fiz a relação dos prefeitos dos municípios de Pedro Osório e Cerrito, o nome e o período de governo, e o nome do vice-prefeito” (Ismael, 2010). Outro exemplo relatado: “Eu fui botando desde o primeiro presidente da república, foi 1549, Tomé de Souza, até o governo da Dilma, tá aqui no meu caderno, todos, todos [...][risos]” (Ismael, 2015). Outro exemplo relatado diz respeito à lista dos Estados brasileiros: “A minha filha me deu um Atlas e eu coloquei a fundação dos estados, a área e a população, porque aí não preciso ir no Atlas se eu quero ver a população, a diferença da população” (Ismael, 2010). A Figura 4 exemplifica a forma como organiza tais dados:

Fonte: Acervo particular de Ismael.

Figura 4: Página do caderno de Ismael 

As listas são produzidas em um caderno espiral, de tamanho 27 x 20 cm. No caso exemplificado na Imagem 4, Ismael produziu uma relação dos Estados do Brasil, com data de fundação, nome da capital, área em km² e população. Outros tantos manuscritos foram por ele elaborados, como, por exemplo, aquele que apresenta a relação dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul, organizado em ordem alfabética. Ao lado do nome de cada município, Ismael escreveu a área, a população e as principais atrações turísticas: “[...] fui colocando por letra A, B, C, deu 18 folhas, assim quando eu quero procuro pela letra o município” (Ismael, 2010). Dessa forma, não apenas faz cópia dos textos que lê, mas pesquisa, estabelece relações, compara, organiza segundo a sua lógica, produzindo textos autorais, que estejam a sua disposição para futuras consultas.

Considerações finais

As práticas intelectuais de Ismael, desenvolvidas/aprendidas em diferentes espaços de socialização, parecem, assim, estar ancoradas, especialmente, nas experiências vivenciadas e nos materiais escritos a que teve acesso. De modo mais específico, a análise dos livros didáticos que acompanharam a sua trajetória possibilita observarmos relação entre os protocolos de leitura dessas obras e os modos de ler e escrever de Ismael. Ao compararmos a organização tipográfica dos dois livros didáticos e a forma como organiza a sua escrita, percebemos que ambos guardam significativas semelhanças em relação aos quadros, resumos e arranjos do texto. Os aspectos privilegiados na textualidade desses livros, como a ênfase nos vultos históricos, nas datas, no território e em suas características físicas e políticas, também marcam suas práticas de escrita. Desse modo, o modelo de texto e os conhecimentos adquiridos por meio da leitura lhe possibilitam escritas mediadas por diferentes experiências sociais, o que lhe confere a autoria dos textos que escreve.

A trajetória social de Ismael é marcada pela ausência da escola, pela vida rural, pela experiência de sair forçado da casa dos pais para servir ao exército em um período de guerra mundial, pelo sentido prático da escrita, experienciado no quartel, enfim, por tantas outras experiências de vida em que a escrita esteve presente mesmo na ausência. Entre tais vivências que marcaram sua trajetória, os usos práticos e simbólicos dos livros didáticos de infância são bastante significativos. Nesses dois livros, adquiriu conhecimentos básicos e organizou, de modo autodidata, conceitos chave que lhe servem de base para os usos que faz da leitura e da escrita, norteando seus modos de ler, de escrever e de produzir sentidos.

Ao objetivarmos considerar as condições e os processos de sua formação leitora, que levam a determinados modos de ler e de produzir sentidos, compreendemos ser necessária a análise aprofundada de sua trajetória social, de modo a apreender o social em sua forma incorporada. Ou seja, o ‘social dobrado’, no qual o ‘interior’ (mental, cognitivo) é apenas um ‘exterior’ (formas de vida sociais, grupos sociais) dobrado, sendo o indivíduo o resultado da realidade social vivenciada, “[...] um ser relativamente singular e um ser relativamente análogo a muitos outros” (Lahire, 2002, p. 198-199).Essa trajetória individual exemplifica elementos constitutivos da própria história da leitura no Brasil, um país de tardia ampliação do acesso ao escrito, em que os livros didáticos, mesmo utilizados fora do espaço para o qual foram produzidos - a escola -, sem a mediação do leitor visado - o professor -, cumprem significativo papel na formação leitora. Os dispositivos textuais dessas obras não apenas estabelecem limites ao leitor e a seus ‘devaneios’, mas imprimem sentidos e modos de ler, contribuindo e influenciando na formação de cada indivíduo, o que é instituído também a partir de suas experiências socioculturais.

Fontes

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1 Conforme Umberto Eco (2004).

2O professor Afonso Guerreiro Lima (1870-1959) era diplomado pela Escola Normal de Porto Alegre (1890), aposentando-se quando lecionava no Instituto de Educação da mesma cidade. Figura destacada do magistério gaúcho, foi diretor da Instrução Pública do Rio Grande do Sul e do Anuário Indicador do RS, P. Alegre, 1920-28. Foi também membro da Sociedade de Ensaios Literários. P. Alegre. 1888; do IHGRS; e da Sociedade Rio Grandense de Educação, que presidiu (Martins, 1978).

3Em 10 de dezembro de 1883, por iniciativa de Laudelino Pinheiro Barcelos e Saturnino Antunes Pinto surge, na rua dos Andradas, nº 268, a Livraria do Globo. Em seus primeiros anúncios e etiquetas, anunciava o seguinte: “[...] estabelecimento de livros, músicas, papel, miudezas e objetos de escritório”. Nos anos 1920, era um dos principais pontos de encontro da intelectualidade porto-alegrense. A razão social dessa editora, primeiro, foi L.P. Barcelos & Cia, depois, com o ingresso de José Bertaso, passou a denominar-se Barcelos, Bertaso & Cia. (Arriada, 2012).

4O professor gaúcho José Theodoro de Souza Lobo (1846-1913) fez seus primeiros estudos no Colégio Caraça, em Minas Gerais e formou-se em engenheiro-geógrafo na Escola Central do Rio de Janeiro. De volta ao Rio Grande do Sul, começou a lecionar matemática na Escola Normal de Porto Alegre. Em 1877 fundou o Colégio Particular Souza Lobo e um internato, este último esteve em funcionamento por seis anos. Além dos livros didáticos de geografia, publicou os livros Segunda aritmética para meninos e primeira aritmética para meninos, os quais foram publicados, respectivamente, em 1870 e 1874 (Bastos&Ermel, 2013). Os livros citados tiveram grande circulação não somente no Rio Grande do Sul; a Primeira Aritmética, editada pela Livraria o Globo, lançou em 1933 a 41ª edição; em relação à Segunda Aritmética, em 1939 foi publicada a 33ª edição (Pais, 2010).

5Sobre os conceitos de legibilidade e leiturabilidade, consultar: Richaudeau (1979, 1984).

6Sobre a mudança de pressupostos que norteavam a produção do livro didático como suporte que instrumentalizava o professor a formar o aluno-leitor, ver Magda Soares (2001).

7A história contemplada nos livros escolares no início do século XX, conforme Bittencourt (1993), era direcionada aos eventos que contribuíram para a constituição da nação brasileira, para a construção do sentimento de nacionalidade, centrada em heróis que deveriam permanecer na memória social como exemplos, partindo da concepção de história ‘como mestra da vida’.

8A respeito dos livros escolares de leitura, consultar: Batista, Galvão &Klinke (2002).

9Conforme Cardoso (2005, p. 176), este era o formato de livros populares à época, “[...] com medidas em torno de 18,5 x 13 centímetros. [...] com pequenas alterações de meio centímetro para mais ou para menos”.

10Sobre o papel desempenhado pela memorização, na relação que os sujeitos vinculados a uma cultura em que a oralidade é predominante estabelecem com a cultura escrita, ver: Galvão (2002).

Recebido: 28 de Julho de 2017; Aceito: 02 de Abril de 2018

* Autor para correspondência: E-mail: lisianemanke@yahoo.com.br

Lisiane Sias Manke é professora do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas/RS. Possui graduação em História (2002) e especialização em História do Brasil (2003) pela Universidade Federal de Pelotas, mestrado (2006) e doutorado (2012) em Educação, pela Faculdade de Educação da UFPel, com estágio de doutorado sanduíche (PDEE) na École Normal e Superièure de Lyon, França. Realizou estágio de pós-doutorado (com bolsa CNPq), no PPGE/FaE, na Universidade Federal de Minas Gerais, em 2015-2016. E-mail: lisianemanke@yahoo.com.br

Ana Maria de Oliveira Galvão é professora da Faculdade de Educaçãoda Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui graduação em Pedagogia (1990), pela Universidade Federal de Pernambuco, mestrado (1994) e doutorado (2000) em Educação pela UFMG, com estágio de doutorado sanduíche (PDEE) no Institut National de Recherche Pédagogique (INRP), França. Realizou estágio sênior (com bolsa Capes), na Northern Illinois University, Estados Unidos, em 2012-2013.E-mail: anamariadeogalvao@gmail.com

Nota: Uma versão reduzida deste artigo foi apresentada no IX Congresso Brasileiro de História da Educação, em João Pessoa/PB.

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