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Revista Brasileira de História da Educação

Print version ISSN 1519-5902On-line version ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.18  Campinas  2018  Epub June 01, 2018

https://doi.org/10.4025/rbhe.v18.2018.e048 

Artigo Original

Mitos fundadores da ANPAE: da pureza democrática e humanista à inserção nos projetos políticos e educacionais da ditadura civil-militar de 1964

Founding myths of ANPAE: from the democratic and humanistic purity to the inclusion of political and educational projects of the civil-military dictatorship of 1964

Mitos fundadores de la ANPAE: de la pureza democrática y humanista a la inserción en los proyectos políticos y educacionales de la ditactuda civil-militar de 1964

Evson Malaquias de Moraes Santos1  * 
http://orcid.org/0000-0002-2648-9575

1Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.


RESUMO

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar o imaginário social em torno da fundação da ANPAE. Contudo, para efeito deste artigo, demonstrar-se-á, apenas, a presença de alguns pioneiros, docentes da Faculdade de Educação da USP, em sintonia político-educacional com a ditadura civil-militar e uma exposição da natureza e finalidade mítica nas organizações. O mito visa impedir o pensamento e garantir coesão social. Pesquisaram-se as revistas desta instituição, suas páginas eletrônicas, artigos científicos sobre a intervenção da ditadura civil-militar nas universidades. Além desses, pesquisaram-se os jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo. Recorreu-se à análise crítica do discurso. Os discursos dos memorialistas sobre os pioneiros grassam perfeição e valor moral e democrático inabaláveis. Apesar do culto, alguns pioneiros serviram, desde o início, aos propósitos da ditadura como técnicos, em vários projetos educacionais em cargos-chave, e políticos, como deputado da ARENA.

Palavras-chave: mitos fundadores da ANPAE; ditadura civil-militar; memória institucional (luto)

ABSTRACT

Abstract: This paper aims to analyze the social imaginary around the foundation of ANPAE. However, for the purpose of this paper, only the presence of some pioneers, professors of the Faculty of Education of the University of São Paulo, in political-educational attunement with the civil-military dictatorship and an exposition of the mythical nature and purpose in organizations will be demonstrated. The myth aims to prevent thinking and ensure social cohesion. Magazines of this institution, its electronic pages and scientific papers on the intervention of the civil-military dictatorship in universities were investigated. In addition, Folha de São Paulo and Estado de São Paulo newspapers were surveyed. A critical analysis of the discourse was used. Speeches of memorialists about pioneers spread for perfection and unshakeable moral and democratic value. Despite the cult, some pioneers served, from the beginning to dictatorship's purposes as technicians with strategical positions in several educational projects and politicians, as a delegate of ARENA.

Keywords: founding myths of ANPAE; civil-military dictatorship; institutional memory (mourning)

RESUMEN

Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar el imaginario social alrededor de la fundación ANPAE. No obstante, esta investigación solamente demostrará la presencia de algunos de los pioneros, docentes de la Facultad de Educación de la USP, en sintonía político-educacional con la dictadura civil-militar, manifestando la naturaleza y el propósito mítico de las organizaciones. El mito pretende impedir el pensamiento y garantizar la cohesión social. Se hicieron investigaciones en las revistas de esta institución, en sus sitios web y en los artículos científicos dedicados a la intervención de la dictadura civil-militar en las universidades. Además de esto se revisaron los periódicos Folha de São Paulo y Estado de São Paulo. Se recurrió al análisis crítico del discurso. Los discursos de los memorialistas sobre estos pioneros diseminan perfección y un valor moral-democrático inquebrantables. A pesar de la veneración, algunos de estos pioneros sirvieron, desde el principio, a los propósitos de la dictadura como técnicos, en varios proyectos educativos en funciones clave, y políticos, como diputado de ARENA.

Palabras clave: mitos fundadores de la ANPAE; dictadura civil-militar; memoria institucional (luto)

Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar o imaginário social em torno da fundação da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação). As reflexões aqui apresentadas resultaram da análise dos afetos, das siderações de alguns de seus membros diante de alguns fundadores, da análise das implicações teórico-políticas decorrentes desse imaginário mítico e da análise das narrativas político-profissionais de alguns fundadores diante da ditadura civil-militar. Contudo, para efeito deste artigo, em espaço reduzidíssimo, demonstraremos apenas a presença de alguns pioneiros em sintonia político-educacional com a ditadura civil-militar e uma exposição da natureza e finalidade mítica nas organizações. Dos oito memorialistas analisados quanto ao afeto, incluindo ex-presidentes, vice-presidentes e pessoas próximas, apresentaremos apenas dois: João Gualberto C. Meneses e Benno Sander. Quanto aos aspectos políticos, analisaremos quatro pioneiros: Carlos Mascaro, Edson Moury Fernandes, José Querino Ribeiro e Moysés Brejon.

A ANPAE foi criada no dia 11 de fevereiro de 1961, no I Simpósio Brasileiro de Administração Escolar. Participaram desse evento José Querino Ribeiro (Faculdade de Educação da USP/SP), Carlos Corrêa Mascaro (Faculdade de Educação da USP/SP), Moysés Brejón (Faculdade de Educação da USP/SP) e Edson Moury Fernandes (PE) - fundadores analisados aqui no aspecto político. No total de participantes foram 53 professores, sendo 23 mulheres professoras.

A ANPAE, na perspectiva teórica aqui adotada, é uma entidade (organização juridicamente estabelecida) e instituição imaginária (identidade 'científica'), criação sócio-histórica, ou seja, criação (não é determinada, é imaginação, que é apreendida pelos seus efeitos) que envolve a produção de sentidos sobre si (enquanto instituição científica que cria identidades específicas processualmente) e sobre o outro (tudo aquilo que não é científico).

A instituição importa valores políticos, sociais e patrimoniais estabelecidos na historicidade brasileira e, como tal, violência, conciliação, acomodação e cooptação foram práticas estabelecidas no período histórico da ditadura civil-militar (Motta, 2014).

Pesquisa realizada por historiador da educação (Sampaio, 2017) reconhece e identifica que as faculdades de Direito e Escola Politécnica da USP eram conservadoras, assim como a Mackenzie. No entanto, a presença de docentes da educação em cargos importantes durante a ditadura, um dos focos deste artigo, demonstra a necessidade de investigarmos, de mais perto, o papel da USP nesse período. Não podemos esquecer que, na Faculdade de Filosofia de Letras e Ciências Humanas dessa universidade, alguns docentes foram compulsoriamente aposentados: Fernando Henrique Cardoso, Bento Prado Jr., José Artur Gianotti, Florestan Fernandes e Octavio Ianni. Ademais, “[...] 47 pessoas (professores funcionários, alunos e ex-alunos) foram mortos ou desapareceram durante a ditadura” (Piveta, 2014, p. 36), enquanto os pioneiros continuavam fazendo carreira, até onde se sabe, sem serem importunados pelos órgãos de repressão.

As pesquisas em história da educação, no início dos anos 2000, estavam dedicadas à instituição educacional, priorizando as escolares, mas focando em especificidades como “[...] manuais, guias curriculares, periódicos como fonte de investigações [...]”, conforme o balanço realizado por Saviani e outros autores durante o Congresso Brasileiro de História da Educação (Saviani, Carvalho, Vidal, Alves, & Neto, 2011, p. 32). Souza (2018), em seus estudos sobre as publicações (2000-2010) nas revistas RBHE e HISTEDBR, aponta que estudos sobre instituições escolares encontram-se em 6% (RBHE) e 9% (HISTEDBR) (Souza, 2018). As instituições educacionais em estudos dispersos, observa o autor, são as universitárias, as normais etc.

A perspectiva de análise histórico-institucional, quando educacional, foca nos aspectos de reformas pedagógico-administrativas, por exemplo. Gatti Júnior e Vale Gatti (2015) realçam a força da instituição educativa quando memórias ocultam os 'conflitos' e valorizam aspectos 'saudáveis'. Assim, “[...] podemos perceber os elementos de luta em torno da cultura e da divulgação de diferentes visões de mundo presentes na criação e no funcionamento das diferentes escolas” (Gatti Junior & Vale Gatti, 2015, p. 340-341).

No entanto, a compreensão em torno das instituições concentra-se, apenas, nos seus aspectos formais e, algumas vezes, nos culturais, desconsiderando o imaginário social ou individual, ou sem problematizá-lo teoricamente. Castoriadis (2000, p. 184) já alertou que a instituição é uma “[...] rede simbólica, socialmente sancionada [...]”, criada a partir de uma dimensão funcional e imaginária (criadora e inconsciente): “[...] vive as relações com as suas instituições no modo imaginário, ou seja, não reconhece no imaginário das instituições o seu próprio produto”.

A própria instituição científica (inclusive as associações científicas) não é objeto de problematização e de investigação em sua dimensão imaginária social - normalmente, os autores se dedicam a um estudo da arte. Souza (2018) chega a afirmar, tendo em vista a dispersão de objetos, que, no caso específico da história da educação, há “[...] pouco interesse do historiador da educação em discutir a sua prática, o seu ofício, a historiografia e o acesso a fontes/acervos” (Souza, 2018, p. 205).

A pesquisa com perspectiva de análise em torno do 'mito fundador', conforme proposto neste artigo, inexiste. Nesse ponto, podemos citar apenas dois exemplos: uma pesquisa que identifica em seu título a existência do 'mito', 'A educação na colônia e os jesuítas: discutindo alguns mitos', de Luiz Carlos Villalta (s.n.); e outro que destaca a questão do 'discurso fundador', o artigo 'Dos ‘discursos fundadores’ à criação de uma ‘memória coletiva’: formas de como se escrever a(s) história(s) da Universidade de São Paulo', de Diogo da Silva Roiz (2009). Como a questão do imaginário social não é guia interpretativo, a análise não se detém sobre as representações, os afetos e a intencionalidade do discurso de forma integrada.

Essas observações nos impõem a refletir que as instituições científicas e suas organizações não estão isentas de produções míticas e respectivas fundações imaginárias. Elas próprias, em suas imagens discursivas, precisam ser objetos da ciência. Bourdieu (2004, p. 21) já nos alerta que a ciência, apesar de sofrer as injunções do contexto social-político-ideológico, é “[...] relativamente independente das pressões do mundo social global que o envolve”. Logo, adverte que, quanto mais heterônomo for uma instituição na sua relação consigo próprio, mais injunções sofrerão. A sua 'relativa independência' não lhe garante neutralidade e imparcialidade em torno da força da imaginação histórica.

Sendo assim, entendemos que a sociedade só existe pelas e para as instituições (Castoriadis, 2000). As instituições são imaginárias, ou seja, elas se fazem pela representação, pela afetividade e pela intencionalidade. Elas não precisam da escrita e da formalidade para existirem - a escrita e a formalidade são formas 'já instituídas'. Se forem instituições imaginárias, são produtoras de sentidos. Não há sociedade sem instauração de sentidos. O estudo das instituições imaginárias envolve 'interpretação', pois não existe o 'dado', a 'informação' e o a priori na sua 'determinação', mas a 'criação de sentido' na sua 'determinidade'.

O estudo do mito fundador é um estudo sobre o olhar para o passado com consciência crítica, visando o presente. Ora, Enriquez (1997) alerta que a instituição, para existir e se perpetuar, recorre a uma ordem legitimadora, uma ordem infinita e inaugural em sua narrativa, que demarca o ontem e o hoje, o caos e a cultura. Os mitos se colocam numa dimensão meta-histórica, num tempo primordial. O relato mítico visa à 'fascinação', diferente do logo, que visa à demonstração. Para Enriquez (1997, p. 42), o mito “[...] trata de congregar a comunidade em torno da narrativa, provocando nela uma identificação com os protagonistas do drama, cada um sendo colhido nesse processo afetivo [...]. O mito é criador de vínculo social, baseado na admiração, na sideração e no amor”.

Uma das funções do mito é fechar os indivíduos nessa narrativa única, “[...] impedindo-os de tomar consciência daquilo que está acontecendo entre eles e o mundo” (Enriquez, 1997, p. 42-43). Contudo, o autor adverte para a possibilidade de autorreflexão, de elaboração do imaginário motor - aquele criativo, questionador - na instituição:

Quanto mais viva for a instituição, mais percebe suas contradições internas, se coloca indagações [...] é trabalhada pela reflexão e a reflexividade, tanto mais ela mantém no interior de si mesma o movimento instituinte e menos se arrisca a cair no instituído, quer dizer, na inércia e na repetição (Enriquez, 1997, p. 79).

Riccoeur (2007) nos adverte que a memória pode ser 'impedida' de se manifestar por 'excesso' ('abuso de memória' - excesso de 'repetição') e por 'insuficiência' ('esquecimento de memória'). Constitui-se em um 'pacto' pela 'rememoração, memorização e comemoração', quando a ideologia atua enquanto força manipuladora na sua relação com a autoridade e mediações simbólicas.

Le Goff, citado por Bontempi Jr. e Toledo (1993), adverte que há dois tipos de história: “[...] a da memória coletiva [diria também, institucional] e a dos historiadores. A primeira é essencialmente mítica, deformada anacrônica, mas constitui o vivido desta relação nunca acabada entre o presente e o passado” (Le Goff apud Bontempi Jr. & Toledo, 1993, p. 28). Assim, o ofício de historiador nos impõe a problematização de discursos construídos (inclusive de instituições científicas) e naturalizados, os quais assumem uma narrativa histórica incontestável.

Assim, perguntamos: Qual o significado do mito fundador para essa instituição associativa científica? Quais narrativas são hegemônicas e quais os significados para elas? O que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido na narrativa? Quem é o sujeito que se diz e como se diz de si próprio? Quem está ausente/presente no dizer/representar?

Esta pesquisa não é uma pesquisa de 'análise de discurso', mas de análise histórico-institucional. Por isso, apenas recorreremos a algumas noções e argumentos que permitam, em determinado momento, encarar os textos das revistas como 'discursos' (prática social, como semântica). Interessa ver também os textos como textos (e, logo, como semiose), como um gênero científico que passou por rituais para serem selecionados e que estão incorporados à instituição. Esses textos participam de instituições de pesquisas, que tiveram que seguir regras de escrita (formatação que a ciência exige) e de 'expectativa de aceitação' do discurso.

Norman Fairclough destaca que a língua é “[...] elemento integrante do processo social material [...]” e “[...] semiose como parte irredutível dos processos sociais materiais”. Segundo o autor, “[...] a semiose inclui todas as formas de construção de sentidos - imagens, linguagem corporal e a própria língua” (Fairclough, 2001, p. 308). A semiose atua “[...] como parte da atividade social inserida numa prática [...]”, atua 'nas representações' - tanto produzindo como reconfigurando as suas próprias - e no desempenho de posições particulares. A semiose constitui gêneros discursivos (conversações, crítica literária, reuniões de organização) e se expressa em estilos (identidades) (Fairclough, 2001, p. 31).

A análise dos textos se concentrará na intertextualidade, articulada com as questões não linguísticas. As noções de ambivalência, representação de discurso (direto e indireto), metadiscurso e metáfora serão acionadas para análise dos afetos.

As fontes principais sobre os afetos dos anpaeanos com seus fundadores foram os exemplares da Revista Brasileira de Educação e da Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. As amostras selecionadas foram referentes às comemorações de aniversário da entidade. Incluímos, também, os sítios virtuais da entidade e as amostras selecionadas sobre as narrativas de sua fundação e seus personagens. Bibliografias de estudos históricos correlatos (antes e após a ditadura, no que concerne à política e à educação) foram selecionadas para compreensão e contraste do contexto narrado pelos memorialistas.

Para as análises sobre a presença dos pioneiros no período da ditadura civil-militar foram utilizados os jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, visando identificar as funções e cargos que os pioneiros exerciam nos órgãos dos governos, as violências que os docentes e estudantes sofreram no período contemporâneo, bem como as falas referentes a eles divulgadas pelos jornais. Para esse período histórico foram inclusas bibliografias científicas (livros, artigos e relatório da Comissão da Verdade da UNB), as quais investigaram a intervenção da ditadura civil-militar nas universidades, complementando dados e análises e corrigindo interpretações pelas amostras levantadas.

Pioneiros e mestres: sentidos e significações

'Afeto' vem do latim affectus (afetar, tocar) e “[...] constitui o elemento básico da afetividade, conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza” (Codo & Gazzotti, 1999, p. 51).

Destacamos aqui, em princípio, no campo da representação (aportando afeto), que, no que se refere à identidade fundacional, resgatam-se seus fundadores como seres magníficos, excepcionais. Inexistem críticas, destaques, observações negativas sobre nenhum deles. Alguns chegam até a defender que são democratas, assim como suas ideias, que podem ainda estar associados às concepções emancipadoras de hoje.

Os pioneiros, nessa representação imaginária, iniciam e fundam o pensamento científico organizado ('associação científica'), com finalidades científicas e educacionais, amor incondicional, integrando-se a serviço do Brasil - do 'desenvolvimento educacional'. A ANPAE é dirigida como portadora de uma missão imaginária, naturalizada pelas ideias fundadas sob virtudes inalienáveis, inegociáveis ('educação para todos', 'construção do pensamento científico', 'defesa da democracia', 'servir ao Estado democrático'). Então, conforme Benno Sander (2007),

Anpae foi concebida com a missão de lutar pelo exercício do direito à educação de qualidade para todos, através de sua participação na formulação de políticas públicas de educação e na concepção e adoção de práticas de gestão democrática, alicerçadas nos princípios e valores da solidariedade e justiça social e da liberdade e igualdade de direitos e deveres na educação e sociedade (Sander, 2007, paragráfo 1).

Ora, esse discurso do depoente enquanto tal, social, é expressão de 'pressuposições', que “[...] são tomadas pelo(a) produtor(a) do texto como já estabelecidas ou ‘dadas’” (Fairclough, 2001, p. 155, grifo do autor). Logo, “[...] em muitos casos de pressuposição, o ‘outro texto’ não é outro texto especificado ou identificável, mas um ‘texto’ mais nebuloso, correspondendo à opinião geral”. A pressuposição é uma forma 'implícita' já 'dada enquanto tal' na relação.

Benno Sander (foca no geral, nos pioneiros) e João Gualberto C. Meneses (em Carlos Mascaro e Querino Ribeiro) foram aqueles que contribuíram para a mitificação dos pioneiros. João Gualberto C. Meneses (2007), quando se refere a José Querino Ribeiro, coloca-o como “[...] um completo e perfeito EDUCADOR [...]”, e, também, como “[...] um excepcional modelo de ser humano” (Meneses, 2007, p. 544-545). Já em relação à Mascaro, Meneses (2012, p. 201) identifica-o como “[...] um modelo de ser humano a ser seguido pelo seu caráter, por seus ideais democráticos e pela solidariedade humana [...]”, destacando essas qualidades não pela representação, mas pela comprovação, 'sempre demonstrados'.

Outrossim, Benno Sander vai buscar em Paulo Freire, em sua Pedagogia do oprimido e na Pedagogia da autonomia, a associação com os pioneiros de 61. Assim, ele ressaltou que “[...] esta foi a preocupação de Paulo Freire em sua ‘pedagogia dialógica’, fundada na ética da convivência humana [...] Este foi também o grande ideal de nossos mestres em 1961, ao fundarem a ANPAE como espaço de convivência e promoção humana” (Sander, 2011, p. 351).

João G. C. Meneses (2011, p. 3) interpretou e explicou a ascensão de Mascaro na vida profissional “[...] por sua extraordinária capacidade de trabalho [...]” e que este tinha uma produção significativa, nesta estão os artigos para a imprensa diária. No entanto, esses textos nos jornais tratavam da defesa do ensino pago contra o ensino gratuito. Foram esses 'Reforma e ensino pago' (1972); em 1975, na SBPC, o jornal informou que Carlos Mascaro participou de uma mesa que defendia o ensino pago (Em defesa do ensino..., 1975); em 1982, então no jornal Estado de São Paulo, voltou a defender em artigo o ensino pago (Gratuidade..., 1982); em abril de 1983, um ano após o texto anterior, Carlos Mascaro (1983) retornou ao tema do ensino pago, em sua defesa; em 1984, conforme o jornal o Estado de São Paulo (Ensino pago, 1984; Comissão pedirá ao MEC..., 1984), no Congresso da SBPC, Carlos Mascaro defendeu o ensino pago no ensino superior.

Como bem colocou Motta (2014), os adeptos da reforma do ensino técnico e superior privilegiaram o 'desenvolvimento tecnológico' 'em prejuízo da ciência pura'. Para essa vertente, as universidades não precisavam ser públicas tampouco gratuitas. Ao contrário, “[...] questionava-se o estatuto da gratuidade do ensino e defendia-se a cobrança de taxas dos estudantes que pudessem pagar” (Motta, 2014, p. 9).

Pioneiros e mestres: profissão e política

Incluímos a busca de dados sobre o pernambucano Edson Moury Fernandes (1965 a 1978), pois os jornais o citavam como membro do Conselho Deliberativo da ANPAE, eleito no I Simpósio, juntamente com Anísio Teixeira. Nenhum dos memorialistas jamais citou a presença dele.

Em setembro de 1967, Moysés Brejon foi identificado como um dos signatários de um texto publicado na íntegra e que apoiava o reitor da USP, Mário Guimarães Ferri, contra os estudantes. Segundo o jornal, Brejon e outros eram contra as 'violências cometidas' pelos estudantes, como em defesa da 'autoridade' ('desrespeito à autoridade', inclusive à 'nação amiga'), contra a 'depredação de patrimônio público', a 'violência que obrigou a interrupção temporária dos trabalhos da comissão de inquérito' e o 'tumulto', provenientes de estudantes 'não ordeiros' (Professores solidários..., 1967).

A matéria de agosto de 1967 esclareceu, de forma superficial, os motivos mais imediatos do conflito entre estudantes e a reitoria (Depredadores..., 1967). Os estudantes acusaram a reitoria de produzir um 'regimento fascista' e o “[...] próprio chefe de gabinete do reitor, dr. Fabio Prado, reconheceu o fato como ‘um tanto exagerado’ [...]” (p. 13, grifo do autor), já que estabeleceu “[...] uma série de proibições antes não existentes [...]” nos cargos de “[...] zeladores e funcionários do ISSU - órgão administrativo da Cidade Universitária [...]” ao conjunto residencial. Por depredação do patrimônio público, incluíam-se as pichações ('abaixo o regulamento', 'o regulamento é para delinquentes'), murros nas portas e fogo nas papeladas do prédio do ISSU. Os estudantes se dirigiam ao prédio do ISSU e gritavam: 'abaixo os dedos-duros'. Uma lista de nomes de estudantes foi feita para punições.

Quanto a Mascaro, também se recorreu a uma publicação do MEC, além dos jornais, provenientes da III Conferência Nacional da Educação, realizada em 1967, sob a coordenação direta dele. Para Mascaro, essas conferências, organizadas e dirigidas pela ditadura civil-militar, “[...] têm se transformado em um amplo fórum de debates [...]” “[...] sobre os seus problemas mais relevantes”. Ele destacou a “[...] sequência lógica da coerência interna que se vai caracterizando ao longo do natural desdobramento das sucessivas reuniões [...]” e fez considerações sobre os temas gerais de cada uma, como comprovação de seu enunciado. Reconheceu ainda que as conferências “[...] mostram que é positivo o saldo de seus resultados [...]” e que se estava formando e difundindo uma “[...] consciência educacional responsável e capaz”. Por fim, acrescentou que dias melhores, promissores e esperançosos ('auspiciosamente') viriam pela “[...] ação político-administrativa lúcida e consequente a se desenvolver” (Mascaro, 1968, p. 49 e 51).

Mascaro justificou essas conferências pela “[...] expressão do pensamento dos educadores brasileiros, na sua visão crítica da nossa realidade educacional [...]”, pelo argumento técnico de racionalização e pelo planejamento de que a educação necessitava (Mascaro, 1968, p. 50). O professor reconheceu satisfatoriamente que “[...] a educação já é, no Brasil, uma ideia posta em marcha, em busca de seus difíceis caminhos operacionais [...]” e que já se tinha dado um 'grande avanço' “[...] na colaboração interadministrativa das esferas do poder público, responsáveis pelos rumos da educação nacional” (Mascaro, 1968, p. 51).

Nenhum texto publicado pela ANPAE fez referência a Edson Moury Fernandes, citando-o apenas em sua página institucional da internet. Edson Moury Fernandes (CPDOC/FGV, 2017) nasceu em Recife, no dia 2 de abril de 1911. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito e tornou-se professor de Pernambuco. Mais tarde, foi membro do Conselho Deliberativo da ANPAE. Foi deputado federal nos anos de 1955-1959 e durante a ditadura, em 1967-1969, pela ARENA, partido da ditadura. Foi secretário de Educação no governo Paulo Guerra, após a queda de Arraes pela ditadura civil-militar. Antes do golpe, já tinha assumido várias vezes a Secretaria de Educação, na década de 1950, quando a deixou para assumir a Câmara dos Deputados no período de 1954 a 1959. Assumiu a legislatura nos anos 1963-67 (de Pernambuco) pela legenda Frente Popular Democrática (PSD/UDN), partidos oligárquicos. Conforme o CPDOC/FGV (2017), “[...] com a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27 de outubro de 1965) e a posterior instauração do bipartidarismo, filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena), em cuja legenda voltou a eleger-se deputado federal por Pernambuco em novembro de 1966”.

O jornal Estadão, em 1965, confirmou o vínculo de Edson Moury Fernandes com a ditadura: assinou manifesto no primeiro ano do golpe, lançado por professores da PUC/RJ que apoiavam a 'revolução'. O manifesto dizia explicitamente que o “Movimento Nacional interrompeu o processo de desorganização administrativa, de subversão, dirigida e de anarquia nacional [...]” e que “[...] a documentação, já histórica, não permitirá esquecer que, à sombra da política econômica inflacionária e das crises provocadas oficialmente, o objetivo era o de conduzir o país à traição de seu próprio destino” (Manifesto..., 1965, p. 5).

Durante a ditadura civil-militar, as inserções de José Querino Ribeiro na Folha de São Paulo e no Estado de São Paulo faziam referência a um Ciclo de Temas Universitários (Iniciado o curso..., 1964) e à sua participação num curso coordenado por ele, com palestra do professor Brejon (Folha de São Paulo, 1966). Querino foi citado pelo colunista acerca da gravidade da educação (Folha de São Paulo, 1966), por meio de um relatório preliminar em torno de um concurso para diretores de escola (Simpósio de administração..., 1971). Ele se pronunciou no jornal sobre a confusão de denominação entre escola e educação (Seminário da história..., 1971) e sobre o acervo do CRPE, que passou aos cuidados da Faculdade de Educação e que o tinha como diretor (Prédio e acervo..., 1971). Também foi divulgada uma homenagem a José Querino pela ANPAE (Prof. José Querino Ribeiro, 1974; Folha de São Paulo, 1974), que celebrou Roldão Barros no SBPC (Homenagem póstuma..., 1976). Em 1967, ele participou de uma comissão formada pela Faculdade de Filosofia da USP, uma homenagem ao professor Fernando Azevedo por seu ingresso na Academia Brasileira de Letras (Recepção a Fernando Azevedo, 1967). Um mês adiante, ele foi novamente citado no jornal por ter sido 'pivô' de uma 'confusão' que gerou uma ação precipitada do diretor do Colégio de Aplicação, ocasionando seu afastamento do cargo. Querino Ribeiro foi identificado também como da 'direção' do Departamento (Grande impacto..., 1972). Em 1970, Ribeiro foi citado como coordenador de uma mesa de debate sobre a América Latina, realizada em Marília, São Paulo (Mestres vão debater..., 1970).

De Querino Ribeiro, encontramos dois textos em que é possível identificá-lo na política conservadora: o primeiro destaca o seu apoio ao governo de Israel, já que a UNESCO o excluiu de uma agenda educativa (Protesto contra..., 1975, p. 9); o outro é uma homenagem a um político-educador que apoiou a ditadura, inclusive em intervenção na UNB, chamando a repressão e a violência como prática 'administrativa'. No primeiro caso, o jornal expôs um abaixo-assinado enviado à UNESCO defendendo Israel, demonstrando “[...] um símbolo de respeito à cultura e aos valores espirituais [...]” e reconhecendo que a “[...] existência do Estado de Israel [era] um direito inalienável de um povo milenarmente perseguido [...]”, que foi 'injustiçado' por esse órgão e que este devia ficar 'alheio' e 'neutro' em relação ao conflito árabe-israelense.

Outro texto de Querino Ribeiro, em 1972, em pleno governo de Garrastazu Médici (1969 a 1974), fez referência a uma homenagem ao professor Laerte Ramos, “[...] à propósito do transcurso de 30º dia de sua morte [...]”, denominado 'Grande impacto na universidade' (1972, p. 22). O texto foi aqui identificado como 'político', já que o falecido assumiu postos e discursos políticos de confiança na ditadura. O discurso foi pessoal e emotivo pelo seu falecimento, de reconhecimento profissional ('impacto', 'perda gravíssima' e 'prematura', 'concurso brilhante') e também 'político' ('lançar-se de corpo e alma na política por um ensino melhor', 'liderança intelectual e política da educação brasileira').

Em 5 de julho de 1967, docentes da USP protestaram contra a violência policial na instituição. Seus signatários afirmaram estar “[...] revoltados contra a intromissão policial da Universidade, tendo em vista resguardar os direitos da pessoa humana manifestam de público seu repúdio aos excessos que marcaram a operação de desalojamento dos ocupantes do Conjunto residencial da USP, atingindo membros de seus corpos docentes e discentes” (Professores da USP: revoltados..., 1967, p. 5). Nenhum dos pioneiros assinou esse documento.

Em 7 de abril de 1968, docentes da USP lançaram um manifesto repudiando a morte de Edson Luis, quando também não foram identificados os nomes dos pioneiros como signatários (124 professores da USP..., 1968).

Registramos, também, que o prof. Laerte Ramos assumiu a reitoria da UNB (período de 25 de agosto de 1965 a 3 de novembro de 1967) e, em 10 de outubro de 1965, convocou a tropa federal para combater os 'agitadores' e 'subversivos', suspendendo as atividades dos cursos 'para evitar o pichamento da [UNB]' e combater a greve dos estudantes. Cunha (2007) chama a atenção para o professor Laerte Ramos, que, em substituição a Zeferino Vaz, na função de reitor, recorreu à Polícia Militar, a qual “[...] ocupou por mais de uma semana, a universidade, prendendo e espancando professores e estudantes (...( mais de 15 professores foram demitidos ou devolvidos às repartições públicas de onde tinham sido requisitados” (Cunha, 2007, p. 44).

Assinalamos aqui, em seu discurso, recorrências metafóricas de 'caos', de 'desordem', 'descontrole', de imagens que remetem à insegurança e, consequentemente, à exigência de um protetor tutelar. Conforme Laerte Ramos, a UNB era “[...] considerada um dos redutos de subversão do país [...]” e estava “[...] sendo submetida a um processo de sistemática agitação (...( como homem interessado na revolução e, acima de tudo, educador, jamais poderia compactuar com os agentes da subversão e da anarquia”. Esses agentes “[...] pretendem transformar a universidade [num] centro de irradiação da desordem [...]” e “[...] essa agitação tem sido ultimamente uma constante causa de perturbação da normalidade e do desenvolvimento de nossa vida universitária”. Ramos pregou ainda, convictamente, estar certo ao cumprir com seu dever, “[...] não permitindo a quebra do princípio da autoridade, mormente agora, que o país trilha o caminho da moralidade, da ordem e do progresso [...] poderemos em breve reiniciar nossas atividades sob a égide da ordem, da disciplina e do trabalho profícuo” (Universidade de Brasília..., 1965, p. 1 e 5).

Onze dias após, Laerte Ramos compareceu à Câmara de Deputados, segundo o jornal, para se explicar sobre o ocorrido (Reitor reafirma à CPI..., 1965, p. 7). Ao ser indagado sobre as demissões de professores, ocorridas sem a sindicância ter sido encerrada, argumentou que “[...] a demissão do professor Antonio Cordeiro [foi] por ter defendido e se destacado no movimento grevista, coisa que nunca vira em São Paulo, entre os professores". O deputado do PTB (RGS), Mateus Schimidt, disse que “[...] as profissões são regidas pelas leis trabalhistas, a greve não pode ser ilegal [...]”, mas o reitor respondeu: “[...] o problema é da indisciplina generalizada [...] O clima de indisciplina tem de ser afastado. Os estatutos da UNB conferem ao reitor o dever de zelar pela disciplina [...] e com base neles tomei as providências necessárias”.

De acordo com o jornal Estado de São Paulo, o reitor, “[...] sobre o uso das forças policiais na UNB [...]”, esclareceu que “[...] o sr. Laerte Ramos disse não achar o fato estranho desde que seja para manter a ordem, lembrando que no ‘Campus’ da Universidade de S. Paulo ‘existe um batalhão para zelar pela ordem’”. O deputado Pedro Braga (PTB/MA) destacou que o “[...] professor Laerte passará à História como um agente que confunde comando com liderança, autoridade com prepotência”.

O deputado Celso Passos (UDN/MG) comentou que o “[...] reitor não pode expulsar alunos sem inquérito e pode demitir professores sem qualquer explicação e sem defesa, ‘agindo à maneira do Ato Institucional’”. Ele ainda indagou: “Isso não fere, sr. reitor, a sua sensibilidade de educador?”. “Muito. Mas, acima dessa sensibilidade está a disciplina’, respondeu Laerte Ramos de Carvalho” (Reitor reafirma..., 1965, p. 7, grifo do autor).

Em contrapartida, alguns professores da USP assinaram um manifesto em apoio ao reitor Laerte Ramos, inclusive José Querino Ribeiro, Carlos Mascaro, João Gualberto Meneses e Moysés Brejon. O manifesto expunha que os abaixo-assinados “[...] manifestam publicamente sua solidariedade pessoal ao Magnífico Reitor da Universidade de Brasília, professor doutor Laerte Ramos de Carvalho, em quem reconhece [...] um professor e pesquisador de valor comprovado, um educador de vanguarda, um administrador probo [...]” e “[...] sempre se mostrou inclinado a temperar as exigências da justiça com considerações de humanidade” (Reitor reafirma..., 1965, p. 7). Em outra matéria sobre Laerte Ramos, em abril de 1970, no período do governo de Laudo Natel, participou de reunião com o reitor que anularia as eleições estudantis da USP (USP: Reale pode anular..., 1970; Alunos da USP reconvocados..., 1970).

Já José Querino era um 'técnico-teórico', preocupado com a educação em geral, mas não com as questões políticas da sociedade, ao contrário de Anísio Teixeira. Isso não quer dizer que ele não tivesse posição política ou que não tivesse assumido posição política - como vimos até aqui, havia proximidade com a ditadura civil militar. Algumas ponderações: ele assumiu cargos de confiança no MEC durante a ditadura, entre os anos de 1967 e 1969, como a direção do Centro Regional de Pesquisas Educacionais, do MEC/INEP. Outro cargo de confiança foi o de diretor da Faculdade de Educação da USP por seis anos.

Não podemos esquecer que, conforme a Folha de São Paulo, os dados da Comissão de Verdade da USP (Bilenky, 2017) incluíam 664 docentes e estudantes e servidores que foram perseguidos de alguma forma pela ditadura. De que lado ficou? E como ficou? Somente com pesquisa local, atas de reunião da Congregação, ofícios encaminhados e recebidos da reitoria, panfletos estudantis e documentos próprios da ditadura poderemos ter maior clareza e confiabilidade em certas afirmações.

Motta (2008, p. 33) já alertou sobre a cooperação que havia entre docentes e dirigentes universitários com a ditadura civil-militar, não existindo “Reitor ou Diretor crítico em relação ao regime militar, pois eles seriam afastados imediatamente”. O autor aborda que, no máximo, ocorreram

[...] jogos ambíguos e sutis de negociação [...] mas sempre protestando apoio ao Estado. Assim, se os documentos da maioria das AESI [órgão de segurança que espionava e fazia segurança nas universidades - adiante ver-se-á com mais detalhes] sumiram é porque são comprometedores (Motta, 2008, p. 33).

O reitor da USP, Luis Antonio Gama da Silva, já no dia 4 de abril, assumiu a pasta de ministro da Educação e Cultura, e, em seguida, a da Justiça - o que significou a importância dessa instituição na ditadura (Mathias, 2004). Como ministro da Justiça, criou uma “[...] comissão secreta para averiguar quem eram os ‘comunistas’ da USP. Chegaram a 44 nomes” (Mathias, 2004, p. 103-104). No governo de Costa e Silva (1967-69) foi promovida uma “[...] verdadeira ‘militarização’ das universidades” (Mathias, 2004, p. 103, grifo do autor). O MEC estava tomado de militares, inclusive no Conselho Federal de Educação. De Castelo a João Figueiredo, os ministros da Educação foram militares (Mathias, 2004).

A trajetória profissional de Mascaro - que tinha ligações com a política - leva-nos a crer que, antes de um homem prático, era um 'técnico-político'. Em 1960, ano que antecedeu a criação da ANPAE, ele foi eleito conselheiro do Centro do Professorado Paulistano (CPP), em São Paulo, como o 10º mais votado e o encabeçador da chapa. Sólon Borges dos Reis, deputado estadual, foi o mais votado (Vitoriosa a situação..., 1960).

Sólon Borges foi também um dos fundadores da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (1945) e da União Paulista de Educação (1947). Como deputado estadual (1959-1979), presidiu a Comissão de Educação e da Cultura na Assembleia Legislativa. Foi presidente do Centro do Professorado Paulista por 40 anos (1956-1997), secretário municipal de Educação no governo de Paulo Maluf (PDS/PPB/PPB) (1993-1996) (Misan, 2008). No pleito de 1966, candidatou-se e foi eleito deputado estadual pela terceira vez, então pelo recém-fundado partido da Aliança Renovadora Nacional (Arena), tendo obtido 20.959 votos (Sólon Borges dos Reis..., 2017). Constatamos também a presença de Carlos Mascaro em homenagem feita ao secretário de Educação, Sólon Borges (Homenagem ao secretário..., 1962).

Carlos Mascaro foi citado em nota como secretário executivo do Censo (Secretário executivo..., 1964, 1965). Com a manchete 'Vieram a esta Capital', a matéria informou que a visita tinha por finalidade “[...] entrar em contacto com os responsáveis pelo censo no território paulista e apressar a apuração dos elementos colhidos pelos recenseadores [...]”, além de “[...] verificar o motivo do atraso da remessa dos dados referentes aos pequenos municípios paulistas” (Censo escolar..., 1965, p. 64).

No ano seguinte, foi citado como nomeado pelo governo do Estado de São Paulo para ser membro do Conselho Estadual de Educação (Nomeações no Conselho de Educação..., 1965). Dois anos após, em 1967, Mascaro foi mencionado numa recepção em São Paulo, no CRPE, pelo ministro de Educação, Tarso de Abreu, acerca do acordo MEC-USAID, a quem entregou relatório para subsidiar o acordo. O professor Dumerval Trigueiro, membro do Conselho Federal de Educação, criticou o documento por ser essencialmente quantitativista (MEC-USAID, 1967). Um dia depois, a matéria informou sobre um protesto de estudantes acerca de moradia. Mascaro foi citado em negociação estadual/federal (Costa recebe..., 1967). Ao retornar de Paris, representando o Brasil na UNESCO, o jornal expôs ainda que a UNESCO pretendia “[...] universalizar métodos de ensino popular, com a elevação do nível cultural dos professores dos cursos primários e médios” (Unesco, 1967a, p. 7). Em Paris, houve uma conferência em que Carlos Mascaro foi representar o Estado brasileiro (Unesco, 1967b). Conforme a matéria, ele considerou 'dramática' a situação do ensino primário. Em matéria extensa, com vários dados estatísticos diversos, organizado em subtítulos, expôs essa dramaticidade: Ensino Primário, MEC-USAID, Planejamento, Ensino Médio, Feminilização da docência, Ensino Superior (Grave a situação..., 1968).

Em abril, o governo de São Paulo instalou a TV Educativa, de iniciativa de Laerte Ramos, que foi encaminhada por Carlos Mascaro (São Paulo terá..., 1966). Em julho, Mascaro participou do XI Congresso de Professores Secundários da APENOESP, representando o ministro da Educação. Ele afirmou que “[...] todas as esferas do governo têm igual responsabilidade diante do problema da educação” (Congresso reúne..., 1966, p. 13).

Em 1971, a reforma do ensino de primeiro e segundo graus em São Paulo, em parceria com a OEA, foi coordenada por Carlos Mascaro, o qual também recebeu destaque por ter visitado a Folha de São Paulo com a presença do representante da UNESCO, Jules Vaska (Visita a Folha, 1971). Mascaro foi designado pelo governo do Estado para coordenar a construção de prédios no Estado (Integração na Química..., 1971). Em várias matérias, ao longo do ano de 1971, Mascaro foi novamente citado sobre a reforma do ensino no Estado de São Paulo. Uma delas mostrou a parceria com a OEA e informou que os recursos viriam de fora, apresentando Mascaro como assessor técnico da secretaria (Natel: recursos..., 1971). Sobre o mesmo assunto, em outra matéria, Mascaro foi identificado como assessor do gabinete da Secretaria de Educação e coordenador do grupo tarefa, que teria a responsabilidade de apresentar relatórios parciais para essa secretaria (Reforma do ensino..., 1971).

Ademais, em outra notícia, informou que o governo do Estado constituiu e empossou um grupo de trabalho para elaborar um planejamento prévio, destinado à implementação da reforma, a qual teve o professor Mascaro como coordenador (GT da reforma..., 1971). Em matéria seguinte, realçou estudos temáticos da OEA, com os especialistas da Secretaria de Educação. Mascaro expressou, conforme o jornal, que “[...] será uma oportunidade excepcional para exame de ideias e experiências” (Reforma do ensino..., 1971, p. 9). Continuando a mesma temática da reforma, Mascaro foi citado como um dos palestrantes que abordou o tema do financiamento da educação (Reforma e recursos...., 1971). No dia seguinte, a matéria expôs as intenções do governo com a reforma e o conteúdo da palestra de Carlos Mascaro. A matéria, mais uma vez, foi extensa (NATEL: reforma..., 1971). Vinte e quatro horas depois foi divulgado que a comissão seria coordenada por Mascaro. Divulgou-se, também, uma reunião com a OEA (Termina reunião..., 1971). Outra matéria discutiu a municipalização e o analista foi o professor Mascaro. Um dos nomes citados foi o do professor José Querino da USP, como um dos conferencistas no evento (Ensino municipal ..., 1971).

Nos anos de 1972 a 1976, percebemos a presença mais forte de Carlos Mascaro nas ações do governo da ditadura Laudo Natel. Com o título 'A reforma sem recursos', a matéria informou a presença de Valnir Chagas, em visita a São Paulo. Em nome do CFE, ele foi enviado para coletar subsídios das reformas nos Estados. Foi constituído um grupo de estudo, e, entre seus membros, estava presente Carlos Mascaro (A reforma sem recursos, 1972).

Três meses após, no mês de maio do mesmo ano, no dia 11 de maio de 1972, a secretária de Educação de São Paulo, Esther Ferraz, efetivou a regulamentação do Sistema de Assessoramento da pasta (Regulado grupo..., 1972). Conforme o jornal, a função de Carlos Mascaro, especificamente, seria a de “[...] coordenar o desenvolvimento de projetos de reforma administrativa, assistir os órgãos da Secretaria [...]” “[...] examinar e opinar [...]” “[...] que envolvam alterações na estrutura da administração do sistema ou das unidades escolares [...]”, além de outras funções (Regulado grupo..., 1972, p. 16).

Seis dias depois, foi realizada uma negociação da APENOESP com o governo do Estado, mediada pela Secretaria de Educação, na pessoa de Ester F. Ferraz e sua equipe, incluindo Carlos Mascaro, sobre o Estatuto dos Professores. A entidade foi inclusa na discussão de sua formulação e sobre o pagamento das aulas excedentes, efetivando a situação de docentes, o que não vinha ocorrendo (Aulas: discutido..., 1972). Em dezembro do mesmo ano, em 1972, sete meses após a matéria anterior, outra matéria informou a quase finalização da proposta do estatuto dos professores, feita pela comissão encarregada, da qual o professor Carlos Mascaro participava. A nota mencionou que Mascaro soube pela imprensa acerca da elaboração de documentos de várias entidades (CPP, APAP, AOESP, APESNOESP), os quais visavam contribuir para o anteprojeto (Professores de SP..., 1972). Em 4 de abril de 1974, a matéria da Folha de São Paulo desmentiu o interesse em debater com os docentes, expondo que as entidades representativas não foram, em nenhum momento, convocadas a opinar sobre um documento que interessava a 100 mil professores de 1º e 2º graus (Lima, 1974).

No mês de julho do mesmo ano, Carlos Mascaro representou a secretária de Educação, Esther Ferraz, em evento de estudo denominado 'Treinamento de Diretores de CEGs (Grupos Escolares/Ginásios)' (Encerrado curso..., 1972).

Depois de um mês, Carlos Mascaro foi convidado a participar de reunião com a secretária de Educação, Esther Ferraz, juntamente com a Equipe Técnica do Livro Didático, com possibilidade de convênio do MEC com o Estado (O livro didático..., 1972). Em dezembro de 1972, a Secretaria de Educação do Estado de SP fez parceria com a Fundação Anchieta para a produção de aulas televisivas (projeto Tele-Escola). Carlos Mascaro e outras representações participaram do evento no canal 2 (TV para as escolas..., 1973).

Em 1973, uma matéria destacou que o governador Laudo Natel afirmou, durante a Assembleia da Associação Interamericana de Educação, que a escola privada precisava ser 'estimulada e favorecida'. O professor Carlos Mascaro, identificado na função de assessor da Secretaria de Educação de São Paulo, participaria do evento com a palestra 'A implantação da reforma de ensino no Brasil'. A ex-secretária de Educação, Esther Ferraz, disse que “[...] não existe antagonismo entre a escola pública e a privada [...]”; e que a escola particular deve ser amparada e assistida quando é boa” (Estado promete maior..., 1973, p. 18).

Em junho de 1983, ele foi convocado, em matéria, sobre a ocupação dos estudantes na faculdade privada Oswaldo Cruz, onde se encontrava como diretor. Os estudantes não aceitaram a informação extraoficial do reajuste de matrícula autorizado pelo MEC, que foi de 60,5%, sendo que eles reivindicam por 20% (Estado de São Paulo, 1983). A matéria também informou que a faculdade já preparava o carnê no valor de 50%, antes da confirmação oficial do reajuste pelo MEC: “Enquanto a direção se nega a qualquer negociação [...]”, “[...] os alunos continuam em ‘vigília’, fazendo passeatas e assembleia dentro da escola” (Escola ainda ocupada, 1983, p. 20, grifo do autor). Depois de um mês, a direção da escola conseguiu um mandado judicial e expulsou os estudantes da ocupação, que já durava 32 dias. O jornal adicionou à informação que os alunos tinham recebido apoio do PT, “[...] que tem um diretório numa rua próxima à escola”.

Diante da situação, “[...] a faculdade resolveu manter os valores das parcelas de julho a novembro, já constantes nos carnês expedidos e distribuídos aos alunos, com o reajuste de 55% [...]”, informou o jornal. O veículo completou a informação mencionando que a faculdade forneceria abono de 2,5% para quem efetuasse o pagamento em dia. Carlos Mascaro se pronunciou sobre a provável evasão escolar: “[...] as Faculdades Oswaldo Cruz podem ser colocadas entre as que menores índices de reajustes instituem, em São Paulo” (Aluno desocupa..., 1983, p. 8).

Em 1984, ele defendeu, para o Estado de São Paulo, a criação de uma fundação para gerenciar todas as três universidades “[...] através de um conselho curador” (Os riscos de fazer..., 1984, p. 5).

Apresentamos, em seguida, a Tabela 1 com os cargos assumidos por Carlos Mascaro e José Querino Ribeiro, associados às diversas ações repressivas pela ditadura.

Tabela 1: Identificação profissional de CM e JQR associada a alguns eventos repressivos da ditadura 

Presidente Humberto Castelo Branco (1964-1967) Presidente Artur Costa e Silva (1967 a 1969) Presidente Ernesto Garrastazu Médici (1969-1974)
Carlos Mascaro (C.M.) Diretor executivo do censo (10/64); CEE/SP (65); Diretor do INEP 1966-1969; MEC_USAID (5/1967); III Conferência Nacional de Educação (1969); Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE-SP) (1967-1970) Assessor Gabinete do Governo do Estado SP (SEE) (1971)
Acontecimentos históricos 64-65: Demissão do prof. Mario Schemberg; Detenção de Florestan Fernandes; Demissão de sete professores do curso de Medicina; Ilegalidade da UNE; Seis faculdades da USP em greve; cassação de mandatos dos estudantes. 1967 - Mackenzie cercado por 450 soldados; 1967 - Dezenas de estudantes da USP detidos (docentes denunciam em manifesto); 1968: estabelecimento de ‘atestado ideológico’ para os servidores públicos e privados; 1968 - Estudantes invadem e ocupam Congregação da FFCL da USP reivindicando aceitação dos excedentes. Polícia é chamada e violência é praticada - Florestan Fernandes comunica demissão; 1968 - Assassinato do estudante Edson Luis. 1968 - Estudante de Medicina é assassinado por policiais; 1968 - Lei antigreve estudantil; Docentes da USP em assembleia contestam reforma da reitoria e aponta nova proposta; 1968 - 22 estudantes presos em passeata; 1968 - Manifestos de professores da FD; 1968 - Estudantes presos em Osasco por panfletar; 1968 - UNB invadida por tropas militares, tortura psíquica, violências múltiplas, perseguição a Honestino Guimarães; 1968 - Estudantes presos em Ibiúna. Não foram encontradas matérias sobre greves, violência policial ou qualquer outra sinalização entre 1971 a 1973 no jornal FSP. Havia censura rígida (e conivência da imprensa) da presidência Garrastazu Médici. 98 pessoas foram assassinadas nesse governo conforme CNV
José Querino Ribeiro (JQR) Centro Regional de Pesquisas Educacionais, do MEC/INEP (1966/1968). Diretor da FE da USP.
Acontecimentos históricos Idem C.M.

Fonte: O autor.

Percebemos que, mesmo com uma tabela sintetizada, trazendo apenas matérias da Folha de São Paulo (as quais não expressam plenamente o período histórico), os dois professores assumiram cargos de confiança quando os estudantes e docentes estavam sendo duramente perseguidos pela ditadura ou sendo detidos, contratações não renovadas, expurgos para países estrangeiros, assassinatos, a UNE posta na ilegalidade. A ditadura chegou a expulsar 245 estudantes das universidades (O decreto-lei nº 477), promulgou a lei antigreve estudantil e a cassação de matrículas de estudantes e de mandatos.

Uma das primeiras medidas da ditadura na USP foi a perseguição de docentes das instituições educacionais de Medicina e Física. Conforme a Folha de São Paulo, um deputado federal “[...] pede fim de ‘Macartismo’[...]” nas universidades brasileiras (Deputado pede fim..., 1964, p. 7, grifo do autor).

Em 9 de outubro de 1964, o jornal divulgou em manchete: 'Carta de físicos pede a manutenção de Schemberg' (1964). A notícia considerava que “[...] o afastamento do professor Mario Schemberg da Universidade de São Paulo muito viria prejudicar ??? científico e cultural de nosso país”. Em outra outra nota, disse: “Sociólogos do exterior apoiam Florestan”. Em 13 de outubro de 1964, o jornal informou que, “[...] apesar de terminar a greve na [FFCL], era de tensão o clima na escola, ontem, e todos perguntavam se o Diario Oficial do Estado de segunda-feira [...] traria a demissão dos professores Florestan Fernandes e Mario Schemberg”.

Em outra manchete, o jornal informou que, em 13 de outubro de 1964, a 'Faculdade de Medicina decide hoje greve de protesto'. Entre os acadêmicos, o clima era de repúdio à demissão dos professores e favorável ao movimento grevista.

Em nova investida contra o movimento estudantil, o governo tentou impedir a organização estudantil na sua base: inviabilizou candidaturas compromissadas com a luta contra ele, instituindo impedimentos para concorrência ao diretório de estudantes caso fossem “[...] reprovados em matérias, dependentes de matérias avulsas, ou de regime aparcelado, nos cursos superiores são irrelegíveis, para qualquer cargo nas chapas para os diretórios acadêmicos”. Os mandatos seriam cassados se o estudante a) terminasse seu curso; b) mudasse para o regime parcelado; c) fosse reprovado; d) trancasse a matrícula; e) ficasse dependente de uma ou mais matéria (Alunos com situação irregular..., 1965, p. 6).

No dia 20 de abril de 1967, a polícia invadiu a UNB e prendeu estudantes (Incidentes na UNB, 1967, p. 2). Em nota, os estudantes informaram que foi “[...] divulgada e deliberada assembleia permanente até que sejam apuradas as responsabilidades do reitor [Laerte Ramos]” e respectivo 'repúdio' a esse gestor.

Um mês após essa violência do Estado autoritário, em São Paulo, a Mackenzie foi cercada por 450 soldados. Conforme o jornal, o “[...] policiamento foi solicitado pela reitoria para garantir o ingresso daqueles que desejassem assistir às aulas e para prevenir à repetição a repetição de fatos como os da tarde de ontem, quando os alunos fizeram tentativa de invasão do edifício da Reitoria”. Na época, a reitora dessa universidade era a professora Esther de Figueiredo Ferraz, a mesma que assumiu a pasta da Secretaria de Educação de São Paulo na década de 1970 e que teve como assessor de gabinete Carlos Mascaro. Além disso, assumiu o Ministério da Educação no governo de João Figueiredo, na década de 1980 (Mackenzie cercado..., 1967, p, 08).

Conforme a Comissão da Verdade da UNB, “Anísio Teixeira foi destituído da reitoria em abril de 1964 [juntamente com seu vice-reitor, Almir Castro]. No ano seguinte, mais de 200 professores se demitem da instituição” (Relatório..., 2015, p. 35). O Conselho Diretor da Fundação da Universidade de Brasília foi destituído. Para a reitoria foi nomeado um interventor, Zeferino Vaz. Uma de suas medidas imediatas foi a demissão de vários docentes (Relatório..., 2015, p. 61).

Com forte pressão sobre estudantes e docentes na UNB, o documento confidencial do SNI revelou o controle da ditadura, exigindo nomes dos docentes de seus quadros do ensino médio (Relatório..., 2015, p. 41). Usando da violência como prática ordinária, 28 alunos do CIEM foram expulsos. Conforme a CV-UNB, sequestros, torturas, fuzilamentos simulados foram praticados (Relatório..., 2015, p. 56).

Dentre os desaparecidos políticos da UNB estão Paulo de Tarso Celestino da Silva, desaparecido em 1971; Honestino Monteiro Guimarães, em 1973; e Ieda Santos Delgado, em 1974. Os depoimentos indicam que as torturas, parte delas, eram feitas nos prédios públicos, de acordo com relato da Comissão da Verdade (Relatório..., 2015, p. 47).

Na USP, vários docentes foram presos e ou detidos. Logo no início do golpe, o médico Thomas Maack, auxiliar de ensino no Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, de 28 anos, em 8 de junho daquele ano, “[...] foi preso em seu laboratório, acusado de atividades subversivas dentro da universidade. Entre as ‘provas’ de atuação esquerdista figurava a cor do cesto usado para carregar a filha” (Pivetta, 2014, p. 32, grifo do autor). Em 10 de outubro de 1964, por meio de decreto, ele e mais seis colegas da Faculdade de Medicina foram demitidos da USP pelo então governador paulista, Adhemar de Barros. Thomas Maack fugiu para os EUA e ficou por lá. Em 2010, na Universidade de Cornell, recebeu o título de professor emérito de Fisiologia e Biofísica, depois de mais de 40 anos dedicados à instituição.

Com o golpe, o físico José Leite Lopes demitiu-se do cargo de diretor científico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) em 1964, foi para a França, retornou ao Brasil três anos mais tarde e foi cassado pelo AI-5 em 1969 (Pivetta, 2014).

Segundo Pivetta (2014), estima-se que 300 pesquisadores brasileiros foram “[...] aposentados compulsoriamente ou exonerados de suas funções nos dois grandes expurgos promovidos pela ditadura nas universidades brasileiras”. Em 1974, ocorreu o desaparecimento “[...] de Ana Rosa Kucinski, docente do Instituto de Química da USP, então com 32 anos, e de seu marido, o físico Wilson Silva”.

Em complemento e recorrendo aos conhecimentos de Rodrigo Patto Mota, Pivetta (2014) informa que “[...] mais de mil o número de alunos que foram expulsos das universidades entre 1969 e 1979. A exclusão de 250 estudantes em 1969 da Universidade de Brasília (UnB), é o episódio mais conhecido dessa faceta do regime” (Pivetta, 2014, p. 34).

Motta (2008), em pesquisa sobre a atuação de segurança nos campi (AESIs), criados em 1971, informou que o MEC enviou circular que recomendava a 'nomeação do chefe responsável' e exigia um prazo de dez dias para seu estabelecimento. Na UNB, “[...] a Assessoria de Segurança (inicialmente Assessoria de Assuntos Especiais, anos depois renomeada ASI) foi criada a 19/2/1971”. Cronologicamente, “[...] na Universidade Federal da Paraíba a criação [...] se deu em março de 1971, enquanto na Universidade de São Paulo (USP) [...] foi formada apenas em outubro de 1972” (Motta, 2008, p. 35). Esses órgãos de 'segurança' nas universidades tinham as funções de “[...] filtragem das contratações de pessoal [...]”, de “[...] controle de manifestações e ações políticas planejadas pelas lideranças estudantis [...]”, de “[...] aplicação [...] do Decreto nº 477 [...]” e de “[...] controle da circulação internacional dos docentes” (Motta, 2008, p. 37).

Na USP, particularmente em 1972, a AESI “[...] preparou volumoso documento de análise do movimento estudantil na Universidade, revelando que seu pessoal fazia trabalho de investigação próximo aos militantes estudantis”. Já em 1979, a “AESI monitorou as atividades do Encontro Nacional de Associações de Docentes Universitários realizado na USP” (Motta, 2008, p. 41).

Considerações finais

Os estudos dos mitos fundadores nos impõem análises de reflexividade, já que a vivência do mito não permite tal iniciativa. A função do mito é possibilitar coesão, unicidade, homogeneização e impedir o pensamento. Ele vive da sideração e da admiração. Para isso, realizam-se rituais periódicos, produção de símbolos materiais e não materiais e recorre-se aos símbolos que ajudam na fixação imaginária e na sua repetição.

Descortinar e desinstitucionalizar os mitos fundadores da ANPAE permitiu identificar nessa entidade uma realidade sócio-histórica concreta, reconhecendo-os como seres históricos, portadores de valores e cultura, logo, comprometidos com instituições de rupturas e ou conservacionistas. Não estão para além do bem e do mal. Consequentemente, a ANPAE não é um bloco homogêneo de fundadores que só queriam o desenvolvimento da educação desprendidamente, sem nada receber de volta. Cada um deles tinha um projeto pessoal e político já estabelecido, e outros vieram a construí-lo pelas circunstâncias da história.

Carlos Correa Mascaro e Edson Moury Fernandes, dois fundadores da ANPAE, estavam envolvidos com a ditadura civil-militar. Um, o segundo, estava diretamente ligado à política partidária, o outro, o primeiro, serviu-a 'tecnicamente'. Se Rodrigo P. S. Mota estiver correto, nenhum dirigente teria autonomia de crítica e de gestão na ditadura civil-militar, sobretudo pela natureza autoritária de poder e pela recorrência de serviços secretos (seguranças) instalados nas universidades. Esse fato implica analisar com mais profundidade o papel de José Querino Ribeiro nesse período, pois ele foi diretor da Faculdade de Educação por seis longos anos, inclusive na fase mais dura e violenta: a de Garrastazu Médici.

Os vínculos de Carlos Mascaro e João Gualberto Meneses com políticos que serviram à ditadura civil-militar, como Sólon Borges, que foi secretário de Educação de Paulo Maluf e deputado na ditadura civil-militar e presidente por 40 anos num órgão de representação de professor, cimentavam a relação. Além da proximidade profissional com o ex-diretor do curso de Pedagogia, Laerte Ramos, o qual foi substituído por ele no cargo de reitor da UNB, enquanto representava a ditadura civil-militar, Carlos Mascaro também tinha forte proximidade com a secretária de Educação de São Paulo, Esther Ferraz, que, em seguida, assumiu o Ministério da Educação na Presidência de João Batista Figueiredo (1982-1985). Carlos Mascaro assumiu prontamente a reforma educacional durante a ditadura, como a do MEC-USAID, a reforma do ensino médio com a lei nº 5.692/71 e a defesa do ensino pago.

José Querino Ribeiro também tinha proximidade com algumas figuras representativas da ditadura, entre elas, Laerte Ramos. Da mesma forma que os outros pioneiros, assinou o abaixo-assinado que defendia Laerte Ramos, então reitor da UNB, enquanto dezenas de professores foram demitidos, perseguidos, presos e agredidos pela Polícia Militar, convocada pelo seu amigo.

Referências

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Recebido: 23 de Agosto de 2018; Aceito: 16 de Outubro de 2018

*Autor para correspondência: evsonsantos080@gmail.com

Evson Malaquias de Moraes Santos é doutor em Sociologia pela UFPE e membro do Departamento de Administração Escolar e Planejamento Educacional. Graduado em História pela UNICAP, vem desenvolvendo pesquisas sobre memória institucional com várias publicações de livros e artigos nacionais e internacionais sobre as gestões administrativas da UFPE e seus referidos órgãos e gestores. Além disso, se dedica a pesquisar, também, análise institucional comm campo teórico do imaginário social na perspectiva de Cornelius Castoriadis. E-mail: evsonsantos080@gmail.com

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