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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.19  Maringá ene./mar. 2019  Epub 01-Mar-2019

https://doi.org/10.4025/rbhe.v19.2019.e055 

Artigo Original

A moradia estudantil como espaço de formação: memórias sobre a Casa do Estudante Universitário Aparício Cora de Almeida (1963-1981)

Student residences as educational spaces: memories of Aparício Cora de Almeida University Student House (1963-1981)

La vivienda estudantil como espacio de formación: memorias sobre la Casa Del Estudiante Universitario Aparício Cora de Almeida (1963-1981)

Marcos Luiz Hinterholz1  * 
http://orcid.org/0000-0002-5962-3187

Doris Bittencourt Almeida1 
http://orcid.org/0000-0002-4817-0717

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.


RESUMO

Resumo: O estudo investiga memórias sobre uma Casa de Estudante, localizada em Porto Alegre, concebendo-a como instituição educativa. Por meio da História Oral, produziram-se entrevistas com antigos moradores, que, em seus itinerários, buscaram formação universitária e vivenciaram a partilha de um espaço comum: a residência estudantil. Procurou-se alcançar dimensões simbólicas que permitissem interpretar significados conferidos a esta experiência de habitação coletiva, analisando especialmente três aspectos: a autogestão; o espaço social ocupado pela Casa; o lugar desta nas narrativas de si. Conclui-se que as Casas de Estudante são organismos vivos, produtoras e transmissoras de culturas, que inscrevem seus moradores num espaço social, ultrapassando assim os limites de uma experiência passageira

Palavras-chave: moradia estudantil; história das instituições educativas; história da educação; história oral

ABSTRACT

Abstract: The study investigates memories of a Student House, located in Porto Alegre, understanding this place as an educational institution. By means of Oral History, interviews with former residents were produced; these interviewees, in their itineraries, aimed for university education and lived deeply the experience of sharing a common space: a student residence. This investigation sought to reach symbolic dimensions that would enable the interpretation of meanings atributed to this experience of shared living, specifically analyzing three aspects: self management; the social space related to the House; and the status of these self narratives. It concludes that Student Houses are living organisms, as well as producers and disseminators of cultures, situating its residents in a social space, and thus going beyond the limits of a transitory experience.

Keywords: student residence; history of educational institutions; history of education; oral history

RESUMEN

Resumen: El estudio investiga memorias sobre la Casa de Estudiante, localizada en Porto Alegre, concebida como una institución educativa. Por medio de la Historia Oral, se hicieron entrevistas con antiguos residentes, que en su trayectoria, buscaron formación universitaria y vivenciaron la división de un espacio común: la vivienda estudiantil. Se buscó alcanzar dimensiones simbólicas que permitan interpretar significados conferidos a esta experiencia de habitación colectiva, analizando especialmente tres aspectos: la autogestión; el espacio social ocupado por la Casa; el lugar de la vivienda en las narrativas de sí mismo. Se concluyó que las Casas de Estudiantes son organismos vivos, productoras y transmisoras de culturas que ponen sus residentes en un espacio social, ultrapasando los límites de una experiencia pasajera.

Palabras clave: vivienda estudiantil; historia de las instituciones educativas; historia de la educación; historia oral

Introdução

Este estudo tematiza memórias sobre a Casa do Estudante Universitário Aparício Cora de Almeida (CEAUCA), localizada em Porto Alegre/RS. Pode-se dizer que as moradias estudantis, em suas dimensões educativas/formativas, situam-se em meio às brumas do esquecimento, pois ainda encontram-se pouco visibilizadas na historiografia da educação. Com o intuito de lançar luz a essas memórias, a pesquisa produziu, por meio de entrevistas, narrativas orais com antigos moradores, que compõem o corpus empírico privilegiado deste estudo.

Cabe destacar, como questão de partida, a problemática que se instala na ideia de atribuição de uma memória uniforme e coesa a um grupo social ou a uma instituição. A despeito das suas dimensões coletivas e partilhadas, a memória remete mais a um sentido de caleidoscópio em constante reformulação do que a uma imagem fixa e uniforme. No interior dos grupos e das instituições há casos em que se observam disputas por versões antagônicas de um mesmo passado, ainda que existam elementos comuns a cimentar uma identificação institucional ou grupal. Por esta razão, opta-se falar aqui em memórias ‘sobre um lugar’ e não em ‘memórias do lugar’.

Nesta perspectiva, objetiva-se investigar os possíveis sentidos atribuídos à experiência da habitação estudantil, buscando compreender como os outrora residentes inscrevem a Casa em seus itinerários de vida e as diferentes memórias sobre este espaço. Para além destes documentos orais, entrelaçam-se na produção deste escrito fotografias e notícias veiculadas pela imprensa local.

Por mais de 80 anos, a CEUACA mantém-se em atividade, funcionado como uma espécie de cooperativa estudantil, sem vínculo com nenhuma instituição de ensino superior. Os próprios moradores são os responsáveis pela administração da Casa e captação dos recursos financeiros que permitem seu funcionamento. Sua fundação remonta a 1934, quando um grupo de estudantes da Faculdade Livre de Direito1 criou o movimento Pró-Casa do Estudante Pobre, articulando acadêmicos de distintos cursos e diversas instâncias do poder público e da sociedade civil, a fim de arrecadar fundos para o projeto. Em seus primórdios, a história da instituição foi marcada por sucessivas mudanças de sede, visto tratarem-se de imóveis que, via de regra, eram cedidos ou alugados2.

Em 1944, a Casa foi transferida para o Edifício Almeida, na Rua Riachuelo, 1355. O prédio foi doado pelo casal Israel Almeida e Maria Antônia Cora ao Estado gaúcho, para que ali fosse sediada aquela que então passou a chamar-se ‘Casa do Estudante doRio Grande do Sul’. A doação foi em homenagem ao filho do casal, Aparício Cora de Almeida3, militante da causa estudantil, morto no outubro de 1935,em circunstâncias nunca esclarecidas, com fortes indícios de assassinato político. Aparício era membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB)e secretário da Aliança Nacional Libertadora4. A bibliografia levantada indica que também o casal Almeida possuía estreitas relações com o PCB5.

As características desta organização estudantil, constituída em um modelo autogestional, permitem apostar na potencialidade de pensá-la como uma instituição educativa (Magalhães, 2004), conceito que amplia os limites da escolarização. Segundo o autor, as sociedades comportam formas educacionais diferenciadas e hierarquizadas, como família, escolas, confrarias, partidos políticos, empresas, associações, entre outras. Para Magalhães, cada uma destas instituições é possuidora de uma realidade institucional, ou seja, atores sociais, condições materiais e financeiras, produtos materiais e simbólicos, identidades, processos e contextos históricos e políticos nos quais nascem, se mantém ou se extinguem.

Assim, no período compreendido entre setembro de 2015 e março de 2017, foram realizadas um total de oito entrevistas com ex-moradores. Buscaram-se localizar aqueles mais antigos, que contassem com60, 70 ou 80 anos de idade, que, portanto, teriam habitado a Casa nas décadas de 1960 ou 1970. Os caminhos desta busca foram bastante variados: vídeos localizados na Internet6, consulta de nomes de moradores no acervo da Casa7; ajuda de amigos que souberam da pesquisa ou indicações pelos próprios entrevistados, à medida em que o estudo avançava.

As entrevistas seguiram um modelo semiestruturado e procuraram privilegiar o fluir da memória, sendo que, eventualmente, os narradores foram interpelados por perguntas de um roteiro previamente construído. As questões estiveram concentradas em torno de três eixos: o itinerário de vida do entrevistado antes de ingressar na Casa, suas experiências durante a vivência na instituição, e, por fim, os percursos pós-CEUACA. Como a pesquisa teve o objetivo de valorizar as memórias daqueles que narram, a temporalidade foi definida cronologicamente, considerando o ingresso na Casa do entrevistado mais antigo (1963) e a data de saída do mais recente (1981)8. O quadroa seguir apresenta os oito sujeitos da investigação. A ausência de mulheres está relacionada ao fato de que, até 1987, a casa era destinada apenas aos moradores do sexo masculino.

Tabela 02: Relação de entrevistados 

Nome Profissão Idade Período de CEUACA Cidade de origem
Edson Canabarro Professor da rede estadual 74 1968-1972 Quaraí/RS
Flávio Scholles Artista Plástico 66 1971-1972 Morro Reuter /RS
João Pedro Stédile Economista e líder do MST9 63 1972-1975 Lagoa Vermelha/RS
Nereu Lima Advogado 70 1965-1970 Lagoa Vermelha/RS
Nivaldo Cunha Engenheiro Eletrônico 60 1976-1981 Dourados/MS
Paulo Guimarães Corretor de Imóveis 62 1974-1979 Passo Fundo/RS
Rui Adolfo Kirst Advogado 71 1968-1969 Estrela/RS
Waldomir Gonçalves Dentista 78 1963 Rio Grande/RS

Fonte: Os autores.

As narrativas fizeram emergir oito itinerários singulares, memórias do tempo em que estes homens eram jovens de classes economicamente empobrecidas, que se deslocaram de regiões interioranas para Porto Alegre, em busca de oportunidades de formação universitária e profissionalização.

Ao analisar estes relatos, vê-se que, para muitos deles, estar na escola, por diferentes motivos, foi difícil, o que se tinha, quando muito, era o acesso ao ensino primário. Entretanto, é recorrente em suas falas a ‘vontade de estudar’. Sobre as lembranças da escolarização, Edson conta: “A mãe queria nos colocar na escola, mas lá onde morávamos não tinha escola, só o professor Caravaca, que me alfabetizou em quinze dias, porque a mãe já tinha me ensinado as primeiras letras” (Canabarro, 2017). Flavio considerou como fatores decisivos para permanecer na escola as políticas de fomento à educação do governo de Leonel Brizola10 e a passagem pelo seminário de uma congregação religiosa11.

As influências da Igreja Católica na escolarização não foram narradas apenas por Flávio. Nivaldo e João Pedro relatam histórias semelhantes. O primeiro disse ter sido acolhido por padres em uma casa de retiros em Santa Maria-RS, logo que chegou do Mato Grosso do Sul. João Pedro, por sua vez, atribuiu o desejo de estudar à influência dos seus tios, padres da Ordem dos Capuchinhos, que o levaram para Porto Alegre, o auxiliaram a conseguir um emprego e a acomodar-se em uma outra Casa de Estudantes, antes de ingressar na CEUACA.

De modo distinto, Rui, por não querer seguir a formação como pastor luterano, a qual era desejada por sua família, aventurou-se em Porto Alegre, onde viria a cursar Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Waldomir desembarcou na capital com o objetivo de matricular-se no Colégio Júlio de Castilhos12, forma que encontrou para preparar-se para o ingresso na UFRGS, no Curso de Odontologia. Esta mesma estratégica foi utilizada por Nereu, que atribui ao Colégio Júlio de Castilhos a boa formação que teve, permitindo-lhe que pudesse ocupar uma vaga na Faculdade de Direito da referida Universidade. Paulo, por sua vez, conta que a sua ida para Porto Alegre foi uma verdadeira aventura, pois não tinha nenhuma orientação nesta cidade, chegou com muito pouco dinheiro, sem saber onde ficar e trabalhar. O seu relato é marcado por situações de fome e sujeição a trabalhos árduos, como o descarregamento de caminhões.

Ao observar o que disseram, percebe-se que, de modo semelhante, narram estratégias sociais das quais tiveram de lançar mão em seus percursos até o ensino superior. Em certa medida, esses são homens que conseguiram romper com um determinado conceito de vida, apostaram, talvez, no imponderável, subverteram os prováveis destinos reservados às suas origens sociais.

Estar no ensino superior, no entanto, não seria motivo de calmaria, e novos engenhos foram necessários para os narradores dessa pesquisa, afim de garantir-lhes as condições de concluírem o curso que escolheram. É neste sentido que se entende a CEUACA como importante instituição para a inserção destes estudantes em um novo estilo de vida, assentado na formação universitária. Residir nessa Casa garantiria a eles uma espécie de porto seguro, um esteio. É o que em diferentes momentos e de diferentes formas, os documentos orais evidenciaram.

Igualmente importante é olhar para as trajetórias profissionais e políticas dos entrevistados ao deixarem a instituição. Estes percursos lançam luz sobre o lugar de onde falam, o presente, a partir do qual evocam suas lembranças. Por esta razão, nos deteremos ainda um pouco mais na apresentação destes sujeitos que narram.

Iniciamos por Edson, que formado em Física, trabalhou como professor estadual do Rio Grande do Sul e atualmente está aposentado. Sua fala é bastante marcada pela militância no PCB e no Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (CPERS-Sindicato13). Flávio cursou Artes Plásticas e conquistou uma vida confortável, comercializa as pinturas que produz em seu atelier no município de Morro Reuter-RS. Seguimos com João Pedro, formado em Economia e que alcançou projeção nacional como coordenador e fundador do Movimento dos Sem Terra (MST), do qual é uma das principais lideranças. Nereu é um reconhecido advogado criminalista na cidade de Porto Alegre, chegou ao cargo de presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB - Seção Rio Grande do Sul). Nivaldo atuou como Engenheiro Eletrônico em diferentes empresas da iniciativa privada e órgãos públicos. Aposentado, voltou a estudar, cursou Engenharia Civil na UFRGS, um antigo sonho. Paulo conta não ter concluído a formação em Engenharia de Minas, em virtude das inúmeras adversidades que encontrou como estudante-trabalhador. Acabou atuando como corretor de imóveis e, atualmente, está aposentado. Integra ativamente os Conselhos Municipais de Cultura de Porto Alegre e participa de movimentos tradicionalistas gaúchos. Rui, também aposentado, durante mais de 25 trabalhou como advogado concursado do Banco Central do Brasil. Waldomir graduou-se em Odontologia e trabalhou na profissão até aposentar-se.

Todos estes caminhos, tão diversos, foram atravessados pela CEUACA.A intenção de investigar esta Casa como uma forma de organização estudantil e as suas implicações nas memórias sobre o percurso formativo desses moradores, encontrou ancoragens na metodologia da História Oral, que adquiriu centralidade no dispositivo deste estudo. Ao refletir acerca da produção de narrativas por meio desta metodologia, percebe-se que a evocação de memórias tem o poder de ultrapassar os limites da experiência imediata. É neste sentido que se quer pensar os significados atribuídos às Casas de Estudante e sua capacidade de produzir marcas nos sujeitos que as habitaram. Tal experiência pode prolongar-se no tempo, compondo o que poderíamos chamar de marcas de longa duração.

Trabalhar com memórias é, conforme Bosi (2012), interessar-se por aquilo que foi lembrado, pelo que foi escolhido para ser narrado na história de vida dos sujeitos. Esta ideia guarda o sentido da relação que se manteve com os documentos orais desta pesquisa. Buscou-se alcançar dimensões simbólicas que permitissem interpretar alguns significados que o referido grupo social confere a esta moradia coletiva. Procurou-se identificar modos como tal realidade social foi e continua a ser construída, pensando a articulação entre discursos e práticas sociais. Esta foi a ideia de representação com a qual o estudo manejou as fontes e compôs as categorias de análise que aqui são apresentadas, a saber: a engrenagem de autonomia e autogestão que mantém a Casa em funcionamento; o espaço social ocupado pela instituição no centro da cidade de Porto Alegre; o lugar que a CEUACA ocupa nas narrativas de si, como é significada na construção das identidades.

Assim foi tramada a narrativa historiográfica que ora se apresenta, buscando compor faces da história de uma instituição, em que se enredam espaços, tempos, memórias individuais e coletivas, contextos históricos, narrativas de si e do outro, todos esses elementos interligados ao quadro de um sistema educativo mais amplo, no qual a Casa do Estudante Aparício Cora de Almeida estava inserida. Uma vez anunciadas as formas como a pesquisa produziu e trabalhou as fontes, o texto segue para as análises. Neste processo de tessitura de uma versão da história da instituição, esta organização estudantil a todo tempo complexifica-se, revelando experiências que vão muito além de um morar.

As engrenagens de uma autonomia e autogestão

Ao longo da pesquisa, as características de autonomia e autogestão da CEUACA mostraram-se centrais para as análises construídas. Ao se apresentarem os modos como a Casa foi organizada e sua complexa engrenagem de funcionamento, procura-se interpretar alguns elementos da dimensão educativa que entendemos haver neste espaço de sociabilidades.

Manter esta ampla rede de assistência estudantil - que oferecia serviços como restaurante universitário (servindo três refeições diárias), gabinete odontológico, biblioteca, consultório médico e serviço de barbearia14 - exigiu que fossem instituídos regulamentos, hierarquias, instâncias deliberativas e executivas. O órgão máximo era Assembleia Geral, composta por todos os moradores efetivos, estando abaixo dela o Conselho Deliberativo e o Conselho Fiscal. Havia ainda a figura de um Presidente, eleito pelo conjunto dos moradores, para o mandato de um ano, além de uma Diretoria Executiva e 12 departamentos responsáveis por serviços que poderiam ir desde uma obturação dentária até a manutenção do prédio sede. Cada departamento possuía a figura de um Coordenador, e todos os moradores que não estivessem em cargos executivos ou deliberativos, deveriam trabalhar em um destes departamentos. Quando Paulo recebeu-me para a entrevista, assim lembrou a organização da Casa:

Tinha a parte executiva da Diretoria, a parte que executava as questões. E o Conselho, que resolvia as brigas, as pendengas. E por último, a poderosa Assembleia Geral, que resolvia tudo e desmanchava tudo. Desmanchava até as decisões da Diretoria e do Conselho Deliberativo! E aí, grandes embates políticos né, noites, geralmente acontecia nos fins de semana, até altas horas da madrugada, discussões homéricas! [...] Por isso, muitos saíram dali escolados para as questões políticas. Já tiveram uma escola especial ali na Casa (Guimarães, 2015).

Fonte: Os autores

Figura 01 Organograma da CEUACA conforme estatuto vigente na década de 1970 

Na refiguração desta cena, os elementos que caracterizam e legitimam o entendimento da CEUACA como instituição educativa vão se fazendo mais claros, à medida em que nela observamos estas possibilidades de “[...] socialização, formação de hábitos, mudanças de atitudes e interiorização de valores” (Magalhães, 2004, p. 145). Ao dizer que os moradores saíam da Casa ‘escolados para as questões políticas’ o enunciado de Paulo nos fornece indícios para a leitura das representações recorrentes da CEUACA como espaço educativo. O envolvimento dos moradores, contudo, não se encerrava na participação nas instâncias deliberativas.

O dia a dia da organização institucional impunha um conjunto muito maior de solicitações para que a complexa engrenagem se mantivesse em movimento, pois muitas eram as frentes de trabalho. Edson, Rui e Woldomir lembraram as compras de mantimentos feitas para o Restaurante Universitário (RU). “Havia uma feira ali em frente ao IPE15, a gente ia lá fazer comprar e entregava o material para as cozinheiras fazerem a comida [...] ” (Canabarro, 2017), narra Edson. Segundo Paulo, havia um bar que era mantido pelos estudantes junto ao RU, como fonte acessória de renda para a Casa, “[...] o bar abria ao meio dia, e tínhamos que estar lá, havia plantões. Os plantões no bar e na reunião dançante eram obrigatórios, os que não cumprissem com os plantões sofriam penalidades” (Guimarães, 2015).

Estas reuniões dançantes aconteciam semanalmente e também parecem ter exigido trabalho e organização dos estudantes. Fortemente incorporadas à rotina da Casa, foram trazidas por todos os entrevistados, que rememoraram episódios nelas ocorridos e nas suas respectivas funções, que iam desde colocar os discos na vitrola até realizar a segurança na entrada do prédio. Muitas vezes, a rotina desse estudante trabalhador não se encerrava aos finais de semana, e, nem sempre, o lar era sinônimo de descanso.

Aos sábados à noite havia um baile lá em cima no salão. Era obrigado trabalhar, havia escala. Trabalhei na chapelaria um tempo, todos os sábados. Guardava as bolsas das moças e os casacos e tinha que ficar até o final do baile. Depois passaram a me escalar no bar, que havia no térreo. Trabalhava-se das 22h às 2h. No salão, havia o colega que colocava discos LP na vitrola, tocando músicas de todos os tipos. Entrada era cobrada para os de fora, era uma forma de conseguir recursos para a Casa (Kirst, 2017).

Mais do que cumprir as escalas de trabalho interno da Casa, estes estudantes, em muitas ocasiões, mobilizaram sua engenhosidade na solução de problemas que iam identificando e pondo em prática conhecimentos relacionados aos seus campos de formação universitária. As narrativas são marcadas por relatos de experiências as mais diversas. A fala de Waldomir, então aluno do Curso de Odontologia, que trabalhou no gabinete odontológico da CEUACA, nos dá uma dimensão das intercorrências cotidianas que iam demandando soluções por parte dos moradores:

Ali na Casa sempre teve o problema da falta de verba. Tanto que tinha um raio-X no gabinete odontológico e não funcionava porque não tinha como revelar. Então eu pensei em montar um quartinho de revelação. [...] Eu tinha um colega que fazia Engenharia Mecânica, que já estava fazendo estágio em uma firma. Eu consegui uma bateria de três compartimentos, uma bateria de chumbo e pedi para ele tirar a parte de cima, ficando um vaso de três lugares. Então em um compartimento eu colocava o revelador, no outro água e no outro o fixador. Depois, fui até a Casa das Lâmpadas e, com o meu dinheiro, comprei uma lâmpada vermelha. Isto tudo eu fiz em um banheiro que estava desativado, que se tornou o meu quartinho de revelação de raio-X (Gonçalves, 2017).

Fonte: Arquivo da CEUACA

Figura 02 Gabinete Odontológico da Casa do Estudante 

Questionado sobre quais serviços odontológicos eram realizados neste gabinete e como essas práticas se efetivavam, considerando ainda não terem concluído o curso de graduação, Waldomir responde que o trabalho ocorria sem nenhuma supervisão, de forma autônoma. Observa-se que, ao mesmo tempo em que havia oportunidades de desempenho da atividade odontológica, de exercício prático relacionado à sua futura profissão, faltava orientação/acompanhamento pelos professores. Tal situação sugere certo abandono desses estudantes que ali desempenhavam funções como se formados estivessem.

Não havia supervisão. Éramos só nós, era a gente que fazia a coisa. Fazíamos restaurações, extrações, tratamento de canal. Isso também era uma complementação do que nós estudávamos, uma maneira de fazer prática. Ali na Casa a gente atendia, além dos moradores, os familiares dos funcionários e alguns comensais que nos descobriram e a gente também dava oportunidade de serem atendidos (Gonçalves, 2017).

Ainda em relação às estratégias para a arrecadação de dinheiro, as falas indicam que os recursos levantados com as reuniões dançantes e com as vendas no bar ficavam aquém dos gastos com a manutenção das três refeições diárias oferecidas aos moradores e do pagamento de uma equipe de funcionárias da cozinha e lavanderia. Por esta razão, relatam que estes recursos eram pleiteados de diferentes modos: junto à Reitoria da UFRGS, junto a políticos com mandatos eletivos nas instâncias estaduais e federais, entre outras formas. “Tínhamos que estar sempre correndo atrás do Governo do Estado, Governo Federal, Brasília, para arrumar alguma verbinha para completar” (Guimarães, 2015), conta Paulo. Os moradores explicam que estas tratativas e negociações com agentes públicos traziam no seu encalço uma série de outras experiências de vida, como narra Nereu, que fez sua primeira viagem ao Rio de Janeiro a fim de angariar recursos para a CEUACA.

Numa Assembleia Geral incumbiram-me de ir, pela primeira vez, eu nem conhecia o Rio de Janeiro, ao Ministério da Educação, presumo que seja em torno de 1967 por aí, no governo Costa e Silva, era o Tarso Dutra o Ministro. Então ali, para fazer uma média, eu fui lá reivindicando, demonstrando a nossa situação, e tivemos sorte! Ele nos doou na época, lembro como se fosse hoje, em torno de 30 mil Cruzeiros, o que era muito dinheiro. Ele chegou até a vir, a fazer uma visita à Casa, conhecer o pessoal (Lima, 2015).

Neste excerto da entrevista, é possível inferir algumas das habilidades políticas necessárias a estes jovens para que a Casa se mantivesse em funcionamento. A narrativa indica que a busca por recursos não se encerrava no ato de sua petição e posterior recebimento do dinheiro. Era preciso externar o agradecimento, retribuir, permitindo que a CEUACA fosse palco de outros interesses, neste caso, o da construção de uma boa imagem para o Ministro da Educação, Tarso Dutra16. Se era autônoma e autogerida, a Casa não estava fechada em si mesma, pois, pelas fontes orais analisadas, percebe-se que interagia fortemente com o mundo social do entorno e diversas instâncias de poder. Para além destas estratégias mais formais e explícitas, havia outras, como a deste interessante relato:

Nós tínhamos um truque, fazíamos uma faixa escrito: A CEUACA vai fechar por falta de verbas!, estudantes pobres moram aqui!. Depois telefonávamos para a imprensa e dizíamos: olha, nós vamos colocar uma faixa aqui na frente da Casa. Aí o que acontecia, a imprensa que já estava chegando, tirava a foto e a polícia vinha atrás e já tirava o cartaz. E assim nós levamos [...] (Canabarro, 2017).

Além de notar o espaço que a causa da moradia estudantil conseguia junto à imprensa diária, aqui se faz importante observar, mais uma vez, a presença do conteúdo discursivo construído sobre estes lugares como espaços de formação humana e de amadurecimento. Campos (2009, p. 18) argumenta sobre a força persuasiva dos periódicos, formadora de opiniões e representações coletivas, aspirações e crenças. Segundo a autora, “[...] todo texto, impresso em jornal ou não, é, em si, coercitivo, educativo, pois objetiva convencer de alguma maneira o leitor”. Esta ideia do periódico como um repositório da memória social deve ser levada em conta para a leitura sobre as muitas representações da CEUACA como espaço formativo, pensando que, para além das experiências em si mesmas, havia outras forças em relação, construindo valores partilhados, como se pode ler nos dois excertos abaixo.

  • A Casa do Estudante é uma escola de humanismo. Não ensina a ciência, mas lá se ensina a viver. O jovem cru em relações coletivas, muitas vezes escorado pela personalidade paterna, terá de lutar por uma afirmação dentre os que o cercam [...] (Diário de Notícias, 1967).

  • Quando atingir o último ano, o estudante estaria preparado para enfrentar o mundo. A gratidão jamais fica esquecida. Serve de exemplo o caso do ex-presidente da Casa, Antônio Mulhem, que hoje presta cuidados a dona Antoninha, como é conhecida a doadora do prédio onde funciona a entidade. (Diário de Notícias, 1968).

Como se pode perceber até aqui, tanto nas fontes orais, quando nos documentos da imprensa local, constata-se um discurso marcado sobre as experiências proporcionadas pela CEUACA, associando-a a um lugar de aprendizagens e amadurecimento pessoal e coletivo. Dando seguimento a esta análise da Casa do Estudante como instituição educativa, passa-se a discutir sua inserção na cidade de Porto Alegre, e as formas como a organização estudantil e seus moradores afetam e são afetados neste espaço.

Uma casa, um espaço social

Outro aspecto importante na análise da CEUACA e recorrente nos documentos orais é sua localização no Centro Histórico de Porto Alegre. Na temporalidade abarcada neste estudo, o endereço da instituição estava17 a uma quadra do maior núcleo de poder do Estado, representado pelo Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, da Assembleia Legislativa, da Catedral Metropolitana e muito próximo à simbólica Esquina Democrática18. Além disso, encontrava-se a um passo de toda uma estrutura urbana que envolvia centros culturais, comerciais e de serviços. Nas décadas de 1960 e 1970, este espaço comportava um grande número de sociabilidades, muitas das quais hoje se deslocaram para outros bairros ou para dentro dos shopping centers.

Justino Magalhães (2004) reforça a importância da valorização dos contextos geográficos, sociais e culturais nos quais as instituições educativas estão inseridas, pois estes interferem no quadro da organização institucional e nas experiências vividas pelos sujeitos que se educam nestes espaços. A educação, lembra o autor, é um processo que se dá ao longo de toda a vida, consistindo numa “[...] subjetivação e integração progressivas, cuja objetivação se traduz na capacidade de criar e corresponder aos desafios da realidade, mediante uma resposta intelectiva, adequada, reflexiva, responsável, comprometida” (Magalhães, 2004, p. 118).

Nesta intenção de valorizar o contexto no qual uma instituição educativa está localizada, é potente a referência de Ecléa Bosi (2012, p. 439) ao dizer que “[...] as lembranças se apoiam nas pedras da cidade”. A autora está a destacar que a vida do grupo é estreitamente ligada à morfologia da cidade. Semelhante noção nos traz Certeau, Giard e Mayol (1996), para quem o simples ato de sair de casa é sempre uma relação entre uma pessoa e o mundo físico e social. O espaço é, portanto, “[...] o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais” (Certeau et al., 1996, p. 200). Desse modo, o endereço da CEUACA no Centro Histórico de Porto Alegre ultrapassa as dimensões de uma localização no ponto fixo de um mapa. Ela integra-se a um espaço socialmente construído e inscreve-se numa teia móvel de valores, circunstâncias e temporalidades.

A poética de Froehlich (1995) introduz este aspecto que agora se quer pensar. O autor assim escreve, a partir de suas próprias vivências e percepções sobre a Casa dos Estudantes Universitários (CEU-1), localizada no centro da cidade de Santa Maria-RS.

Da calçada massacrada em frente desvenda-se o que é o edifício: um retângulo posto de lado, encravado em lasca no centro urbano. (...) O terreno vale milhares face a localidade. Não há aluguel. A especulação imobiliária baba e cerca as redondezas com concreto a apartamentos mais espaçosos. A sociedade média de preconceito burguês disseminado faz grossos olhares, imaginando absurdos, fantasiando histórias, criando lendas. E ali dentro, a respeito do dito e soprado, vaza a vida de um andar de Pandora, nem melhor nem pior, múltipla como em tantos lugares do mundo, entretanto, com pinceladas de experiências peculiares (Froehlich, 1995, p.17).

Froehlich (1995) constrói representações labirínticas, tramas de convívio observáveis dentro e fora deste espaço. Suas considerações sobre o lugar ocupado pelo prédio da Casa do Estudante na malha urbana e no imaginário que a orbita, auxiliam na leitura de estigmas, paradoxos e ambivalências que cercam estes espaços. Permitem melhor compreender a posição que ela ocupa enquanto caractere deste grande texto humano que é a cidade, para usar uma bela metáfora de Certeau et al. (1996).

Para pensar o espaço ocupado pela CEUACA, é preciso então transpor-se para a Porto Alegre das décadas de 1960 e 1970, período em que os narradores da pesquisa estiveram na Casa. Esta temporalidade marca o que Müller e Souza (2007)chamaram de fase da metropolização19, passando a formar um todo orgânico com as cidades vizinhas. Apesar deste deslocamento, diversos ramos comerciais, de infraestrutura financeira e administrativa e serviços mais sofisticados de saúde, lazer e cultura seguiram concentrados em Porto Alegre. Neste período, o centro da cidade, onde se localiza a CEUACA, seguia densamente habitado, dividindo o território com o comércio e mercado de serviços.

Rui, morador da Casa nos anos de 1968 e 1969, recorda que “[...] havia cinemas enormes, com filas e filas [...]” naquela região da cidade e que aos sábados à tarde e à noite “[...] o povo seguia todo para o centro, para caminhar, para ver as lojas”. Lembra-se ainda que era uma tradição comprar o jornal, edição de domingo, ainda quente, ou seja, recém-saído das máquinas. Conta que durante o período da Ditadura Civil Militar, “[...] como a Casa ficava no centro, os tumultos e os corre-corres aconteciam na rua que passa pela frente do prédio”. São memórias de um tempo em que a região central de Porto Alegre comportava outras sociabilidades.

Por meio desta narrativa, podemos imaginar os jovens do interior, alguns deles oriundos de camadas populares, ao ingressarem no círculo universitário e na nova urbe, tentando inscrever-se nela. Como não se perder nesta cidade? Como comportar-se? O que fazer? Quais lugares são permitidos? Quais são interditados? Sobre as dificuldades deste processo, Rui recorda: “Apanhei muito […] não foi fácil! [...] ser um colono bobo e ter de conviver com a gurizada esperta da cidade” (Kirst, 2017).

Para Magalhães (2004), o lugar ocupado por um edifício na paisagem física e humana, seus acessos ou formas de isolamento refletem, condicionam ou estimulam a relação com a comunidade envolvente. Esta localização central, mais do que ter contribuído na mobilidade de seus moradores, parece ter sido decisiva para fomentar estratégias de manutenção financeira da instituição, por facilitar o acesso do público externo ao Restaurante Universitário e à reunião dançante por ela mantidos.

Waldomir lembra que “[...] muitos estudantes que não eram moradores, os chamados comensais, preferiam almoçar no restaurante da Casa por causa da sua localização, pois trabalhavam e estudavam no centro” (Gonçalves, 2017). Quanto às reuniões dançantes, Nivaldo lembra que “[...] na época havia as boates da moda que eram caras e isolavam pelo estrato social. Como os preços dos ingressos para a festa da CEUACA eram mais acessíveis, a boate era sempre lotada, sempre cheia, atraindo um público de classe média para baixo” (Cunha, 2017).

Igualmente importante é perceber nesses relatos que a Casa acabou sendo utilizada por outros grupos além dos moradores. Há que se notar que, ao mesmo tempo em que era afetada de múltiplas formas por este espaço urbano, também lhe instituía determinadas dinâmicas e sociabilidades.

Mas quão difícil é decifrar o espaço social de uma cidade! Para percebê-la como um todo coeso seria preciso sair dela, observá-la do alto e “[...] ser apenas este ponto que vê”. Mas isto é uma “[...] ficção do saber” (Certeau et al., 1996, p. 170). Os praticantes ordinários da cidade, que a pisam e a experimentam, “[...] escrevem um texto urbano sem poder lê-lo” (Certeau et al., 1996, p. 171). Se é hercúlea esta tarefa de representar o estudante que vai enredando-se nesta trama citadina, a memória dos antigos moradores da Casa nos permite ao menos tentar imaginar um pouco do sabor desta experiência. As lembranças de Nivaldo nos conduzem por esta cidade já ausente:

Eu me recordo que a gente costumava andar pela cidade [...] Naquela época ainda havia o Treviso ali no Mercado Público, um bar que praticamente virava a madrugada, onde as pessoas iam para tomar sopa. E mesmo os estudantes conseguiam ir. A gente andava pelo centro da cidade sem nenhum medo. Também muito comum naquela época, depois do almoço, a gente ir até o Café Rian para tomar um cafezinho (Cunha, 2017).

Pouco a pouco, da escuta destas memórias, que num primeiro momento poderiam parecer mera nostalgia de uma Porto Alegre que parece já não mais existir, vão emergindo elementos que nos ajudam a melhor dimensionar os lugares ocupados pela CEUACA. Se em si mesma a instituição fez parte da estratégia de permanência na Universidade desses estudantes, muitas outras situações iam demandando a engenhosidade dosmoradoresque se inseriam, aos poucos, em novas culturas. Assim, a Casa constitui-se em umespaço de transição, marcado por ambivalências, na medida em que há um processo de ascenso social em curso. O relato de Waldomir, que morou na Casa em 1963, torna mais nítida esta ideia:

Naquela época, nos cinemas de calçada, a gente não podia entrar sem fatiota e gravata. Tinha que ser casaco, gravata e camisa de colarinho. E nós estudantes entrávamos lá, um jogava o casaco e a gravata lá de cima. Eu me lembro que uma vez eu fui num cinema que tinha ali na av. Borges de Medeiros e o cara jogou a fatiota de lá de cima para mim (Gonçalves, 2017).

Há outro importante aspecto a considerar sobre estes estudantes que usaram, circularam e sentiram a cidade: ao entrar em Casa, não deixavam de imediato a esfera pública. Seu lar era repleto de instâncias coletivas, de campos de disputas e de partilha. Isto faz com que a possibilidade de privacidade/individualidade pareça muito diminuída no interior da moradia estudantil universitária.

Esta mirada para a CEUACA permite ampliar sua concepção como espaço público, pois além da forma de ingresso por edital e seleção coletiva, há que se considerar todo o seu sistema de gestão partilhada e sua abertura ao ‘mundo exterior’. Este acesso aos de fora acontecia principalmente por meio do Restaurante Universitário e as reuniões dançantes. Parece ter havido, portanto, uma relação bastante orgânica entre instituição e acidade do entorno, e, em determinados momentos, uma extensão do espaço público da cidade para dentro da Casa.

Embora o seu prédio sede não tenha sido planejado com a finalidade de habitação estudantil, pois inicialmente foi utilizado como um hotel/pensionato, os pátios internos da CEUACA parecem ter favorecido bastante a integração entre os moradores dos diferentes andares. Os corredores que davam acesso aos apartamentos (halls) costeavam as paredes do vão interno, integrando a Casa e permitindo interações de toda ordem. Este convívio muitas vezes engendrava atividades que poderiam ser classificadas como formativas ou de lazer. Sobre estas últimas, Paulo recorda:

Lá em cima na lavanderia se jogava futebol. Então era razoavelmente muito bom. Para pessoas necessitadas como eu... é como se eu tivesse entrado para o céu. E principalmente porque tinha diversão, tinha a parte social. Eram várias coisas, para quem vem do interior sem nada, aquilo era uma grande coisa (Guimarães, 2015).

Fonte: Arquivo da CEUACA (n.d.)

Figura 03:  Futebol na lavanderia 

Fonte: Arquivo da CEUACA

Figura 04 Jogos de Xadrez 

Paul Ricoeur (2007) nos ajuda a interpretar a força destas memórias, quando aponta que “[...] os lugares habitados são, por excelência, memoráveis. Por estar a lembrança tão ligada a eles, a memória declarativa se compraz em evocá-los e descrevê-los” (Ricoeur, 2007, p. 59). As lembranças de Flávio nos conduzem pelo interior da Casa e nos permitem perceber a força dos elementos arquitetônicos sobre a memória de seus habitantes.

A Casa tinha corredores, a gente subia uma escada, aí tinha um corredor e um espaço interno aberto... Eu sonho muitas vezes com esses corredores [...] Os corredores tinham um metro e meio mais ou menos. Através deles a gente ia para os quartos. E daí cada canto, pelo menos os dois cantos da frente, era uma sala comum, que ia dar num banheiro. Nessa sala comum, meus vizinhos muitas vezes deixavam eu fazer as minhas pinturas, apesar do cheiro da tinta [...] Quando eu falo dos corredores, eu tenho vontade de chorar [...] (Scholles, 2015).

As moradias estudantis são marcadas pela partilha de espaços como a sala, a cozinha e os quartos. É aí que os estudantes se encontram para conviver e tratar de assuntos, os mais diversos. Para os antigos moradores, a arquitetura dos espaços da Casa parece funcionar como uma espécie de suporte para a memória contra o esquecimento. Conforme Magalhães (2004), a materialidade de uma arquitetura institucional afeta as representações e os modos de vivenciar estes lugares.

Seguindo com os relatos que dão conta das sociabilidades que atravessam a CEUACA, João Pedro recorda dosmúsicos que lá tocavam e a realização de saraus. “A Casa me ajudou no meu processo de formação cultural [...]”, relembra. Também falou de um ‘Clube do Cinema’ que havia na Casa: “Como ali no centro tinha muitos cinemas nós íamos muito e depois debatíamos os filmes, dávamos dicas, havia muito debate em torno dos filmes” (Stédile, (2017). Memórias semelhantes sobre estas experiências culturais foram narradas por Flávio:

Nós trazíamos filmes, que nem Queimada!, Queimada! um filme que me marcou muito numa época, do Carlo Pontecorvo, que tinha o Marlon Brando como ator principal. Nunca mais vi este filme. Muito interessante, falava sobre imperialismo, colonialismo. Muita coisa respingava para a casa do estudante. Eu trazia muita coisa para a Casa, dicas do que estava se passando (Scholles, 2015).

Outro elemento que permite pensar um caráter formativo da CEUACA foi a existência de uma biblioteca em suas dependências. Segundo Magalhães (2004), as instituições educativas possuem, além de uma estrutura física e administrativa, um aparato sociocultural. Para o caso da CEUACA, a biblioteca parece ter sido uma das principais expressões deste elemento sociocultural. Ao se analisar o perfil predominante de moradores, que dividiam seu tempo entre o trabalho durante o dia, aulas à noite e as atividades de manutenção da Casa, a existência de um lugar que disponibilizasse livros/jornais/revistas junto à moradia torna-se aspecto relevante de análise, com implicações tanto na organização quanto nos sentidos e o papel que a Casa do Estudante atribuía a si mesma.

Eu me lembro que chegamos a comprar para a nossa biblioteca, mesmo depois de censurados, o Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, Em câmera lenta do Renato Tapajós. [...] E também os grandes clássicos latino americanos da época, como o Garcia Marquês, Vargas Llosa, Borges e tantos outras da literatura brasileira (Cunha, 2017).

Por outro lado, os títulos de periódicos e livros contidos nesta biblioteca indicam alguns dos discursos jornalísticos e literários que circulavam no interior da Casa, auxiliando-nos a melhor dimensionar a socialização e formação de hábitos, bem como as mudanças de atitudes e interiorização de valores, aspectos que caracterizam as instituições educativas, conforme Magalhães (2004). Os relatos sugerem que a CEUACA mantinha a assinatura dos principais jornais do país e do Estado do Rio Grande do Sul, além de adquirir publicações censuradas pela Ditadura.

Tínhamos o Correio do Povo, o Correio da Manhã, o Estado de São Paulo. Na Casa, apesar da Ditadura, tínhamos um clima muito bom, porque circulava muito livro. Nós escondíamos os livros, colocávamos capas de jornal para disfarçar. Era um ambiente de muito debate político nos quartos e muita circulação de livros. Toda a literatura marxista que eu tive acesso no início foi lá. Também circulava muito panfleto. Na época tinha mimeógrafo, então circulava muito boletim de mimeógrafo, com notícias da Guerrilha do Araguaia em 1972, 1973 (Stédile, 2017).

Como se pode perceber, os contextos geográficos, sociais, políticos e culturais nos quais as instituições educativas estão inseridas, interferem no quadro da organização institucional e nas experiências vividas pelos sujeitos que habitam, circulam, educam-se nestes lugares. A localização central da CEUACA, ao que tudo indica, facilitou a inserção deste estudante de baixa renda no círculo universitário, permitindo que tivessem facilitadas experiências culturais e formativas diversas. Ao mesmo tempo, esta característica revelou-se importante no histórico institucional, pois ficou perceptível a utilização desta localização privilegiada para as estratégias de manutenção da Casa. Olhar para os movimentos de ingresso e afirmação do grupo em análise no ensino superior permitiu perceber um pouco da complexa relação entre um sujeito e o mundo físico e social e as múltiplas formas de significá-la.

Marcas de longa duração

Após analisados os aspectos relativos à organização administrativa da Casa e o espaço social onde se inseria no centro da cidade de Porto Alegre, passamos as considerações sobre como a CEUACA é significada nos itinerários de vida destes antigos moradores e como é inscrita nas narrativas destes sujeitos. É importante destacar que estas memórias não se encontram soltas em um vazio, mas em relação com outras dimensões de suas vidas, com o passado que é rememorado no tempo presente e com uma memória coletiva acerca da Casa. Conforme Bosi (2003), a memória permite perceber a complexidade de um acontecimento, carrega-o de sentidos, além de possuir função decisiva na elaboração das representações.

Um ponto a considerar sobre o que aqui chamamos de ‘marcas de longa duração’ é que todos os oito entrevistados avaliam, de modo geral, como positiva a sua passagem pela Casa. Os primeiros contatos para a realização das entrevistas já pareciam indicar que aqueles sujeitos que aceitavam o convite para narrar suas memórias sobre a CEUACA tinham encontrado um lugar para a instituição nas suas trajetórias de vida, já haviam atribuído algum significado àquela experiência.

Embora para este estudo não tenha sido possível alcançar vozes dissonantes às valorações positivas, há que se considerar que, por outro lado, houve muitas negativas como resposta aos convites realizados a antigos moradores, por vezes na forma de um e-mail jamais respondido, de uma sucessiva remarcação de datas para um dia que nunca chegava ou de um vago ‘este mês não posso, talvez no próximo’. São silêncios e desvios que de algum modo também ‘falam’ e, entre outras coisas, sinalizam que esta experiência de habitação nem sempre é elaborada como boa e educativa para aqueles que a viveram. Nem sempre há uma vontade em dizer ou pensar o lugar da Casa nas biografias daqueles que a vivenciaram. Realizadas estas considerações, o que estamos aqui discutindo, portanto, são as diferentes nuances de significações positivas.

Tais valorações comparecem muito associadas ao modelo de autogestão da Casa, que teria permitido aprendizados através da simulação de papéis administrativos e políticos, como indica o excerto da entrevista com Paulo:

Ali os próprios moradores faziam a administração. Isso também é uma escola né. Para várias ONGs, para várias entidades, no sentido da autogestão. Outra grande escola, aonde os moradores aprenderam formas de gerir depois outras entidades do seu futuro (Guimarães, 2015).

Entretanto, os relatos que concebem a Casa como uma ‘escola’, não associam esta característica como consequência unicamente da autogestão. Muitas outras experiências educativas figuram nas memórias dos entrevistados, que vão desde trocas culturais e formação política, até valores relacionados ao caráter. A fala de Nereu é expressiva neste sentido:

A vida na Casa do Estudante é uma vida cheia de aprendizados. Foi a maior escola que eu já tive. Uma escola de sociologia prática, de política pragmática, de amadurecimento de vida. E um traço anárquico, socialista, que me marcou até os dias de hoje. Eu conheci pessoas maravilhosas lá, inclusive ex-presidentes da CEUACA que viriam a se transformar em grandes advogados e que obviamente também plasmaram o seu caráter dentro daquela estrutura, daquela visão sociológica e fraterna da Casa. [...] Ela gerou, tanto neste período autoritário, como em outros períodos, muitas lideranças, que não vieram do vazio. Eu tenho muito orgulho dessa passagem pela CEUACA.[...] Eu procurei transmitir esses valores para os meus filhos. [...] Quer dizer, embora não tenham vivenciado isso, eu transmiti a minha vivência para eles (Lima, 2015).

Este é um dos casos em que foi possível observar de forma bastante nítida a incorporação da Casa à trajetória do entrevistado, numa tessitura de nexos entre a formação ideológica, o processo de amadurecimento proporcionado pela instituição e as relações humanas ali presentes. São muitas camadas se sentido que vão sobrepondo-se e conformando este lugar da Casa na narrativa de si e que parecem reverberar no tempo pós-instituição, alcançando mesmo dimensões intergeracionais, como o relato de Nereu indica. São marcas de longa duração.

A atribuição de um sentido educativo para a experiência de viver a Casa, como já dito, foi bastante recorrente, emergindo em maior ou menor ênfase e elaborada de distintas formas. Waldomir conta que ter morado na Casa foi de muita valia, “[...] pois a gente entra em contato com outros estudantes, outras profissões, e aprende muita coisa” (Gonçalves, 2017). O mesmo entrevistado, em outro momento, avalia que as próprias dificuldades foram aprendizados: “[...] a gente passou muito trabalho, mas é bom, faz parte, a pobreza sempre traz humanidade para a gente” (Gonçalves, 2017). Paulo pontua que “[...] grandes homens se formaram ali, homens que hoje estão em altos escalões e que tiveram o início da sua vivência política na Casa, é uma escola, uma grande escola!” (Guimarães, 2015). Na fala de Nivaldo, a vivência da CEUACA aparece como “[...] passagem para as coisas da vida, para a atividade sexual, para o namoro, para tudo isso” (Cunha, 2017).

Retomamos a ideia de Magalhães (2004), segundo a qual a educação é um processo que se dá ao longo de toda a vida, na medida em que as aquisições cognitivas e técnicas, as representações e as apropriações, atualizam-se em cada novo desafio que se apresenta. Embora toda a análise apresentada neste estudo esteja atravessada por culturas e práticas no âmbito da CEUACA, os excertos das narrativas acima transcritas buscam, especificamente, demonstrar que a Casa também foi elaborada como instituição educativa no discurso do grupo de entrevistados.

Estes relatos reafirmam a importância das dimensões subjetivas e que as mesmas concorrem na elaboração historiográfica de uma instituição educativa. Conforme Kaufmann (2013), o subjetivo não se opõe ao objetivo, ao real, posto que “[...] ele é um momento na construção da realidade, [...] momento marcado pela necessidade de seleção e pela obsessão da unidade” (Kaufmann, 2013, p. 98). Estas marcas deixadas pela Casa na memória, como se percebe, são de difícil mensuração. Pode-se, contudo, falar de intensidades, de modos de internalização, de como se operam as construções de sentido. Nas oito narrativas trazidas para este estudo, foi possível notar homens que, ao saírem da CEUACA, carregam variadas marcas desta experiência consigo.

Considerações finais

As reminiscências utilizadas como documentos para este estudo estiveram fortemente marcadas por representações da Casa como espaço de aprendizagens e amadurecimento, muitas delas associadas às características do modelo de administração e captação de recursos da entidade. Paralelamente, foi possível notar a presença de tais discursos nos periódicos analisados, fatores que também podem ter colaborado na amplificação de uma ideia sobre a Casa como proporcionadora de experiências educativas. Pensar a CEUACA como instituição educativa deu a ver o desempenho de uma série de papéis por parte de seus moradores no âmbito institucional, as experiências a elas relacionadas, as habilidades e estratégias políticas necessárias nas articulações em busca de recursos financeiros junto a diferentes esferas de poder.

Ao buscar refletir sobre o espaço social no qual a Casa do Estudante estava situada, pensando as experiências narradas por aqueles sujeitos enquanto habitantes do centro de Porto Alegre e suas interações com o entorno, foi possível identificar que esta localização parece ter colaborado no processo de inserção deste estudante oriundo de camadas populares no novo círculo sociocultural, pelo acesso facilitado a cinemas, cafés e toda uma estrutura de serviços disponíveis no centro da cidade. Ao mesmo tempo, tal endereço revelou-se fundamental para a captação dos recursos que mantinham a estrutura de assistência estudantil da CEUACA funcionando, como a venda de almoços no Restaurante Universitário e as reuniões dançantes. Esta abertura da Casa ao mundo exterior engendrou relações orgânicas entre a instituição e a cidade do entorno. As fontes orais e os periódicos indicaram que, em determinadas ocasiões, o espaço público da cidade estendia-se para dentro do espaço privado da moradia, tornando porosas as fronteiras entre ambas.

O esforço explicativo deste estudo esteve centrado em torno da ideia de que as Casas de Estudante são organismos vivos, produtoras e transmissoras de culturas, que inscrevem seus moradores numa dinâmica institucional, num espaço social, numa rede de relações, ultrapassando os limites de uma experiência passageira. São capazes de produzir marcas de longa duração nos sujeitos que as habitaram e que agora as elaboram e significam de muitas maneiras.

Faz-se necessário, portanto, atentar para outros processos sociais e culturais que orbitam e atravessam as instâncias do ensino formal. É assim que as Casas de Estudante deixam de ser um acessório da vida acadêmica e passam a ser interpretadas como lócus de significativas implicações para os sujeitos que as habitam. Um espaço de organização estudantil, de circulação de ideias e de contatos culturais que interpelam este estudante e demandam-lhe respostas e reações de toda ordem.

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1A Faculdade Livre de Direito foi fundada em Porto Alegre, em 17 de fevereiro de 1900. No ano de 1934, passa a integrar a Universidade de Porto Alegre (UPA). Em 1950 é incorporada ao Sistema Federal de Ensino Superior, com a criação da Universidade do Rio Grande do Sul.

2Mais informações sobre as origens da CEUACA podem ser obtidas em: Hinterholz (2016).

3Aparício Cora de Almeida nasceu em Quaraí no ano de 1906 e Cursou Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre em 1931, período em que presidiu o Centro dos Estudantes de Direito, dentro do qual constituiu-se o movimento que daria origem a CEUACA. Também foi presidente da Federação Acadêmica, quando esta entidade atuou fortemente na preparação do movimento de 1930 que levaria Getúlio Vargas ao poder. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro e secretário-geral da ANL no Rio Grande do Sul.

4Ampla frente de esquerda, composta por comunistas, socialistas e antigos tenentes insatisfeitos com os rumos do governo de Getúlio Vargas. Foi oficialmente lançada no Rio de Janeiro, em 30 de março de 1935.

5Segundo Martins (1989), os pais de Aparício ‘eram grandes amigos do PCB’. Já viúvo, Israel, antes do seu falecimento, acontecido em 25 de junho de 1961, teria deixado seu apartamento com tudo o que estava dentro, como ajuda para ao partido, com o qual teria sido contribuinte durante várias décadas.

6Destaca-se o vídeo de comemoração dos 65 anos da CEUACA, com depoimentos de antigos moradores (Festa 65 anos..., 2012).

7Nos seus mais de 80 anos de existência, a instituição manteve guardados inúmeros documentos, tais como: atas das Assembleias Gerais, atas do Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal, documentação contábil, fichas de moradores, estatutos e regimentos internos, correspondências com outras instituições e com o poder público, autobiografias escritas pelos candidatos no momento da inscrição para o processo seletivo de novos moradores, fotografias, livros e revistas, recortes de jornal. Todo este material encontra-se salvaguardado no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

8Todos os entrevistados assinaram um termo de consentimento informado e receberam uma cópia do resultado da pesquisa. Nos casos em que foi solicitado, era fornecido ao entrevistado uma cópia da transcrição da entrevista, para sua prévia avaliação, antes da utilização deste material no estudo.

9Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

10Para maiores informações sobre as políticas de educação no governo de Leonel Brizola, consultar: Quadros (2001).

11Flávio relata ter sido interno no Colégio de freiras do Imaculado Coração de Maria em Dois Irmãos-RS e posteriormente com os padres da ordem dos claretianos, em Esteio-RS.

12O Colégio Estadual Júlio de Castilhos (Julinho) é uma das escolas públicas mais tradicionais do Estado do Rio Grande do Sul, tendo sido fundado em 1900, em de Porto Alegre-RS.

13Cpers-Sindicato foi fundado em 1945 como Centro dos Professores Primários Estaduais. Em 1966, a entidade passou a chamar-se Centro dos Professores Primários do Estado do Rio Grande do Sul e em 1973, o nome foi alterado para Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul, quando unificou os professores primários com os professores do ensino médio. Em 1989, agregou ao Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul o Sindicato dos trabalhadores em Educação. Os funcionários de escola foram incluídos na entidade em 1990 (Correa, 2019).

14Waldomir relata que em 1963 os serviços de atendimento médico e barbearia já não eram mais oferecidos, embora ainda estejam descritos nos estatutos e nos organogramas da Casa.

15Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul.

16Ministro da Educação, de 15 de março a 30 de outubro de 1969.

17O prédio sede na Rua Riachuelo, sofreu a ação implacável do tempo e deteriorou-se ao longo dos anos e a instituição enfrentou inúmeros processos judiciais no sentido de evacuá-lo. Em 2014, mediante negociação com o Governo do Estado e o Ministério Público, chegou-se a um acordo sobre a reforma e os estudantes foram realocados para diversos imóveis na região central de Porto Alegre, mediante pagamento de aluguel social. A reforma nunca aconteceu e no momento da escrita deste artigo, os moradores encontram-se na eminência de serem despejados, pois o Governo deixou de repassar os valores do aluguel aos proprietários dos imóveis.

18Esquina no encontro das ruas Borges de Medeiros e Rua dos Andradas Local de grande representação no imaginário popular da cidade de Porto Alegre. A Rua da Praia, uma das formam a esquina, desde o século XIX é ponto tradicional de passeatas e manifestações. Registrou inúmeros atos políticos e artísticos durante os anos de 1970 e em 1982 foi palco do movimento pelas ‘Diretas Já’, ano em que recebeu a denominação ‘Esquina Democrática’. O espaço foi tombado pelo município em 1997 (Memorial descritivo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, n.d.).

19Na periodização criada pelas autoras, o período da metropolização vai de 1945 até a atualidade.

Recebido: 10 de Maio de 2018; Aceito: 26 de Março de 2019

*Autor para correspondência. E-mail:marcos.hinterholz@ufrgs.br

Marcos Luiz Hinterholz é Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência como professor de História na Educação Básica, tendo atuado na Rede Pública Estadual do Rio Grande do Sul. Atualmente atua como Técnico em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalha e tem interesse em projetos na área de História da Educação, em temas como Movimento Estudantil e História das Instituições Educativas. Também possui interesse em pesquisas sobre acompanhamento e orientação discente no Ensino Superior. E-mail: marcos.hinterholz@ufrgs.br

Doris Bittencourt Almeida é Doutora em Educação (2007) pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro da Associação Brasileira de História da Educação/SBHE, da Associação Sul-Riograndense de História da Educação/ASPHE e da Associação Nacional de História/ANPUH. Coordena o Grupo de Trabalho em História da Educação (GTHE) da Associação Nacional de História (ANPUH/ Seção Regional - RS). É professora adjunta IV de História da Educação da Faculdade de Educação, atuando junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência nas áreas de História da Educação, Fundamentos da Educação e Ensino de História. Pesquisa os seguintes temas relacionados à História da Educação: Memória e História Oral, História da Cultura Escrita, Cultura Escolar, Imprensa de Educação e de Ensino. E-mail: almeida.doris@gmail.com

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