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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.19  Maringá jan./mar. 2019  Epub 01-Maio-2019

https://doi.org/10.4025/rbhe.v19.2019.e069 

Dossiê

Educação não escolar: Balanço da produção presente nos Congressos Brasileiros de História da Educação

Non-school education: balance of the production present in the Brazilian Congresses of History of Education

Educación no escolar: Balance de la producción presente en los Congresos Brasileños de Historia de la Educación

Maria Betânia Barbosa Albuquerque* 
http://orcid.org/0000-0002-9681-9293

Jane Elisa Otomar Buecke1 
http://orcid.org/0000-0001-5055-4210

1Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.


Resumo:

O artigo analisa a produção acadêmica envolvendo a temática da educação não escolar nos Congressos Brasileiros de História da Educação entre 2000 a 2017. Trata-se de uma reflexão teórico-bibliográfica à maneira dos estudos sobre o estado do conhecimento. Inspira-se na ideia de educação como cultura de Brandão (2002) e de pedagogia cultural de Andrade e Costa (2017). Nas produções analisadas destacam-se a escola como lócus privilegiado de formação humana, além da baixa incidência de trabalhos sobre educação não escolar, a despeito de sua persistente presença entre os diversos eixos do evento. Ressalta-se a importância do debate epistemológico sobre os múltiplos sentidos da educação em direção a um conceito ampliado, capaz de abranger as complexas e multifacetadas formas de ser e aprender.

Palavras-chave: historiografia; educação como cultura; história da educação; educação informal

Abstract:

The article analyzed the academic development involving the theme of out-of-school education in the Brazilian Meetings on History of Education between the years of 2000 and 2017. It is a theoretical and bibliographical reflection on different studies of the state of knowledge. It is inspired by the idea of education as culture of Brandão (2002) and cultural pedagogy of Andrade and Costa (2017). In the works we reviewed, school stands out as the main locus of human formation, and there are few papers on out-of-school education, despite persistent presence of the topic among the various axes of these Events. We emphasize the importance of the epistemological debate on the multiple meanings of education capable of encompassing the complex and multifaceted ways of being and learning.

Keywords: historiography; education as culture; history of education; informal education

Resumen:

El artículo analiza la producción académica envolviendo la temática de la educación no escolar en los Congresos Brasileños de Historia de la Educación entre 2000 a 2017. Se trata de una reflexión teórico-bibliográfica a la manera de los estudios sobre el estado del conocimiento. Se inspira en la idea de educación como cultura de Brandão (2002) y de pedagogía cultural de Andrade y Costa (2017). En las producciones analizadas se destaca la escuela como locus privilegiado de formación humana, además de la baja incidencia de trabajos sobre educación no escolar, a pesar de su persistente presencia entre los diversos ejes del Evento. Resaltamos la importancia del debate epistemológico sobre los múltiples sentidos de la educación hacia un concepto ampliado capaz de abarcar las complejas y multifacéticas formas de ser y aprender.

Palabras clave: historiografía; educación como cultura; historia de la educación; educación informal

Introdução

Este artigo analisa a produção acadêmica envolvendo a temática da educação não escolar materializada nos trabalhos apresentados nos Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE) desde sua primeira edição em 2000, até a última realizada em 2017.

O CBHE, organizado pela Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE, 2018), ocorre bienalmente. O primeiro evento visando promover o intercâmbio acadêmico entre os pesquisadores do campo ocorreu apenas um ano após a criação da SBHE, em 1999. Juntamente com a Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), o CBHE configura-se como espaço privilegiado de discussão e divulgação da produção no campo da história da educação pautando-se pela interdisciplinaridade perceptível na origem dos pesquisadores, instituições e trabalhos apresentados no evento. Tal fato justifica a seleção desse congresso como fonte de dados para nossa reflexão, uma vez que, dentre os estudos circulados no interior do congresso, estão os relativos ao âmbito da ‘educação não escolar’, foco deste artigo.

Na tentativa de delimitar esse conceito, recorremos, inicialmente, ao que seria o seu contrário, isto é, ‘a educação escolar’. Esta, segundo Gohn (2006), pode ser classificada como de natureza formal uma vez que possui um escopo de conteúdos prévios a serem ensinados e por ocorrer em espaços regulamentados, autorizados a certificar seus aprendizes conforme o grau ou curso realizado e de acordo com as diretrizes nacionais.

Inspiradas nessa compreensão da autora, passamos a definir o âmbito da educação não escolar como toda prática educativa intencional, ou não, em que ocorrem situações de trocas ou circulação de saberes. A educação é, assim, flagrada em seu sentido amplo, conforme sintetizado por Bittar (2018, p. 195), ou seja, como “[...] tudo aquilo que é aprendido ao longo da vida dos seres humanos em suas práticas sociais, uns com os outros, já que em sociedade não existe eu desprovido de nós”. Para a autora, não cabe somente à escola educar, mas sim à vida, de maneira geral.

Severo (2018, p. 3), por sua vez, ressalta a importância dessa educação “[...] para a promoção de processos que potencializem a educabilidade humana em tempos nos quais as pessoas são confrontadas por múltiplas possibilidades e demandas de ensinar e aprender, de educar e educar-se”.

A essa modalidade de educação Gohn (2006, p. 40, grifo do autor) denomina de informal, compreendendo “[...] aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados [...]”, mas também a não formal, isto é, “[...] que se aprende ‘no mundo da vida’, via processos de compartilhamento de experiências, sobretudo em espaços e ações coletivos cotidianas”.

Neste texto, interessa-nos compreender como a educação não escolar - tanto a informal como a não formal - comparece nas produções intelectuais circuladas nos CBHE’s, com o objetivo de identificarmos sua inserção no âmbito desse importante evento no campo da educação. Indagamos, fundamentalmente, sobre o espaço que essa modalidade de educação tem ocupado nas discussões dos historiadores da educação, uma vez que os indivíduos se formam, historicamente, tanto no âmbito da educação escolar quanto da não escolar.

Metodologicamente, trata-se de uma reflexão de natureza teórico-bibliográfica à maneira dos estudos sobre o estado do conhecimento. Segundo Ferreira (2002, p. 258) tais estudos apresentam o desafio de

[...] mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários.

Nessa direção, a metodologia incluiu um inventário das produções encontradas nos CBHE’s, cujo título remetesse ao campo das práticas educativas ocorridas em ambientes informais e não formais tomando como fonte um total de 5.525 trabalhos apresentados ao longo das nove edições do evento. O inventário foi organizado em tabelas constando o título, período histórico, autor e instituição de origem.

Na delimitação do olhar para os trabalhos voltados para a educação que se passa em ambientes ‘outros’ (que não as instituições formais de ensino), envolvendo, ainda, práticas educativas vivenciadas a partir de grupos e atores não ligados à clássica relação escola-professor-conhecimento científico, optamos por excluir títulos que continham palavras como escola, escolar, colégio, instituto ou instituição. Também foram excluídos trabalhos que versavam sobre história das disciplinas escolares e histórias de vida ou que focalizavam a história dos movimentos educacionais e/ou teóricos da área.

Posteriormente aos títulos, recorremos à leitura dos resumos dos trabalhos a fim de averiguarmos se abordavam, efetivamente, processos educativos em territórios não escolarizados, decorrendo daí uma categorização dos mesmos conforme os espaços e/ou objetos de estudo abordados. A categorização, contudo, não pode ser concebida de modo rígido uma vez que alguns trabalhos podem perfeitamente ser classificados em mais de uma categoria.

Teoricamente, o artigo inspira-se em autores que veem a educação sob uma ótica ampliada, a exemplo da noção de educação como cultura, de Brandão (2002), e da possibilidade de uma pedagogia cultural desenvolvida por Andrade e Costa (2017), conforme passamos a abordar.

Educação não escolar: que campo é este?

A educação não escolar no Brasil foi objeto de estudo de Emerson Zoppei em sua tese de doutorado defendida recentemente. De acordo com Zoppei (2015, p. 3), a educação não escolar vem se consolidando nos últimos tempos como campo científico, porém é “[...] marcada pela quase ausência de teorização da prática e de desprestígio profissional”.

A análise do autor voltou-se para 289 dissertações e 41 teses encontradas no Banco da Capes, no período de 1987 a 2010, cujos resumos incluíam como palavras-chaves descritores relacionados à educação não escolar tais como educação informal, educação não formal, educação social, educação não escolar e educação extraescolar. Zoppei (2015) constatou a predominância dos termos ‘educação não formal’ e ‘educação social’ e apenas 3% dos trabalhos classificados como educação não escolar, considerados por ele produções que visam “[...] discutir as relações entre manifestações culturais e educação (práticas culturais) e formação e prática docente” (Zoppei, 2015, p. 48).

O autor estabelece dois importantes marcos na produção de trabalhos na área da educação não escolar. O primeiro são os anos 1990 em que a produção aumentou consideravelmente, em relação à década anterior, motivada pela emergência de instituições vinculadas ao terceiro setor.

Importante considerar, também, que a Lei de Diretrizes e Bases, aprovada em dezembro de 1996, ainda que timidamente, admite a abrangência da educação para além do espaço escolar em seu primeiro artigo. Outro fato foi o lançamento do livro Educação não-formal e cultura política, em 1999, de Maria da Glória Gohn, que se tornou referência nesse debate.

O segundo marco, apontado por Zoppei (2015), são os anos 2000 quando o tema da ‘educação não escolar’ teve expressivo aumento, a partir de 2006, impulsionando a realização dos Congressos Internacionais de Pedagogia Social cuja finalidade é o debate sobre os aportes teóricos e as metodologias que sustentem a prática do educador social que atuano âmbito da educação não formal.

Ao considerarmos, com o autor, a educação não escolar como resultado das “[...] relações entre manifestações culturais e educação” (Zoppei, 2015, p. 50), ancoramo-nos numa visão alargada da educação entendida como processo de formação humana inscrito na tessitura da vida cotidiana, passível de ocorrer em todo tempo e lugar.

O entendimento da educação como cultura encontra-se em Brandão (2002, p. 26) ao nos definir como “[...] seres aprendentes, seres do aprendizado, da educação”. Para o autor, “[...] não nascemos com os saberes impressos em nós geneticamente, mas aprendemos ao longo da vida cotidiana o que precisamos para ser uma pessoa humana”. Assim, imersa na cultura em seu sentido amplo e não, necessariamente, na cultura ‘escolar’, esse tipo de educação não implica um lugar próprio, ou um tempo especial para ocorrer. Da mesma forma, não pressupõe, necessariamente, um programa pré-estabelecido tampouco a figura de um professor (ou professora) tal como costumamos identificar este sujeito. Por sua amplitude, teoricamente esse tipo de educação

[...] se relaciona com conceitos correntes no campo da Pedagogia que expressam um significado ampliado para a formação humana com base em processos de ensino e aprendizagem diversificados, complexos, dinâmicos e interconectados em espaços e tempos distintos da instituição escolar, a exemplo dos conceitos de Educação Permanente, Educação ao Longo da Vida, Educação Integral, Educação Social, dentre outros (Severo, 2018, p. 6).

Ao considerarmos a sociedade essencialmente pedagógica, na qual somos constantemente submetidos a processos educativos, é possível afirmar que a expressão ‘educação não escolar’ (ENE) contrapõe-se às modalidades de educação ocorridas, exclusivamente,dentro dos muros da escola. Em vista disso, concordamos com Severo (2018, p. 5) ao afirmar:

Torna-se especialmente necessário ressaltar que o termo educação não corresponde à escolarização nem à instrução. Designa um processo global de formação humana através da inserção dos sujeitos na cultura a partir de mediações exercidas por agentes e dispositivos em contextos variados. A Pedagogia tem como objeto a educação como formação humana e não somente à formação escolar ou instrução formal, estando estas inseridas no contexto daquela.

Nessa direção, os processos educativos ocorridos em igrejas, terreiros, espaços de trabalho e até mesmo nas práticas cotidianas, como as de alimentação, por exemplo, fazem parte de um amplo e complexo processo de formação humana fincado na experiência, na sensibilidade, na corporeidade, na memória e na observação atenta1. Entendidos, ainda, como sociabilidade, tais processos de educação encontram guarida nas contribuições oriundas do campo da história cultural na medida em que se propõe, segundo Fonseca (2003), a um deslocamento em seus interesses epistemológicos: das instituições para os indivíduos, das políticas governamentais ou do pensamento pedagógico para as práticas cotidianas, abrindo, com isso, possibilidades de ampliação da concepção hegemônica de educação, marcadamente institucional e escolar.Para a autora, a história cultural sugere ao pesquisador da educação a necessidade de se “[...] extravasar o mundo da escola, para o enfrentamento de outras dimensões dos processos e das práticas educativas [...]”, nas quais pudessem estar envolvidos comunidades e/ou indivíduos periféricos (Fonseca, 2003, p.67).

Em direção semelhante, referindo-se a estudos historiográficos sobre a educação que tomam a história cultural como base teórica de análise, Falcon (2006) afirma que a intervenção educativa deve ser compreendida no sentido da práxis humana, uma vez que o fato educativo se inscreve na história da sociedade, da transmissão cultural, da formação e transformação de mentalidades. Desse modo,

[...] o sentido da história educativa não se esgota no escolar, e que o educativo (e o escolar) fazem parte de uma complexa engrenagem cultural e social. Passa-se por cima da questão de que a história do fato educativo se inscreve na história da cultura, da transmissão cultural, da formação e reprodução de mentalidades e atitudes coletivas [...]. Esquece-se a vital inserção da história da educação na história da sociedade tout court (Solà apud Falcon, 2006, p. 332).

Na complexidade que envolve o educativo importa considerar, inclusive, as relações de ensino e aprendizagens que envolvem entes não humanos como as plantas, por exemplo, conformedemonstrado por Albuquerque (2011, 2015) ao analisar os saberes apreendidos na experiência pedagógica ocorrida a partir do consumo de plantas tidas como ‘professoras’. Nesse estudo, ancorada nas Epistemologias do Sul (Santos& Meneses 2009), a autora revelou a aprendizagem de saberes cognitivos, ambientais, estéticos, medicinais e filosóficos obtidos pela mediação de plantas. Na mesma direção, destacam-se as possibilidades de aprender, comumente encontradas nos terreiros da pajelança ou de religiões de matriz africana, onde muitos dos saberes são mediados por entidades não humanas chamadas de ‘Encantados’. Tal é o caso do estudo de Nogueira e Albuquerque (2018) ao apontarem uma rede de sociabilidade entre os sujeitos, sejam eles humanos ou nãohumanos, e reconhecendo a agência destes no processo de ensino-aprendizagem ocorrido em um terreiro de pajelança.

Uma vez reconhecendo que o campo educacional há tempos tem voltado seu olhar para o cotidiano da escola, Brandão (2002, p. 156) sugere, então, “[...] uma espécie de passagem do cotidiano da escola para a educação do cotidiano”. Ao seu ver, isso significaria “[...] o abrir as portas da escola e sair a buscar compreender os mundos circunvizinhos, antagônicos, próximos e remotos onde estão, onde vivem e convivem com suas culturas do cotidiano os próprios personagens da vida escolar”.

Considerar, portanto, tanto a educação escolar quanto os diversificados processos de construção de subjetividades implica, assim, em alargar a noção corrente de educação quase sempre restrita à escola, aos livros, ao saber científico, à escrita e ao professor em sua forma humana. Sob outro ângulo epistemológico, as pesquisas acima mencionadas levam-nos a reconhecer que em tais processos educativos entram em jogo critérios tais comoo ambiente, o corpo, a oralidade, o silêncio, a atenção, a memória, a experiência. Outros também podem ser os agentes da educação variando entre humanos, plantas, objetos e seres encantados.

O mergulho nessa diversidade de formas de aprender, de certa forma, é o que tem proposto o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), especificamente, na linha de pesquisa denominada “Saberes culturais e Educação na Amazônia”. Em torno dessa linha gravita um conjunto de pesquisas direcionadas à educação escolar, mas, sobretudo, aos processos educativos ocorridos em territórios não escolares da Amazônia, a exemplo da educação que acontece nas casas de farinha, em museus, hospitais, práticas de pesca e, em particular, nas práticas religiosas ou em igrejas, com destaque para os terreiros afro-religiosos2.

Em direção semelhante, destaca-se também o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) na linha de pesquisa ‘Estudos Culturais em Educação’. Emerge desse programa o conceito de pedagogia cultural para designar “[...] as pedagogias atuantes em uma multiplicidade de espaços, para além daqueles que delimitam territórios escolares ou escolarizados” (Andrade & Costa, 2017, p. 3).

Ao trilhar os rastros de uma pedagogia cultural, Andrade e Costa (2017) afirmam que o livro Places of learning (Lugares de aprendizagem), de Elizabeth Ellsworth (2005), ao ressaltar a dimensão pedagógica da vida social contemporânea, contribui para ampliar a perspectiva sobre variados espaços culturais como lugares de educação, bem como para o entendimento das relações de ensino e aprendizagem como amplos processos culturais. Segundo essa perspectiva, vivemos em uma sociedade atravessada pelo pedagógico na qual somos o tempo todo submetidos a processos de educação mediados por diferentes instituições e espaços ativamente implicados com práticas e experiências que visam ensinar alguma coisa. Tais considerações induzem a entendimentos alternativos sobre pedagogia, abrindo possibilidades para se considerar a existência de múltiplos espaços como pedagógicos. Entretanto, ao buscarem as raízes do conceito de pedagogia cultural, as autoras concluem que,

Dadas as condições de emergência e invenção do conceito de ‘pedagogias culturais’, e dadas suas vinculações teóricas e seus usos, qualquer tentativa de circunscrever o conceito, de capturá-lo em uma definição estreita e demasiadamente demarcada seguiria na contramão de sua flexibilidade e das possibilidades que têm instaurado (Andrade& Costa, 2017, p. 3, grifo do autor).

Notamos, portanto, que,muito embora parte significativa da população brasileira seja formada no âmbito das pedagogias culturais, a educação não escolar carece ainda de referenciais teóricos,a despeito de que, conforme apontam as autoras, qualquer tentativa de definição poderia correr o risco de impactar na ‘flexibilidade’ própria do conceito.

Como se trata, contudo, de uma área emergente em processo de consolidação, segundo Zoppei, (2015), procuramos indagar, neste artigo, como o tema da educação não escolar tem comparecido nos eventos de educação, em particular, nos Congressos Brasileiros de História da Educação pelos quais deságua parte significativa da produção intelectual do país interessada na educação, conforme passamos a abordar.

A educação não escolar nos Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE)

Desde o primeiro ano de sua realização em novembro de 2000 até 2017 foram realizadas nove edições do CBHE em diferentes Estados e universidades do Brasil, envolvendo uma diversidade de temas, conforme evidencia o quadro 1:

Quadro 1 Período, temas e locais dos CBHE. 

Fonte: As autoras.

O primeiro evento, ocorrido em 2000, contou com oito eixos temáticos por meio dos quais as discussões foram conduzidas. Durante as nove edições do CBHE houve grande variação nesses eixos, tanto no número quanto nos temas, havendo eventos com oito, nove ou dez eixos, totalizando 54 nomenclaturas diferentes ao longo das nove edições aqui analisadas. Esse fato demonstra uma tentativa dos organizadores de abarcar o máximo possível de temas na história da educação brasileira.

A análise dos dados compilados permitiu-nos constatar, contudo, que ainda é muito tímida a presença de trabalhos sobre educação não escolar nos CBHE’s, conforme evidenciamos na tabela 1:

Tabela 1 Total de trabalhos sobre educação não escolar  

CBHE Total de trabalhosapresentados Trabalhos sobre educação não escolar Percentual de trabalhos sobre educação não escolar
2000 231 5 2,1%
2002 428 6 1,4%
2004 418 8 1,9%
2006 457 3 0,6%
2008 783 20 2,5%
2011 876 11 1,2%
2013 698 5 0,7%
2015 823 8 0,9%
2017 811 6 0,7%
Total 5525 72 1,3%

Fonte: As autoras.

A partir dessa tabelaé possível constatarmos que, dos 5.525 trabalhos apresentados no período de 2000 a 2017, apenas 1,3 % destinou-se à temática da educação não escolar.Não obstante todas as edições do evento contarem com a presença de trabalhos focalizando a educação não escolar, ao verificarmos a representatividade desses trabalhos em termos percentuais, fica evidente que o Congresso Brasileiro de História da Educação é ainda, majoritariamente, um espaço escolacentrista, isto é, que tem a escola como centro e lócus exclusivo da produção do conhecimento.

Observamos, assim, certo privilégio dos estudos que versam sobre educação escolar, provavelmente, pela legitimidadee reconhecimento dos seus pesquisadores. A esse propósito, lembramos as análises de Bourdieu (2003, p. 122, grifo do autor) sobre o campo científico ao considerá-lo

[...] lugar de uma luta concorrencial. O que está em jogo é o monopólio da ‘autoridade cientifica definida’, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou se quisermos o monopólio da ‘competência cientifica’ enquanto capacidade de falar e agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado.

Assim, considerando a educação não escolar como uma temática relativamente nova, a autoridade científica na área encontra-se, provavelmente, ainda em formação. Talvez por apresentar desafios quanto às fontes e às teorias que embasam essas pesquisas, a área ainda tem despertado pouco interesse, o que não significa sua menor importância.

Observamos que, ao longo das edições dos CBHE’s, alguns eixos foram modificados numa visível tentativa de englobar as discussões existentes no campo, conforme a demanda dos pesquisadores. Assim, o tema ‘políticas educacionais’, por exemplo, esteve presente no evento desde a primeira edição, porém o eixoem que se encontrava sofreu variações, conforme podemos observar abaixo:

2000 e 2002-Estado e políticas educacionais; 2004- Políticas educacionais e modelos pedagógicos; 2006 - Políticas educacionais e movimentos sociais; 2008 - Políticas educacionais, intelectuais da educação e pensamentos pedagógicos; 2011, 2013 e 2015- Estado e políticas educacionais na história da educação brasileira.

A categoria ‘políticas’apareceuna II edição do evento em 2002 e reapareceu somente no último evento, realizado em 2017 no eixo ‘Políticas e instituições educativas”. A categoria ‘instituições educativas’, por sua vez, só não esteve em duas edições (2002 e 2004), demonstrando que, na perspectiva da SBHE, a escola ocupa lugar privilegiado na produção e circulação do conhecimento na história da educação brasileira.

O eixo que sofreu menos modificações nos CBHE’s foi ‘Ensino da História da Educação’, presente em seis edições (de 2004 a 2015), demonstrando constante preocupação dospesquisadorescom a disciplina escolar ‘História da Educação’. Na IX edição do CBHE, ocorrida em 2017, há apenas uma ampliação do eixo que passou a se denominar ‘Disciplinas escolares e ensino de História da Educação’.

Outro eixo com presença constante no evento foi ‘Fontes e métodos em História da Educação’ (V, VI, VII e VIII), evidenciando a importância que essa discussão sobre métodos e fontes ocupa no âmbito da SBHE. Entretanto, observamos que no último congresso esse eixo foi suprimido. Em seu lugar apareceu o eixo ‘Teoria da história e historiografia da educação’, ensejando o avanço das discussões no campo teórico-metodológico.

Todavia, se o tema da educação escolar encontrou espaço privilegiado nos eventos da SBHE, cabe ressaltar que, nos dois primeiros eventos, ocorridos em 2000 e 2002,existirameixos que contemplavam diretamente a educação de natureza não escolar. Foram eles ‘Processos e práticas educativas’ e ‘Processos educativos e instâncias de sociabilidades’. Entretanto, talvez pelos poucos trabalhos apresentados,tais eixos desapareceram. O auge da temática da educação não escolar no evento ocorreu em 2008, conforme demonstra o gráfico 1:

Gráfico 1 Percentual dos trabalhos sobre educação não escolarapresentados nos Congressos Brasileiros de Educação. 

Fonte: As autoras.

Observamos que até 2008os trabalhos voltados para a educação não escolar, embora representassem um baixo percentual do total de trabalhos apresentados no congresso, mantiveram uma média de 1,7% nas cinco edições realizadas (Anais..., 2000, 2002, 2004, 2006, 2008). Depois de 2008 esse percentual caiu pela metade, não chegando nem à media de 1% os trabalhos apresentados nas edições seguintes (Anais..., 2011, 2013, 2015, 2017).

Em 2011, na sexta edição do evento, houve uma fusão dos eixos ‘História das instituições e práticas educativas’ e assim prosseguiu até 2015. Com isso, as práticas educativas ficaram implicitamente limitadas ao aspecto institucional, restringindo ainda mais aaproximação da educação ocorrida no âmbito não escolar. Foi o que ocorreu no período de 2011 a 2015 quando, dos 668 trabalhos apresentados nesse eixo, apenas oito abordaram práticas educativas vivenciadas em espaços não escolares como ONG`s, igrejas, times de futebol ou no cotidiano. Na última edição do evento, ocorrida em 2017, esse eixo foi suprimido, sendo substituído pelo eixo ‘Políticas e instituições educativas’, evidenciando os pendores do evento para os âmbitos institucional, formal e escolar.

Ratificando essa tendência, no IX CBHE, ocorrido em 2017, as pesquisas sobre práticas educativas em ambientes não escolares não foram contempladas com um eixo específico,ficando os trabalhos nesse âmbito localizados nos eixos ‘Intelectuais e projetos educacionais’ e ‘Educação e geração’, configurando uma situação de dispersividade ou falta de lugar adequado para se encaixar esse tipo de discussão.

Cabe ressaltar, contudo, que a falta de um eixo que abordasse, especificamente, a temática da educação não escolar não foi impeditivo para a sua presença no evento. As pesquisas situadas nesse âmbito apareceram, principalmente, no contexto dos eixos gênero, etnia e movimentos sociais que sofreram variações no nome ao longo dos eventos, conforme podemosobservar no quadro 2:

Quadro 2 Transformação do nome do eixo sobregênero, etnia e movimentos sociais no CBHE. 

Fonte: As autoras.

Assim, observamos a inclusão de trabalhos que tratam da educação não escolar em todas as edições do CBHE, mesmo sem contar com um eixo específico para tal. Isso pode ser um indício da resistência e persistência dos pesquisadores ligados à temáticaao considerarem a pertinência e necessidade de estudos históricos sobre os processos educativos que extrapolam territórios escolarizados.

Ao lado desses indícios presentes no CBHE, as diretrizes curriculares para a formação do pedagogo destacam a “[...] produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares” (Brasil, 2006) como uma de suas funções, de modo que a concepção de educação e práticas educativas vem, historicamente, se alargando.

Nessa direção, constatamos que o termo ‘não escolar’ aparece dez vezes em incisos ou alíneasdaresolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, reforçando uma formação ampliada que dê conta da educação para além da sua dimensão escolar e institucional. A diretriz estabelece, inclusive, a necessidade de estágio curricular em ambiente nãoescolar, obrigando os educadores a discutirem e abordarem o tema em sala de aula.

Com isso, a necessidade de compreender a educação na sua complexidade, considerando a dimensão escolar e a vivenciada em espaços outros tem se tornado pauta importanteentre os pesquisadores do campo educacional. Como endossa Severo (2018, p. 3), “A inserção da ENE [educação não escolar] no âmbito pedagógico se constitui como uma demanda histórica, pois responde às necessidades emergentes da complexidade que se revela no modo de estruturação e de comportamento das sociedades globalizadas”.

A análise dos eixos presentes nos CBHE’s no período de 2000 a 2017 permitiu-nos um vislumbre dos temas de interesse no campo da história da educação brasileira. A falta de um eixo específico destinado à educação não escolar pode demonstrar, por um lado, a pouca relevância deste tema para a SBHE e, por outro, a limitação dos estudos e pesquisas nesseâmbito, impactando na própria formação do educador.

A diretriz curricular nacional para o curso de Pedagogia (de 2006) prevê a preparação do pedagogo para “[...] trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo” (Brasil, 2006). Contudo,passados mais de dez anos, essa formação ainda é incipiente como demonstram os dados trazidos neste artigo.

Severo (2018) considera que a centralização da pedagogia ao âmbito da educação escolar é consequênciada falta de discussão epistemológica da própria pedagogia e de um delineamento acerca de sua identidade. Para ele,

[...] configurar a busca pela afirmação da ENE no âmbito pedagógico, reconhecendo o debate histórico sobre a identidade da Pedagogia e defendendo o ponto de vista que a concebe como Ciência da Educação, permite reconhecer a educação como um objeto que evidencia um caráter multifacetado e dinâmico não restrito ao campo escolar nem às técnicas de ensino (Severo, 2018, p. 3).

Assim, o debate sobre o que é educação e o papel dos educadores passa, necessariamente, pela compreensão do caráter multifacetado e dinâmico da própria educação, como assevera o autor, bem como pela formulação de teorias que fundamentem a educação em ambientes outros que não a escola. Nesse sentido, Severo (2018, p. 4) aponta a

[...] necessidade de uma argumentação conceitual que subsidie uma abordagem pedagógica do fenômeno educativo que se manifesta no campo não escolar. Essa abordagem conceitual é determinada por um caráter de análise epistemológica acerca de como se estrutura a Pedagogia como Ciência da Educação em contraposição a perspectivas que a representam como tecnologia da instrução ou arte prática do ensino.

Cabe, então, analisar como tem ocorridoa discussão conceitual da educação não escolar, no âmbito dos Congressos Brasileiros de História da Educação a fim de compreendermos o delineamento desse campo de estudo.

Práticas educativas não escolares encontradas nos CBHE’s

Ao verificarmos os espaços e objetos focalizados pelos trabalhos sobre educação não escolar nos CBHE’s, percebemos a multiplicidade de temas envolvidos e a fertilidade desses trabalhos. Assim, foi possível identificar os variados espaços onde ocorre a educação não escolar, reconhecendo, entretanto, que esta educação algumas vezes é intencional e outras vezes não. A sistematização dos espaços e/ou objetos de estudos e sua incidência nos trabalhos apresentados nos CBHE’s pode ser observada na tabela 2.

Tabela 2 Espaços e/ou objetos de estudos dos trabalhos apresentados nos CBHE’s que abordam a educação não escolar  

Espaços e/ou objetos de estudos Quant
1 Associações 9
2 Gruposreligiosos 9
3 Mulheres 8
4 Imigrantes 5
5 Populaçõesrurais 5
6 Artes e esporte (Teatro, música, dança, futebol) 4
7 Literatura e revista 4
8 Movimentossociais 4
9 Sociabilidadescotidianas 4
10 Ciganos e índios 3
11 Indumentária 3
12 Família 2
13 Idosos 2
14 Trabalho 2
15 Viagens 2
16 Crianças 1
17 Espaçosurbanos 1
18 Instituições de assistência a menores 1
19 Revistas 1
20 Rituais 1
21 Sustentabilidade 1

Fonte: As autoras.

Entre os trabalhos analisados sobressaíram-se os grupos religiosos e associações. No primeiro caso, os trabalhos abordaram a educação entre evangélicos e católicos tanto da atualidade quanto dos períodos anteriores (colônia e império). O foco esteve entre as ações educativas promovidas por esses grupos ou até mesmo a educação não intencional ocorrida em seu interior3.

É interessante observar a inexistência de trabalhos abordando a educação vivenciada entre grupos de religiões de matriz indígena e africana.A ausência de pesquisas sobre tais espaços formativos se deve à maior disponibilidade de fontes ou ao peso da tradição cristã?No caso dos trabalhos voltados para associações, em sua maioriatratam-se de estudos envolvendo agremiações culturais de vários tipos e as práticas educativas desenvolvidas4.

Os trabalhos sobre práticas educativas envolvendo mulheres foram variados, incluindo a educação de mulheres negras forras e mulheres brancas da elite no período colonial, bem como o papel das mulheres como educadoras domésticas, destacando a aprendizagem da leitura e da escrita e ressaltando seu protagonismo5.

Notáveis também são os trabalhos que tratam da educação nos processos imigratórios ou entre os grupos imigrantes no Brasil focalizando a intersecção destes grupos com a sociedade e os processos de mestiçagem cultural imbricados. Destacamos, também, os trabalhos voltados para a indumentária como componente educacional de um grupo social revelando seu potencial formativo.

Quanto ao período histórico analisado, destaca-se a predominância do período republicano com 65,2% dos trabalhos sobre educação não escolar encontrados. O império foi o foco de 16,6% dos trabalhos, enquanto apenas 4,1% concentraram-sena colônia. É importante ressaltar que cinco trabalhos (6,9%) abrangeram o início dos Oitocentos, inserindo-se entre o final da colônia e o início do império, focalizandoum período de transição decisivo quando o Brasil se tornou um país independente.

De todo modo, é evidente que a maioria dos estudos se volta para outros períodos que não o colonial o qual permanece como período subexplorado na historiografia da educação brasileira. Tal fato corrobora as conclusões da historiadora Thaís Fonseca (2003) que, reportando-se às análises correntes na produção historiográfica sobre o período colonial, ressalta que este é muito pouco valorizado pela historiografia da educação. Ao tomar como exemplo as pesquisas sobre esse período, em que predominam análises sobre a ‘a presença dos jesuítas na América portuguesa e a política mais sistemática implantada pela administração pombalina’, a autora enfatiza que

[...] é necessário ampliar os horizontes para outras dimensões desse processo que não incluem, necessariamente, a chamada escolarização formal. Trata-se de considerar processos educativos mais amplos que, realizados intencionalmente ou não, implicavam no estabelecimento de relações nas quais alguma forma de saber circulava e era apropriada (Fonseca, 2003, p. 69).

Do ponto de vista das instituições, sobressai a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no que se refere aos trabalhos versando sobre educação não escolar uma vez que dessa instituição se originam 11 trabalhos correspondendo a 18,9% do total dos que foram apresentados no CBHE. A existência do grupo CEIbero - cultura e educação nos Impérios Ibéricos desde 2010 (Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil, 2018) -, que se debruça sobre o estudo e a pesquisa acerca das práticas culturais e educativas como mediadoras de sociabilidades no contexto do período colonial pode nos ajudar a explicar esse predomínio6.

Cabe destacar, também, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) que se fizeram presentes nos CBHE’s com 11 trabalhos. Um deles, inclusive, em parceria entre pesquisadores de ambas as universidades. O Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN (2018) contempla uma linha investigativa denominada ‘Educação, estudos sociohistóricos e filosóficos’ que, segundo seu descritor,‘Privilegia práticas educativas em suas diversas manifestações escolares e não escolares’. A essa linha se vincula também o grupo de pesquisa‘Cultura, história e filosofia da educação’. Com isso, podemos perceber o interesse desse programa por práticas educativas não exclusivamenteescolares justificando a presença de seus trabalhos nos CBHE’s.

O Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPEL (2018), por sua vez, conta com a linha de pesquisa ‘Epistemologias descoloniais, educação transgressora e práticas de transformação’ que ‘enfatiza estudos da memória, experiência e cultura, narrativas e saberes populares, com enfoque nas identidades e diferenças a partir da perspectiva descolonial’. Tal linha corrobora estudos voltados para a educação não escolar, o que pode explicar a maior presença de trabalhos dessa instituição nos CBHE’s.

Um fato a considerar é que, entre todos os trabalhos no âmbito da educação não escolar apresentados no evento, nenhum foi proveniente de instituições do norte do país, a despeito da existência da linha de pesquisa ‘Saberes culturais e educação na Amazônia’do Programa de Pós-Graduação da UEPA, citado anteriormente, que abarca larga produção nesse sentido.

Também é notável que 75% dos trabalhos sobre educação não escolar apresentados nos CBHE’s foram produzidos por mulheres, sendo menor a participação dos homens com esse tipo de temática.

Considerações finais

A educação não escolar tem sido tema de discussão na área educacional nos últimos anos, configurando-se como um campo científico emergente.

Nossa intenção neste artigo foi verificar a inserção desse campo de estudos no Congresso Brasileiro de História da Educação, desde o seu início em 2000 até 2017, quando ocorreu a nona edição do evento bienal agregando estudiosos do campo da história da educação de todo o Brasil.

Constatamos que o número geral de trabalhos inseridos na área da educação não escolar é ainda tímido, demonstrando ser essa uma área em consolidação. A análise dos títulos e resumos dos trabalhos apresentados nas nove edições do CBHE permitiu-nos perceber que ainda é bem pequeno o espaço desse campo investigativo no âmbito do evento, uma vez que o percentual dos trabalhos responde por apenas 1,3 % do total dos 5.525apresentados ao longo dessas edições.

Os dados apontam para o escolacentrismo do evento e, consequentemente, para o silenciamento de outras formas de se ensinar e aprender pelos quais milhares de pessoas socializam-se ou educam-se cotidianamente. Porém, embora a somatória dos trabalhos voltados para a ENE seja numericamente menos expressiva e percentualmente baixa, a persistência desses trabalhos em todos os eventos é um indício da pertinência da temática como campo de estudo em desenvolvimento.

Ao esmiuçarmos os trabalhos sobre educação não escolar apresentados e notarmos a presença difusa do tema em eixos diversificados, compreendemos que há um campo de estudos fértil que aborda uma multiplicidade de aspectos referentes à educação existente fora do espaço escolar que, em nosso entendimento, não pode ser simplesmente ignorado pelos estudiosos da educação, considerando, inclusive, tratar-se de uma das diretrizes curriculares para a formação do pedagogo.

Percebemos que a educação não escolar abarca um múltiplo cenário e objetos de estudos voltados para a educação do cotidiano e/ou para a educação não formal recorrente em ambientes outros que não a escola. No que se refere à temporalidade, notamos, porém, a escassez de trabalhos situados no período colonial brasileiro, já denunciada por Thais Fonseca em 2003.

Os trabalhos analisados demonstram a importância da retomada do debate epistemológico sobre a natureza do educar e seus sentidos, em direção a um conceito amplo de educação capaz de abranger as complexas e multifacetadas formas de ser e aprender. Isso implica a reflexão sobre as diversas modalidades de educação, incluindo tanto a que ocorre no seu lugar privilegiado, a escola, mas também as denominadas educação informal, não formal, social ou do cotidiano pois, a despeito dessas diferentes formas de aprender, compreendemos que tanto a educação escolar quanto a que ocorre fora dos muros institucionais devem ser matéria de interesse dos estudiosos da área, ensejando estudos e pesquisas.

O entendimento da educação como cultura exige do pesquisador a aproximação com outras áreas do conhecimento como a sociologia e a antropologia, por exemplo, pelo que consideramos a fertilidade da história cultural como forma de abordagem das diversas formas pelas quais, historicamente, homens e mulheres constroem suas subjetividades, seja na ambiência da escola, seja em espaços outros igualmente implicados na formação humana. O artigo revela, contudo, que a despeito da fertilidade da história cultural nas análises sobre educação desde um ângulo histórico-cultural, ainda é tímido tal enfoque no âmbito das produções veiculadas pelos CBHE’s, configurando-se tal perspectiva de abordagem como campo de possibilidades a ser mais bem explorado pelas pesquisas em educação no Brasil.

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1Conferir à propósito as dissertações: Abbate (2016) e Souza (2018).

2Alguns exemplos de dissertações da linha: Mota Neto (2008), Góes (2009) e Costa Junior (2017).

3Alguns exemplos: Zen (2018) e Queiroz e Paiva (2018).

4Alguns exemplos: Cunha (2018) e Adorno (2018).

6Nos anais do VIII e IX CBHE, realizados em 2015 e 2017, respectivamente, não consta a instituição de origem dos trabalhos apresentados. Por isso, na análise referente à procedência, os trabalhos destes dois eventos foram excluídos.

9Como citar este artigo: Albuquerque, M. B. B., & Buecke, J. E. O. (2019). Educação não escolar: balanço da produção presente nos congressos brasileiros de história da educação. Revista Brasileira de História da Educação, 19. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v19.2019.e069

10Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 13 de Março de 2018; Aceito: 16 de Abril de 2019

*Autor para correspondência. E-mail: mbetaniaalbuquerque@uol.com.br

Maria Betânia Barbosa Albuquerqueé Doutora em Educação pela PUC/SP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra, PT. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail:mbetaniaalbuquerque@uol.com.br http://orcid.org/0000-0002-9681-9293

Jane Elisa Otomar Bueckeé Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA); Bolsista do CNPQ/UEPA. E-mail:janebuecke@yahoo.com.br http://orcid.org/0000-0001-5055-4210

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