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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.20  Maringá  2020  Epub 01-Abr-2020

https://doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e107 

ARTIGO ORIGINAL

Venho por meio desta: escolas radiofônicas e cotidiano nas cartas do movimento de educação de base em Pernambuco (1961-1966)

I hereby request: radio schools and the daily life in the letters of the Basic Education Movement i n the State of Pernambuco (1961-1966)

Vengo por medio de esta: escuelas radiofónicas y cotidiano en las cartas del Movimento de Educação de Base en Pernambuco (1961-1966)

Kelly Ludkiewicz Alves1  * 
http://orcid.org/0000-0002-5487-2758

1Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.


RESUMO

Resumo: Contamos a história do ‘Movimento de Educação de Base’ (MEB) em Pernambuco, através da experiência dos monitores e alunos, que por meio das cartas deram visibilidade aos limites e às suas expectativas em relação à alfabetização. Partindo da história cultural e da história da cultura escrita, apresentamos as características de produção, circulação e o conteúdo das cartas, que em diálogo com a história da educação, permitiu identificar na experiência cotidiana as estratégias mobilizadas para o funcionamento das escolas radiofônicas, que possibilitaram a formação de uma comunidade de escreventes, em torno do intercâmbio epistolar e da circulação dos conteúdos educativos pelo rádio, práticas que transformaram as escolas radiofônicas em espaços de aprendizagem, produção e circulação da cultura popular.

Palavras-chave: história da educação brasileira; educação de jovens e adultos; documentos não oficiais

ABSTRACT

Abstract: We tell the story of the Basic Education Movement in Pernambuco, through the experience of the monitors and students, who through the letters gave visibility to the limits and expectations regarding literacy. Starting from the cultural history and the history of written culture, we presented the characteristics of production, circulation and content of the letters, which in dialogue with the history of education allowed to identify in the daily experience the strategies mobilized to the operation of radio schools, which made possible the formation of a writing community, with exchange of letters and the circulation of educational content through radio, practices that transformed radio schools into spaces for learning, production and circulation of popular culture.

Keywords: history of Brazilian education; youth and adult education; non-official documents

RESUMEN

Resumen: Contamos la historia del Movimento de Educação de Base (MEB) en Pernambuco, a través de la experiencia de los monitores y alumnos, que por medio de las cartas dieron visibilidad a los límites y a sus expectativas en relación a la alfabetización. Partiendo de la historia cultural y de la historia de la cultura escrita, presentamos las características de producción, circulación y el contenido de las cartas, que en diálogo con la historia de la educación, permitió identificar en la experiencia cotidiana las estrategias movilizadas para el funcionamiento de las escuelas radiofónicas, que posibilitaron la formación de una comunidad de escribientes, en torno del intercambio epistolar y de la circulación de los contenidos educativos por la radio, prácticas esas que transformaron a las escuelas radiofónicas en espacios de aprendizaje, producción y circulación de la cultura popular.

Palabras clave: historia de la educación brasileña; educación de jóvenes y adultos; documentos no oficiales

Introdução

“Vou pegar no meu lapis para lhe mostra as minhas letras e o que eu já a prendi na escola radiofônica que eu não sabia de nada e hoje em dia graças a deus eu já sei escrever um bilhete e qualquer nome e descupe os erros e borrãoes pela primeira vês” (CEDIC-PUC-SP, 1964a).

As pesquisas em história da educação têm enfatizado, nas últimas décadas, a construção de uma história cultural da escola, em que é possível trabalhar com variadas possibilidades de temas e fontes. A partir dessa produção, que estabelece relações entre o prescrito - as ideias e as normas - e o efetivo - as práticas, a educação passou a ser historicamente e socialmente construída como objeto, e os saberes pedagógicos analisados em sua relação com a cultura (Carvalho, 1998). Por meio do diálogo entre o campo da história da educação e oda história cultural (Burke, 2005), foi possível ampliar as problemáticas, os objetos e os tipos de fontes utilizadas nas pesquisas, pondo fim ao predomínio de trabalhos que se centravam nas grandes reformas e políticas educacionais implementadas ao longo da história da educação brasileira.

Tomando parte desta perspectiva de olhar para o passado investigamos um conjunto de cartas escritas pelos monitores e pelos alunos que frequentaram as escolas radiofônicas criadas pelo Movimento de Educação de Base [MEB], para promoção da alfabetização dos adultos no Estado de Pernambuco, entre os anos de 1961 a 19661, tendo como proposta apresentar neste trabalho as características da produção, circulação e o conteúdo das cartas, a partir da utilização das fontes cotidianas na história da educação (Gómez, 2002, 2003). Buscamos nas cartas vestígios das interações entre norma e prática, de modo a construir uma ‘abordagem integradora’, compreendendo o MEB a partir das ligações entre o modelo de educação via programação radiofônica, o currículo das aulas e as práticas desenvolvidas por seus agentes no cotidiano das escolas.

As pesquisas que tomaram o MEB como objeto de estudo, algumas delas produzidas por pessoas engajadas no movimento, abordam de uma forma geral, as relações entre o modelo de educação, a proposta pedagógica e a conjuntura política de sua criação. Por meio destes trabalhos é possível conhecer, ademais, os aspectos relativos à estrutura do movimento em sua relação com o Estado, investigados no âmbito de uma história das políticas educacionais institucionais, dos movimentos sociais e das ideias e modelos pedagógicos (Fávero, 2006; Kadt, 2007; Beisiegel, 2004; Costa & Brandão, 1985; Wanderley, 1984; Paiva; 1983). Em pesquisa mais recente, preocupou-se em identificar as especificidades do movimento no que se refere à cultura, educação e transformação social, tendo em vista as marcas resultantes da sua relação com a Igreja Católica, de modo a compreender a atuação do MEB no contexto dos anos 60, tendo em vista sua orientação religiosa (Gonzalez, 2011).

Apesar de não estar diretamente voltada para a discussão dos aspectos educativos do MEB, vale destacar uma pesquisa desenvolvida no campo da história social, que também buscou nas cartas os vestígios para demarcar a experiência e o engajamento político dos camponeses, tratando a escola radiofônica como um espaço de relações. Nelas, os trabalhadores rurais puderam pôr em prática sua noção própria de modernização, configurando-as como espaços de produção de relações e representações políticas singulares relativas à escola, ao sindicato, ao trabalho, ao direito a terra e ao uso do rádio como veículo de comunicação, informação e lazer (Souza, 2006). A circulação de tais representações políticas singulares se deu tendo em vista a inserção do rádio nas escolas e a comunicação pelas cartas, como elementos que constituem essa modernidade, incorporados como “[...] mecanismos ágeis de comunicação social a serviço da comunidade” (Souza, 2006, p. 27). Nesse aspecto, as escolas radiofônicas constituíram espaços de inserção das populações rurais no universo da cultura escrita, de modo a integrá-las ao projeto de modernização da sociedade brasileira defendido pelos intelectuais e militantes políticos.

A circulação das cartas que eram lidas na programação radioeducativa possibilitou o estabelecimento de uma comunidade de escritores, leitores e ouvintes em torno do intercâmbio epistolar (Petrucci, 2003). A leitura e a resposta das cartas enviadas às rádios, como parte do Programa da Comunidade, que integrava a programação especial veiculada aos finais de semana, possibilitou a circulação de questões relacionadas ao conteúdo das aulas radiofônicas e a formação dos monitores e dos alunos, assim como, a organização e a dinâmica de funcionamento das escolas, por meio das notícias sobre a organização de festas, sorteios e rifas para a manutenção e compra de materiais didáticos.

O estabelecimento dessas redes de escreventes e ouvintes contribuiu para a organização dos camponeses, como fruto da dinâmica de funcionamento das escolas radiofônicas, transformando-as em espaços de aprendizagem, produção e circulação da cultura popular. Dessa forma, os camponeses deram visibilidade às suas expectativas em relação à alfabetização e revelaram também os limites para sua realização.

A combinação do uso do rádio com o intercâmbio epistolar para fins educativos, enquanto tecnologias disponíveis à circulação dos conteúdos, da informação e da cultura popular permitiram acessar as regiões mais distantes do Estado e intercambiar informações, estabelecendo ‘diálogos’ entre ausentes, ao modo mais antigo que se tem notícia na história da humanidade. O hábito de escrever uma carta a um parente distante sempre fizera parte da cultura dos camponeses, mesmo das pessoas não alfabetizadas que costumavam pedir a outros que escrevessem as missivas em seu lugar. Foi graças às cartas que as questões da comunidade circularam nas ondas do rádio.

Cartas dos monitores e dos alunos: a comunicação pela escrita

Os historiadores que se dedicam a investigar a história da cultura escrita e da escrita epistolar no continente europeu nos contam que escrever cartas é uma prática tão antiga quanto à da própria escrita. Definida por Cícero como a comunicação entre ausentes, a forma tradicional de escrita epistolar começara a se estabelecer já na Grécia Clássica e segue seu desenvolvimento ao longo da Roma Antiga. Naquele período começam a aparecer nas cartas os temas mais cotidianos da vida, ainda que a produção das missivas estivesse restrita aos meios eclesiásticos e à nobreza, grupos aos quais se restringia o acesso à escrita naquele momento (Gómez & Blas, 2014).

No século XI com a emergente alfabetização que começa a se processar no final da Idade Média, as trocas de cartas passam a ser mais frequentes e intensas, dando início a uma ‘civilização epistolar’, que se consolidou entre os séculos XVI e XVIII. No século XX entre 60 e 90% da população europeia já detinha o conhecimento da leitura e da escrita, de modo que o aumento significativo da troca de correspondência nesse período é considerado pelos pesquisadores como um dos indicadores do ingresso maciço dos europeus nos universos da escrita e da leitura2.

A carta expressa, sobretudo, a necessidade de comunicação entre pessoas ausentes e o fim do silêncio entre as mesmas, apesar da distância geográfica que possa existir entre elas (Petrucci, 2003). Sendo assim, seus conteúdos possuem distintas motivações e formas. Escrever uma carta serve para comunicar ao outro um sentimento, que pode ser de alegria, de gratidão, de inquietude ou de lamento. Por meio de uma carta pode-se dar uma recomendação, pedir um conselho, solicitar um favor ou contar uma boa nova.

Apesar da diversidade de temas que aparecem nas cartas por nós analisadas, podemos falar da existência de um estilo epistolar de escritura cuja característica principal seria a oscilação entre a expressão descuidada dos sentimentos e das vivências do escritor ou da sua individualidade, e as convenções literárias da escrita, característica dos textos dotados de intencionalidade narrativa, como, por exemplo, os trabalhos literários. Na escritura epistolar tais convenções se expressam por meio de certos protocolos de civilidade que devem estar presentes na estrutura da carta.

Trata-se de um sistema básico, funcional e simples, constituído de cabeçalho, saudação do remetente ao destinatário, um breve preâmbulo, eventualmente, uma exposição de noticias e/ou pedidos, um encerramento com cortesias, saudações, bons votos e, por último, a assinatura do remetente, que só falta nos casos em que já tenha sido incluído de algum modo no início ou quando, por um motivo qualquer, se prefira não incluí-la (Gómez & Blas, 2014, p. 93, tradução nossa)3.

As cartas mostram, ao longo do tempo, um modelo estrutural da escrita epistolar que se reproduziu e se difundiu, modulando, em alguma medida, o que seriam as dimensões fundamentais que entram em jogo no momento em que seu autor começa a escrever as primeiras palavras. Estas se referem tanto a uma espécie de etiqueta que envolve a escrita de uma carta, quanto a um sentimento pelo qual o autor é tomado no instante em que dedica um momento de seu tempo para comunicar-se com alguém que está distante. A carta tem o poder de estabelecer laços de tempo entre aqueles que se aventuram a tarefa de exprimir-se utilizando a tinta e uma folha de papel. A carta torna real o ausente.

A definição das regras epistolares básicas para o estabelecimento das partes que compõem a carta - cabeçalho, preâmbulo, notícia, saudações e despedida - difundida ao longo dos três primeiros séculos da denominada Era Moderna, foi incentivada e aprendida por imitação, visto que a pessoa que recebe a carta procura respondê-la numa estrutura correspondente à daquela que lhe foi enviada (Gómez & Blas, 2014). A escola também desenvolveu a aprendizagem da escrita epistolar por imitação, ensinando a escrita da carta a amigos e familiares, e promovendo experiências pontuais de intercâmbio escrito entre estudantes de distintas regiões e países (Blas, 2003; Gómez & Blas, 2014). Outro fator fundamental para a fixação das regras da escritura epistolar foi a publicação de manuais de escrita epistolar em diversos países europeus, a partir do século XVII, que tinham como objetivo principal fixar a estrutura básica e os elementos que deveriam compor uma carta.

No Brasil, tais manuais começaram a circular a partir do século XVIII, embora a primeira obra do gênero em português, Corte na Aldeia, de Francisco Rodrigues Lobo, tenha sido publicada em Lisboa já em 1619. A obra, de cunho prescritivo no caráter típico dos livros de civilidade e dos manuais epistolares da época, fora editada no contexto da dominação espanhola e pretendia levar aos aldeões os modos da corte, divulgando-se para além das fronteiras do reino os princípios da etiqueta, ou o ‘comportamento político agradável’ que deveria ser expresso por todos os membros sob seu julgo. Quanto ao uso da língua portuguesa, o livro se detém em regrar duas práticas fundamentais: a conversação vulgar, que modula o diálogo entre dois personagens, e a escrita dos indivíduos em sociedade, cuja norma se regeria pela civilidade em oposição à individualidade (Barbosa, 2011).

Essas publicações tiveram importância fundamental na perpetuação do modelo epistolar que conhecemos hoje e que seguimos praticando ainda que em novos suportes. De um lado, a cortesia e o trato adequado que devemos ter para com aqueles a quem nos dirigimos que se manifesta nas saudações formais que costumam iniciar a missiva, bem como nos votos de bem-estar que costumam introduzir os assuntos. Em seguida, declarar ao destinatário a intenção da correspondência que, no caso das cartas que investigamos, consistia em dar notícias das escolas radiofônicas, relacionadas à sua organização, à aprendizagem dos alunos e seu desempenho nas aulas, ou a troca de informações dentro da comunidade.

De outro lado, emerge a intimidade que o relato das coisas costuma despertar. Ao contar um acontecimento, algo de nossa intimidade se deixa manifestar sobre o papel, dando a quem nos lê alguns vestígios de nossas ideias e vivências. Através das cartas que monitores e alunos escreveram podemos acessar as ideias, as expectativas e encontrar traços da história pessoal e familiar de seus escreventes. As cartas também nos revelam indícios sobre a realidade do contexto histórico dos momentos em que foram escritas e, desse modo, permitem-nos estabelecer relações entre cultura escrita e a sociedade que a produziu.

Hoje ninguém questiona que as cartas sejam fontes imprescindíveis para escrever as biografias, se aprofundar nas mentalidades e formas de vida de uma dada sociedade, reconstruir redes interpessoais do tipo político, social, econômico ou cultural, ou recuperar o peso das emoções no curso da historia (Gómez & Blas, 2014, p. 19, tradução nossa)4.

Para discutirmos os aspectos relacionados às condições de produção, as cartas por nós pesquisadas serão apresentadas a partir das seis perguntas básicas, propostas por Erasmo de Rotterdam em A arte de escrever cartas e, em torno das quais sintetizamos o contexto de produção, a materialidade e as motivações que levaram a sua escrita: Quem? A quem? Por quê? O quê? De que forma? Quando?

Seus autores são as monitoras e os monitores que realizaram o trabalho de alfabetização e as alunas e alunos que frequentaram as escolas radiofônicas criadas pelo MEB em Pernambuco. Seus destinatários são as equipes de supervisão do MEB, formadas por professores-locutores e supervisores que, em conjunto, realizavam o treinamento dos monitores, a abertura de novas escolas radiofônicas, as visitas de supervisão e a elaboração dos roteiros das aulas que eram transmitidas diariamente pelo rádio.

Sobre o porquê das cartas podemos dizer que a motivação principal da escrita era noticiar as equipes de supervisão sobre o andamento das aulas e o funcionamento das escolas radiofônicas, assim como fazer alguma pergunta ou solicitação. Dessas motivações centrais derivavam os distintos assuntos tratados nas missivas, entre eles, os pedidos de materiais, cartilhas e de músicas, que eram dedicadas aos amigos e aos familiares, o envio de remessas de dinheiro ao MEB para pagamento dos materiais encomendados, notícias sobre a matrícula e a frequência dos alunos, sobre o funcionamento do rádio e horário das emissões radiofônicas. Com relação aos conteúdos das aulas radiofônicas foram frequentes as cartas escritas para tirar alguma dúvida ou dar sugestões de assuntos para serem abordados pelas professoras-locutoras.

Sobre os demais temas que eram abordados pelos autores das cartas e que estavam mais relacionados à sua vida pessoal, alguns pesquisadores, que trabalharam com a análise de fontes epistolares em outro contexto, identificaram maior recorrência de temas ligados a aspectos cotidianos da vida do escrevente como, por exemplo, notícias sobre familiares ou acontecimentos extraordinários, tais como casamentos, nascimentos, mudanças de cidade e doenças, conforme o grau de proximidade entre o escritor e seu leitor (García, Juberías & Romero, 1996). Apesar de não conseguirmos delimitar com precisão o grau de proximidade que se estabeleceu entre as comunidades e os membros das equipes do MEB, muitas cartas também relatam notícias da vida pessoal dos monitores e dos alunos. Em algumas ocasiões tratava-se de comunicar alguma mudança repentina que levaria o remetente a deixar de frequentar as aulas. Há ocasiões em que podemos perceber uma relação de amizade entre monitores e supervisores em missivas nas quais o autor dá notícias sobre sua vida, de seus familiares e da comunidade. As condições de trabalho a que estavam submetidos os trabalhadores rurais também aparecem em algumas cartas, às vezes em forma de denúncia.

Sobre a materialidade das cartas, eram escritas, na maior parte das vezes, em folhas de caderno com pauta de diversos tamanhos e muitas delas manuscritas a lápis ou à caneta esferográfica azul com letra cursiva. O tamanho das cartas variava bastante, tendo em média de uma a duas folhas, sendo mais breves as dos alunos do que aquelas escritas pelos monitores, pois em geral, contavam em poucas linhas algo de sua experiência como aluno da escola radiofônica. Para chegar aos seus destinatários as cartas eram levadas por um portador informal, geralmente um conhecido, que as fazia chegar ao seu destino final. Pelos poucos envelopes conservados é difícil estipular com que frequência as cartas eram enviadas por agentes dos correios. O certo é que foram utilizadas como o principal meio de comunicação entre as escolas radiofônicas e as equipes de supervisão durante todo o funcionamento do MEB nos vários Estados em que ele atuou.

Outro aspecto que destacamos é que as cartas reproduzem, possivelmente por imitação, a estrutura convencional epistolar que apresentamos anteriormente, uma vez que muitos de seus autores talvez nunca tenham tido contato com um manual de escrita epistolar. São, em geral, as escritas pelos monitores as que mais se aproximam da estrutura epistolar, no que se refere à organização e a riqueza das narrativas.

Entretanto, os alunos também reproduziam a distribuição básica das seções de saudação, desenvolvimento e despedida para construir seus relatos. Costumavam iniciar seus escritos com saudações às supervisoras ou às professoras do MEB - “Desejo que esta cartinha encontre todas gosando saúde e felicidade” (Centro de Documentação e Informação Científica [CEDIC-PUC-SP], 1964b) - manifestavam também o contentamento em relação ao próprio fato de escreverem contando suas notícias, pois, para a maioria aquela era a primeira vez que tomavam um lápis para escrever uma carta a alguém: “Esta primeira vez que pego no meu amavel lapis somente para dar os meu sincero agradesimentos” (CEDIC-PUC-SP, 1963a). Seu ingresso no universo da escrita por meio da alfabetização provocava a aproximação de alguém distante com quem podiam compartilhar sobre seu cotidiano na escola, o que se traduzia num sentimento positivo que contagiava e caracterizava, de modo geral, o preâmbulo das cartas: “[...] minha saudável supervisões e neste momento feliz que pego no meu pobre lápis para dizes o que sinto escrito por mim mesmo” (CEDIC-PUC-SP, 1964c).

Vemos que os alunos tentavam expressar por meio da escrita seu contentamento pelo fato de frequentarem a escola radiofônica e se alfabetizarem, associando-o a fatores diversos, como o trabalho dos monitores, as aulas radiofônicas e a atuação do MEB em sua comunidade. Também expressavam a crença de que somente por seu esforço pessoal e com a ajuda de Deus conseguiriam aprender os conteúdos das aulas.

Além de serem mais concisas, os materiais e as grafias revelam o relativo distanciamento e diferentes níveis de apropriação dos alunos com relação à escrita, que nos possibilita ver na ‘disciplina do gesto’, os elementos reveladores do desenvolvimento da habilidade e da familiaridade com a mesma. De modo geral, certa imperícia ou descontinuidade se revelam no desenhado das letras, na distribuição irregular do texto na folha ou desacerto dos parágrafos, no uso de abreviações e da linguagem coloquial, na separação desacertada das sílabas, no emprego inseguro da maiúscula e dos sinais de pontuação.

Quanto às cartas escritas pelos monitores, apresentam uma expressiva diversidade em seu conjunto, tanto no que se refere à materialidade, quanto aos distintos níveis de apropriação da linguagem escrita, que se revelam na estruturação dos tópicos da carta, na apresentação do conteúdo, na habilidade do manejo da caneta ou lápis para desempenho da grafia. Havia uma visível heterogeneidade do grupo em relação ao acesso e aos usos da escrita, porém podemos identificar uma estrutura recorrente no conjunto das suas cartas escritas a partir de certas características que estruturamos em quatro partes.

A primeira delas refere-se à forma de iniciar a missiva, com uma saudação afetuosa ou respeitosa. Ao se dirigirem a seus destinatários os monitores geralmente utilizavam termos que denotavam respeito ao seu interlocutor, tais como prezada, cara, querida e amiga e, em alguns casos, aplicavam expressões polidas e gentis, como ‘meu cordial bom dia’. A maioria se dirigia às supervisoras ou professoras pelo nome, após a saudação, visto que monitores, em geral, conheciam os membros da equipe local pelos encontros de treinamento e das visitas de supervisão que se fazia às escolas radiofônicas. Há algumas cartas em que o monitor utiliza uma saudação mais genérica, se dirigindo à equipe do MEB, entretanto, é um tipo de introdução mais raro entre as cartas dos monitores que, de forma geral, conheciam os representantes do movimento em sua comunidade, e dirigia a eles diretamente suas notícias e demandas.

O segundo momento está relacionado à manifestação no preâmbulo da carta de sentimentos ou desejos positivos ao seu destinatário. Poderia tratar-se de votos de saúde ou de bem-estar dirigidos às supervisoras ou a equipe de um modo geral, desejando-lhes “[...] mil felicidade para todas équipe do mebi” (CEDIC-PUC-SP, 1964d), ou lhes mandando mensagens de otimismo: “Faço votos a Deus para que estas duas linhas chegue ao seu alcanse encontrando-a disposta a enfrentar a missão que o mesmo Deus confiou” (CEDIC-PUC-SP, 1964e). Após as saudações iniciais, também ocorria de manifestarem sentimentos positivos e de felicidade em relação à própria carta ou ao momento de sua escrita: “E com muita alegria que eu lhe escrevo” (CEDIC-PUC-SP, 1964f); “Ao fazer esta ficamos em paz!” (CEDIC-PUC-SP, 1964g); “Aqui ate este momento estamos todos em pas” (CEDIC-PUC-SP, 1964h); “Aqui todos em paz graças ao Pai Onipotente e bem de aulas” (CEDIC-PUC-SP, 1964i); “É com uma imensa saudade” (CEDIC-PUC-SP, 1964j). Em outros casos, o monitor introduzia a carta com um agradecimento: “Aqui vou primeiramente agradicer muito” (CEDIC-PUC-SP, 1963b); ou com o motivo geral da correspondência, por meio das expressões: “Venho por meio dessa lhe dar minhas notícias [...]” ou “[...] escrevo-lhe para dar minhas notícias”.

Em seguida, a apresentação ao leitor, das notícias ou das solicitações de envio de materiais, folhas de matrícula e de frequência no desenvolvimento da carta. Era comum que reproduzissem também os termos aprendidos em aulas ou nos treinamentos e descrevessem os seus alunos por meio de expressões como, ‘animados’, ‘desanimados’ e ‘entusiasmados’, ou o uso de ‘boa-vontade’ para referir-se aos desafios cotidianos que implicavam à alfabetização dos adultos na escola radiofônica. Também mencionavam elementos do conteúdo transmitido nas aulas e narravam, ainda que muitas vezes de forma indireta, elementos que permeavam o cotidiano dos camponeses, fossem referentes ao acesso à leitura e à escrita ou à condição de trabalho, organização da comunidade em outros espaços ou eventos e aspectos ligados à cultura e à religiosidade. Nesses casos, a narrativa refletia os períodos cíclicos das festas e das colheitas que determinavam a vida quotidiana dos alunos e, em muitos casos, a dinâmica de funcionamento das escolas radiofônicas.

Era comum que no momento da despedida, os monitores finalizassem suas missivas compedidos de escusas por eventuais erros e faltas, geralmente seguidos de votos de felicidade e anseios de um futuro encontro ou reencontro: “[...] talvez ainda var air no MEB, neste corente para nos converça” (CEDIC-PUC-SP, 1963c). Exprimia-se também o desejo de estar pessoalmente com as supervisoras ou com alguém da equipe do MEB numa visita à escola radiofônica ou num possível treinamento.

As características de produção e a materialidade das cartas nos dão indícios para conhecermos de forma mais aprofundada a relação que seus escreventes estabeleceram com o acesso à cultura escrita, e a forma como se apropriaram desta por meio de práticas -dentre as quais está o costume tão antigo de escrever cartas - que possibilitaram seu uso como forma de comunicar suas experiências, expectativas, sentimentos e demandas com relação à alfabetização e à escola radiofônica.

Alfabetização, cultura popular e educação: o cotidiano das escolas radiofônicas

Além de narrarem suas experiências como monitores ou como alunos a partir de seus distintos níveis de apropriação e de uso da escrita, como vemos expressado na materialidade das cartas, seus autores deram à circulação epistolar um caráter educativo e cotidiano. Por meio do envio das cartas se formou o que Armando Petrucci (2003) definiu como sendo uma ‘comunidade de escreventes’, que possibilitou o estabelecimento de laços de amizade e o fortalecimento de ideais políticos ou religiosos entre seus membros.

Assumindo essa perspectiva buscamos compreender a cultura dos monitores e alunos, tendo em vista o contexto histórico específico de sua produção, revelando a potência que constitui a experiência e a consciência dos camponeses. Assim, identificamos os elementos da cultura popular, como “[...] um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole” (Thompson, 2011, p. 17), e como o resultado das práticas e dos múltiplos processos de assimilação e resistência possíveis no cotidiano (Williams, 1992). Queremos conhecer a participação dos camponeses no cotidiano de funcionamento das escolas, compreendendo-a a partir das práticas em torno das aulas e da organização cotidiana, práticas essas que nos dão indícios de como a cultura popular pode ser um instrumento de mobilização e organização política naquele contexto.

Apesar do intercâmbio de cartas promovido pelo MEB se restringir a um número limitado de ouvintes ligados a cada sistema de rádio, as emissoras constituíram um canal de comunicação de tipo aberto, que promovia a circulação de informações entre a comunidade mais ampla de pessoas, vinculadas a grupos políticos e religiosos adjacentes ou que compartilhavam condições de vida e de trabalho muito semelhantes. Nesse aspecto, vale destacar o papel de destaque que o rádio possuía naquela conjuntura, como meio de comunicação de massae veículo privilegiado para a promoção da alfabetização dos adultos. Assim como o lugar de centralidade que ocupou no cotidiano das escolas radiofônicas, e a forma como foi apropriado pelos camponeses (Souza, 2006), elementos que também contribuíram para que essa comunidade de escreventes pudesse trocar informações e experiências de forma mais abrangente.

Outro fator que podemos acrescentar se refere à dinâmica de elaboração das aulas radiofônicas, que buscava estabelecer uma relação mais colaborativa para a definição dos conteúdos que seriam transmitidos diretamente aos alunos e aos monitores5. Havia por parte das professoras locutoras a preocupação de atender, durante a programação, as demandas e necessidades das escolas com as quais tiveram contato, fosse por meio dos treinamentos, dos relatos dos monitores, das visitas de supervisão ou das cartas. Assim, além das aulas semanais para os alunos havia a orientação para que fossem feitos, “[...] na medida do possível, programas especiais para a comunidade e o monitor, incluindo uma síntese da mensagem das aulas da semana” (Movimento de Educação de Base [MEB], 1962). Dessa programação, que era transmitida aos finais de semana, faziam parte o Programa do Monitor, o Programa da Comunidade e as aulas de conteúdo religioso como, por exemplo, o catecismo e as missas dominicais: “Embora o MEB não seja confessional (porque se destina a todos), isso não implica em que não sejam emitidas aulas de religião” (MEB, 1962).

Diversas técnicas eram sugeridas pelas equipes do MEB com o objetivo de motivar os alunos e os monitores, despertando seu interesse pela programação radiofônica, o que criou espaços de interação e circulação da cultura popular. As técnicas variavam de dramatizações, diálogos e novelas. Outra orientação era de que procurassem conseguir a participação dos monitores e alunos na feitura dos programas, por meio dos pedidos de gravações de músicas e da realização de concursos de envio de poesias ou outros tipos de composições.

A leitura das cartas foi uma das maneiras adotadas para incentivar a participação de alunos e monitores, estimulando-os como ouvintes e como escritores das missivas e dos poemas enviados para compor a programação. O envio das cartas era, inclusive, incentivado durante o Programa do Monitor: “[...] quando nós pedimos que nos escrevam, é porque para as aulas é importantíssima a opinião do monitor. É através dêle que as professoras sabem o que os alunos pensam, e podem mudar aulas e fazer novas aulas, atendendo um pouco ao que vem de todos” (MEB, 1963).

Em um relatório das atividades do MEB em Pernambuco no ano de 1964 considera-se que

É bastante significativo o número de cartas de monitores e alunos, que as equipes recebem. Observa-se que eles sentem prazer em escrever, representando isso no processo educativo não somente mais um meio de comunicação como também numa oportunidade para desenvolvimento da escrita (MEB, s.n.a).

Ao longo de 1964 os sistemas do MEB, em Pernambuco, receberam o total de “[...] 258 cartas de alunos e 1471 cartas de monitores, sendo a maioria delas respondida através do rádio” (MEB, s.n.a). No ano seguinte, o intercâmbio foi maior, foram recebidas 2187 cartas de monitores e líderes e 662 de alunos. Para o MEB as cartas tinham uma função importante na comunicação e na prática da escrita e foram também utilizadas em alguns treinamentos de formação de monitores. Como consta em um relatório de 1965, as correspondências ajudavam, entre outras coisas: “[...] no conhecimento do nível de aprendizagem de monitores e alunos; na descoberta da situação das escolas e das localidades; na atuação de alunos e monitores em assuntos das escolas e das comunidades; na adaptação dos programas” (MEB, s.n.b).

A quantidade de cartas que foram enviadas às rádios evidencia o êxito do incentivo dado pelo MEB para que os monitores e os alunos escrevessem. Como temos apontado, suas narrativas são muito variadas em termos de temas e conteúdos. Desse modo, a identificação dos assuntos, a partir da classificação por meio de palavras-chave e da ordenação em um banco de dados, possibilitou organizar os temas recorrentes nas fontes por blocos de assuntos, mapeando, assim, algumas das informações contidas nas cartas.

Abordando de um modo geral os aspectos da vida cotidiana, os relatos têm duas dimensões distintas: de um lado, a dimensão do ensino e da aprendizagem e, do outro, a dimensão organizacional e material das escolas. Sobre esta última, identificamos aqui, como aspectos referentes à organização do espaço e do tempo escolar. Destas também fazem parte os assuntos relacionados à dinâmica de funcionamento das escolas. Era comum que os monitores escrevessem para solicitar materiais e comunicar o envio de remessas de dinheiro para pagamento dos mesmos, para remeter folhas de matrícula e frequência, tirar dúvidas sobre os procedimentos de matrícula dos alunos, sobre a radicação de novas escolas e o fechamento de outras.

Quando uma escola radiofônica era aberta em uma localidade o monitor recebia do MEB um kit básico com o material necessário para dar início as atividades da escola.

O MEB tem fornecido sempre o receptor cativo, com as primeiras quatro pilhas, os livros de leitura, as fôlhas de matricula e de frequência. Atualmente, fornece também [...] o fio e as castanhas para a antena. Em alguns Sistemas já pode assegurar a presença de um técnico para proceder à instalação do receptor (MEB, s.n.c).

Os espaços destinados ao funcionamento eram, geralmente, muito simples e precários, variando entre uma sala ou construção cedida pelo proprietário de alguma fazenda, salões paroquiais, centros comunitários, barracões construídos para esse fim, escolas isoladas ou grupos escolares e, muito frequentemente, na casa dos próprios monitores. A monitora Isabel, escrevendo à supervisora para se desculpar por erros didáticos cometidos por distração sua na ocasião de uma visita de supervisão, argumenta: “[...] não sei se foi na ocasião que você estava na cosinha conversando com os de casa” (CEDIC-PUC-SP, s.n.). E em outros relatos também se menciona: “Eu estou dando aula em casa” (CEDIC-PUC-SP, 1964k) ou “[...] vou encinar aqui em casa com 10 ou 12 alunos porque os outros nao querem estuda mais” (CEDIC-PUC-SP, 1964l). Ou, como explicava o monitor Antonio, “Por motivo superior a escola Santa Terezinha não está funcionando mais no povoado da Cruz do Borges e sim na minha casa” (CEDIC-PUC-SP, 1964m).

Em geral, os espaços de aula funcionavam “[...] com instalações pobres, nada mais que mesa e bancos de madeira rústica, arranjados no local ou feitos pelos próprios monitores e alunos” (Fávero, 2006, p. 57):

E para a sertar o salão da escola o pessuar está muito animado mais não tem salão não tem assento e não pode escrever em pé porque em pé não se faz nem a refeição o meu patrão não se interesa a nada, mais eu sei que para o salão êle me arruma a, madeira, e a telha. Isto eu seio que êle me aruma já fica mais maneiro para a escola. Eu tenho um quarto pegado com a casa é só mente almentar se enteresa aumentar é só avizar não precisa de carpina eu mesmo trabalho nisso (CEDIC-PUC-SP, 1966).

A iluminação era feita pelo lampião a querosene, o ‘aladdin’, que muitas vezes ficava ‘sem carrego’, sendo comuns os casos de iluminação insuficiente para as aulas iniciadas à noite. O monitor Clarindo escreve para falar sobre a falta de camisa para o aparelho: “Estou no prego de luz, por falta da camisa do Aladim - Petromatica que não vei, e aqui não encontramos somentes se encontra para Coliman”. Os lampiões ‘aladdin’, da marca alemã Petromax, produzidas no final da década de 40 já não eram mais comercializadas na década de 60, embora fossem usados com bastante frequência naquele contexto, uma vez que sua luz forte podia iluminar ambientes maiores6. Clarindo conclui sua carta dizendo: “Aguardo as vossas orientação pelo radio do que neste escrevo” (CEDIC-PUC-SP, 1964n).

Após a entrega do kit básico para abertura da escola radiofônica, o monitor deveria preocupar-se com a arrecadação do dinheiro a ser enviado ao MEB para pagamento dos materiais que seriam enviados no futuro. Esperava-se que os alunos pagassem pelos livros, cadernos e lápis e, além disso, pudessem dividir entre os companheiros as despesas com giz, querosene, camisa para o ‘aladdin’, pilhas para o rádio, e demais materiais de uso comum. Entretanto, a situação financeira do trabalhador rural fazia com que muitos demorassem a pagar ou nem tivessem condições de colaborar com as compras.

Sim senhorita Anette estão pedindo o dinheiro do material. Mais hoje não segue porque ainda falta bastante para receber mais vou providenciar aumenos para o fim de julho aguardem? Seio que tem contas a prestar mais aqui está uma falta de dinheiro que os alunos já sairam quase todo por não puder pagar o querosene e bateria. parece que vai resultar eu pagar só não envio logo porque não estou podendo pois desde março que não recebo dinheiro da Prefeitura (CEDIC-PUC-SP, 1964o).

Pelas cartas, compreendemos que a falta de dinheiro foi o motivo de evasão de quase todos os alunos da escola e a monitora, conformada, assume as custas, o que foi uma das soluções recorrentes para que a escola continuasse funcionando. A expectativa do MEB e dos monitores era a de que os alunos também tivessem um engajamento correspondente, no entanto, além da falta de recursos, a permanência dos alunos era impossibilitada em muitas comunidades, pelas condições de trabalho, a distância, ao clima, aos horários e qualidade das transmissões e às próprias dificuldades de aprendizado.

O fato é que a opção dos monitores de assumir os custos materiais das escolas aparece com muita frequência nas cartas e tal decisão deveria impactar relativamente suas despesas, visto que eles viviam sob as mesmas condições econômicas de seus alunos ou muito semelhantes: “Eu não faço cota para tirar dinheiro porque é com muita dificuldade uns dão e outros não [...] e no meio destes tem alguns que não pode mesmo. [...] gasto muito para quem não ganha” (CEDIC-PUC-SP, 1964p). Acrescenta-se a isso o fato de que além do MEB não fornecer de forma gratuita o material e instrumentos para as escolas, o trabalho do monitor era de natureza voluntária, o que os levava a enfrentar muitas dificuldades e em função delas muitas vezes desistir de manter a escola aberta.

Quanto à importância do material só enviarei no mês de agosto. Ainda estou devendo a lâmpada. Fiz sacrifício para comprar o querozene hoje estou liza, tudo quanto recadei neste mês só deu para as dispesas mais atrazadas. Faço plano [...] fazer uma festinha no dia 15 de agosto, para melhorar minha situação. Meus alunos são um pouco covarde tudo está saindo da minha parte (CEDIC-PUC-SP, 1964q).

No mês seguinte a monitora conta que

Fiz a festinha no dia 15 foi ótima! O leilão rendeu Cr$19700,00 (ou 1970,00). Paguei as dispesas novas e atrazadas. Cr$ 12.700,00. Pois meus alunos são inresponsaveis não compreendem que eu não tenho direito de trabalhar sozinha. Fiquei satisfeita, o povo do lugar cooperavam como não esperava, todos compareceram me ajudaram em tudo. O restante do dinheiro comprei 2 latas de querosene e estou enviando-lhe Cr$ 2.380,00 do material recebido que foram 1.380,00 de cadernos, giz, carrego, do rádio e 1.000,00 de lâmpadas (CEDIC-PUC-SP, 1964r).

A organização de festas, venda de rifas e sorteios foram estratégias bastante utilizadas e com êxito na arrecadação de recursos necessários ao funcionamento das escolas radiofônicas. A monitora da comunidade de Sangue-Suga fez também uma festinha para comemorar o dia das mães, na qual preparou “[...] um drama e depois os alunos dançaram até 10 e 30”. Ela conta que aproveitou a ocasião para correr “[...] uma rifa, na qual fisemos dinheiro que deu para as despesas da escola” (CEDIC-PUC-SP, 1964s).

Essas atividades para arrecadação de fundos aproximavam as experiências ocorridas em torno das escolas radiofônicas dos objetivos educacionais do MEB, pois, envolviam o engajamento e a cooperação entre todos os envolvidos diretamente nas escolas e a comunidade, pressupondo que esta também deveria engajar-se na sua manutenção e funcionamento. Isso envolvia processos de tomadas de decisão e de intervenção em âmbito comunitário e o aproveitamento das tradições culturais, como ocorria, por exemplo, nos festejos populares e dias dedicados aos santos. As festas eram momentos de reunião, lazer e diversão, e também de atividades em prol de melhorias nas escolas, ainda que nem sempre suficientes. Elas demonstram que houve um engajamento em torno do movimento de modo a que nessas ocasiões ocorressem experiências educativas entre a comunidade e o MEB, que contribuíram para que as escolas radiofônicas pudessem atender a seus objetivos de promoção da alfabetização.

Podemos atribuir também ao êxito dessas iniciativas de venda de rifas, ou os leilões, o fato de serem práticas culturais das populações rurais que passam a ser mobilizadas em favor do funcionamento das escolas. Assim, por meio da utilização que os camponeses fizeram de suas tradições e costumes, foi possível que muitas escolas radiofônicas não fossem fechadas em função da falta de recursos por parte do MEB, e em alternativa à omissão do Estado em atender à necessidade da alfabetização da população rural.

Sobre a frequência às aulas e a participação dos alunos, as cartas também relevam a necessidade da adequação dos horários de funcionamento da escola à dinâmica da vida no campo. Além das condições climáticas, trabalhistas e habitacionais, que muitas vezes levavam à evasão escolar, havia a questão dos períodos do plantio, cultivo e colheita específicos de cada região que ocasionava o fechamento da escola por alguns meses do ano. Em função dos ciclos agrários, muitos alunos ficavam impossibilitados de ir à escola diariamente por meses. Essas histórias nos mostram que a organização do tempo nas escolas se dava não somente em função das transmissões radiofônicas, mas também da cultura e da vida das comunidades, das condições de trabalho, locomoção e moradia dos camponeses que as frequentavam.

Ainda com relação ao funcionamento das escolas, as cartas relatavam os problemas técnicos com relação aos aparelhos e transmissões, bem como dos horários impeditivos em que a aulas eram transmitidas. Assim, vemos que as questões materiais se impunham, interferindo não só no aproveitamento das aulas em função dos choques de horário com a rotina, dinâmica e ciclo de trabalho, mas também na dimensão tecnológica da qualidade das emissões e dos aparelhos que, cheias de defeitos, limitações e ruídos, dificultavam ou impossibilitavam ouvir as aulas com clareza. Sobre essas questões as monitoras comentavam

Sôbre o rádio não estar bom, sabado ouve o prochama, por que o rádio não pegou nada, por isso não estou bem satisfeita não tenho notisçia não sei qual são as novas Petrolina; peço que se não for possivel envi outro radio para mim que quando o outro chegar eu mando êste na primeira portunidade, peço que mande um rádio novo que êste que tenho aqui nunca foi bom sempre tem um chiado que atrapalha bastante as aulas, alguns alunos não compreende bem as aulas por causa do rádio que chia muito; por isto peço que envi outro. Meus alunos estão anciosos que comece as aulas (CEDIC-PUC-SP, 1964t).

Avizo também que nos 15 dias de férias eu vou mandar o rádio para consertar, pois esta ruim sempre pega outra estação e principalmente na hora da aula e com isto atrapalha muito tem dias que não da para ouvir a última aula, e depois da hora do Brasil não pega nada nunca pegou dia nenhum (CEDIC-PUC-SP, 1964u).

Com os meus alunos vou mais o menos. Esta semana é que tem sido interrompida por que o radio parou desde segunda feira inda perdi 1 dia de aula. Mais perto tinha um visinho que tinha radio eu estou indo com os alunos ouvir as aulas: tanto pesso que si tiver um radio bom mande e se não tiver vejam o que pode faser os alunos passaram a semana triste sahiu uns 3. vão desgostando vem a pé com meia légua e chega não houve aula voltam triste e eu também fico triste por não poder atendelos por tanto vejam o que é que fasem [...] (CEDIC-PUC-SP, 1963d).

Os problemas com o aparelho de rádio ou com as interferências de outras emissoras são relatados em inúmeras correspondências, revelando que eram frequentes no cotidiano das escolas radiofônicas: Quanto àsituação do rádio é sempre ruim 1 carrego só dá para um mês fica logo pessimo, falhando muito, quase não entendo as aulas (CEDIC-PUC-SP, 1964q)7. Além das queixas quanto à falta do rádio, as cartas também revelam que, diante das dificuldades enfrentadas cotidianamente, era necessário criar estratégias para garantir o funcionamento da escola radiofônica e a continuidade das aulas. A monitora Maria Isabel, por exemplo, recorreu ao seu vizinho, com quem deveria ter uma convivência bastante próxima, para evitar a frustração e a queda na frequência, como já vinha acontecendo.

As aulas foram trapalhadas por causa do radio porque é pescimo as pilhas que comprei já está ruim mais eu não vou comprar outros porque assim é remar conta a maré com este radio as aulas está paradas pesso que a bem dos alunos, os encarregados do MEB ajam com este assunto lembre-se que com radio ruim não se escuta nada. Os alunos são intereçados é pena perder o interesse dos alunos. [P.S] enquanto vem outro radio vou lutando com as aulas (CEDIC-PUC-SP, 1964v).

Os pedidos frequentes para que fossem enviados novos aparelhos ou consertados os receptores antigos, chama a atenção para a falta de aparelhos num contexto estruturado em torno do modelo radioeducativo. Desse modo, se apresentam os limites do projeto no que se refere à infraestrutura mínima para garantir seu êxito, que aparecem nos relatos sobre todas as dificuldades e empecilhos de ordem técnica. É provável que tais limitações tenham contribuído para a expansão do campo de ação do MEB por meio do estreitamento do seu contato direto com a comunidade, que se fazia então mais necessário e foi viabilizado por meio das visitas de supervisão e treinamentos e das ações de animação na comunidade.

Em alguns casos, os monitores encontravam alternativas para amenizar o problema; porém, havia outros em que era preciso aguardar ou eram forçados a ficar sem aulas por longos períodos, pois o rádio era o instrumento que estruturava a dinâmica distintiva daquelas aulas. Por outro lado, a ausência do rádio também imprimiu uma organicidade própria àquela experiência escolar, pois abria a possibilidade aos envolvidos de distanciarem-se do que estava prescrito pelo MEB.

Quando não tem aulas pelo radio eu dou aulas porque êles não gostam de perder suas viagens vir de tão longe as veses no escuro e não ser atendidos e estou obrigada a atendelos com lições escritas e matematica. Eles dizem que as aulas não está bem organizada, também não seio porque meu radio gosta de suviar só a noite, e parece que tem um chiado uma suada diferente não seio porque (CEDIC-PUC-SP, 1964w).

Para os monitores que já possuíam experiência com alfabetização em outro contexto, desenvolver tarefas mesmo sem ouvir a transmissão das aulas não era tarefa tão difícil. Assim, com relação à sua prática pedagógica, os monitores narravam suas estratégias e práticas particulares por meio das quais promoviam as atividades de leitura e escrita e os exercícios aritméticos desenvolvidos com os alunos. Também remetiam cartas com o intuito de tirar dúvidas sobre o conteúdo das aulas ou sugerir temas a serem abordados, o que também contribuía para sua participação na elaboração do currículo das aulas.

Caras Supervisoras vou fazer umas perguntinhas: uma pessôa me perguntou as aulas vão ser demitidas admitidas submitidas não estou lembrada direito qual foi a palavra foi uma destes. Eu não entendi o que significava e respondí estão suspensas. Não sei se respondi certo ou uma das mesmas significavam o mesmo (CEDIC-PUC-SP, 1964x).

Queria que explicasem a quem pertence o sindicato rural aqui tem tanta gente que assinan o sindicato e não quer mas porque eles não sabem nem o que é [...] e também quero saber se o sindicato rural tem alguma coisa com o govêrno [...] (CEDIC-PUC-SP, 1965).

Mando dizer que gosto muito do programa dos monitores. Mando pedir a divisão mais adiantada de 3, a 4 algarismos. [...] pesso desculpa dos meus singelos assuntos que nunca fui monitor, nem nunca fiz treinamento nem nunca escrevi para suprevizora nenhuma. [...] peso desculpa dos borrões das letras que tambem não sei escrever (CEDIC-PUC-SP, 1964y).

As cartas revelam as estratégias cotidianas para a condução da escola radiofônica diante das condições existentes que, muitas vezes improvisadas, ultrapassaram o que era prescrito. As múltiplas experiências que configuraram as escolas radiofônicas de Pernambuco deixam claro que estas foram decisivas para que a experiência do MEB fosse significativa no que se refere à promoção da alfabetização e do acesso à educação de uma parcela da população brasileira.

Os conteúdos epistolares são interessantes porque nos permitem tratar da vida cotidiana das escolas radiofônicas e das pessoas que dela fizeram parte. Foi em grande medida o trabalho do monitor, na condição de membro da mesma comunidade de seus alunos e conhecedor da realidade rural, que tornou possível a experiência proposta pelo MEB. Essas experiências nos revelam também os momentos de contradição em que a realidade material e cultural do camponês deu significados próprios àquela experiência educacional. Por fim, muitos monitores também demonstraram o valor que atribuíam ao seu engajamento político por meio do MEB, revelando a expectativa de promoverem a alfabetização e a educação de base como atividades indispensáveis para a melhoria das condições de vida dos alunos e da comunidade. Nesse aspecto, associavam seu trabalho à tarefa de conscientizar o povo, de promover a cooperação e a luta por um Brasil mais desenvolvido.

Considerações finais

A partir dos conteúdos identificados nas cartas e de seu contexto de produção, vemos que as cartas são produto da escrita cotidiana, pois registram o testemunho das pessoas que por sua condição social, geralmente, não possuem espaços onde possam manifestar suas experiências e sua condição de vida. Ao mesmo tempo, percebemos que sua confecção rompia com as normas rígidas da escrita, movendo-se entre o oral e o escrito, sem, contudo, caracterizar-se como uma simples transposição de um sobre o outro, possuindo, desse modo, um caráter subversivo em relação aos cânones da língua (Petrucci, 2003).

As cartas mostram como os escritos cotidianos implicam a defesa da identidade ou, em alguns casos, o refúgio diante de uma situação hostil e, nesse aspecto, consistem numa ‘escritura necessária’ que contribui para deixar o registro da memória daquelas pessoas que não costumam aparecer nos registros oficiais (Petrucci, 2003). Dessa perspectiva, as cartas escritas pelos alunos expressavam também essa necessidade de registro de sua voz por meio do acesso à alfabetização, instrumento que lhes possibilitavam expressar sentimentos de frustração, dor ou desabafo diante das experiências e de sua condição de vida.

Essas experiências de educação foram possíveis em meio às práticas de assimilação e apropriação dos camponeses, que geralmente se deram de forma contraditória ao que era esperado e propagado como discurso pelo MEB, mas que deram ao movimento uma função nas comunidades. Ainda que não tenham sido revolucionárias, foram transformadoras e criativas ao darem visibilidade à cultura dos camponeses, na forma como combinou os elementos da cultura oral e escrita.

Quando do golpe de 1964, o Brasil vivia uma conjuntura política em que os segmentos das classes médias e populares estavam engajados num programa reformista revolucionário, que se fosse vitorioso possibilitaria a distribuição da riqueza em níveis nunca antes vistos na história brasileira (Luna & Klain, 2014). Os sucessivos golpes que historicamente acometem nossa democracia, também no século XXI, e o estancamento desse e de outros incontáveis processos de transformação social em curso, têm relegado ao Brasil não só a manutenção de suas velhas estruturas de dominação, como têm nos trazido outros tristes legados. A história que contamos é a história de um movimento que nasceu e viveu por um Brasil que tem negado historicamente a boa parte de seu povo o direito à alfabetização, a terra, à saúde e ao trabalho.

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1 O MEB foi um movimento social voltado para a promoção da alfabetização dos adultos e da educação de base nos meios rurais por meio de uma programação radiofônica educativa veiculada diariamente via emissoras de rádio. Criado oficialmente em 1961, por meio de um convênio feito entre a Igreja Católica, representada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e o governo brasileiro, o MEB atuou nos Estados das regiões Nordeste e Norte do Brasil e Norte de Minas Gerais. Em Pernambuco, iniciou suas atividades em 1961 e começou seu processo de esvaziamento a partir do início de 1966, ano em que encerrou suas atividades nesse Estado, por questões relacionadas à falta de verbas e à instauração do regime autoritário que sucedeu o Golpe Civil-Militar de 1964. Assim, nosso recorte temporal nos permitiu abranger todo o período de atividade do MEB em Pernambuco. Ademais, provê deste Estado a maior parte das cartas que compõe o acervo onde foi realizada a pesquisa, que está sob a guarda do Centro de Documentação e Informação Científica (CEDIC-PUC/SP).

2Segundo Antônio Castillo Gómez, os fatores que contribuíram para o aumento das trocas epistolares a partir do século XVI foram: o crescimento do número de alfabetizados, ainda que restrito a uma pequena parcela da população; a implantação da escrita nas estâncias de governo e particulares; a organização de sistemas de correio; os movimentos de locomoção motivados por guerras ou migrações, especialmente para o continente americano; e, por fim, a produção de manuais e tratados epistolares em língua vulgar que estabeleciam as normas da escrita epistolar (Gómez, 2005; Gómez & Blas, 2014).

3“Se trata de um sistema básico funcional y simple constituído por el encabezado y el saludo del remitente al destinatário, eventualmente un breve preâmbulo, una exposición de noticias y/o pedidos, um cierre de cortesias, saludos, buenos deseos y por último la suscripción del remitente, que falta solamente en los casos que ya se hubiera incluido de algún modo en la parte inicial o cuando, por algún motivo cualquiera, se prefira no incluirla”.

4“Hoy nadie se cuestiona que las cartas son fuentes imprescindibles para escribir biografias, profundizar en las mentalidades y formas de vida de una sociedad determinada, reconstruir redes interpersonales de tipo político, social, econômico o cultural, o recuperar el peso de las emociones en curso de la historia”.

5Tendo em vista as diretrizes políticas do MEB, o currículo das aulas deveria ser planejado de modo globalizado buscando atender aos objetivos da promoção da conscientização, sendo composto por cursos de alfabetização, cálculo, estudo de realidades e outras matérias de educação de base. As aulas que abordavam esses conteúdos eram denominadas de Linguagem, Aritmética e Conhecimentos Gerais.

6Os ‘aladdins’ possuíam um depósito de querosene na base e uma bomba manual que, ao ser pressionada, introduzia ar no reservatório e impulsionava o querosene via um pequeno orifício até a camisa, que deveria estar previamente acesa com fogo. A camisa ficava incandescente, produzindo uma luz clara e intensa. Por ser feita de um material delicado, era necessário manuseá-la com cuidado para não rasgar, tornando necessária a sua substituição.

7O rádio fornecido pelo MEB às escolas radiofônicas funcionava por meio de um transistor movido à pilha, o que permitia sua utilização em locais onde não havia energia elétrica. Além disso, era um aparelho de recepção cativa, que transmitia apenas a programação educativa em horários determinados e deveria ser devolvido à equipe local caso a escola radiofônica fosse fechada.

Recebido: 30 de Março de 2019; Aceito: 22 de Novembro de 2019

*Autor para correspondência.E-mail: kelly.alves@ufba.br

Kelly Ludkiewicz Alves é doutora pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (EHPS-PUC/SP) e mestre pelo mesmo Programa. É Bacharel e Licenciada em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED-UFBA), membro do Grupo de Pesquisa Educação Comunicação e Tecnologias (GEC), coordenadora do Cineclube Vesúvio. Pesquisa no campo da História da Educação, temas relacionados à alfabetização de adultos, educação radiofônica, modelos, práticas, materialidades e cultura escrita. E-mail: kelly.alves@ufba.br

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