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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.20  Maringá  2020  Epub 01-Ago-2020

https://doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e118 

ARTIGO ORIGINAL

A edição de literatura infantil em Fortaleza: variações regionais e mediações culturais

La edición de literatura infantil en Fortaleza: variaciones regionales y mediaciones culturales

Andréa Borges Leão1  * 
http://orcid.org/0000-0001-8404-6767

Ana Cíntia Moreira Sales1 
http://orcid.org/0000-0003-0060-857X

1Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.


Resumo:

Este artigo analisa, na perspectiva da sociologia de Pierre Bourdieu, os processos de edição e circulação de livros infantis na cidade de Fortaleza, situada no nordeste do Brasil. Para tanto, enfoca as práticas de agentes e instituições que atuam na constituição de um espaço editorial relativamente autônomo. Como material empírico, elege as Edições Demócrito Rocha e a Editora Dummar, empresas vinculadas ao Grupo de Comunicação O Povo. A hipótese testada é a de que a singularidade de um espaço regional é paradoxalmente conquistada por meio da heteronomia. Nessa perspectiva, é fundamental a atuação do Estado na produção editorial, desde a classificação dos temas da cultura popular, da tradição e do patrimônio, até a compra de livros e editais destinados ao setor. Esse sistema identifica a promoção da cultura local como um modo de ‘juntar as partes’ da nação literária brasileira. O espaço de edição de livros infantis em Fortaleza constitui-se, desse modo, um subcampo de produção dependente e periférico dentro de um espaço nacional também dependente e periférico com relação aos espaços linguísticos transnacionais.

Palavras-chave: história do livro e da edição; espaço literário infantil; autonomia; heteronomia; literatura infantil em Fortaleza

Resumen:

Este artículo analiza, desde la perspectiva de sociología de Pierre Bourdieu, los procesos de edición y circulación de libros infantiles en la ciudad de Fortaleza, ubicada en el noreste de Brasil. La investigación se centra en las prácticas de los agentes e instituciones que actúan para constituir un espacio editorial relativamente autónomo. Con material empírico, elige las ediciones de Demócrito Rocha y Editora Dummar, empresas vinculadas al “Grupo de Comunicação O Povo”. La hipótesis probada es que la singularidad de un espacio regional se conquista paradójicamente a través de la heteronomía. En esta perspectiva, la acción del Estado es fundamental en la producción editorial, desde la clasificación de los temas de cultura popular, tradición y patrimonio hasta la compra de libros y avisos públicos destinados al sector. Este sistema identifica la promoción de la cultura local como una forma de 'unir partes' de la nación literaria brasileña. El espacio para la edición de libros infantiles en Fortaleza se constituyó, por lo tanto, en un subcampo de producción dependiente y periférica dentro de un espacio nacional también dependiente y periféricos con respecto a los espacios lingüísticos transaccionales.

Palabras clave: historia de libros y ediciones; espacio literario infantil; heteronomía; autonomía; literatura infantil en Fortaleza

Abstract:

This article analyzes, from the perspective of Pierre Bourdieu’s sociology, the processes involving the editing and distribution of children’s books in the city of Fortaleza, located in the Northeast of Brazil. To this end, it focuses on the practices of agents and institutions that work toward establishing a relatively autonomous editorial space. It chose, as empirical material, Edições Demócrito Rocha and Editora Dummar, companies linked to Grupo de Comunicação O Povo. The hypothesis to be tested is that the uniqueness of a regional space is paradoxically achieved through heteronomy. From this perspective, the state’s role in editorial production is fundamental, from the classification of themes encompassing popular culture, tradition and heritage, to the purchase of books, and public notices intended for the sector. This system identifies the promotion of local culture as a means to ‘assemble the pieces’ of the Brazilian literary nation. The space for children’s book editing in Fortaleza thus constitutes a dependent and peripheral subfield of production within a national space, also dependent and peripheral in relation to transnational linguistic spaces.

Keywords: book and edition history; children's literary space; autonomy; heteronomy; children's literature in Fortaleza

Introdução

Para a análise das Edições Demócrito Rocha (EDR) e da Editora Dummar (ED) - a primeira, editora sem fins lucrativos da Fundação Demócrito Rocha (FDR); e a segunda, editora comercial1 do Grupo de Comunicação O Povo2, cuja instituição jornalística é uma das mais antigas do Ceará3-, trabalhamos com os catálogos digitais das editoras, com o livro Rachel: o mundo por escrito, com a construção de um mapa na plataforma Google Maps, além das fontes documentais de arquivos e reportagens disponíveis em bibliotecas, acervos ou mesmo on-line. Do ponto de vista temático, os títulos publicados pelas duas editoras abordam aspectos da cultura popular cearense (literatura, patrimônio, personalidades locais, lendas e tradição) e se mostram relevantes para o início da estruturação do espaço editorial vinculado à demanda escolar, que, inclusive, orienta a sua produção. Os temas da cultura popular, por exemplo, são destaque nos editais de compras governamentais e nos parâmetros curriculares. Com isso, a estratégia dos agentes é tanto de atender à demanda do Estado e das escolas por meio dos parâmetros curriculares4 como de contribuir para a legitimação da cultura local frente à nacional. Para interpretar as condições de produção e circulação dos livros, descrevemos as trajetórias dos escritores, ilustradores, editores e livreiros, protagonistas nas mediações do espaço de práticas analisado.

O estudo das relações entre os agentes nos confrontou a uma dupla escala de observação, nacional e local, reposicionando o lugar da periferia na história da edição literária infantil brasileira. As escalas refletem o fluxo das práticas nas instituições, suas vinculações às noções de identidade cearense e de identidade nacional, o que se mostrou de fundamental importância para a concepção de espaço. Essa delimitação é motivada pela ideia de que as relações entre os produtos culturais e os espaços sociais são construídas de maneiras diferentes em cada caso. Ou melhor, o conjunto das práticas, estratégias e resultados que constitui o sistema simbólico do mundo social brasileiro produz sentidos diferenciados. O espaço da produção editorial, inspirado na teoria dos campos de Pierre Bourdieu (2013), permitiu, sobretudo, identificar os agentes e suas mediações; por isso, funcionou como ferramenta metodológica.

Na formação da edição literária brasileira destinada a crianças e jovens é recorrente o discurso da promoção da cultura e da formação de leitores (Leão, 2012). Em Fortaleza, essa constante, além de ser um dos principais objetivos que conduzem as práticas editoriais, orienta a demanda escolar de produção de livros, didáticos ou literários. Nosso objetivo principal é mostrar como os temas do folclore, lendas, assim como personagens e paisagens que remetem ao sertão e ao mar, estão na base da construção do que é representado coletivamente como cultura cearense. Sendo assim, a lógica da demanda governamental − compra de livros para distribuição e adoção nas escolas - acaba por formatar o espaço analisado. Do mesmo modo, procuramos mostrar que a especialização incipiente dos agentes produtores e mediadores também depende da atuação do Estado - uma vez que sem o apoio dos governos federais, estaduais e municipais se tornaria inviável a criação de feiras literárias -, do crescimento do mercado e, consequentemente, de uma futura autonomização em relação a outros mercados nacionais e transnacionais. Chegamos à conclusão de que, em Fortaleza, o espaço de edição de livros infantis demarca uma singularidade com relação ao de outras regiões do país já consagradas pela produção e distribuição de obras literárias, como os das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Noutras palavras, a marca singular na história cultural do livro e do impresso fortalezense é sua dependência em relação ao governo. Essa autonomia na heteronomia objetiva-se na estreita relação com os campos do poder político e econômico, nas baixas vendas do setor livreiro, nas múltiplas funções encaradas pelos editores, que se desdobram como escritores, ilustradores, e, em alguns casos, nas práticas do autodidatismo como estratégia autoral.

Os livros em Fortaleza: morfologia do espaço literário

No século XIX, a circulação ampliada e, por conseguinte, a popularização da literatura infantil em Fortaleza obtiveram forte impacto com o comércio de livraria. A Livraria Oliveira e a Libro-Papelaria Gualter foram estabelecimentos pioneiros na oferta de livros didáticos e literários para crianças e jovens, com títulos importados, traduzidos e nacionais. Além de livros e impressos de um modo geral, os folhetos de cordel também se destacavam nessas casas ao reproduzirem contos de fadas com aventuras de reis, rainhas, nobres e donzelas das cortes europeias dos séculos. Silva (2001) nos fala sobre a oferta dos folhetos, vendidos a baixos preços e em grandes quantidades como suportes de leituras oralizadas e visuais endereçadas, preferencialmente, aos que não tinham acesso direto à cultura escrita. Assim, as histórias tradicionais europeias nos gêneros conto de fadas, poesia e biografia de figuras célebres marcaram o imaginário popular cearense com a ampla circulação dos folhetos de cordel.

No ano de 1870, destacavam-se na Livraria Oliveira folhetos de Roberto do Diabo e de João de Calais. Ao mesmo tempo em que, em 1891, a Libro-Papelaria Gualter apostava no suporte livro, mais enobrecido e elitizado, dispondo de títulos consagrados de Jules Verne, Condessa de Ségur, Maria Amália Vaz de Carvalho e La Fontaine (Silva, 2001). Esta livraria também contava com As aventuras de Robison Crusoé, de Defoe -t raduzido pelo professor Carlos Jansen, do Rio de Janeiro -, ao lado de D. Quixote e Viagens de Gulliver (Silva, 2001).

Essa pequena amostra sugere que as livrarias fortalezenses funcionavam como entreposto comercial das livrarias cariocas Garnier, Laemmert e Francisco Alves, que, por sua vez, importavam os livros diretamente das capitais europeias Lisboa, Porto e Paris. Outro esforço de atualização com a modernidade ocidental era levado a cabo pelos anúncios publicitários publicados nos jornais das últimas décadas do século, que divulgavam coleções de livros ilustrados como O carrapatinho, Ali Babá e os quarenta ladrões, O gato de botas, Margarida, a pastorinha, O barba azul, Alladin e a lâmpada mágica, A gata borralheira e A bela adormecida. Alguns jornais como Pedro II, Constituição, Cearense e Libertador divulgavam listas de livros recém-chegados nos navios que atracavam no porto de Fortaleza.

Na outra ponta do circuito impresso e à medida que o sistema educacional se desenvolvia, as crianças configuravam-se em um novo público para o mercado livreiro de Fortaleza. As obras de literatura infantil tinham como alvo as famílias ilustradas da elite e eram escritas por autores com poder aquisitivo para produzir, editar e lançar seus próprios livros. Essa tendência se observa século XX afora. Ainda hoje, muitos escritores de obras infantis são professores que se dedicam a outros gêneros e classes de idade. Ilustrativa dessa realidade é a trajetória do professor da Universidade Federal do Ceará, Artur Eduardo Benevides, que publicou em 1975 o livro O menino e o arco-íris (Fortaleza, 2005). Outro marco da literatura infantil cearense escrito por romancista que não se especializou no gênero é a obra O menino mágico, de Rachel de Queiroz. Publicada, em 1975, ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura Infantil. A escritora lança ainda, no Rio de Janeiro, os livros Andira, em1 992; Cafute & Pena-de-Prata, em 1996; Xerimbabo, em 2002; e Memórias de menina, em 2003.

Em 1981, o projeto Biblioteca da Vida Rural Brasileira consolida uma parceria entre a Universidade Federal do Ceará e o Ministério da Educação. O projeto propunha a edição e a distribuição de obras literárias regionais para incentivar a leitura nas comunidades periféricas, o que ofereceu certo impulso à literatura infantil cearense (Fortaleza, 2005). Para o desenvolvimento do projeto, foi necessário o mapeamento da cultura, do vocabulário e do imaginário da população rural cearense. Mais de 50 títulos foram publicados por escritores e professores. As obras de coleção portavam indicações pedagógicas, com sugestões ao final dos livros sobre os usos nas escolas. Interessante notar que no projeto Biblioteca da Vida Rural Brasileira foram oferecidas oportunidades para contratação de ilustradores e para formação de uma equipe editorial, sinalizando os passos para a profissionalização do setor. Ao longo dos anos, a verba investida pelo governo federal foi reduzida gradativamente, comprometendo a qualidade das publicações e culminando no cancelamento do projeto.

A implementação da disciplina de literatura infantil na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Ceará, em 1987, foi outro momento decisivo na formação de um espaço para o livro de literatura infantil em Fortaleza. A Universidade Federal do Ceará foi uma das primeiras a integrar no currículo do curso de graduação em letras a disciplina de literatura infantil. O professor Horácio Dídimo, doutor em Literatura Comparada e escritor de livros para crianças, foi responsável por essa empreitada. Dídimo escreveu, entre diversas obras, A cara dos algarismos e As historinhas do Mestre Jabuti (Fortaleza, 2005). Alguns de seus livros foram publicados pelas Edições Demócrito Rocha. A partir de então, surgem novos nomes, como Helena Lutéscia, Elvira Drummond, Heitor Simões, Mino, Lauro Sérgio, Almir Mota, Klévisson Viana, Arlene Holanda e Socorro Acioli.

Os livros que trazem o Ceará como cenário constroem uma representação social da cultura nordestina, desde o encantamento com o luar e as estrelas às aventuras ambientadas no passado como forma de conhecimento histórico. A trama de Rachel: o mundo por escrito, de Tércia Montenegro (2010), é construída, entre lampiões e lamparinas, com elementos característicos do interior do Ceará, como a cavalgada sob o sol, o céu pintado de estrelas, a religiosidade de alguns personagens, os saraus, as reuniões de família e as histórias contadas pela avó. O narrador convida o leitor a visitar a cidade de Quixadá, o Sítio do Junco, a Lagoa do Seixo, a cidade de Juazeiro do Norte, a Serra de Baturité, ou Guaramiranga, bem como, em Fortaleza, a Praça do Ferreira, o Café Globo e o Sítio do Pici. A culinária também encontra representação na narrativa. A tapioca, o cuscuz, o feijão-de-corda, os doces de coco e mamão e as frutas dividem o enredo com personagens reais da história literária cearense e brasileira, como Antônio Sales, Graça Aranha, José de Alencar e Padre Cícero. O entrelaçamento entre o local e o nacional, o litoral e o sertão reconstrói um Ceará imaginado. Laços são formados em torno do pertencimento aum lugar e da identificação de símbolos do passado.

Em setembro de 1976, o Departamento de Cultura e Esporte do governo do Ceará realizou um diagnóstico sobre a literatura de cordel. O objetivo era conhecer as condições de produção da atividade cordelista a fim de apresentar subsídios para sua preservação e incentivar a literatura de cordel no Estado. Entre as cidades visitadas pelos pesquisadores estavam Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, polos importantes de produção e distribuição dos folhetos no nordeste do Brasil. Foram coletados fotografias, folhetos e entrevistas com mestres cordelistas como Patativa do Assaré e Manoel Caboclo. A partir desse material, nasceu o primeiro volume da Coleção Povo e Cultura, a Antologia da literatura de cordel, publicado em 1978 (Oliveira, 2015). Em janeiro do mesmo ano, o projeto de diagnóstico converte-se em ‘difusor’, com o propósito de estimular a pesquisa e o estudo das manifestações da literatura popular do Nordeste. Os projetos de diagnóstico e de difusão auxiliaram na ampliação das discussões sobre a literatura popular, uma vez que tinham por objetivo identificar suas condições de produção e circulação, bem como sua história e importância sociocultural.

No ano de 2003, é criada a Coordenadoria de Políticas do Livro e de Acervos no âmbito do Plano Estadual da Cultura. Essa pasta ficou responsável, em Fortaleza, pelas políticas públicas relacionadas ao livro, à leitura e à literatura, bem como pelos equipamentos da Biblioteca Pública governador Menezes Pimentel, do Arquivo Público do Estado do Ceará, da Casa Juvenal Galeno e do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas. Em 2004, destaca-se mais uma iniciativa governamental, a Lei nº 13.549, de 23 de dezembro de 2004, que institui a política estadual do livro (FLLLEC: Fórum de Literatura, Livro e Leitura do Estado do Ceará, 2019). Nesse mesmo ano, foi criada também a Câmara Estadual do Livro e da Leitura no Ceará, além de articulado o Fórum de Literatura do Estado do Ceará, anos depois denominado Fórum de Literatura, Livro e Leitura do Estado do Ceará5.

Em 2004, a Secretaria de Educação desenvolveu o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC). Através desse programa, foram instituídos diversos eixos que visavam a melhorar a educação para crianças da escola pública até aquinta série do ensino fundamental. Inclui-se o Eixo de Literatura Infantil e Formação do Leitor, que tem como um dos objetivos a publicação da Coleção PAIC Prosa e Poesia. Para a produção dessa coleção, é realizado, por edital, um processo seletivo para contratação de escritores, ilustradores, coordenador editorial e designer gráfico. Além disso, as publicações tematizam o patrimônio e a cultura popular cearense. O programa, porém, é criticado por alguns editores locais pela forma como é realizado, sendo questionados não apenas o processo de escolha e a qualidade literária dos autoresr6, como também a qualidade do material gráfico dos livros e, principalmente, o papel do Estado como fomentador do mercado editorial local. Segundo Júlia Barros, produtora cultural da editora Casa da Prosa, o maior problema da Coleção PAIC Prosa e Poesia é o governo do Estado cumprir o papel de editora ao invés de contribuir para o estímulo à cadeia produtiva do livro já existente na cidade. O edital do processo seletivo não contempla editoras, mas autores e ilustradoresr7. Ainda de acordo com Júlia Barros, o Estado deveria fazer um processo de licitação para as editoras. Ora, se há um edital voltado a novos autores, o ganhador precisaria contratar uma editora para publicar seu livro.

Além disso, Arlene Holanda, escritora e editora da IMEPH, conta que os Estados de Minas Gerais e São Paulo compram livros de editoras cearenses por meio de editais - além das prefeituras de Belo Horizonte e de São Paulo. A prefeitura de Fortaleza lançou em 2018 um edital para compra de material literário, paradidático e técnico destinado às bibliotecas de escolas públicas do município. Tudo leva a crer que os aspectos simbólicos e mercadológicos estão alinhados, dentro do espaço, para a formação não apenas de uma literatura infantil, mas de um mercado para esse tipo de literatura.

O livro infantil das edições Demócrito Rocha e da editora Dummar

Observa-se que o pequeno leitor é confrontado por um apanhado de constrangimentos e regras e, de uma forma ou de outra, controlado pelos adultos que estão inscritos na produção e na circulação dos livros de literatura infantil (Leão, 2007); sejam eles escritores, editores, livreiros, professores ou mesmo responsáveis pelos cuidados com a criança, como os pais. Os textos são escritos e publicados com o objetivo de controlar a produção de sentido do mundo pela criança (Chartier, 1999, p. 7). Isso pode ser explicado pelo historiador Roger Chartier (1999), que entende o livro como objeto que sempre possuiu o objetivo de aplicar uma ordem de decifração, de compreensão, ou a ordem desejada pela figura de uma autoridade que o encomenda ou permite sua publicação. Sendo assim, os livros são bens culturais cujas formas norteiam a imposição de um sentido, dos usos que podem ser empregados e das apropriações que podem ser feitas pelos leitores. A recepção feita ao livro possui, porém, a capacidade de inventar, deslocar e transformar seu texto. São também os leitores, no papel de receptores (assim como os indivíduos ligados à produção dos livros: escritores, editores etc.), que realizam a função de atribuir sentido às obras por meio de seus dispositivos e disposições e, através de esquemas mentais e afetivos, decifram a cultura das comunidades e a formação do vínculo social onde estão inseridos (Chartier, 1999). Isto é, o leitor não é somente atingido pela obra que lê, mas do mesmo modo a atinge; é apropriado e apropria-se.

A produção literária feita para as crianças, as experiências sociais, como a leitura, são inscritas em modelos e normas coletivas que se afirmam por meio de pactos sociais (entre autor e obra, autor e leitor, leitor e obra...) e se encaminham em formas particulares a cada texto e a cada comunidade de interpretação - que formam o universo dos leitores, cuja relação com o texto advém da união de competências, usos e códigos de interesse. O leitor pratica uma atividade que não é privada aos automatismos da consciência, aos quais os produtores impõem modelos culturais. É pela leitura, uma ação muitas vezes solitária, que a subjetividade da criança é virtualmente invadida e, muitas vezes, alcança uma intimidade com o texto que nem sempre é conquistada pelos adultos, convertendo-se a leitura em uma prática (Zilberman, 1987).

As práticas de leitura põem em jogo a relação entre o corpo e o livro, bem como as diversas possibilidades de uso da escrita e as categorias que garantem sua apreensão, constituindo novas maneiras de produção de sentido. A singularidade do leitor, nas circunstâncias em que se encontra, é cruzada por algo que o faz semelhante aos outros de uma mesma comunidade. A mudança se dá pelo recorte das comunidades de leitores, que, em diferentes épocas, não são controladas segundo os mesmos princípios. A fragmentação de tais comunidades é resultado “[...] das distinções entre as classes, dos processos diferentes de aprendizagem, das escolaridades mais ou menos longas, do domínio mais ou menos seguro da cultura escrita” (Lebrun, 1998, p. 92). Os leitores de outras épocas eram afetados pelas funções psicogenéticas, formadora, ou mesmo utilizando a leitura como ferramenta de inculcação de práticas.

Para descobrir quais as funções dos livros de uma determinada comunidade de leitores ou, no caso desta pesquisa, para compreender as particularidades das obras produzidas pelo espaço editorial em Fortaleza, é preciso ir ao encontro de seus catálogos e de suas obras. Para isso utilizam-se três catálogos das Edições Demócrito Rocha que são respectivos aos anos de 2013-2014, 2014-2015 e 2015-2016 (Catálogo infantil e juvenil..., 2017a, 2017b, 2017c). O catálogo digital divide-se por nível de ensino, perpassando do ensino fundamental I ao ensino médio, e fluência leitora, cuja separação é feita em leitor iniciante (a partir de 6 e 7 anos), leitor em processo (a partir de 8 e 9 anos), leitor fluente (a partir de 10 e 11 anos) e leitor crítico (a partir de 12 e 13 anos) - classificação padrão para a maioria das casas editoriais que publicam livros infantis. A editora segue os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e possui livros nos gêneros prosa, poesia, cordel, crônica, livro-imagem, quadrinho, conto, novela e narrativa. Os conteúdos temáticos versam sobre meio ambiente, lendas e adaptações, música e materiais didáticos, como matemática, história e geografia. O tema regional aborda a identidade indígena, paisagens e personagens cearenses, principalmente no que remete ao mar e ao sertão, desenhando o que podemos denominar de imaginário cearense.

O catálogo da editora é uma unidade mínima de classificações do mundo do livro que coloca à disposição do investigador um sistema de vestígios a partir do qual sua interpretação pode ser expandida até os estados de desenvolvimento de um mercado e os tipos de vínculos sociais que cercam a edição como uma força específica em um campo de poder (Sorá, 2010). O conjunto de títulos, autores, gêneros e coleções são distribuídos de forma hierárquica, a partir de uma ordem que se refere ao agente classificador e à gênese de suas razões práticas. Essa distribuição é também um meio que os agentes encontram de formar uma identidade e uma visão de mundo, considerando o que deve ou não ser dito acerca da empresa, quais livros devem ser lidos, qual público deve ler cada obra etc. Pode ser entendido também como uma maneira de organizar as obras por meio das intenções dos editores, em uma defesa da promoção cultural através do destaque simbólico da produção de livros infantis. As editoras utilizam o catálogo como estratégia de acesso a determinados espaços e divulgação dos livros produzidos, levando-o até às escolas particulares para a escolha dos livros que serão utilizados como paradidáticos e trabalhados em sala de aula, além de participarem de editais relativos a programas federais, estaduais e municipais - como o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)8.

O discurso inscrito neles passa pela atenção às inovações do segmento editorial e às necessidades educacionais, para contribuir com a prática pedagógica em sala de aula. A Edições Demócrito Rocha se posiciona como uma das editoras de maior relevância do nordeste, oferecendo subsídio ao professor e ao aluno através da seleção de livros para salas de aula e bibliotecas escolares. Há uma apresentação para professores, uma seção para os livros didáticos de história (Construindo o Ceará: história) e geografia (Construindo o Ceará: geografia), uma para os livros infantis e outra para os principais autores da casa, como Horácio Dídimo, Tércia Montenegro e Socorro Acioli. O livro Fortaleza: a criança e a cidade abrange as duas matérias escolares (história e geografia) e ganhou o Prêmio Nacional MEC de Melhor Livro Didático em 2010. Através dessas publicações, o discurso da editora é de parceria com escolas e professores.

Os livros infantis são apresentados em um acervo formado por obras cujo conteúdo dialoga com a cultura e o imaginário cearense. Os autores e ilustradores, em sua maioria, são nordestinos, e dentre os objetivos da editora está o estímulo à curiosidade, às descobertas e à formação de leitores. Para a EDR, é importante que o encontro dos leitores com o livro seja feito por meio da autoria, das ilustrações e do projeto gráfico, potencializando a formação de novos leitores.

Em É pra ler ou pra comer?, a autora Socorro Acioli (2012) conta para as crianças a história da Padaria Espiritual. São utilizados três personagens da cultura cearense: os irmãos Sânzio de Azevedo, professor de literatura e especialista da Padaria Espiritual, e Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez), que possui o Arquivo Nirez (um dos maiores espaços a guardar diversos documentos da história do Ceará), além de Rubens de Azevedo, astrônomo que dá nome ao planetário do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O livro é adotado em escolas particulares, encontra-se no acervo da Biblioteca Municipal Dolor Barreira, foi premiado com a menção honrosa ‘Altamente Recomendável’ pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e esteve no catálogo da Feira de Bolonha (2005). Também possui uma apresentação feita pelo escritor e pesquisador Gilmar de Carvalho e uma carta de Socorro Acioli aos leitores. A batalha de Jericoacoara é um livro escrito por Daniel Adjafre (2009) e conta a história de três amigos que voltam ao passado quando passam pela Pedra Furada em pranchas de windsurf. Lá encontram soldados portugueses e juntos defendem o forte de piratas franceses. No fim do livro, há instruções para o professor de como utilizá-lo em sala de aula. Já Patativa do Assaré, o poeta passarinho é escrito por Fabiano Piúba, secretário de cultura do Estado do Ceará. A obra possui apresentação do escritor Gilmar de Carvalho e conta a história de Patativa do Assaré em poesia. Ao final há uma pequena biografia sobre Patativa e um glossário do linguajar popular. Todos os livros têm uma breve biografia de seus autores e ilustradores. Esses dados indicam que a tendência da editora é uma orientação de publicação voltada para o ensino da cultura cearense e nordestina aliado à demanda escolar, que utiliza as obras como conteúdo complementar nas salas de aula e bibliotecas.

Verifica-se, dentro dessa perspectiva, que essas obras estão de acordo com uma função pedagógica e formadora, pois “[...] converte a narrativa artística em um artefato de utilidade imediata” (Souza, 2004, p. 82), isto é, transforma o enredo dos livros em uma aula de história sobre o Ceará, ao serem utilizados nas escolas como paradidáticos. Esse é um tipo de formação diferente daquele visto no período republicano com os livros moralizantes, uma vez que dá continuidade a uma formação da identidade cearense - método estabelecido pelo conceito de cearensidade através da literatura produzida no Ceará desde o século XIX.

Personagens como jangadeiros, vaqueiros, rendeiras e retirantes são retratados na prosa e na poesia demonstrando força, coragem e resignação diante dos problemas encontrados no sertão e no mar. São referências da cultura popular que, através da cearensidade, expõem a construção de uma ‘mitologia’ na qual personagens, paisagens, costumes e produção cultural elaboram um Ceará a partir desse conjunto de fatores (Júnior, 2003) e, assim, formam e representam uma ‘identidade cearense’-da mesma maneira, figuras como escritores, intelectuais e outras personalidades são também retratados em um Ceará imaginado da literatura.

Os protagonistas do livro: variações regionais e mediações culturais

O panorama apresentado acima comprova, no espaço fortalezense, os estreitos vínculos entre o mercado editorial e as ações governamentais. Vale ressaltar que, no Brasil, a criação de um mercado para livros elementares dependeu igualmente da educação básica. Assim, o setor de livros infantis e juvenis pode ser fortalecido ou enfraquecido à medida que os programas e investimentos são aumentados ou diminuídos. Esse movimento possui a tendência de criar uma maré insegura atravessada por editores e livreiros ao longo dos anos.

A problemática da falta de leitores também prejudica esse mercado. De acordo com o estudo Retratos de Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, 14% da população que vive no nordeste são analfabetos ou não frequentaram a escola. Em 2015, o número de leitores - caracterizados pela leitura de ao menos um livro em três meses - era de 51%, sendo 49% não leitores. Em 2011, a média do número de livros lidos por ano no nordeste foi de 4,3 para 3,93 em 2015 (Retratos da leitura no Brasil, 2019). Ainda segundo a pesquisa, a faixa etária de cinco a dez anos de idade se sente motivada a ler, em primeiro lugar, pelo próprio gosto (40%), sendo a segunda principal causa a exigência escolar (22%). A capa é o que mais influencia (27%), seguida pela dica do professor (18%). Outro dado importante é a influência da mãe na leitura de livros (11%), em segundo o(a) professor(a) (7%) e o pai (4%) - dentre os 33% que afirmaram ter tido influências externas.

Nos últimos anos, dados como esses têm orientado as políticas públicas de formação de leitores. Em Fortaleza, as editoras desenvolvem projetos com esse mesmo objetivo. O papel do editor, segundo a executiva da Edições Demócrito Rocha e da editora Dummar, Regina Ribeiro (Viana, 2019), também se encontra na revisão de conceitos, no diálogo com professores e escritores para a produção dos livros, cursos, debates e palestras, pois há a preocupação em formar leitores e capacitar os professores para que ocorra essa formação literária - partindo da ideia de que os leitores são formados primordialmente nas escolas.

A Fundação Demócrito Rocha desenvolve diversos cursos, dentre eles o de mediadores de leitura. Esse curso tem como objetivo promover a adesão de professores oferecendo fascículos e provas, além de um certificado ao final. A Casa da Prosa realiza o projeto de contação de contos nas escolas; e o IMEPH possui diversos projetos de incentivo à leitura e à alfabetização, como o Aprender Construindo, para Educação Infantil, e outros voltados ao Programa de Alfabetização na Idade Certa, o Projeto Brasil Afro-brasileiro e Indígena e o Nas Ondas da Leitura. A maioria deles vem com kits de livros para alunos e professores. Verifica-se, assim, o desdobramento de um espaço da literatura infantil no Ceará.

É necessário entender que o espaço social possui a tendência de se apresentar como um espaço físico sob a forma de determinado conjunto de distribuição de agentes e propriedades. Em consequência, todas as diferenças propostas em relação ao espaço físico estão inscritas no espaço social reificado (ou espaço físico apropriado), definido pela correspondência de uma determinada ordem de existência conjunta entre agentes e propriedades. Dessa maneira, o lugar e o local ocupados por um agente no espaço físico apropriado formam os indicadores de sua posição no espaço social. Isto é, o espaço social se inscreve ao mesmo tempo na objetividade das estruturas espaciais e nas estruturas objetivas, que são o produto da incorporação de habitus, práticas, capitais e disposições (Bourdieu, 2013).

Na perspectiva da teoria dos campos do sociólogo Pierre Bourdieu, o cosmo social é formado pelo arranjo de microcosmos sociais, relativamente autônomos, em que os espaços de relações objetivas são o lugar de uma lógica e uma necessidade específica das que administram os outros campos (Lahire, 2017). O campo é o microcosmo que está dentro do macrocosmo, formado pelo espaço social global (nacional ou internacional). Para cada campo há um jogo e regras específicas, em que os interesses sociais não se reduzem a outros jogos ou a outros campos. Dessa maneira, o campo é visto como um sistema ou um espaço estruturado pelas posições ocupadas pelos diversos agentes nesse campo. As práticas e estratégias dos agentes só podem se tornar compreensíveis se forem relacionadas às posições de cada agente dentro do campo. E sendo todo espaço um espaço de lutas, entra em jogo uma concorrência entre os agentes e as posições que ocupam, com o objetivo de apropriar-se do monopólio do capital específico do campo ou de redefinir esse capital, que é distribuído de maneira desigual. Por conta disso, constitui-se uma hierarquia entre dominantes e dominados. Essa distribuição desigual do capital estabelece a estrutura do campo, o definindo pelo estado de uma relação de forças (agentes e instituições) em contínua disputa dentro dele. Em luta uns contra os outros, os agentes também possuem interesse na existência do campo, o que auxilia a manter uma ‘cumplicidade objetiva’ que vai além das lutas que os opõem. O campo também possui uma autonomia relativa, em que as lutas que se desenvolvem dentro dele possuem uma lógica própria, ainda que a consequência das lutas externas ao campo pese no resultado das relações de forças internas (Lahire, 2017). Para cada campo, há um habitus correspondente, em que apenas os agentes e as instituições que incorporarem esse habitus próprio do campo é que terão condições de entrar na disputa do jogo e depositar uma crença em sua importância.

Para Lahire (2017), o modelo de Bourdieu é insensível em relação a outras diferenças cruciais que podem designar outros ‘campos’, como o grau de profissionalização e a estabilização dos atores no campo. Em vista disso, é possível entender o ‘jogo’ como um ‘campo secundário’, ou subcampo, em que a remuneração, a institucionalização e a profissionalização são precárias (Lahire, 2017).

Esse conjunto de conceitos com o qual constituímos a abordagem da investigação permite a compreensão do espaço de edição de livros infantis em Fortaleza enquanto subcampo atrelado ao campo do poder do Estado. O espaço social global (nacional) é um macrocosmo em que o campo do poder, como um microcosmo, está inserido, regendo suas forças, habitus e estratégias, formulando práticas que influenciam diretamente na construção e no desenvolvimento de seus subcampos não autônomos, dentre eles, aquele onde se produz e circula a literatura infantil na cidade. As lutas de concorrência ocorrem dentro do subcampo em forma de negociações, de confronto de ideias e de posições, como no caso dos agentes que participam da produção da coletânea de livros infantis do PAIC e os que são veementemente contra o tipo de produção que é feita pelo Estado do Ceará, sem editais específicos para contratação de editoras ou compra de livros - o que denota uma oposição no campo. Além das lutas externas em relação a centros e periferias editoriais que se formam no espaço, como a relação entre São Paulo e Rio de Janeiro, Estados que dominam a produção editorial do país enquanto centros hegemônicos, sendo o Ceará visto como um produtor periférico. Há agentes, inclusive, que circulam entre o campo do poder e o subcampo da edição; por exemplo, o secretário de cultura do Estado do Ceará, Fabiano dos Santos Piúba, que escreve livros infantis, atua ativamente na Bienal e em outros projetos que envolvem as questões referentes ao livro, à leitura e à literatura no Ceará e no Brasil.

Conforme a Figura 1, os interesses sociais dos agentes que atuam nesse subcampo são submetidos aos interesses do Estado (enquanto campo de poder) e do mercado (ligado ao campo econômico). Ainda que os agentes possuam uma autonomia relativa no que respeita às suas decisões do que valeria a pena ou não publicar, eles sofrem influências diretas de lutas e concorrências existentes nos campos superiores. Os poderes político e econômico detêm, respectivamente, o monopólio do capital cultural e o do capital econômico.

Figura 1 Explicação do desenvolvimento de um espaço social global que abarca os campos do poder e o econômico, dentre diversos outros, e associa o subcampo da edição no Ceará ao interior do campo do poder. O subcampo também exerce influência em seus campos superiores, mas a intenção é evidenciar a ação dos campos no subcampo.  

Fonte: Os autores.

As Edições Demócrito Rocha e a editora Dummar, por estarem direta e indiretamente ligadas a uma empresa de iniciativa privada, ainda que a EDR esteja vinculada a uma empresa sem fins lucrativos, que possui sua própria instância de legitimação (o jornal O Povo) e certo capital econômico, não dependem tanto quanto outras editoras da verba governamental. Ainda assim, seguem as regras impostas pelos campos dominantes, como a Base Nacional Comum Curricular (ao escreverem sobre as temáticas de patrimônio, tradição e cultura popular), e o jogo do mercado imposto pelo campo econômico.

O Estado articula, organiza e regula os mercados editoriais, formulando a operacionalização das políticas que condicionam as práticas editoriais. Razão pela qual os editores se organizam em câmaras, associações e outros grupos para articular e negociar decisões do Estado, em uma busca pela conciliação de interesses (Muniz Jr., 2016). Na esfera governamental e na esfera associativa, são produzidas estatísticas nacionais da produção e do consumo de livros com o objetivo de tornar os mercados editoriais inteligíveis. A identidade nacional prepara terreno inclusive para a produção e a circulação das obras em territórios diferentes dos de origem/atuação dos agentes, assim como em mercados no exterior.

Vale notar que a mundialização da cultura redefine o significado da tradição. Em um primeiro momento, como permanência de um passado e de uma forma de organização social que se contrapõe à modernização das sociedades; em um segundo momento, como forma de estruturação da vida social, manifestando-se através de objetos eletrônicos, “[...] sua concepção célere do tempo, e de um espaço ‘desencaixado’” (Ortiz, 1994, p. 213, grifo nosso). Esta segunda concepção é uma moderna tradição que envolve uma memória internacional-popular, em que os elementos que a compõe podem ser reciclados a qualquer momento - como o cordel e suas adaptações. O passado mistura-se ao presente, determinando novas maneiras de ser e de conceber o mundo - uma cultura-identidade.

Neste sentido, a modernidade não é apenas um modo de ser, expressão cultural que traduz e se enraíza numa organização social específica. Ela é também ideologia. Conjunto de valores que hierarquizam os indivíduos, ocultando as diferenças-desigualdades de uma modernidade que se quer global (Ortiz, 1994, p. 215).

O global assume então uma posição frente ao local e ao nacional. A unicidade pretendida pelo que é identificado por nacional fica em segundo lugar quando se refere ao global, uma vez que, para esse conceito, o importante é a distinção. Assim, o nacional assume algumas qualidades do local, tornando a diversidade e a autenticidade características essenciais. É quando a identidade dos povos se apresenta, mostrando-se diferente ao exterior (Ortiz, 2000, p. 55).

Referir-se ao local é imaginar um espaço restrito e delimitado onde se desenvolvem os acontecimentos de um grupo. O local é confundido, por conta do contorno territorial dos hábitos daquele grupo, com o que circunda os indivíduos e o que está presente em suas vidas, oferecendo a ideia de familiaridade. O nacional implica um espaço amplo, embora fisicamente determinado. Soma-se ao nacional a ideia de historicidade, moldando-se de acordo com os interesses de suas instituições, jogos, visões e políticas de construção do presente, em um processo que ocupa um espaço não apenas geográfico, mas construído a partir de (e por conta de) uma representação coletiva. O nacional e o local não são opostos. Na verdade, formam uma unidade coesa. Essa unicidade é o que impõe o nacional ao local, pela existência de uma cultura nacional que é atualizada de diferentes maneiras em diferentes contextos - o Estado, o mercado, a unificação linguística, por exemplo, são instâncias que ditam o espaço nacional (Ortiz, 2000).

Como visto anteriormente, os temas da tradição, cultura popular e identidade cearense aparecem constantemente no histórico de ações do governo do Estado do Ceará. Seja através de políticas públicas, pesquisas ou discursos políticos, a escolha de um tema não é em vão. Faz parte de uma tomada de posição no espaço, uma forma de demarcar uma identidade e uma representação própria dos agentes e instituições no campo que constituíram - e continuam a constituir. A construção da identidade local se conecta à preservação da memória, a uma disputa pela legitimidade de um artesanato, uma literatura, uma cultura própria, mas que não exclui, apesar do localismo, uma identidade nacional. A cultura local se conecta à nacional por meio da instituição escolar e de ações governamentais (municipais, estaduais e federais), principalmente através de editais de compras ou publicações e parâmetros curriculares que interferem diretamente na preservação dessas culturas (bem como nas vendas do setor editorial), incentivando a produção literária em torno do tema. O objetivo se vincula a um interesse de conectar as culturas como partes de um mesmo lugar, formando um espaço social que abriga diversos campos e subcampos onde se desenvolvem os centros e periferias editoriais.

Os centros, inclusive, exercem sobre as periferias uma dominação que corresponde ao nível de autonomia alcançado no campo. No caso dos livros, os Estados com menor participação na produção nacional total são, geralmente, aqueles mais pobres, menos urbanizados ou com menos cidades de médio e grande porte (Muniz Jr., 2016). Essas regiões também são mais distantes dos grandes centros, enquanto sua produção raramente se desvincula do rótulo de ‘regional’ ou ‘local’; além disso, importam livros, revistas, ondas televisivas etc. Os centros regulam as trocas entre interior e exterior, nacional e estrangeiro, produzindo efeitos simbólicos e práticos.

Nas grandes cidades brasileiras, concentram-se importantes empresas editoriais juntamente com associações formais, coletividades informais, instâncias de consagração e visibilidade - livrarias, distribuidoras, gráficas, premiações, feiras etc.−, assim como ofertas de formação de profissionais para o mercado editorial. Nesses espaços, se encontram também os capitais em circulação - culturais, econômicos e simbólicos -, alvos das conquistas, negociações e conversões dos agentes. O estudo do arranjo entre essas variáveis, observa Muniz Jr. (2016), é o que permite identificar a existência de uma capital editorial como particularidade específica do capital cultural.

A profissionalização dos trabalhadores editoriais encarna um momento forte na busca por autonomia. Pode-se afirmar que, no caso de Fortaleza, os agentes são demarcados pela prática do autodidatismo e pela baixa profissionalização. Alguns deles são egressos das graduações em letras, jornalismo e design, a exemplo dos ilustradores. A graduação em letras, apesar de ter sido criada em 1946 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Ceará, não integra na sua base curricular uma formação em edição, assim como no curso de jornalismo, criado em 1965, a disciplina que mais se aproxima da área de atuação dos protagonistas do livro é a de projetos gráficos. O curso de design, fundado em 2011, é o que mais converge para as carreiras na edição, com disciplinas de projetos gráficos, história da tipografia e engenharia do papel e encadernação. Mais recentemente, foram criados cursos de especialização em design editorial em instituições privadas, a exemplo da Universidade Sete de Setembro.

O espaço de produção e circulação da literatura infantil na cidade de Fortaleza é caracterizado por um arranjo de práticas, habitus e instituições que configuram um subcampo da edição, cuja principal característica é a dependência em relação ao Estado, provedor de capital cultural e econômico para o investimento no setor. A falta de especialização, o autodidatismo, a impressão em gráficas de outras cidades e regiões, a insuficiência de cursos de formação na área e o acúmulo de funções são marcadores de uma posição periférica face a outros centos de produção editorial. E, mais uma vez, indicadores da autonomia conquistada pela heteronomia.

Considerações finais

Até aqui mostramos que o espaço em que se produz e circula a literatura infantil na cidade de Fortaleza é caracterizado por uma heteronomia e um arranjo de práticas, habitus e disposições de agentes e instituições que formam o subcampo da edição. A produção depende principalmente do campo do poder e do campo econômico para realizar-se, legitimando continuamente a posição do Estado como ‘provedor’ de um capital cultural e econômico para o investimento no setor editorial na cidade. A falta de especialização, o autodidatismo, a procura por gráficas em outros Estados, os poucos cursos na área editorial e o acúmulo de funções são traços que auxiliam a definir uma posição periférica frente a outros Estados e municípios e, mais uma vez, uma heteronomia do espaço. Os agentes procuram, apesar das lutas de concorrência, juntar-se para seu crescimento e amadurecimento.

A construção de um espaço de edição de livros infantis está vinculada a jogos e regras que regem modos de publicações, temas, posições, trajetórias, disposições e demais estruturas estruturadas e estruturantes que formam o subcampo da edição: um local heterônomo que seus agentes procuram meios de amadurecer através da legitimação da cultura local frente a outras culturas locais (e mesmo à nacional, ainda que seja em parte por influência externa e que se vincule a ela como parte de um todo), de parcerias com outros agentes e instituições fora dos limites territoriais em feiras e produções literárias, mas que também usufrui e reivindica a dependência em relação ao Estado por meio dos editais de compras governamentais. Isto é, caracteriza-se como um espaço periférico de produção dependente.

Por fim, verifica-se que a heteronomia está presente nas práticas e nas estratégias dos agentes e instituições, construindo a singularidade do espaço de edição de livros infantis em Fortaleza. Essa afirmação se baseia no fato de que muitos agentes reivindicam maior atuação do Estado - verbas para feiras literárias, editais de compras governamentais etc. - e de não ser possível uma suposta desvinculação em relação a este, pois a falta de leitores prejudica as compras fora do setor escolar. Sendo assim, a demanda das escolas e as compras governamentais são o que fazem a economia desse mercado funcionar, ainda que de forma débil em alguns momentos. Outros sinais de heteronomia são a falta de especialização dos agentes, o autodidatismo, o acúmulo de funções (produtores, editores, escritores, ilustradores, 02 ou mais em apenas 01 agente) e a fragilidade comercial. Porém, há sinais também de procura por autonomia, com cursos de mediação de leitura e formação de leitores, contação de histórias nas escolas e nos espaços das editoras, procura por outros mercados e apresentação das publicações fora do Estado ou país. A construção de um espaço de edições de literatura infantil em Fortaleza dentro de um campo do poder - dominado pelos governos municipais, estaduais e federal - sofre influência deste e do campo econômico. Isto é, situa-se em um subcampo formado por uma produção dependente e periférica.

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1 Fundada em 1928 pelo político e intelectual cearense Demócrito Rocha, é um grupo empresarial gerido pela família do fundador (Fundação Demócrito Rocha, 2017).

2O grupo administra um aglomerado de mídias, sites, emissora de TV e rádios, sendo o principal veículo o jornal O Povo.

3Dessa maneira, possuem meios de publicidade e influência que acarretam maior divulgação de seus livros, coleções, catálogos e eventos literários ou culturais de maneira geral.

4Como no caso da Base Nacional Comum Curricular e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que possuem sugestões sobre as publicações didáticas e paradidáticas.

5Houve outros importantes acontecimentos relacionados ao livro e à leitura, como a Campanha Viva Leitura em 2005, que incentivava o uso das bibliotecas; a oficina de elaboração do Plano Estadual do Livro e da Leitura em 2007, pensando nas cadeias mediadoras, formadoras, criativas e produtivas do livro; bem como seminários, conferências e audiências públicas.

6O autor recebe um prêmio de R$ 4.500 pelo texto escolhido. De acordo com alguns editores, o fator econômico faz com que mais pessoas sem ‘a devida função de autor’ participem do processo seletivo.

7Geralmente o designer gráfico e o coordenador editorial são os mesmos ao longo dos anos.

8Ambos federais, porém somente o primeiro relacionado aos livros literários (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação [FNDE], 2017).

19Como citar este artigo: Leão, A. B., & Sales, A. C. M. A edição de literatura infantil em Fortaleza: variações regionais e mediações culturais. (2020). Revista Brasileira de História da Educação, 20. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e118

20Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

9Founded in 1928 by Demócrito Rocha, a politician and intellectual from Ceará, it is a business group managed by the founder’s family (Fundação Demócrito Rocha, 2017).

10The group administers a cluster of media, websites, TV and radio stations, being the main vehicle of the newspaper O Povo.

11Thus, they possess means of advertisement and influence that facilitate the distribution of their books, collections and catalogs, and the promotion of their literary or cultural events in general.

12As in the case of the National Common Curriculum Base and the National Curriculum Parameters, which have suggestions on teaching and supplementary educational publications.

13There were other important events related to books and reading, such as “Campanha Viva Leitura” in 2005, a campaign that encouraged the use of libraries; the workshop for designing the State Book and Reading Plan in 2007, considering the mediating, formative, creative and productive book chains; as well as seminars, conferences and public hearings.

14Usually, the graphic designer and the editorial coordinator are the same over the years.

15The author receives a R$ 4,500 prize for the chosen text. According to some editors, the economic factor cause more people without ‘the proper role of author’ to participate in the selection process.

16Both federal, but only the first one is related to literary books (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (National Fund for Education Development) [FNDE], 2017).

Recebido: 28 de Novembro de 2019; Aceito: 25 de Março de 2020

*Autora para correspondência. E-mail: aborgesleao@gmail.com

Andréa Borges Leão é pesquisadora do CNPq, doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará. Coordena o Programa de Pós-Graduação em Sociologia na mesma instituição. Lidera o G.E.C.C.A (Grupo de Estudos em Cultura, Comunicação e Arte), com Enio Passiani/UFRGS. E-mail: aborgesleao@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-8404-6767

Ana Cíntia Moreira Sales é mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Participa do Grupo de Estudos em Cultura, Comunicação e Arte (GECCA), vinculado ao curso de Ciências Sociais da UFC. Realiza pesquisas relacionadas à Sociologia da Cultura, da Literatura, do Livro e da Leitura, com ênfase nas práticas editoriais e na literatura infantojuvenil. E-mail: anacintiamsales@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-0060-857X

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