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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 02-Dez-2020

https://doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e144 

Artigo Original

A mulher soldado nos palcos (São João Del-Rei, Minas Gerais, 1916): uma opereta em cena educando sensibilidades

A mulher soldado en los escenarios (São João Del-Rei, Minas Gerais, 1916): una opereta en escena educando sensibilidades

Carolina Mafra de Sá1  * 
http://orcid.org/0000-0002-3871-0716

Ana Maria de Oliveira Galvão2 
http://orcid.org/0000-0001-9063-8267

1 Universidade Federal do Agreste de Pernambuco, Garanhuns, PE, Brasil.

2Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.


Resumo:

As apresentações da opereta A mulher soldado em São João del-Rei - MG (1916) foram muito apreciadas pelo público e pela imprensa e se configuraram como performances que educaram sensibilidades. Este artigo analisa o manuscrito da peça, jornais locais e uma peça são-joanense do período, fontes encontradas no acervo que pertencia ao grupo amador responsável pelos espetáculos. Buscamos compreendera educação das sensibilidades que teria ocorrido durante essas encenações. Apoiadas nos estudos sobre a história da educação das sensibilidades, identificamos que os espetáculos ao mesmo tempo em que reforçavam sensibilidades ligadas à dominação masculina, impostas por uma elite dominante, davam margem para que pessoas simpáticas à luta feminista experimentassem novas sensibilidades.

Palavras-chave: história da educação das sensibilidades; gênero; história dos espetáculos

Resumen:

Las presentaciones de la opereta A mulher soldado en São João del-Rei (1916) fueron muy apreciadas por el público y por la prensa y se configuraron como performances que educaron sensibilidades. Analizamos el manuscrito de lapieza, periódicos locales y una pieza sanjoanense del período, fuentes encontradas en el acervo que pertenecía al grupo responsable por los espectáculos. Buscamos comprender la educación de las sensibilidades que podrían Haber tenido lugar en esas presentaciones. Apoyadas en los estudios sobre la historia de la educación de las sensibilidades, identificamos que los espectáculos al mismo tiempo que reforzaban sensibilidades vinculadas a la dominación masculina, daban margen para que las personas simpatizantes conla lucha feminista experimentas en nuevas sensibilidades.

Palabras clave: historia de la educación de las sensibilidades; género; historia de los espectáculos

ABSTRACT

Abstract The presentations of the operetta A mulher soldado in São João del-Rei - MG (1916) were highly appreciated by the public and the press and were configured as performances that educated sensibilities. This article analyzes the play's manuscript, local newspapers and a local author play, from sources found in the collection that belonged to the amateur group responsible for the shows. Weseek to understand the education of the sensibilities that would have occurred during these performances. Supported by studies of the History of Education of the Sensibilities, we identified that the shows, while reinforcing sensibilities linked to male domination, imposed by a dominant elite, allowed people sympathetic to the feminist struggle to experience new sensibilities.

Keywords: history of education of the sensibilities; gender; history of spectacles

Introdução

A pesquisa que deu origem ao presente artigo dedicou-se a compreender a educação das sensibilidades que se deu a partir de apresentações teatrais realizadas por um grupo de teatro amador, na cidade mineira de São João del-Rei, no ano de 19161. Segundo Oliveira (2018), nos últimos 20 anos, a História da Educação experimentou “[...] uma inflexão em direção aos sentidos e às sensibilidades [...]”, oportunizada “[...] pela renovação dos estudos em História da Educação e a sua intensa aproximação do campo da História na América Latina” (Oliveira, 2018, p. 120). Embora o interesse pelo tema dos sentidos e sensibilidades não seja algo novo entre os historiadores, Oliveira (2018), assim como Pineau (2018) identificam, mais recentemente, o que para este último se trata de uma ‘virada afetiva’ do campo.

Pineau (2018), em balanço das investigações do campo da história da educação sobre estética e sensibilidades na América Latina, observa uma mudança em relação aos objetos de estudos. Para o autor, há uma ‘virada afetiva’; pesquisadores voltam-se à análise de sujeitos, discursos, formas de distribuição, produção e apropriação de conhecimentos e práticas vinculados ao mundo sensível. Pineau (2018, p. 2, grifo do autor, tradução nossa) 2 afirma que

Embora traços desses temas sejam rastreáveis em trabalhos anteriores - por exemplo, em histórias que tratam da infância, do currículo e da formação de professores - os efeitos da chamada ‘virada afetiva’ (Lara & Enciso Domínguez, 2013; Macon & Solana, 2015) dos últimos tempos permitiram novos recortes e aprofundamentos através da construção de abordagens específicas. Essa ‘virada’ temática das ciências sociais - com especial ênfase no impulso liderado pela antropologia - configurou uma mudança na produção de conhecimento sobre questões como os afetos, a sensibilidade, as emoções e os gostos, principalmente reconhecendo sua variabilidade cultural e histórica (Lutz & White, 1986).

A investigação aqui apresentada está afinada com a tendência da ‘virada afetiva’ nas ciências sociais e, como nos ensina Oliveira (2018), diante do reconhecimento dos limites das histórias de caráter generalizante, busca compreender a materialidade da vida, as respostas que as pessoas dão às diferentes situações vividas, as sensibilidades envolvidas nessas situações. Objetiva apreender, ainda, além dos discursos, como se reagia a eles, ou seja, “[...] compreender as respostas emocionais de diferentes indivíduos aos imperativos sociais” (Oliveira, 2018, p. 121).

Analisamos, portanto, os processos de educação das sensibilidades vivenciados em espetáculos teatrais que ocorreram em São João del-Rei no ano de 1916. É importante destacar que, entre final do século XIX e início do século XX, aquela cidade vivia intensas transformações. Novidades tecnológicas, como a estrada de ferro, a eletricidade, o telégrafo, a indústria, a tipografia e o desenvolvimento da imprensa local modificaram o espaço público, os modos de sociabilidades3. Os tempos e os espaços do trabalho, do lazer e do convívio se transformavam. Além da tradicional religiosidade, representada pelos cultos católicos e pelas festas religiosas tradicionais, em São João del-Rei existiam diversos espaços de sociabilidade e variadas formas de lazer. Os são-joanenses assistiam e participavam de campeonatos de futebol4, frequentavam cafés e o cinematógrafo5, assistiam a espetáculos de circo e de teatro apresentados por companhias itinerantes, por grupos amadores e por profissionais da cidade.

Neste contexto, o Club Dramático Arthur Azevedo tinha por objetivo realizar apresentações de destaque dando provas do ‘alto grau de civilidade’ daquela gente6. Liderado por militares de alta patente, homens de letras e do governo, o grupo de teatro amador era constituído por artistas locais, homens, mulheres e crianças das elites são-joanenses. Tal agremiação realizava apresentações no Teatro Municipal de operetas que, embora criticadas pelos literatos do período, foram muito aplaudidas em cidades consideradas ‘adiantadas em civilização’ como Paris, Lisboa, Rio de Janeiro.

Do repertório encenado pelo grupo foi selecionada, para o escopo deste artigo, a versão portuguesa da opereta francesa A mulher soldado, que teve grande sucesso de público nas referidas cidades e foi bastante aclamada pela imprensa local. Embora bastante encenada e aplaudida, essa peça, ao lado de outras, foi severamente criticada pelos homens de letras franceses do século XIX, por se caracterizar como ‘peça ligeira’, de ‘gênero fácil’ e ‘demasiadamente obscena’. Contudo, no início do século XX, o gênero opereta passa a simbolizar uma arte tipicamente francesa7, um patrimônio daquela nação, mas ainda enfrentava as críticas de alguns que prezavam por um ‘teatro civilizador’ em Lisboa e no Rio de Janeiro.

A escolha por analisar as encenações desta opereta se fundamentou na noção de ‘poética’ elaborada por Zumthor (2007). Segundo o autor, a prática discursiva da ‘poética’ se diferencia por ser capaz de gerar efeitos, de proporcionar prazer. Tomamos o teatro como um discurso poético e os espetáculos teatrais como performances, único modo vivo de comunicação poética para o autor. O sucesso de público, registrado pela imprensa, e as repetidas apresentações são indícios de que esses espetáculos se constituíram como performances, momentos que proporcionaram prazer aos envolvidos. Para Zumthor (2007, p. 68) a performance, uma “[...] presença plena, carregada de poderes sensoriais, simultaneamente em vigília [...]”, modifica o conhecimento e não apenas comunica. Acrescentamos à definição do autor, a presença de diferentes sensibilidades durante a comunicação poética. Dessa forma, as encenações da opereta se configuraram como fenômenos educativos, momentos em que ouvintes e intérpretes, em interação, ao mesmo tempo em que realizaram, constituíram uma poética.

Inspiradas na noção cunhada por Pesavento (2007)8, criamos distinções entre as sensibilidades individuais, coletivas e hegemônicas. Definimos como sensibilidades individuais as operações imaginárias de sentido e representação do mundo, que permitem reviver, pela força do pensamento, experiências sensíveis singulares, sobre um acontecimento vivido por determinado sujeito; as sensibilidades coletivas são as operações imaginárias de sentido e de representação do mundo relacionadas com experiências comuns. Operações estas que produzem, pela força do pensamento, modos se sentir comuns a grupos sociais específicos; e as sensibilidades hegemônicas são operações imaginárias de sentido e de representação do mundo que grupos dominantes almejam impor aos demais sujeitos sociais.

Metodologia e fontes

O principal acervo utilizado para a realização da pesquisa é mantido pelo Grupo de Pesquisa em Artes Cênicas - GPAC, da Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ. Rocha Junior (2006), coordenador do grupo, afirma que o acervo foi constituído por duas coleções: a primeira pertenceu ao Clube Teatral Arthur Azevedo, associação de amadores da cidade, que atuou de 1905 até 1985, possuía uma biblioteca com cerca de 8.000 volumes sobre os mais variados assuntos e “[...] aproximadamente cento e vinte textos manuscritos e/ou datilografados e outros cento e oitenta textos, com numerosos vestígios de montagem” (Rocha Junior, 2006, p. 71).

A esse conjunto de fontes foi acrescida uma segunda coleção: o acervo particular de Antônio Manoel de Souza Guerra, mais conhecido como Antônio Guerra, que esteve envolvido com o teatro desde seus 13 anos, atuou como ator, ensaiador, ponto, fundou e participou de alguns grupos de teatro amador em São João del-Rei e em outras cidades de Minas Gerais.

Antônio Guerra foi secretário do Club Dramático Arthur Azevedo, na época de sua inauguração em 1915. Segundo os estatutos dessa associação, o secretário tinha a obrigação de manter organizada a escrituração do clube, seu livro de atas, “[...] cópias de ofícios remetidos, álbum com recortes de opinião da imprensa e coleção de programas, arquivo de documentos [...]”9. Assim, Guerra o fez e parece ter tomado gosto pelo ofício, pois, por onde passou, em função de seu trabalho como gerente da Singer, colecionou notas da imprensa e programas de teatro. Com este material, confeccionou 13 álbuns que hoje estão disponíveis na UFSJ. Esses álbuns guardam fotografias, postais, ingressos e programas dos espetáculos, recortes de jornais da região com críticas e notícias sobre o teatro, além de exemplares dos jornais publicados por dois clubes de teatro amador dos quais ele fez parte: o jornal O Theatro - Órgão Oficial do Club Dramático Arthur Azevedo, publicado pela referida organização de São João del-Rei e o jornal O Theatro, publicado pelo Club Dramático Familiar de Lavras10.

Em 1968, o amador publicou seu livro: Pequena história de teatro, circo, música e variedades em São João del-Rei 1717 a 1967, escrito a partir de suas coleções e memórias. Neste artigo, tomamos o livro de Guerra como fonte, além do álbum 13, composto por um material datado de 1915 a 1929. Nesse álbum estão os exemplares do jornal publicado pelo clube amador, que era distribuído gratuitamente nos dias dos espetáculos11, além de 101 recortes de jornais, retirados de 11 periódicos diferentes12, publicados em São João del-Rei.

Outro conjunto de fontes importante é o dos textos teatrais analisados, que se encontram, dispostos em ordem alfabética, em uma das prateleiras destinadas às peças do acervo.Utilizamos a cópia manuscrita da opereta13A mulher soldado, ou Vinte e oito dias de Clarinha, que é uma versão de Gervasio Lobato e Acacio Antunes da vaudeville-opérette Lesvingt-huitjours de Clairettes, em quatro atos, do compositor francês Victor Roger e dos escritores Hippolyte Raymond e Antony Mars Vapereau (1893). Também foi utilizado ovaudevile Santo Antônio nas Águas, escrito em 1911 pelo são-joanense Severiano de Resende, que se encontra no acervo em uma versão datilografada.

Com o objetivo de nos aproximarmos da educação das sensibilidades que ocorreu durante as encenações da opereta A mulher soldado, inspiramo-nos no ‘método de análise dramática’ de Williams (2010). O autor criticava seus contemporâneos14 que supunham que literatura e cena existissem em separado, “[...] embora o teatro seja, ou possa ser, tanto literatura quanto cena, não um em sacrifício do outro, mas um por causa do outro” (Williams, 2010, p. 38). Neste estudo, portanto, analisamos o texto da opereta como texto escrito para ser encenado. Além disso, para analisar a educação que ocorria durante as encenações, consideramos as circunstâncias da produção e apresentação dos espetáculos e as sensibilidades envolvidas.

Partimos do texto teatral e cruzamos os dados com as informações sobre as encenações15 e sobre a dimensão sociocultural e sensível daquele contexto.Os dados foram encontrados nas críticas e notícias dos jornais locais e, aqueles relacionados ao contexto, na peça são-joanense - Santo Antônio nas Águas, em pesquisas sobre a cidade de São João del-Rei do período, sobre a história do teatro, história das mulheres, história do corpo e sobre a história do exército brasileiro. Ao abordar algumas cenas a partir de diversos aspectos e ao considerar os sujeitos envolvidos nas apresentações e suas sensibilidades, buscamos elencar algumas sensações e sentimentos que possivelmente teriam afetado os espectadores.

A mulher soldado em cena tensionando sensibilidades hegemônicas e provocando sensações e sentimentos diversos

A estrutura narrativa da opereta estudada tensionava as sensibilidades hegemônicas da sociedade são-joanense provocando sensações e sentimentos distintos, que possivelmente teriam afetado os espectadores. Ao analisar o enredo da opereta no conjunto de obras encenadas pelo clube dramático, observamos que existem algumas semelhanças entre elas. Tais semelhanças não são gratuitas, elas estão relacionadas com as motivações que levaram os amadores são-joanenses a escolhê-las: as possibilidades materiais e artísticas do grupo e a capacidade dos enredos de dialogar e proporcionar prazer ao público local, ou seja, o potencial poético das peças.

Um dos elementos semelhantes entre as operetas encenadas pelos amadores que certamente contribuiu para estabelecer uma empatia imediata com a plateia são-joanense é o ambiente em que se passavam as narrativas16. Em uma cidade ondeas pessoas conviviam já há algum tempo com corporações do exército brasileiro, possivelmente o público se veria nos palcos e/ou a seus filhos e maridos. Dos cinco espetáculos em que se encenou a opereta A mulher soldado, dois homenageavam militares, o presidente do clube, capitão José Pimentel e o general Napoleão Felipe Achê, de Niterói17. Uma ‘opereta militar’ que se passava em um quartel seria ideal à ocasião.

Outra semelhança observada é a estrutura narrativa das operetas que é inspirada na fórmula das ‘peças bem feitas’ defendida pelo importante crítico francês Sarcey e apreciada por Artur Azevedo. As ‘peças bem feitas’, padrão inventado por Scribe, caracterizou grande parte da dramaturgia francesa, dos gêneros ligeiros, produzida na Belle Époque. Segundo Flores (2008), Scribe desenvolveu uma fórmula de escrita dramática que respondia às demandas de expansão do ‘teatro como entretenimento’. Tal expansão era resultado das influências de um mundo industrial em que a produção dramática voltada para o mercado, para a comercialização, se ampliava.

Flores (2008) afirma que a invenção de Scribeteria possibilitado o aquecimento de um mercado teatral, em que a profissão de escritor dramático passou a ser bem paga. A fórmula das ‘peças bem feitas’ tinha como foco os efeitos da dramaturgia no público e baseava-se “[...] em sentimentos que todos compreendem e que interessam a todos porque são os sentimentos comuns à natureza humana; é exposto com clareza, desenvolve-se logicamente e tem um desfecho feliz” (Carlson, 1997, p. 277)18. Desse modo, analisar a peça tendo em vista essa fórmula nos aproxima das sensações e sensibilidades envolvidas no momento da performance.

Segundo Flores (2008, p. 27), as ‘peças bem feitas’ têm uma “[...] estrutura bastante fixa do começo ao fim: apresentação do problema, desenvolvimento do mesmo, clímax e resolução”. A opereta analisada distribui essas etapas em três atos, apresentando o problema no primeiro, o desenvolvimento no segundo e o clímax e resolução no terceiro e último ato. Distribuída dessa maneira, a narrativa desenvolve-se em torno do problema e as ações dramáticas encadeiam-se logicamente tornando-o cada vez mais complexo. Assim, a tensão aumenta gradativamente e evidencia conflitos latentes. O ponto culminante do problema é também o momento em que todos os conflitos gerados ao longo da narrativa são solucionados.

Ainda que a opereta encenada tenha sido escrita por franceses em contexto distinto do estudado, podemos dizer que o problema tensionado pela peça com o objetivo de envolver a plateia é indício dos sentimentos e das sensibilidades das pessoas envolvidas com os espetáculos ocorridos em São João del-Rei (1916), na medida em que a encenação deu lugar à performance. Cabe-nos, então, analisar os elementos que geravam tensões ao longo da narrativa, com o objetivo de perceber que sensações eles causaram ao público são-joanense.

Na opereta A mulher soldado, o problema é, em parte, gerado por um mal-entendido. O sargento Gabriel, casado com Clarinha, consentiu em receber a visita de Alice no quartel e aguardava-a ansiosamente, pois desejava distrair-se um pouco. A mulher que ele esperava era “[...] uma conquista de rapaz solteiro [...]” (p. 9)19, que ele reencontrou quando levou sua esposa à costureira (coincidentemente a costureira era Alice). Ela foi ao quartel sem saber que Gabriel era casado. O mal-entendido começa quando o sargento Villar e o Capitão pressupõem que Alice fosse a esposa legítima de Gabriel. A situação vai se complicando a cada cena: um ruído de uma conversa com Villar torna-se verdade para o Capitão, e se espalha para todos os soldados e oficiais. Clarinha, a verdadeira esposa legítima, chega ao quartel para visitar o marido e fica sabendo por Villar (que supõe ser ela uma amante de Gabriel), que ele não estava disponível, pois visitava o quartel acompanhado de sua ‘esposa legítima’, Alice. Clarinha, para vingar-se do marido, se disfarça de soldado e toma o lugar do reservista Ventura. Assim, o problema que costura toda a ação dramática é apresentado no primeiro ato: a presença de uma mulher, disfarçada de soldado, no quartel.

No segundo ato, a tensão em torno da presença de uma mulher em um ambiente masculino, sendo vista e tratada como um homem, envolve o público e se intensifica na medida em que Clarinha enfrenta situações corriqueiras para um reservista, mas que para uma senhora, poderiam ser consideradas inadequadas. A performance, como comunicação poética, aconteceu durante esses espetáculos, pois as sensações que a ação dramática provocou dialogavam com as sensibilidades da plateia, de modo a evidenciar e a provocar conflitos relacionados com a maneira como aquelas pessoas significavam o que era ser homem e ser mulher, como elas experimentavam a sexualidade e suas maneiras de pensar o convívio entre homens e mulheres.

Dividir o quarto e a cama com o reservista Thomé foi uma das situações complicadas que Clarinha enfrentou, exposta durante grande parte do segundo ato. Thomé agiu como de costume, despindo-se antes de deitar-se. Como fazia muito frio, ele propôs dividir a cama com o colega, mas Clarinha recusou-se. O reservista achou muito estranho o constrangimento do ‘rapaz’ ao vê-lo tirar a roupa, além de estranhar sua teimosia ao preferir morrer de frio e o desconforto de dormir, vestido, na cadeira.

Que sensações uma cena como essa poderia causar ao público são-joanense daquele período? A situação, mesmo nos dias de hoje, causaria certo constrangimento à mulher que estivesse vestida de soldado. Sabemos que, com relação às sensibilidades, as rupturas se dão em longo prazo e que, ao investigar um período histórico distante de nós apenas um século, corremos o risco de cometer anacronismos. Segundo Pesavento (2007, p. 15),

As sensibilidades são sutis, difíceis de capturar, pois se inscrevem sob o signo da alteridade, traduzindo emoções, sentimentos e valores que não são mais os nossos. Mais do que outras questões a serem buscadas no passado, elas evidenciam que o trabalho da história envolve sempre uma diferença no tempo, uma estrangeiridade com relação ao que se passou por fora da experiência do vivido. E esta, no caso, insere o conceito das sensibilidades sob o signo da alteridade, sem o que não é possível a reconfiguração do passado, meta imprescindível do historiador, como assinala Paul Ricoeur.

Devemos, então, nos perguntar qual a intensidade e o significado da tensão gerada pela cena em questão, no público são-joanense de 1916. Que relação as mulheres e os homens da época tinham com o próprio corpo? O que representava a nudez feminina e a nudez masculina? Que significados envolviam a coexistência de corpos de sexos opostos em um mesmo ambiente? Quais eram os limites do olhar, do cheirar, do tocar o outro?

A elite são-joanense vivia, durante as primeiras décadas do século XX, entre a devoção à Igreja Católica e o desejo pelo progresso e pela civilização. Como já mencionamos, a atenção dessas pessoas voltava-se para as novas ideias, os novos hábitos, as técnicas, tecnologias e produtos que vinham do Rio de Janeiro e de Paris, ao mesmo tempo em que preservavam fortemente os costumes e rituais católicos. Encontramos indícios dessa dualidade vivida pela elite da cidade, no vaudevile escrito, em 1911, pelo são-joanense Severiano de Resende. A narrativa se passa em um balneário e em torno da crença que explicaria as propriedades milagrosas de suas águas. Localizado no território do município de Tiradentes, vizinho a São João del-Rei, o balneário era frequentado, também, pela elite do período para seus passeios e deleites da vida no campo. No vaudevile Santo Antônio nas Águas20, existem dois personagens emblemáticos o doutor Polybio e o padre Zuquim. O primeiro acabava de chegar de Paris e estava encantado pela cidade, ‘luz da civilização e do progresso’, ‘centro fulgurante’, ‘capital do universo intelectual’. Segundo Polybio, as luzes de Paris ainda não tinham chegado à São João del-Rei, “[...] nesta terra vegeta-se [...] é grande a natureza, as montanhas altivas, os rios soberbos [...] O homem pequeno, liliputiano21, os horizontes morais limitados para os voos do talento; o espírito asfixia-se e debate-se num meio acanhado. On ne vive pás [...]”. O comendador, um terceiro personagem, censura Polybio por aquelas ‘caraminholas’ e pelo desprezo das coisas da ‘nossa terra’. Para ele, jovens como Polybio exibiam-se como “[...] propagandistas das doutrinas mais subversivas e disparatadas”. O padre Zuquim, porém, é sucinto e bem mais radical que o comendador; para ele Paris é a ‘terra da perdição’ a ‘moderna Gomorra’. Diante do quadro pintado pelo vaudevile são-joanense, podemos afirmar que a elite vivia essa dualidade e que, certamente, as pessoas tinham opiniões que variavam em uma escala que ia do encantamento de Polybio ao radicalismo do padre Zuquim.

Essa reflexão nos ajuda a imaginar o lugar, ou a repercussão, na cidade mineira, de algumas transformações que ocorreram em relação às sensibilidades dos parisienses. Segundo Sohn (2008), durante o século XX, viveu-se na França um progressivo recuo do pudor. Anteriormente tido como uma virtude aconselhada às meninas e moças, o significado do pudor se transforma na Belle Époque. Tal transformação é acelerada no período entreguerras com a superação de tradições seculares como as interdições à exibição do corpo das mulheres e suas curvas, o hábito de fazer a toalete sem despir-se e a relação dos casais com o sexo e a sexualidade. Sohn (2008, p. 110, grifo do autor) afirma que “[...] no final do século XIX ainda se faz amor ‘totalmente nus, só com camisola’ e a alcova é inimiga da luz’. Esses interditos remetem a uma concepção cristã de sexualidade, circunscrita ao casal legítimo, destinada essencialmente à reprodução e inimiga da concupiscência”.

É plausível imaginar que os casais são-joanenses tinham diversos modos de se relacionar sexualmente, o que dependia do envolvimento com a religião e da relação de cumplicidade que construíam entre si, visto que os obstáculos para a concretização dos desejos sexuais, neste caso, eram apenas o julgamento de Deus e do cônjuge. Esses matizes surgem pela gradual falência dos casamentos arranjados e a valorização do casamento por amor22. No início do século XX, também ocorreram mudanças em relação à exposição dos corpos no espaço público. De acordo com Sohn (2008), o corpo começa a ser exposto ‘sob o efeito combinado da moda e do turismo balneário’; em 1900 as competições aquáticas também contribuíram para esse processo.

As roupas de banho, como as do Rio e de Paris, possivelmente permitiam “[...] associar o banho de mar e decência” (Sohn, 2008, p. 110); no caso são-joanense, associava-se o banho em Águas Santas à decência. Dessa forma, a nudez de uma mulher diante de seu marido já não era algo impensável para o público são-joanense. Porém, a exposição do corpo da mulher a um estranho certamente o era. No caso da opereta A mulher soldado, a nudez de Clarinha diante de Thomé também significava a revelação do disfarce da mulher soldado, o enfrentamento das consequências disso diante das regras do quartel e o fim da vingança da protagonista.

Poderíamos nos perguntar: por que o disfarce de Clarinha se configuraria como uma vingança de uma mulher traída? A protagonista não estaria se penalizando ao passar pela experiência de servir ao exército? Em quê, ou como, isso afetaria seu marido Gabriel? O que significava a presença de uma mulher no quartel para as pessoas daquele contexto?

No fim do segundo ato, Gabriel escuta a discussão entre Thomé e Clarinha, percebe que ela estava no quarto ao lado e vai ao seu encontro com a intenção de convencê-la a acabar com o disfarce. Ele dispensa Thomé, a fim de ter uma conversa particular com Clarinha:

Gabriel

Clarinha é preciso acabar com isto. Eu não posso sofrer mais estes vexames.

Clarinha

Pois não sofra; não sou eu a culpada.

[...]

Gabriel

Mas tu não vês que de um momento para o outro descobrem que és mulher?

Clarinha

[À lápis ao lado: Pois q desc...]

Não se incomode. Eu tenho quem me defenda se for preciso (p. 36-37)23.

Fica evidente que a preocupação de Gabriel não é com a integridade da esposa, ou com os problemas que ela estava enfrentando como reservista. O sargento se preocupava apenas com sua própria ‘honra’. Gabriel afirma não poder mais sofrer aqueles ‘vexames’. O sargento era, portanto, a vítima da história, ele estava sendo molestado e corria o risco de ter sua esposa descoberta vestida como soldado no quartel. Clarinha demonstra não se importar com a revelação de seu disfarce - “Pois que descubram!” -, mostra-se ciente de que o marido seria o maior prejudicado naquela situação e, para concretizar sua vingança, ela parece desejar ter sua identidade revelada. Por que Gabriel sentia tamanha vergonha daquela situação? Por que essa ideia fazia sentido para o público são-joanense? Que sensibilidades estavam envolvidas nessa trama?

Na segunda metade do século XIX, com o objetivo de despertar o patriotismo entre os brasileiros foram escritas biografias de ‘heróis’ e ‘heroínas’ nacionais24. Entre as ‘heroínas’, duas tiveram destaque nessas publicações por lutarem pela pátria, disfarçadas de soldados. A primeira, Maria Quitéria, apresentou-se como o soldado Medeiros e lutou em batalhas pela independência do Brasil. Depois de descoberto seu disfarce, foi condecorada pessoalmente pelo Imperador em 1823. Antonia Alves Feitosa, conhecida como Jovita Feitosa, vestiu-se de homem e apresentou-se como voluntário para lutar na guerra do Paraguai; foi descoberta rapidamente e, segundo Wolff (2013, p. 429), “[...] ao invés de ser imediatamente descartada, tornou-se curiosidade nacional, percorrendo vários estados conclamando os homens a apresentarem-se como voluntários. Chegou a ser promovida a sargento”.

Ainda que as duas mulheres tivessem motivos pessoais para apresentarem-se como voluntários nas guerras, Maria Quitéria25 e Jovita Feitosa26 foram saudadas e suas atitudes usadas como exemplo de coragem e de amor à pátria e como incentivo aos homens para fazerem o mesmo, embora nem todos aprovassem a presença de mulheres nos quarteis. Machado de Assis publicou no Diário do Rio de Janeiro, de 7 de fevereiro de 1865, um longo artigo que se dedicava a “[...] demarcar o espaço de ação da mulher durante uma guerra: rezar, cuidar dos feridos, costurar para os soldados” (Prado & Franco, 2013, p. 201). Wolff (2013) acrescenta que a história de Jovita causou grande polêmica na imprensa da época. A autora cita uma publicação no Jornal do Commercio de 1865 que afirmou ser a presença da jovem no exército uma ofensa grave à dignidade dos homens. Segundo Wolff (2013, p. 430, grifo do autor), elas usavam um saiote sobre a farda, o que para a autora, deixava claro “[...] que o exército não seria lugar ideal para as mulheres e que estas ‘soldadas’ eram exceções”.

Na segunda metade do XIX, as mulheres acompanhavam as tropas, seguindo seus filhos e/ou maridos e cumprindo os papéis sublinhados por Machado de Assis. Elas cuidavam do abastecimento e do preparo da comida, costuravam, lavavam e cuidavam dos feridos e doentes. No momento das apresentações da opereta A mulher soldado em São João del-Rei (1916), as mulheres já tinham sido afastadas dos quartéis, por meio das reformas realizadas no Exército. Elas não mais atuavam nas atividades indicadas ao seu sexo, menos ainda, como soldadas. As possibilidades das mulheres se alistarem disfarçadas de homens tornaram-se nulas depois de instituído o exame médico obrigatório antes do engajamento do soldado. A presença delas somente era tolerada quando eram esposas dos soldados ou oficiais (Wolff, 2013).

Nesse período, embora as atenções estivessem mais voltadas para a Primeira Guerra Mundial do que para o conflito do Contestado, corriam algumas notícias sobre as ‘virgens’, mulheres seguidoras do líder dos rebeldes (o monge José Maria, morto na primeira batalha) que diziam ter visões do líder falecido, momentos em que recebiam orientações sobre como proceder na luta. Teodora e Maria Rosa lideraram os rebeldes por um tempo, por meio dessas visões. Visto que a unidade do Exército, lotada em São João del-Rei, participou desta guerra entre 1914 e 1915, possivelmente histórias circularam sobre as guerreiras do Contestado. Mas essas mulheres eram vistas, assim como os rebeldes que lideraram, como fanáticas, ignorantes, humildes sertanejas27.

É importante considerar também a luta das mulheres por direitos que se intensificava nas primeiras décadas do século XX, gerando fortes reações, como críticas expressas em peças de teatros, charges e na imprensa. Segundo Rachel Soihet (2013), as mulheres dos setores médios e da alta burguesia reivindicavam o direito à capacitação profissional e ao trabalho remunerado, o acesso pleno à educação de qualidade, direito de voto e de elegibilidade, considerados essenciais para alcançar os outros objetivos. A luta feminina ganhava força desde a proclamação da República. Apesar de a Constituição ter sido promulgada em 1891 sem afirmar o direito das mulheres ao voto, o tema foi discutido na Assembleia Constituinte e continuou na pauta dos intelectuais e da imprensa. Soihet (2013) conta que a oposição ao sufrágio feminino se fundamentava no argumento ‘científico’ da fragilidade da mulher, de sua inteligência limitada, de sua inadequação para realizar atividades públicas. A mulher deveria ocupar-se da família.

No vaudevile Santo Antônio nas Águas, já referido, fica evidente que o debate sobre as reivindicações das mulheres estava, de alguma maneira, presente na cidade. Os personagens, comendador, doutor Polybio e Thomazinho conversam sobre a qualidade do serviço de telégrafos:

Dr Polybio

Como deu-se há pouco comigo em viagem para Belo Horizonte. Telegrafei de Lafaiete aos amigos, comunicando-lhes minha chegada, isto às 6h30 da manhã, para me esperarem com o almoço. Cheguei a capital mineira às 10 horas, e quando jantava às 6 da tarde, é que vieram trazer o despacho telegráfico. Em Paris sim a eletricidade é a eletrio cidade.

Thomazinho

Entre nós esse serviço anda todo atrapalhado.

Comendador

Os telegramas são todos entregues tarde e a más horas, se não chegam estropiados.

Dr Polybio

No Rio, então, dão-se trocadilhos engraçados. Incroyable.

Comendador

Efeito das conquistas do feminismo; desde que meteram as mulheres nos telégrafos e correios, as comunicações andam atrapalhadas, como tudo os homens rasparam as barbas e o bigode, enroscam-se ao braço das mulheres, quando deviam servir-lhes de ponto de apoio e elas vestem calças. O homem vira mulher e a mulher torna-se homem. Moderníssimo28.

Diante do comentário do amigo comendador, Helena, que até então apenas escutava, protesta e Geni complementa:

Helena

Protesto. As mulheres fazem o serviço muito direitinho.

Geni

E com muito capricho

DrPolybio

As mulheres. As novas ideias emancipam-nas e dão-lhes acesso as mais nobres funções. Em Paris as mulheres vão se introduzindo em todos os serviços: - Le monde marche29.

A conversa então toma outro rumo e deixa no ar a observação do doutorPolybio, jovem estudado que acabava de voltar de Paris. O autor do vaudevile parece representar algumas posições de são-joanenses a respeito das conquistas feministas e das mudanças ‘moderníssimas’ que a sociedade vivia naquele momento. Tais posicionamentos iam desde a oposição às mudanças que aconteciam e o temor em relação à inversão dos papéis sociais de homens e mulheres, até aqueles que apostavam no desenvolvimento, no progresso inspirado na ‘civilizada’ Paris, onde as mulheres já ocupavam nobres funções. As personagens Helena e Geni, apesar de timidamente, posicionaram-se em defesa das conquistas do movimento feminista.

Diante desse panorama, podemos imaginar as inúmeras sensações que a encenação de uma mulher no quartel, disfarçada de soldado, poderia causar na plateia são-joanense. Na cena 4 do segundo ato, que começamos a descrever acima, quando Gabriel pede à Clarinha para dar fim a sua vingança, ele fica furioso com a resposta negativa, com o ‘atrevimento’ da esposa ao deixar claro que sabia que ele seria o maior prejudicado com toda aquela história, e por insinuar que não se importava. Então, Gabriel reage da seguinte maneira:

Gabriel

(furioso) Clarinha! Clarinha! Eu sou seu marido. Ainda me não desobriguei dos meus direitos.

Clarinha

Os seus direitos? Os seus direitos são iguais aos meus. O senhor faz o que entende não é assim? Eu também tenho o mesmo direito, pago-lhe na mesma moeda. [Fala modificada pelo Club Dramático Arthur Azevedo]

Os seus direitos são iguais aos meus. O Sr. tem uma amante não é verdade? Pois eu também quero ter um amante. Estou me guiando por si. [Fala original do manuscrito]30.

Gabriel

(avança para Clarinha) Tu não me ofendas! Olha que eu [...] (agarra-a por um braço)

Clarinha

(gritando)

Deixe-me! Deixe-me!

Villar

(acorda) Não se pode dormir! Que inferneira!

Gabriel

(furioso) Tu queres enlouquecer-me queres um escândalo? (p. 36-37)31.

A discussão do casal em relação aos direitos do marido e da esposa certamente remeteu o público são-joanense às discussões sobre as reivindicações das mulheres que ocorriam no período. Gabriel cobrava seus direitos à esposa Clarinha, expressos na ideia da obediência. Ainda que alguns e algumas discordassem de que as mulheres deveriam ser subservientes em relação aos maridos, a atitude do sargento fazia todo o sentido naquele contexto. De acordo com Cortês (2013), o Código Civil promulgado em janeiro de 1916 continuava tratando a mulher casada como ser inferior ‘relativamente incapaz’, que deveriam viver sob a proteção de seus maridos o ‘chefe da sociedade conjugal’, responsável por definir os destinos da esposa e de toda a família.

É interessante notar, como podemos ver nas Figuras 1 e 2, que a fala de Clarinha, no original do manuscrito da opereta, foi modificada. No texto original, Clarinha afirmava que tinha direitos iguais aos do marido e que, portanto, se ele tinha uma amante ela também queria gozar desse direito. Embora as leis fossem mais rígidas para as mulheres, o adultério era condenado para ambos os sexos pela justiça32 e pela Igreja Católica. Dessa forma, esse elemento foi retirado da fala da protagonista. Não seria recomendável a uma elite que se dizia virtuosa e civilizada atentar contra as duas instituições (Estado e igreja) de maneira tão contundente. No entanto, mesmo com a mudança, a reivindicação por direitos iguais não é apagada. A nova fala de Clarinha abre-se à interpretação, ao gosto do espectador: “Os seus direitos? Os seus direitos são iguais aos meus. O senhor faz o que entende não é assim? Eu também tenho o mesmo direito, pago-lhe na mesma moeda” (p. 36-37)33.

Fonte: Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC - UFSJ (p. 37)

Figura 1 Fala original do manuscrito da opereta. 

Fonte: Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC - UFSJ (p. 37).

Figura 2 Fala modificada.  

Sentindo-se ofendido por Clarinha, Gabriel devolve a ofensa respondendo ao amigo Villar, que se aproximou atraído pelo barulho da discussão do casal:

Villar

Continuas na mesma? Queres a viva força que ela diga que é tua mulher?!

Gabriel

(Com ironia) Não, esta senhora não é minha mulher. É [...] minha amante.

(Thomé entra) Estásatisfeita?

Clarinha

Infame! (dá-lhe uma bofetada) (p. 37-38)34.

Ao homem seria tão ofensivo o fato de sua mulher exigir ter os mesmos direitos que ele, quanto à mulher ofendia ser colocada no lugar da amante. Thomé testemunha a agressão feita ao sargento Gabriel e chama os soldados para prender o reservista que cometera a infração. Clarinha, então, é presa.

No terceiro ato, o clímax se dá pela prisão de Clarinha que, disfarçada de soldado, foi condenada ao fuzilamento por agredir um sargento. Thomé, Gabriel e Villar ficam aflitos para viabilizar a fuga de Clarinha. O primeiro por culpa (pois foi ele o delator do companheiro reservista) e os outros dois por saberem do disfarce de Clarinha. Thomé fica de guarda na porta da prisão onde ela estava. Arrependido por ter colocado Ventura/Clarinha naquela situação, Thomé resolve ajudá-lo a fugir. Ele consegue um vestido com a empregada da estalagem para que o colega fugisse disfarçado de mulher. Gabriel e Villar chegam antes que o plano de Thomé fosse concretizado e o enxotam. Ele, para não ver seu plano fracassado, resiste em deixar o serviço de sentinela, mas acaba acatando as ordens dos dois sargentos, que encontram Clarinha vestida como mulher e entendem a insistência de Thomé em continuar de guarda. Logo que Clarinha dá as costas, o verdadeiro Ventura aparece para recuperar sua farda que estava com o sargento Villar. Gabriel e Villar entregam a farda ao reservista e o prendem no lugar de Clarinha.

O capitão recebe a denúncia de que haveria uma mulher vestida como um militar e Clarinha é impedida de sair do quartel. O capitão decide interrogar o prisioneiro Ventura, acusado de ser uma mulher disfarçada de soldado, e depois interroga Clarinha, acusada de ser um soldado vestido como uma senhora. Toda a situação é revelada e o sargento Gabriel perdoado pelo capitão. Clarinha, como um reservista, acata as ordens do capitão de perdoar seu marido. Esta era uma virtude dos militares adequada às mulheres, a obediência aos superiores.

Supomos que compunham o público que assistia à opereta encenada pelo ‘Club Dramático Arthur Azevedo’, mulheres da classe média e da elite, que mesmo que mantivessem uma conduta condizente com uma sociedade bastante religiosa, como era a são-joanense, apreciavam os ‘avanços’ franceses e, no mínimo, eram simpáticas às reivindicações do movimento feminista, como Helena e Geni (personagens do vaudevile são-joanense de Severiano de Resende). Essas mulheres possivelmente vibraram com a vingança de Clarinha e, certamente, sentiram-se vingadas por meio da atitude da protagonista ao disfarçar-se de soldado e ao servir no quartel onde o marido era sargento. Estas eram formas de ‘ofender a dignidade’ do militar: vestir calças, montar cavalos, enfrentar, sem ser descoberta, as mesmas situações que um reservista enfrentava, mostrar-se tão capaz quanto um homem, reivindicar direitos iguais. Naquela noite, assistindo à opereta, podemos imaginar que seus corpos se aprumaram, os pulmões se encheram de ar, os olhos sorriram, elas sentiram o prazer de ser, por instantes, Clarinhas, Marias Quitérias e Jovitas, sentiram o prazer de estar no comando da situação. Tais sensações podem ter sido elaboradas de inúmeras maneiras por cada uma das espectadoras, constituindo sentimentos, valores e sensibilidades. Seria impossível dizer ao certo que sensibilidades essas mulheres aprenderam ou elaboraram naquela noite, até porque esse é um processo que se dá em longo prazo e não apenas em um único evento, mas podemos imaginar que, ao experimentar o prazer de sentirem-se fortes e capazes como as heroínas citadas, elas criavam o gosto pela sensação, o que pode ter sido motor de transformações pessoais e, quem sabe, de transformações sociais.

Já os homens que, como Polybio (personagem do vaudevile são-joanense), acreditavam que as conquistas feministas faziam parte do desenvolvimento e do progresso da sociedade, possivelmente riram de si mesmos, achando ridículas as atitudes de personagens como Villar que subjugava as mulheres se achando no controle da situação quando afirmou que tinha conquistado Clarinha no bonde. Homens, como Polybio, viam, na situação em que uma mulher não era notada em meio aos soldados, a confirmação de suas convicções, a prova de que elas eram, sim, capazes de desempenhar atividades realizadas pelos homens.

De outro modo, homens que, como o comendador (também personagem do vaudevile de Severiano de Resende), acreditavam que as mulheres eram frágeis, pouco inteligentes e que sua função era cuidar da família, possivelmente se remexeram nas cadeiras incomodados com o fato de, naquele quartel, ninguém notar a presença de uma mulher. Thomé, que passou um bom tempo tão próximo de Clarinha, se revelou incapaz, por nem imaginar que estava diante de uma senhora, mesmo quando a viu vestida como mulher, no final do terceiro ato. É certo que, por ele ser um homem simples, sem instrução, essa imagem se desvincularia dos homens cultos e instruídos.

A cena que expõe a teimosia do capitão em obter de Ventura (vestido como soldado) uma confissão de que ele era uma mulher e de chegar a afirmar com convicção que Clarinha era um homem, quando ela já vestia saias, possivelmente provocaria um riso nervoso e coraria as faces daqueles que tinham como verdade a inadequação e a incapacidade das mulheres ocuparem esses lugares e funções tradicionalmente masculinas. Contudo, um traço do personagem Ventura justificava a confusão do Capitão, que não poderia ser desmoralizado em cena, por um clube liderado por um capitão, que encenava para uma plateia composta, também, por militares. Ventura era um homem afeminado.

No final do primeiro ato, Ventura procura o sargento Villar para recuperar sua farda. O texto da opereta faz a seguinte indicação para o momento em que ele se apresenta aos sargentos: “Ventura - Eu sou pasteleiro, e chamo-me Ventura de Sá. (com um todo afeminado)” (p. 21, 1º ato, cena XI)35. Ao ser acusado de ser mulher, no terceiro ato, Ventura se defende: “Por aparências não me tomem / Palavra d’honra que sou homem” (p. 46, 3º ato, cena VI)36.

A imprensa local elogiou a interpretação do personagem Ventura feita pelo amador Humberto Preda. Ele teria arrancado “[...] boas gargalhadas da plateia” (O Theatro, p. 28). Segundo um autor anônimo que teve seu texto publicado no periódico O Zuavo (p. 34, grifo do autor): “Seus trejeitos afeminados, seu andar, sua voz adocicada, seu bem estudado ‘remelexo’ também, a princípio, me deixou confuso quanto ao verdadeiro sexo que possui! Muito bem!”. O autor desse texto corroborava a percepção dos militares em cena, que acusavam Ventura de ser mulher, atribuindo à encenação do amador a perfeição. Ao mesmo tempo, ele livrava o capitão do ridículo de não ser capaz de distinguir entre um homem e uma mulher. A comicidade conferida ao personagem Ventura ridicularizava sua característica afeminada e deixava intocada a reputação do capitão, que teria razão de se confundir em relação ao sexo de Ventura.

Os homens da plateia, que acreditavam que as mulheres eram seres inferiores, possivelmente voltaram para suas casas satisfeitos e convencidos de suas ideias. No final da opereta, tudo voltou para seu ‘devido lugar’, com a obediência de Clarinha e seu perdão concedido a Gabriel.

Já as mulheres que acreditavam em sua natureza frágil e em sua inadequação para espaços e funções consideradas masculinas, possivelmente ficaram apreensivas diante de cenas que demonstravam as situações que Clarinha precisou enfrentar como um reservista. Elas temeram pela integridade da protagonista, julgaram sua atitude impensada e vibraram com o final feliz em que Clarinha acatou as ordens do capitão de perdoar o marido Gabriel. É claro que esses homens e mulheres são modelos que nos ajudam a perceber possíveis sensações e sentimentos gerados na encenação da opereta A mulher soldado e, como modelos, eles simplificam a realidade que, certamente, é muito mais complexa. Não temos a pretensão de afirmar que essas pessoas existiram tal e qual as descrevemos, mas os modelos aqui imaginados foram construídos a partir de dados sobre os homens e mulheres daquela sociedade, naquele período, portanto, eles são instrumentos que nos auxiliaram na aproximação da realidade investigada.

Considerações finais

A análise realizada no presente artigo revela que a estrutura narrativa da opereta A mulher soldado, condizente com a fórmula das ‘peças bem feitas’, provocava efeitos no público reforçando sensibilidades hegemônicas, ao mesmo tempo em que possibilitava sensações e sentimentos distintos e mesmo opostos àqueles legitimados pela elite dominante.O desfecho da trama nos indica quais eram, para os membros da diretoria do Club Dramático, os sentimentos que ‘todos compreenderiam’, comuns a todos os são-joanenses que potencialmente frequentavam as casas teatrais. Tornam-se evidentes as sensibilidades hegemônicas, aquelas que, a partir das relações de poder estabelecidas naquela sociedade,buscavam silenciar outras sensibilidades (coletivas e individuais).

A raiva da esposa traída em alguma medida é compreendida e legitimada, pois Clarinha não é punida por seu disfarce. Mas a ela não cabe questionar a ordem de perdoar o marido. A obediência, o sentimento de subalternidade diante de um capitão do exército, é destacado, mas também é exposto e valorizado o sentimento de subalternidade da mulher diante de outros homens e mesmo do marido adúltero.

Na cena em que o capitão interroga Clarinha e Ventura a fim de verificar a denúncia sobre a presença, no quartel, de uma mulher que estaria vestida como um militar, o sentimento de fragilidade, inadequação, incapacidade das mulheres de ocupar uma função no exército é reforçado. Porém, esses sentimentos não são direcionados apenas às mulheres, mas também à feminilidade, ao modo de ser feminil que é julgado como inadequado. Homens ‘afeminados’, como Ventura, deveriam se sentir tão frágeis, inadequados e incapazes quanto as mulheres.

Contudo, a estrutura narrativa da opereta, ao tensionar essas sensibilidades ao longo de toda a peça, acaba por possibilitar, a construção de outros modos de sentir, outras formas de responder às tensões expostas no palco. Cada sujeito presente nas apresentações provavelmente se afetou de maneira diferente, conforme seu lugar social, suas experiências anteriores, suas sensibilidades individuais e coletivas. Diante da impossibilidade de investigar sujeitos específicos e o modo como se sentiram nas encenações, criamos possíveis modelos de espectadores a partir do estudo das questões que foram postas em cena, em relação ao contexto histórico, social e cultural das apresentações.

Foi possível inferir que na plateia existia uma diversidade de sujeitos que pensavam e sentiam diferentemente. Ali estavam homens e mulheres brancos, brancas, negros, negras, que se posicionavam quanto às relações de gênero, mais próximos à defesa da emancipação das mulheres, até homens e mulheres que acreditavam nas distinções que colocavam o homem no lugar da autoridade e a mulher no lugar da subalternidade.

A reação do sargento Gabriel diante de sua esposa disfarçada como soldado reforçava sensibilidades ligadas às relações de gênero em que as mulheres deveriam sentir-se inferiores, impossibilitadas de fazer escolhas, incapazes em relação aos homens. Por outro lado, o disfarce evidenciava uma esposa ousada que colocava em xeque a autoridade do marido, que deveria sentir-se envergonhado. O fato de o disfarce não ser percebido pelos militares agravava a situação.

Dessa forma, na medida em que a peça tensionava a autoridade do marido, ela também expunha uma mulher que pensava por si, que tomava decisões de acordo com seus julgamentos e desejos, e que por muito tempo em cena teve seus planos bem sucedidos. Clarinha mostra-se perspicaz ao escolher vingar-se de forma a fragilizar o marido, corajosa ao enfrentar Gabriel a ponto de dar-lhe uma bofetada e capaz de sobreviver às adversidades impostas aos reservistas daquele destacamento.

Por um lado, aqueles e aquelas que defendiam o lugar de dominação do homem sentiram-se incomodados com a situação em que Gabriel se encontrava e compartilharam seu sentimento de vergonha, raiva e medo. Por outro, aqueles e aquelas simpáticas à luta pela emancipação das mulheres sentiram-se esperançosos, capazes de enfrentar a dominação masculina.

Por fim, podemos afirmar que os resultados deste estudo contribuem para compreender a educação das sensibilidades como um fenômeno complexo, dialógico e plural. O estudo evidencia as diversas respostas possíveis e modos de sentir que se constituíram em um mesmo momento (durante os espetáculos teatrais) a partir das experiências de cada sujeito presente. Essas experiências estão relacionadas ao modo como esses sujeitos particulares se relacionavam com o contexto histórico, social e cultural em que estavam inseridos. O trabalho também contribui para o campo da história da educação, evidenciando outras possibilidades de abordagem dos fenômenos educativos, somando-se ao movimento do campo de ampliar objetos de estudos, fontes de pesquisa e métodos de análises de dados.

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1Trata-se da tese de doutorado intitulada Do convento ao quartel: a educação das sensibilidades nos espetáculos teatrais realizados pelo Club Dramático Arthur Azevedo, em São João del-Rei - MG (1915-1916), realizada por Carolina Mafra de Sá, sob orientação da professora Ana Maria de Oliveira Galvão. A pesquisa foi financiada pela Capes, assim como o doutorado sanduíche na Université Paris Ouest Nanterre La Défense que foi de grande importância para o desenvolvimento da investigação.

2“Si bien huellas de estos temas son rastreables en trabajos previos - por ejemplo, en historias que se ocupan de la infancia, del currículum, e de la formación docente - los efectos del llamado ‘giro afectivo’ (Lara & Enciso Domínguez, 2013; Macon & Solana, 2015) de los últimos tempos permitieron nuevos recortes y profundizaciones mediante la construcción de abordajes específicos. Este ‘giro’ temático de las ciências sociales - con especial mención del impulso liderado por la antropología - supuso un cambio em la producción de conocimiento sobre tópicos tales como los afectos, la sensibilidad, las emociones y los gustos, principalmente reconociendo su variabilidad cultural e histórica (Lutz & White, 1986)”.

3Para mais informações sobre São João Del-Rei na virada do século XIX para o XX, ver Guilarduci (2009).

5Para mais informações ver Guerra (1968).

6Para mais informações sobre o Club Dramático Arthur Azevedo, seus membros e seu repertório ver Sá (2015).

7Para mais informações sobre o teatro francês do século XIX, ver Yon (2000) e Yon (2012).

8 Pesavento (2007, p. 14-15) define sensibilidades como as “[...] operações imaginárias de sentido e de representação do mundo, que conseguem tornar presente uma ausência e produzir, pela força do pensamento, uma experiência sensível do acontecimento”.

9Estatutos do Club Theatral Arthur Azevedo, disponível no acervo do GPAC - UFSJ.

10Para mais detalhes sobre a constituição deste acervo e para uma análise aprofundada em relação à materialidade dos álbuns ver Lima (2006), que se dedicou ao estudo do teatro amador no início do século XX, no interior de Minas Gerais, a partir dos álbuns confeccionados por Antônio Guerra.

11No álbum 13 estão os exemplares do número 1 ao 8 e o número 10, que compreendem o período de 28 de agosto de 1915 a 24 de agosto de 1916.

12A Opinião, A Reforma, A Tribuna, Ação Social, Gaumont, Jornal do Povo, Minas Jornal, O Dia, O Florete, O Reporter, O Zuavo.

13No acervo existem duas cópias manuscritas de versões distintas da opereta A mulher soldado. O manuscrito utilizado nesta pesquisa está em um caderno brochurão, no formato A4, de capa dura, azul marinho. Na capa há a informação de que ele compunha o ‘Repertório Teatral de Antônio Guerra’ e o título das duas peças ali manuscritas: n. 15 e 16. A mulher soldado - Arnaldo e a vida de um jornalista.

14Williams publicou esse texto pela primeira vez em 1954.

15A mulher soldado foi encenada cinco vezes em São João Del-Rei no ano de 1916.

16Para construir essa afirmativa comparamos as duas operetas mais encenadas pelo clube amador e mais celebradas pela imprensa local, são elas: A mulher soldado e O periquito. Para mais informações sobre O periquito, ver Sá (2015).

17José Pimentel foi homenageado no dia 16 de maio de 1916 e o general Achê em 21 de junho do mesmo ano.

18Esta é a avaliação de Sarcey sobre o drama Le maître de foges de Georges Ohnet (1883) que preenchia os critérios do que ele denominava uma ‘peça bem feita’.

19Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC.

20Versão datilografada da peça Santo Antônio nas Águas escrita por Severiano de Resende, localizada no acervo do GPAC. Escrito por um são-joanense, para ser encenado por um grupo de amadores de São João del-Rei em 1911, tomamos este vaudevile como fonte para compreender as sensibilidades, se não das pessoas daquela cidade, ao menos daquelas que frequentavam e/ou produziam espetáculos teatrais naquele local e período.

21Referência ao romance Viagens de Gulliver, do escritor inglês Jonathan Swift (1667-1745). “Falto de grandeza, mesquinho, medíocre” (Houaiss & Villas, 2009, p. 463).

22O vaudevile Santo Antônio nas Águas expõe justamente essa questão: o Comendador, viúvo bem-sucedido, manifestou interesse em casar-se com a filha de sua amiga Helena, a jovem Geni. Helena hesita, pois percebe que sua filha e Thomazinho estavam apaixonados. Em vários momentos da peça, os personagens discutem a questão, sempre defendendo que os jovens deveriam ficar juntos porque se amavam. A história se resolve com a intervenção de Santo Antônio, casando o jovem casal e o comendador com sua amiga Helena, que também era viúva.

23Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC.

24Segundo Maria Ligia Prado e Stella Scatena Franco, na segunda metade do século XIX, foram publicados dicionários biográficos, compêndios com histórias de vida de mulheres ‘célebres’ e ‘ilustres’. “Josefina Álvares de Azevedo, que editou, em 1897, Galeria ilustre, sobre antigas heroínas estrangeiras, e Inês Sabino, cujo livro Mulheres ilustres do Brasil saiu do prelo em 1899. Outras referências de peso são o livro de Joaquim Norberto de Sousa e Silva, Brasileiras célebres (editado em 1862), e o de Joaquim Manuel de Macedo, Mulheres célebres (publicado em 1878), sobre figuras femininas estrangeiras ‘em todos os tempos’. Macedo também produziu um anuário de biografias de brasileiros (1876) que relata a trajetória de várias mulheres. A revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por sua vez, manteve (entre 1839 e 1889) uma coluna, publicada em quase todas as edições, denominada ‘Biografia de Brasileiros Distintos por Letras, Armas e virtudes’, na qual aparecem as biografias de quatro mulheres que viveram no período colonial” (Prado & Franco, 2013, p. 195).

25Segundo Prado & Franco (2013), Maria Quitéria nasceu em 1792 na Bahia, era filha única criada no sertão. Sabia montar, caçar e manejar armas de fogo. Não sabia ler nem escrever. Já Wolff (2013) afirma que, Maria Quitéria ficou órfã de mãe aos nove anos e quando jovem “[...] assumiu o comando da casa e dos irmãos mais novos até seu pai casar-se novamente e a nova madrasta desaprovar seus ‘modos independentes’ e seus hábitos de montar a cavalo e caçar como um homem” (Wolff, 2013, p. 425).

26Segundo Prado & Franco (2013), Jovita Feitosa nasceu no Ceará em 1848, perdeu sua mãe ainda criança e foi criada pelo pai. Quando jovem foi morar com o tio no Piauí. Jovita sabia ler, escrever, atirar e era costureira. Apresentou-se para a guerra do Paraguai seguindo os passos do irmão em julho de 1865. De acordo com Wolff (2013) alguns biógrafos afirmam que ela teria se desentendido com o tio, por isso fugiu da fazenda onde morava.

27Para mais informações sobre esta guerra e as críticas dos oficiais reformistas da revista A Defesa Nacional à campanha e ao exército, ver Frank d. McCann (2009).

28Versão datilografada da peça Santo Antônio nas Águas, escrita por Severiano de Resende, localizada no acervo do GPAC.

29Versão datilografada da peça Santo Antônio nas Águas, escrita por Severiano de Resende, localizada no acervo do GPAC.

30Ver Figuras 1 e 2.

31Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC.

32O Código Civil de 1916 cria a ‘ação de desquite’ e o adultério era um dos motivos que a justificavam. Porém, o artigo 319 abria alguns precedentes para que os adúlteros fossem perdoados, tornando ilegítima a ação de desquite. “Art. 319. O adultério deixará de ser motivo para desquite: I. Se o autor houver concorrido para que o réu o cometesse. II. Se o cônjuge inocente lhe houver perdoado. Parágrafo único. Presume-se perdoado o adultério, quando o cônjuge inocente, conhecendo-o, coabitar com o culpado” (Brasil, 1916).

33Cópia manuscrita da opereta A Mulher Soldado, acervo GPAC.

34Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC.

35Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC.

36Cópia manuscrita da opereta A mulher soldado, acervo GPAC.

Como citar este artigo: Sá, C. M., & Galvão, A. M. O. “A mulher soldado” nos palcos (São João Del-Rei, Minas Gerais, 1916): uma opereta em cena educando sensibilidades. (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e144

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Recebido: 01 de Abril de 2020; Aceito: 03 de Novembro de 2020; Publicado: 02 de Dezembro de 2020

* Autor para correspondência. E-mail: mafradesa@gmail.com

Carolina Mafra de Sá é professora adjunta do curso de Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE). Possui graduação em Pedagogia (2005), pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado (2009) e doutorado (2015) em Educação pela UFMG, com estágio de doutorado sanduíche (PDSE) na Université Paris-Ouest Nanterre la Défense, França. E-mail: mafradesa@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-3871-0716

Ana Maria de Oliveira Galvão é professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui graduação em Pedagogia (1990), pela Universidade Federal de Pernambuco, mestrado (1994) e doutorado (2000) em Educação pela UFMG, com estágio de doutorado sanduíche (PDEE) no Institut National de Recherche Pédagogique (INRP), França. Realizou estágio sênior (com bolsa Capes), na Northern Illinois University, Estados Unidos, em 2012-2013. E-mail: anamgalvao@uol.com.br https://orcid.org/0000-0001-9063-8267

Editor-associado responsável: Evelyn de Almeida Orlando (PUC-PR) Email: evelynorlando@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-5795-943X

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