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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 02-Dic-2020

https://doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e145 

Artigo Original

Do caráter estético do esporte: apontamentos de Jorge Romero Brest

The aesthetic character of sport: notes on Jorge Romero Brest

El carácter estético del deporte: notas de Jorge Romero Brest

Michelle Carreirão Gonçalves1 
http://orcid.org/0000-0002-8350-2692

Eduardo Lautaro Galak2 
http://orcid.org/0000-0002-0684-121X

Alexandre Fernandez Vaz3 
http://orcid.org/0000-0003-4194-3876

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

2CONICET/Universidad Nacional de La Plata, La Plata, Argentina.

3Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.


Resumo:

O presente trabalho trata da análise de um conjunto de textos do argentino Jorge Romero Brest, publicados na Revista de la Educación Física entre os anos 1928 e 1930. Os artigos em questão pautam o tema do caráter estético do esporte a partir do diálogo com diferentes áreas como a educação, filosofia, arte e a própria educação física. Mobilizando conhecimentos e a sua formação como professor desta disciplina, bem como de crítico de arte, os textos apresentam uma leitura singular do fenômeno esportivo ainda nas primeiras décadas do século XX, mostrando seu potencial de artefato estético, tanto no sentido da produção de emoção quanto de forma.

Palavras-chave: educação do corpo; estética; Revista de la Educación Física; educação argentina

ABSTRACT

Abstract: This paper analyses a set of Jorge Romero Brest texts, published in the Argentinean journal Revista de la Educación Física between 1928 and 1930. Those papers look for the aesthetic character of sport from a dialogue with different areas such as Education, Philosophy, Art and Physical Education. Mobilizing knowledge and his own métier as a teacher of this discipline, as well as an art critic, those works present a singular point of view of the sports phenomenon even in the early first decades of the 20th century, showing its potential as an aesthetic artefact, as a way for emotions and forms.

Keywords: body education; aesthetic; Revista de la Educación Física; argentine education

Resumen:

En el presente trabajo se analizan un conjunto de textos del argentino Jorge Romero Brest publicados en la Revista de la Educación Física entre 1928 y 1930. Los artículos por él escritos abordan la temática del carácter estético del deporte a partir de un dialogo con diferentes áreas como la Educación, Filosofía, Arte y la propia Educación Física. Movilizando conocimientos y su propia formación como profesor de esta disciplina, así como de crítico de arte, los artículos presentan una lectura singular del fenómeno deportivo inclusive en las primeras décadas del siglo XX, mostrando su potencial de artefacto estético, tanto en el sentido de producción de emociones cuanto de formas.

Palabras clave: educación del cuerpo; estética; Revista de la Educación Física; educación argentina

Introdução

A família Romero Brest tem longa tradição na educação física argentina, com destaque para obra de Enrique Romero Brest (ERB) no primeiro terço do século XX, logo continuada por seu filho mais velho Enrique Carlos Romero Brest (ECRB). Reconhecido como o pai da Educação Física argentina (Aisenstein & Scharagrodsky, 2006; Galak, 2012), o primeiro foi o principal artífice da profissionalização da disciplina no país, tendo dirigido os primeiros cursos públicos de formação para ensino de exercícios físicos. Ele foi o criador do Instituto Nacional de Educación Física e do método que obrigatoriamente deveria ser empregado nas escolas, segundo normativa vigente entre 1905 e 1939, o ‘Sistema Argentino de Educación Física’1. Há um segundo filho do ‘padre’, Jorge Aníbal Romero Brest (JARB), e é ele que mais interessa a este artigo.

Um dos principais críticos de arte argentinos, JARB foi diretor dos prestigiosos Museo Nacional de Bellas Artes (1955-1963) e Centro de Artes Visuales do Instituto Di Tella (1963-1969). Antes de se dedicar exclusivamente ao estudo das manifestações artístico-culturais, graduou-se como professor de educação física obedecendo ao ‘mandato familiar’, seguindo os passos do pai e do irmão2. Produto dessa influência, a primeira conferência de JARB se intitulou precisamente El elemento ritmo en el cine y el deporte, realizada no Cine Club de Buenos Aires, no dia 9 do outubro de 1929, reapresentada dois dias depois no Instituto Nacional de Educación Física.

É no periódico científico dirigido por seu pai, ERB, a Revista de la Educación Física, pioneiro veículo de divulgação da disciplina na Argentina, que JARB publica suas primeiras revisões sobre a cultura e suas manifestações, desenvolvendo uma série de artigos que se ocupam da arte, educação, estética, corpo e movimento. Esse material coloca questões singulares para pensar uma educação do corpo e das sensibilidades, notadamente no contexto da educação física argentina entre os fins dos anos 1920 e início dos 1930. Consideramos que a “[...] construção histórica das sensibilidades como dispositivos de produção estética culturalmente mediados” (Pineau, 2018, p. 9, tradução nossa)3, que, no caso em tela, coloca o esporte como objeto de análise sob um ponto de vista estético-político.

Os documentos aqui trabalhados são oriundos do ‘Archivo Jorge Romero Brest’, pertencente ao Instituto de Teoría y Historia del Arte Julio E. Payró, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires. No site do ‘Archivo’ é possível encontrar um catálogo com todas as publicações de JARB.

Como nosso interesse volta-se para as questões ligadas à estética e ao esporte, selecionamos apenas os escritos que abordam tal temática em diálogo com a educação, filosofia e arte, em exercício de pautar, no âmbito da educação física argentina das primeiras décadas do século XX, um caráter estético do esporte. Estes textos foram publicados na Revista de la Educación Física entre 1928 e 1930, os únicos anos em que JARB escreveu para esse periódico, conforme constatamos no citado catálogo.

Assim, encontramos oito artigos que tratam do tema da estética e do movimento, todos por nós utilizados como documentos para esta pesquisa: ‘Educación integral’ (Romero Brest, 1928a); ‘Sugestiones para una filosofía del deporte’ (Romero Brest, 1928b); ‘El deporte y la amistad: a propósito de un ensayo’ (Romero Brest, 1929a); ‘Al margen de un partido de basket-ball’ (Romero Brest, 1929b); ‘Al margen de un partido de tennis’ (Romero Brest, 1929c); ‘Al margen de un buen match de golf’ (Romero Brest, 1929d); ‘Sobre unos dibujos de Dunoyer de Sengozac’ (Romero Brest, 1929e); ‘El elemento ritmo en Cine y en el Deporte’ (Romero Brest, 1930).

‘Educación integral’ foi publicado em setembro de 1928 e defende uma educação integral na escola, evocando a necessidade de considerar não apenas os conhecimentos e disciplinas intelectuais, mas também aquelas ligadas às emoções, à sensibilidade, com intuito de “[...] moldar esteticamente o espírito da criança” (Romero Brest, 1928a, p. 242, tradução nossa)4. Neste contexto se encontrariam não só as práticas artísticas, como desenho e música, mas também a educação física e os jogos.

Obedecendo à cronologia, encontramos o ensaio ‘Sugestiones para una filosofia del deporte’, de outubro de 1928, que apresenta um esboço de leitura filosoficamente orientada de conceitos atinentes ao esporte, como trabalho e cultura chegando à consideração do esporte como meio de expressão capaz de despertar a emoção estética.

‘El elemento ritmo en el cine y en el deporte’, publicado em agosto de 1930, marca primeira experiência do autor como crítico de arte, ao traçar relações entre esporte e cinema, apresentando aproximações técnicas e estéticas entre ambos. Romero Brest argumentava, de forma um tanto intuitiva, que as práticas esportivas guardam forte relação com o desenvolvimento tecnológico, o que o coloca como contemporâneo de vívidos debates à época, como aquele proposto por Walter Benjamin (2016) sobre a reprodutibilidade técnica da obra de arte.

Os textos ‘Al margen de un partido de basket-ball’, ‘Al margen de un partido de tennis’, ‘Al margen de un buen match de golf’, publicados, respectivamente, nos meses de junho, agosto e dezembro de 1929, são, por meio da descrição de eventos esportivos, exercícios de fruição estética. Completa o quadro de tais exercícios, segundo nossa leitura, o artigo ‘Sobre unos dibujos de Dunoyer de Sengozac’, do mesmo ano dos anteriores, mas que se diferencia daqueles por analisar a questão a partir da própria arte que toma o esporte como tema, como é o caso dos desenhos do artista francês Dunoyer de Sengozac.

Nos textos em análise, a estética é entendida em sentido clássico, diretamente ligada ao ideal de beleza. A preocupação de JARB é com a produção do belo, a emoção dele resultante e suas consequências na formação humana. Tendo isso em conta, construímos três categorias a partir da inquirição dos documentos, que foram desenvolvidas tendo como ponto de partida questões que consideramos centrais para entender como o autor pensava a relação entre estética e esporte. São elas: 1) educação integral: estética e esporte; 2) esporte como meio de expressão: matéria e ritmo; 3) experiência estético-esportiva: exemplos. Importante dizer que tais categorias acompanham o movimento dos próprios textos de Jorge, notadamente no que concerne ao lugar da estética no âmbito da educação integral (estabelecendo um diálogo direto com a tradição da educação física argentina da época e, consequentemente, com seu pai, Enrique), aos elementos constituintes do esporte entendido como artefato expressivo na concepção do autor, e às possibilidades de sua fruição considerando tais elementos. São, portanto, três pontos de vista que se completam.

Educação integral: estética e esporte

Em ‘Educación integral’, o autor coloca pela primeira vez a problemática de uma educação estética a compor a educação integral, princípio do pensamento pedagógico argentino naquele momento. A educação das artes encontrava-se em terreno ambíguo nessa pedagogia ‘integralista’5 da passagem do século XIX ao XX. O valor social de um argumento para legitimar um saber a ser institucionalizado pelo Estado nos anos em questão era medido por uma retórica cientificista que propunha uma relação íntima entre científico-educativo-civilizado.

As danças e as técnicas circenses, por exemplo, ficaram de fora dos conteúdos da educação física porque se avaliava que não operavam com bases científicas (Galak, 2012). A estética tampouco formou parte desse integralismo, encontrando-se apenas duas referências às artes na Ley nº 1.420 (1884) de Educación Común, legislação que, seguindo as teorias da ‘pedagogia integralista’, dava forma unificada ao sistema de ensino argentino. Nela é possível encontrar, em seu artigo sexto, questões ligadas a nociones de dibujo y música vocal e no 14 a presença do ‘canto’ como conteúdo. Pode-se ler nesses mesmos tópicos um sentido pragmático dessas manifestações culturais: no artigo sexto tem-se que para as meninas será obrigatório também um conhecimento em labores de manos6y nociones de economía domestica, enquanto que no 14, o canto está colocado numa acepção quase recreativa, na medida em que as aulas diárias nas escolas públicas serão alternadas “[...] com intervalos de descanso, exercício físico e canto” (Ley nº 1.420, 1884, tradução nossa)7. É possível observar, então, como as questões estético-artísticas são secundarizadas nos primórdios da escolarização oferecida pelo Estado em finais do XIX e princípios do XX, considerada apenas quando pudesse contribuir para a vida produtiva ou como atividade de lazer - este, de qualquer forma, também vinculado ao interesse da produção.

Tendo em conta tal cenário, JARB realiza uma crítica à não incorporação da estética à educação ‘integralista’, destacando a predominância das disciplinas intelectuais em detrimento dos momentos de formação estética na escola:

Conhecemos em nossas escolas alguém que ensine a seus alunos o que é uma obra de arte, que os ensine a gostar das belezas de um quadro, das harmonias de uma escultura, das emoções de uma melodia? Sabemos que em nossas escolas as crianças recebem uma educação física junto com os jogos? Entendo que realizar esta obra que apenas esboço, é fazer educação integral; o contrário é esconder-se atrás de uma máscara e seguir repetindo o velho e o ruim (Romero Brest, 1928a, p. 242-243, tradução nossa)8.

A passagem assinala, por um lado, a crítica aos programas de ensino que se configuram a partir da “[...] a velha divisão tripartida de educação intelectual, moral e física” (Romero Brest, 1928a, p. 243, tradução nossa)9, em que há protagonismo da primeira em detrimento das outras duas, o que demonstraria o insucesso de uma educação que se pretende, de fato, ‘integralista’. Nesse texto, JARB coloca as instruções morais no mesmo plano das corporais (físicas), tradicionalmente consideradas de segunda ordem, atrás das intelectuais. Elas apresentariam estatutos diferentes, mas não status desiguais. Além disso, aparece uma crítica implícita a seu pai e à educação por ele preconizada, fortemente ligada à anátomo-fisiologia médico-higienista. Quer dizer, para Enrique Romero Brest uma das razões para se exercitar era a possibilidade de melhorar as posturas do corpo no sentido da retidão e retificação - ou nos termos de Vigarello (2005), para formar ‘corpos corretos’ -, adquirir destreza e favorecer a magreza para as mulheres, bem como a força e o vigor para os homens. Com isso é possível compreender um sentido de educação física como transmissão de um saber-fazer para, também, um ‘saber-ser’.

JARB chama a atenção para outro tópico, talvez o mais interessante nesse contexto, que é a inclusão de uma quarta dimensão que tradicionalmente não vinha sendo considerada com o mesmo peso no ensino integral, a estética10, elemento, no entanto, presente em utopias pedagógicas diversas no Ocidente, como a Paideia, a Bildung, as contribuições de Spencer e também de Comenius. Porém, há outra face do autor que se deixa ver aqui, a ligada à sensibilidade, algo de sua porção de crítico de arte. Em seus artigos publicados na Revista de la Educación Física não existe, como nos de seu pai, a consideração da estética como questão feminina: se para Enrique ela ligava-se especialmente às mulheres como o oposto da força muscular - capacidade masculina -, para JARB ela está conectada às artes, ao universo sensível, à percepção.

‘Educación Integral’ inaugura, nos escritos de JARB na Revista de la Educación Física, o debate sobre educação e estética, a defesa de uma educação das sensibilidades que num primeiro momento pode parecer apenas como uma educação para as artes. O diálogo com outros textos de sua autoria parece apontar, no entanto, para uma ideia mais ampla que inclui outras manifestações culturais, como o esporte, como produtor do belo e gerador de emoções. Se para o autor “Seria preferível que no lugar de tanto ‘ensino’ se iniciasse [a criança] nos caminhos delicados e sutis da arte, para que seu espírito se eleve sobre a objetividade, e conceba assim a beleza em todas as suas formas” (Romero Brest, 1928a, p. 244, grifo do autor, tradução nossa)11, é preciso então verificar a possibilidade do esporte figurar como uma dessas formas de expressão da beleza.

Um primeiro elemento que deve então ser pontuado diz respeito à maneira como JARB entende o esporte, algo mais bem delineado em seu texto ‘Sugestiones para una filosofía del deporte’. Segundo sua interpretação, o esporte não se coloca no âmbito da utilidade, nem no sentido da produção de saúde - como defendem alguns autores como o filósofo espanhol Gregorio Marañón, um dos mais citados no mundo acadêmico argentino no período em tela, inclusive pelo próprio Jorge. Sua análise é próxima dos escritos de Ortega y Gasset, outro intelectual importante no contexto da época e muito lido na Argentina, onde ministrou cursos e conferências, que defende o caráter supérfluo do esporte em oposição ao trabalho, entendido como esforço obrigatório. Para este autor, a criação não vem da necessidade, mas daquilo que ele denomina de potência esportiva ligada à liberdade e ao ócio (Ortega y Gasset, 1983).

A interpretação de Ortega y Gasset parece ser uma das bases para a tentativa de elaboração, por JARB, de um sentido filosófico para o esporte que se afaste daquele fisiológico-pragmático, orgânico, ligado à ideia de exercício físico sistematizado (nomeado por ele como gimnasia). Para tanto, critica o entendimento do esporte como útil à vida, mesmo para um objetivo externo a ele. O contraponto defendido pelo autor considera o fenômeno como um fim em si mesmo, “[...] desinteressado, altruísta, nobre e, por extensão, forjador das mais belas idealidades” (Romero Brest, 1928b, p. 293, tradução nossa)12. Assim, seria o esporte também meio de expressão estética e social, invenção humana luxuosa, aproveitamento a energia criativa e lúdica não consumida pelo trabalho, atividade que cultiva a vida, o corpo e os sentimentos (Romero Brest, 1929a).

O caráter de obra do esporte, tal como JARB o concebe, sugere sua ‘durabilidade’, ou seja, aquela condição que, como ensina Arendt (2004), dá sentido ao mundo porque é da ordem da sua fabricação, permitindo que ele tenha uma história e que esta, por sua vez, possa ser narrada. Como expressão estética, o esporte não se deixa consumir no mesmo momento em que se realiza, a não ser para o próprio praticante - mesmo assim, para este há a durabilidade da memória. Só assim é possível uma educação estética por meio do esporte, garantida por esta durabilidade que tal artefato cultural encontra, resultado do embate ente técnica e mimese.

Naqueles mesmos anos em que JARB escreve seus principais trabalhos sobre uma estética dos esportes, as práticas esportivas vão se estabelecendo como conteúdo privilegiado da educação física escolar em detrimento das ginásticas. Relegados a segundo plano e vistos por JARB como atinentes puramente ao fortalecimento do que hoje denominaríamos de organismo, os exercícios ginásticos vão perdendo espaço porque, entre outros motivos, o esporte é prática mais simples e de amplo alcance (com menos repertório técnico exigido para sua prática, com componente de jogo) entre crianças e jovens, oferecendo também a possibilidade do desenvolvimento de funções fisiológicas pouco trabalhadas na ginástica. Isso corresponderia aos imperativos biopolíticos do final do século XIX e início do seguinte (Crisorio, 2007).

Mas, se a ginástica dedica-se principalmente à conformação corporal, não é menos que isso, embora referindo-se a outro modelo dela, que faz o esporte. Nesse sentido ambos estariam, se novamente podemos recorrer a Arendt (2004), na esfera do trabalho do corpo, ou seja, daquela dimensão em que o ato é consumido no momento mesmo de sua realização, ficando, portanto, sem durabilidade. É isso que, de certa forma, fica ausente nas análises de JARB.

Mesmo tendo essa crítica em conta, parece-nos que nosso autor tenta mostrar uma potência no esporte para além daquela comumente esperada dele em sua época, relacionada às suas funções higiênicas. Tal capacidade, como visto, estaria circunscrita ao potencial de mobilização de emoções associadas à experiência estética, sendo o esporte, nesse sentido, uma atividade expressiva. É preciso ver, então, de que se trata isso.

Esporte como meio de expressão: matéria e ritmo

O esporte é entendido por JARB como meio de expressão na medida em que procura despertar uma emoção estética. Tal emoção seria alcançada por duas vias: o homem e o ritmo. Para ele, os elementos estéticos do esporte correspondem aos da arte, que são sempre matéria e ritmo. A matéria é entendida como o próprio homem, seu corpo, enquanto o ritmo é estabelecido pela combinação dos movimentos corporais que geram figuras.

Romero Brest não conceitua a matéria em seu texto, apenas traz exemplos do que ela seria, tanto nas artes como no esporte, e a partir deles é possível dizer que JARB a entende no sentido do ‘estofo’ a ser transformado para compor uma obra. Segundo o autor, na música o som puro é a matéria que, ao ser trabalhada pelo homem, se converte em notas musicais, possibilitando a composição das melodias e canções. No caso do esporte, consideramos que o corpo (entendido aqui como o próprio homem) é a matéria que torna possível a criação de gestos técnicos específicos de cada modalidade, formando seu vocabulário. Gonçalves e Vaz (2017), inspirados na estética adorniana, propõem que o corpo é a matéria da ‘obra esportiva’ e os movimentos são seu material, o ponto de partida para se produzir forma. JARB segue uma direção semelhante, pois ao considerar o caráter estético do fenômeno esportivo afirma que o homem teria, neste contexto, um valor secundário precisamente porque o que está em jogo é o movimento e este não se liga ao sujeito que o realiza, mas a seu corpo13. Tais movimentos são impessoais e constroem uma figura rítmica que, sendo repetida durante todo o evento, constitui-se no próprio ritmo da atividade.

O ritmo, que está presente, segundo JARB, em todas as artes, caracteriza-se pela desigualdade entre os tempos e intervalos. No exemplo esportivo “[...]os mesmos caracteres constituem uma figura rítmica que, nele repetida, chegará a formar o ritmo” (Romero Brest, 1928b, p. 296, tradução nossa)14, tais caracteres são os próprios movimentos corporais que

[…] movem-se em tempos desiguais, mas repetidos em períodos iguais, há desigualdade relativa nos intervalos […] para o observador sagaz, aqueles movimentos não constituem uma desordem, senão, pelo contrário, vê-se que os mesmos intervalos, os mesmos tempos, repetem-se singularmente em períodos iguais, formando assim a figura rítmica (Romero Brest, 1928b, p. 297, tradução nossa)15.

O ritmo é elemento vital, “[...] uma qualidade do existir” (Romero Brest, 1930, p. 150, tradução nossa)16, na medida em que o movimento se encontra em todos os fenômenos da vida (dos biológicos aos sociais), sendo ele o que dá forma ao movimento. O ritmo seria o ordenador da simetria e da proporção, estando condicionado ao tempo e ao espaço, um molde para o movimento. Se o esporte tem como principal fundamento o movimento corporal, não é sem sentido dizer que nele “[...] tudo é ritmo” (Romero Brest, 1928b, p. 297, tradução nossa)17 e este é o elemento fulcral na produção daquilo que JARB denomina emoción de superior calidad, ou seja, a experiência estética, a mesma experimentada no contato com a arte, dirá.

É a justaposição de imagens formadas pelas figuras rítmicas (constituídas pelos movimentos dos corpos, ou ainda, os gestos técnicos esportivos) que, em suas combinações durante o jogo, geram uma ordenação lógica e hierarquizada, um ritmo que domina e dá prazer àquele que assiste18. Este prazer estaria ligado à repetição, à simetria das formas, objeto de desejo do espírito.

O desejo de simetria se manifesta constantemente até nos atos mais insignificantes de nossa vida diária, desde o menino que alinha seus soldados de chumbo em filas rigorosamente simétricas, até o adulto que encontra na simetria dos esportes um prazer de alto valor estético (Romero Brest, 1930, p. 162, tradução nossa)19.

Assim, no esporte, sua forma, desenho ou ‘geometria’ (como prefere Jorge) se estrutura na medida do ritmo de seus elementos, seus movimentos, figuras e linhas, e seu valor estético encontra-se exatamente na produção de alguma precisão das formas - sem esquecer que o tema da precisão é algo fundamental no esporte, sendo a medida e a quantificação essenciais na sua estrutura competitiva moderna (Guttmann, 2019).

As questões da simetria, do ritmo, do tempo e dos intervalos é o nexo que permite a JARB relacionar o esporte com o cinema. Como afirma Patrick Duffey (2002), há no ensaio El elemento ritmo en el cine uma articulação de ‘dinamismo abrasador’, pois nos filmes e nas práticas esportivas se produzem imagens rápidas que se movem e que podem ser divididas em partes menores. Uma película era criada como concatenação de uma série de imagens, assim como nos esportes de conjunto os padrões de movimento coletivo são efeito de jogadores individuais que trabalham juntos: se é possível pensar no cinema como conjunto de imagens colocadas racionalmente, que em seu movimento simétrico geram o efeito de ritmo, o esporte, por sua vez, tem seus jogadores espalhados, por exemplo, na grama movimentando-se coreograficamente, então podem ambos ser pensados (por JARB, e para a interpretação de Duffey) como artefatos cuja apreciação estética pode ser não apenas semelhante, mas com critérios que poderiam, ao menos até certo ponto, ser esteticamente análogos. “Para Romero Brest, os jogadores, individualmente, são como as imagens individuais de um filme que produz os padrões dinâmicos que satisfazem o desejo moderno de velocidade” (Duffey, 2002, p. 432, tradução nossa)20.

Levando em consideração que cinema e esporte têm o movimento como central em sua produção, essa associação pode ser pensada como efeito de práticas modernas que colocam a simetria como valor (moral), como sinônimo de normalização, e a exibição de homogeneidade e de funcionamento como uma engrenagem de um sistema superior. Estas ideias estavam em voga nos anos aqui em tela, não somente nas práticas políticas que procuravam governar a partir do controle dos corpos, mas também na teoria cinematográfica: o cineasta russo Dziga Vértov, autor de significativas obras, como Chelovek kinoapparatom (1929), afirmava, em sua teoria dos intervalos, que no cinema o importante não seriam as imagens senão os tempos entre as imagens, o ritmo que lhes dá movimento21. Não é casual a utilização incipiente, mas que virá com força na década de 1930, das imagens do esporte como recurso massificador de sentidos políticos, estéticos e morais. Como bem assinalado por Benjamin (2016), a reprodutibilidade técnica das artes como a fotografia e o cinema (que são, antes de tudo, artes, ‘por natureza’, reproduzíveis), são utilizadas como recurso para uma reprodução política: as imagens históricas de exibições ginásticas massivas durante governos totalitários e filo-totalitários naqueles anos, gravadas na retina social, mostram os corpos anátomo-fisiológicos individuais, intercambiáveis, ao mesmo tempo em que reivindicam o governo de um corpo coletivo, imortal e transcendente, formado pelo conjunto homogeneizante de corpos.

Embora a questão sobre o cinema exceda o escopo deste texto, é importante assinalar que existe uma origem comum entre o cinema e a educação física: o pai da disciplina na França, Georges Demeny, foi, junto com Etienne-Jules Marey, o criador de uma série de aparatos de medição fisiológica que possibilitaram o nascimento da câmera cinematográfica. O appareil de chronophotographie foi uma invenção da década de 1880 para mensurar os movimentos dos corpos, baseado na mistura de ritmo e intervalo de imagens, a partir da tomada de fotografias a tempos regulares. Como se afirma na compilação de Patrick Piquet (2017), as origens do cinema têm uma raiz documentária esportiva. JARB estava atento a este ponto quando publicou El elemento ritmo en el cine, em que argumenta que o ritmo, além de primeiro e fundamental fator de todo fenômeno vital, é a superioridade do tempo e do espaço ordenados, molde refreador do movimento (Romero Brest, 1930).

Regularidade, tempo, intervalo, racionalidade e ritmo são as características que confluem no cinema e no esporte. Um ponto comum, que enlaça duas práticas socioculturais distintas, caracteristicamente modernas, representativas do século XX e em exponencial crescimento e massificação na década de 1930, é o sentido estético que os movimentos (ritmo) e os corpos (materialidade) põem em andamento.

Experiência estético-esportiva: exemplos

Justamente esse ‘andamento’ produz o sentido estético a partir da articulação entre ritmo e materialidade, de movimentos e corpos, é o efeito dos modos de experiência que surgem na prática esportiva. Para completar o quadro de análises estéticas do esporte elaboradas por JARB, encontramos três textos publicados em sequência nos números 32, 33 e 34 da Revista de la Educación Física, que se constituem como ‘comentários estéticos’ sobre os esportes, particularmente sobre eventos esportivos de basquete, tênis e golfe. Esses manuscritos têm uma estrutura comum, como se fossem roteiros de um filme ou peça teatral. Na descrição, JARB utiliza termos ligados ao teatro, como cenário e personagens. Os pequenos comentários procuram sistematizar as experiências estéticas do autor no contato, como espectador, com as modalidades em questão. Uma tentativa de traduzir em palavras o que, muitas vezes, fica restrito ao plano das sensações.

Vale destacar que em outra publicação do mesmo ano, em que JARB analisa os desenhos do francês Dunoyer de Sengozac que têm o esporte como tema, encontramos os mesmos elementos presentes na série de comentários: as experiências sensíveis daquele que observa o esporte e o expressa em forma de arte (como os desenhos), a importância das linhas, a tensão entre movimento e homem, bem como o lugar da emoção no contato com esse artefato (Romero Brest, 1929e).

No primeiro deles, ‘Al margen de un partido de basket-ball’, JARB descreve de forma muito peculiar um confronto entre Argentina e Uruguai. Em sua análise, o primeiro elemento que chama atenção é o protagonismo dos sentidos - dito de outra forma, do corpo - na experiência do evento esportivo. A visão que se depara com uma combinação de cores, formas e movimentos, a audição que se entrega ao silêncio nos momentos de interrupção do jogo, bem como aos sons vindos da quadra: passos dos atletas, quicar da bola, apito do árbitro. Combinação que criaria “[...] um ritmo sugestivo de volumes, música e plasticidade” (Romero Brest, 1929b, p. 40, tradução nossa)22.

Também as emoções são destacadas. O encanto com o desenrolar da partida, a emoção crescente no instante de arremesso da bola, a esperança frustrada quando o objetivo não é alcançado, o prazer no ponto que se efetiva. Cada sequência da disputa, delimitada pela posse de bola e seu lançamento à cesta, configurar-se-ia como a procura de nova satisfação. Um jogo de basquete seria uma “[…] emoção rápida, mas intensa, pinceladas de ritmo pujante, momentos fugazes em que se mesclam a admiração e a surpresa” (Romero Brest, 1929b, p. 41, tradução nossa)23.

No breve comentário, o autor toma a dimensão da técnica (esportiva) como incorporação de um saber-fazer eficiente contrário ao acaso, e reafirma o sentido espiritual dos esportes somado a seus elementos corporais. Sobre esse ponto JARB afirma que os jogadores são como bonecos, ‘apenas’ “[...]matéria que serve de elemento: átomos desumanizados de vida espiritual” (Romero Brest, 1929b, p. 40, tradução nossa)24. Eles se distinguiriam dos espectadores que são, eles sim, humanos. Os bonecos representam tanto a matéria passiva - que se opõe à ideia comum dos atletas como sujeitos que agem -, quanto a artefatos antinaturais - colocando sob tensão a ideia de natureza tradicionalmente vinculada ao esporte. Estas questões serão retomadas nos outros dois textos da série, como veremos a seguir.

No caso de ‘Al margen de un partido de tennis’, tem-se novamente a alusão aos sentidos, especialmente visão e audição. JARB explora de maneira mais aprofundada o desenho do jogo (de tênis de duplas) e os sons nele produzidos. Para tratar das formas delineadas numa partida de tênis, utilizar-se-ia como base a geometria, já que esta modalidade seria “[...] uma redução da matéria a formas geométricas: desde o campo de forma retangular até a distribuição dos jogadores sobre ele, formando um paralelogramo elástico e transformável” (Romero Brest, 1929c, p. 71, tradução nossa)25. A partir da ideia de linha, quadrado, triângulo e losango, Brest descreve as imagens formadas na combinação de movimentos dos jogadores em quadra. No tênis “[...] a geometria triunfa sempre em definitivo: a figura inicial se recompõe com invariável pertinácia” (Romero Brest, 1929c, p. 71 tradução nossa)26.

Sobre os sons, encontramos analogias com a música. O ritmo sonoro da bola batendo na raquete, quicando no solo e novamente na raquete, “[...]sons que se sucedem com monótona e rítmica assiduidade” (Romero Brest, 1929c, p. 72, tradução nossa)27, é comparado a uma síncope musical (segundo o olhar, ou melhor, o ouvido do espectador músico) - figura rítmica caracterizada pela execução de som em um tempo fraco que se prolonga até um tempo forte -, à sonoridade do jazz. A relação com o jazz parece também se conectar ao papel do improviso no jogo, gesto que pode surpreender o adversário28. Porém, o autor contrapõe, como fizera no texto anterior, a sorte ao método: “As jogadas nele [no tênis] se resolvem como problemas que em algo se aproximam ao infalível, adquirindo um valor necessário, nada é contingente e o acaso (a jogada imprevista) em vias de supressão quase absoluta, desparece progressivamente com o cultivo da técnica” (Romero Brest, 1929c, p. 72, tradução nossa)29.

Os bonecos aparecem também aqui, mas de forma mais tímida do que no manuscrito sobre basquete, em breve passagem ao final do texto. O autor indica com um pouco mais de precisão o que entende por bonecos nesse contexto: são elementos e não finalidades (do jogo), figuras que se contrapõem ao que é livre e espontâneo, aos movimentos individuais. Assim, o tênis constitui-se de “Pontos que se movem formando figuras geométricas no compasso de um metrônomo humano. Emoção sincopada do imprevisto. Destreza, precisão, rigor” (Romero Brest, 1929c, p. 73, tradução nossa)30.

Por fim, no terceiro texto, ‘Al margen de un buen match de golf’, JARB retoma a matemática e a geometria como elementos plásticos do golfe. Sua paixão por ambas faz ver que em um campo de golfe “[...] tudo é precisão e justeza, tão somente medidas de distâncias, cálculos” (Romero Brest, 1929d, p. 119, tradução nossa)31. A emoción plástica se concentra na imagem dos corpos dos jogadores que se decompõem e rapidamente se recompõem na execução dos movimentos. São os bonecos - que, neste caso são ‘expressivos’ - as figuras rítmicas que ‘dançam’ sobre a grama do campo de jogo em que se vê mais os jogadores do que a bola, cuja posse gera a disputa. Num esporte que tem como característica o prolongamento das distâncias e dos tempos, a emoção gerada é “[...] lenta, trabalhada, talvez, por isso, mais profunda” (Romero Brest, 1929d, p. 119, tradução nossa)32.

Há protagonismo dos bonecos na análise estética de Romero Brest, o que parece encontrar eco em Hans Ulrich Gumbrecht (2007), quando reflete a experiência estética com esportes sob a categoria ‘graça’, a partir de um texto do século XIX, de Heirinch von Kleist sobre marionetes. A ideia que importa aqui é como um bailarino, personagem dessa ficção, elogia a movimentação das marionetes, tomando-a como modelo para sua própria performance corporal. Ao mostrar seu fascínio pelos bonecos, o bailarino não elogia o que há em comum entre marionetes e humanos, mas o fato de serem elas perfeitos exemplares da mecanicidade, exaltando o protagonismo da execução dos movimentos apartada de qualquer pensamento.

A graça, Kleist nos faz entender, é o produto de um distanciamento do corpo e de seus movimentos em relação à consciência, à subjetividade e à sua expressão. A graciosidade dos bonecos está na incapacidade de pensar sobre si mesmos, e, portanto, de ficar envergonhados ou envaidecidos. A graça inverte todo o conhecimento tradicional sobre a relação entre o corpo e a mente humana. Ela permite às marionetes, como conta com tanto entusiasmo o bailarino de Kleist, ter ‘a alma no cotovelo’ e tocar o chão com uma leveza que escapa às leis da gravidade. A graça, como objeto de uma experiência estética, faz-nos lembrar que às vezes somos incapazes - felizmente incapazes, devo acrescentar - de associar os movimentos do corpo que vemos às intenções ou pensamentos daqueles que os executam (Gumbrecht, 2007, p. 120, grifo do autor).

JARB também confere valor estético a certa mecanicidade dos esportistas no momento em que estão em campo ou em quadra. Os atletas se apresentam como bonecos e não como homens, justamente porque distanciados, naquela situação, da ideia de sujeito. Estariam circunscritos ao corpo e sua capacidade de produzir formas emocionantes enquanto executam movimentos técnicos.

Considerações finais

Há algo de vanguardista nos artigos de JARB aqui analisados que pode indicar um pensamento de ruptura com o seu tempo, ao colocar sentidos sobre o momento estético das práticas corporais. Enquanto se constituía, no âmbito da educação física na Argentina, uma disputa entre a Revista modernizadora e cientificista e o conservadorismo dos tradicionalismos associados à educação do corpo, os textos do filho mais novo do padre de la Educación Física abordam uma temática pouco explorada no primeiro terço do século XX. Se historicamente a estética foi com alguma frequência contraposta à racionalidade, e reduzida à arte e à beleza - e, com isso, ao feminino -, seus aportes permitem compreender que o estético transcende o estritamente sensível, ainda que o inclua, sendo possível refletir sobre suas particularidades no que tange à produção de emoção e de formas.

A partir da analogia dos atletas com os bonecos, o esporte pode ser interpretado como cenário da vida, qual o teatro, em que se representam questões que ultrapassam o esportivo. Dessa maneira, os movimentos de um jogador de tênis, basquete ou golfe podem ser ilustrativos dos traços do artista. E, vice-versa, os deslocamentos do pintor sobre a tela podem corresponder à graça de uma dança ou à elegância de uma finta no futebol. Numa época marcada pela moderna interpretação do simétrico e do racional como valor científico e moral, as qualidades de ritmo e de repetição funcionam tanto para interpretar um lance de jogo quanto para estudar analiticamente o cinema.

Pensando na recepção de seus textos e observando sua potencial superação na própria Revista como na educação física em geral, é possível aventar que esses escritos serviram mais para a formação pessoal de JARB do que para o desenvolvimento da disciplina no contexto argentino. Talvez o fato de serem textos de formação, quase sempre em formato de ensaio, explique a ausência de discussões teóricas com o campo da estética. Em seus escritos, estética é vista como sinônimo de beleza, ideia limitada e generalista do conceito. Romero Brest não parece dialogar com os movimentos artísticos e estéticos contestadores surgidos a partir da metade do século XIX, que ele certamente conhecia, mas que pouco ou nada incorporou em sua análise estética do esporte, como as rupturas das artes modernistas, em especial as críticas à simetria. Ao contrário, manteve uma visão que remonta ao classicismo, em que belo, bom e justo se equivalem - o que, aliás, está de acordo com os ideais olímpicos modernos pautados por Pierre de Coubertin, que entendia os jogos como um culto à juventude, beleza e força (Fischer-Lichte, 2005). No esporte essa tríade se deixaria ver, segundo Jorge, na simetria das formas, na exaltação da amizade e no caráter altruísta (desinteressado). Apesar da visão tradicional de estética para pensar o esporte, consideramos os escritos de JARB sobre a temática como inovadores, na medida em que problematizam as práticas esportivas não apenas pelo ponto de vista da promoção da saúde ou do rendimento, mas também na sua relação com o sensível, o prazer e o gosto, algo ainda novo no debate entre as décadas de 1920 e 1930.

Será talvez como na arte, quando o caráter estético não tem a sua época, mas sintetiza e expressa o espírito desse tempo. Os escritos de JARB, nessa chave, são tempestivos, como toda história que se amalgama na arte, mas, simultaneamente ‘extraordinários’.

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1 O ‘Sistema Argentino de Educación Física’ foi instaurado na primeira lei sobre educação física na Argentina, em 1905, denominada de Plan de Enseñanza y Educación Física Nacional (Argentina, 1905). No dia 6 de março de 1939 decretou-se a derrogação desse sistema através da Resolução nº 19 (1939).

2Seguindo uma tradição familiar que Jorge Romero Brest interpretou tempos depois como autoritária (http://www.magicasruinas.com.ar/revdesto029.htm), todos os filhos do ‘pai da Educação Física argentina’ estudaram no Instituto que ele dirigia. Parte desse ‘mandato familiar’ prosseguiu, inclusive, após a aposentadoria de Enrique Romero Brest: seu filho Enrique Carlos continuou à frente do Instituto e a sua cunhada, Gilda Lamarque de Romero Brest, foi uma importante pedagoga que estudou e trabalhou no Instituto fundado por Enrique Romero Brest. Inclusive, na atualidade o ‘Centro de Documentación e Información Histórica sobre la Educación Física y el Deporte’, do Instituto de Educação Física nº 1 da cidade de Buenos Aires, Argentina, homenageia Gilda com seu nome (http://www.romerobrest.edu.ar/cdh/boletin32.htm). Por outro lado, essa questão endogâmica familiar se manifesta no fato de que Jorge também conheceu sua esposa, Amelia Rossi, aos 28 anos, durante a profissionalização dos dois em educação física.

3“[...] construcción histórica de las sensibilidades como dispositivos de producción estética culturalmente mediados”

4“[...] moldear estéticamente el espíritu del niño”.

5Utilizamos educação ‘integralista’ como sinônimo de educação integral, baseada na tradição política-filosófica que entende os indivíduos conformados em três partes, pelas dimensões intelectual, moral e física: a constituição dos sujeitos seria o efeito do equilíbrio dos três. Os sistemas educativos estatais foram fortemente influenciados por esse discurso, especialmente pela interpretação feita por Herbert Spencer, de importante presença na Inglaterra vitoriana de meados do século XIX, sendo o teórico mais citado na fundação dos sistemas de ensino latino-americanos, especialmente no caso argentino (Galak, 2013).

6Na passagem finissecular existia nas escolas argentinas a disciplina ‘Trabajos manuales’, com conteúdos que mesclavam ginástica, trabalhos domésticos e princípios para as atividades manufatureiras. Enrique Romero Brest ministrou essas aulas na década de 1890 no ‘Colegio Nacional del Oeste’ onde conheceu Pablo Pizzurno, diretor naquele momento da escola (Galak, 2012), e que, nos inícios do século XX, tornar-se-ia um dos principais pedagogos argentinos.

7“[...] con intervalos de descanso, ejercicio físico y canto”.

8“¿Conocemos en nuestras escuelas alguien que enseñe a sus alumnos lo que es una obra de arte, que enseñe a gustar de las bellezas de un cuadro, de las armonías de una escultura, de las emociones de una melodía? ¿Sabemos que en nuestras escuelas los niños reciben una educación física al par que los juegos? Entiendo que hacer esta obra y que apenas esbozo, es hacer educación integral, lo contrario es esconderse bajo una máscara y seguir repitiendo lo viejo y lo malo”.

9“[...] vieja división tripartita de educación intelectual, moral y física”.

10Pela força da tradição de dividir os indivíduos na tríade intelectual-moral-física, a maioria das referências do integralismo na educação física argentina de finais do século XIX e princípios do XX deixam de lado a questão da estética, ou a reduzem ao gosto e à certa valoração moral. Mas na década de 1920 se incorporaria com ímpeto o sentido espiritual como quarto elemento do integralismo -especialmente a partir do livro de Enrique Romero Brest (1938), El sentido espiritual de la Educación Física- e, com isso, o conteúdo estético começa a ser debatido mais insistentemente. De fato, os artigos do Jorge na revista são efeito desse movimento conceitual.

11“Sería preferible que en lugar de tanta ‘enseñanza’ se lo [el niño] iniciara en los caminos delicados y sutiles de arte, para que su espíritu se eleve por sobre lo objetivo, y conciba así la belleza en todas sus formas”.

12“[...] desinteresado, altruista, noble y, por ende, forjador de las más bellas idealidades”.

13Faltam-nos elementos para analisar com maior precisão a distinção, segundo JARB, entre sujeito e corpo na prática esportiva. De toda forma, identificamos que há uma diferença, para ele, entre os que executam (que são corpos ou bonecos) e os que assistem (esses, sim, sujeitos).

14“[...] los mismos caracteres constituyen una figura rítmica en él, que, repetida, llegará a formar el ritmo”.

15“[...] se mueven en tiempos desiguales, pero repetidos en períodos iguales, hay desigualdad relativa en los intervalos [...] para el observador sagaz, aquellos movimientos no constituyen un desorden sino, por el contrario, se ve que los mismos intervalos, los mismos tiempos, se repiten singularmente en períodos iguales, formando así la figura rítmica”.

16“[...] una cualidad del existir”.

17“[...] todo es ritmo.

18Vale dizer que JARB considera a fruição estética apenas pelo polo do espectador, sendo que aos jogadores estariam reservados outros sentimentos, como a amizade e companheirismo, como parece, por exemplo, em El Deporte y la Amistad (Romero Brest, 1929a). Nesse sentido, poderíamos dizer que quem assiste esporte é mais influenciado pela dimensão estética, enquanto quem pratica o é pela ética.

19“El deseo de la simetría se manifiesta constantemente hasta en los actos más insignificantes de nuestra vida diaria y desde el niño que alinea sus soldados de plomo en filas rigurosamente simétricas, hasta el adulto que encuentra en la simetría de los deportes un placer de alto valor estético”.

20“Para Romero Brest, los jugadores individuales son como las imágenes individuales de una película que producen los patrones dinámicos que satisfacen el deseo moderno de la velocidad”.

21Embora a potencialidade representacional da análise de JARB - e da observação do Duffey - ao colocar o cinema e o esporte no mesmo patamar, há grande diferença entre ambas práticas culturais: a questão temporal. Pode se equiparar, no entanto, em certo sentido de ‘drama’, no caso do cinema a montagem faz com que o que se assista seja um produto extemporâneo, diferente no esporte, em que a interpretação é performática, simultânea. Levando a reflexão a um grau diferente do que pensa JARB nos seus textos sobre o caráter estético do esporte, pode-se pensar que o ingresso da tecnologia no olhar esportivo aumenta a semelhança entre a narração do cinema e a de um jogo qualquer assistido na televisão.

22“[...] un ritmo sugestivo de volúmenes, música y plasticidad”.

23“[...] emoción rápida pero intensa, brochazos de ritmo pujante, momentos fugaces en donde se mezcla la admiración y la sorpresa”

24“[...] materia que sirve de elemento: átomos deshumanizados de vida espiritual”.

25“[...] una reducción de la materia a formas geométricas: desde el campo de forma rectangular hasta la distribuición de los jugadores en él formando un paralelogramo elástico y transformable”.

26“[...] la geometría triunfa siempre en definitiva: la figura inicial se recompone con invariable pertinacia”.

27“[...] sonidos que se suceden con monótona y rítmica asiduidad”.

28As relações entre jazz, esporte e improviso também podem ser encontradas nas análises críticas de Adorno sobre a música ligeira. Segundo ele, tanto o gênero musical quanto a prática corporal se afastam do momento de liberdade presente no jogo (no sentido também de tocar um instrumento), sendo a improvisação, neste sentido, mera “[...] repetição de modelos pré-fabricados” (Adorno, 1980, p. 189) e não resultado de livre criação.

29“Las jugadas en él [no tênis] se resuelven como problemas que en algo se acercan a lo infalible, adquieren un valor necesario, nada es contingente y el azar (la jugada imprevista) en tren de supresión casi absoluta, desaparece progresivamente con el cultivo de la técnica”.

30“Puntos que se mueven formando figuras geométricas al compás de un metrónomo humano. Emoción sincopada de lo imprevisto. Destreza, precisión, rigor”.

31“[...] todo es precisión y justeza, tan solo he medido distancias, he hecho cálculos.

32“[...] lenta, trabajada, tal vez por eso más honda”.

Como citar este artigo: Gonçalves, M. C., Galak, E. L., & Vaz, A. F. Do caráter estético do esporte: apontamentos de Jorge Romero Brest. (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e145

Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 07 de Janeiro de 2020; Aceito: 24 de Junho de 2020; Publicado: 02 de Dezembro de 2020

*Autor para correspondência. E-mail:michelle_carreirao@yahoo.com.br

Michelle Carreirão Gonçalves é doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC; Professora do Departamento de Didática da Faculdade de Educação da UFRJ; Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq) e do Laboratório de Pesquisas em Educação do Corpo (UFRJ/FAPERJ/CNPq). E-mail: michelle_carreirao@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0002-8350-2692

Eduardo Lautaro Galak es profesor en Educación Física (2006), Magíster en Educación Corporal (2010) y Doctor en Ciencias Sociales (UNLP, 2012), con post-doctorado en Educação, Conhecimento e Integração Social (UFMG-Brasil). En la actualidad es Investigador Adjunto del CONICET (Argentina). Ejerce la docencia actuando en grado y posgrados. Es director del proyecto de investigación “Procesos de democratización en la formación de los cuerpos y las sensibilidades en la educación estética de la Argentina de la segunda mitad del siglo XX” (UNLP-H890) y es director de la revista Anuario. Historia de la Educación y editor de la revista Educación Física & Ciencia. Es autor de los libros “Educar los cuerpos al servicio de la política. Cultura física, higienismo, raza y eugenesia en Argentina y Brasil” (Biblos, 2016) y “Políticas de la imagen y de la imaginación en el peronismo. La radioenseñanza y la cinematografía escolar como dispositivos pedagógicos para una Nueva Argentina” (Biblos, 2020). E-mail: eduardogalak@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-9063-8267

Alexandre Fernandez Vaz é professor Doutor pela Leibniz Universität Hannover, Alemanha; Professor na Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Departamento de Estudos Especializados em Educação e nos Programas de Pós-Graduação em Educação - PPGE e Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas - PPGICH. Pesquisador 1C CNPq. E-mail: alexfvaz@uol.com.br https://orcid.org/0000-0003-4194-3876

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