SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21‘A universidade que espere!’: propostas para o ensino superior nos discursos de intelectuais da geração 1870A trajetória histórica das leis e diretrizes curriculares nacionais para a área de formação em Educação Física índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 22-Dez-2020

https://doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e153 

Artigo Original

Igreja, Estado e educação: uma análise da constituição do Movimento de Educação de Base (MEB)

Iglesia, estado y educación: un análisis de la constitución del Movimento de Educação de Base (MEB)

Isabel Aparecida Bilhão1  * 
http://orcid.org/0000-0002-2299-1429

Álvaro Antônio Klafke2 
http://orcid.org/0000-0002-8663-8923

1Universidade do vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, RS, Brasil.

2Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS), Porto Alegre, RS, Brasil.


Resumo:

O artigo analisa o processo de constituição do Movimento de Educação de Base - MEB -, refletindo sobre a dinâmica das relações entre Igreja e Estado no Brasil, em um momento em que a educação no meio rural era disputada por diversos grupos sociais. Tem por objetivo compreender como, no interior de um Estado oficialmente laico, pôde ser firmado e justificado um convênio no qual o governo federal brasileiro financiou um movimento proposto e coordenado pela Igreja Católica. Embasando-se teoricamente nas noções de grupos de elite e influência, investiga as aproximações entre os agentes governamentais e religiosos envolvidos na consecução do acordo. Finalmente, analisa o decreto de formalização do convênio, relacionando alguns de seus pontos principais com o processo antecedente.

Palavras-chave: história da educação brasileira; política da educação; religião e educação

Resumen:

El artículo analiza el proceso de constitución del Movimento de Educação de Base - MEB -, reflexionando sobre la dinámica de las relaciones entre Iglesia y Estado en Brasil, en un momento en que la educación en el medio rural era disputada por diversos grupos sociales. Tiene por objetivo comprender cómo, en un Estado oficialmente laico, pudo ser firmado y justificado un convenio en el cual el gobierno financió un movimiento propuesto y coordinado por la Iglesia Católica. Fundamentado teóricamente por las nociones de grupos de élite e influencia, investiga los acercamientos entre los agentes gubernamentales y religiosos involucrados en la consecución del acuerdo. Finalmente, analiza el decreto del convenio, relacionando sus puntos principales con el proceso antecedente.

Palabras clave: historia de la educación brasileña; política educativa; religión y educación

ABSTRACT

Abstract: The paper analyzes the process of constitution of the Movimento de Educação de Base - MEB -, reflecting about the dynamics of relations between Church and State in Brazil, at a time when education in the rural environment was disputed by diverse social groups. The objective was to understand how, within an officially secular state, an agreement could be signed and justified in which the Brazilian Government financed a movement proposed and coordinated by the Catholic Church. Theoretically based on the notions of elite groups and influence, it investigated the approximations between governmental and religious agents involved in establishing the agreement. Finally, it analyzed the decree formalizing the agreement, relating some of its main points with the previous process.

Keywords: history of brazilian education; education policy; religion and education

Introdução

O Movimento de Educação de Base (MEB) foi criado pela Igreja Católica, no início de 1961, com o objetivo de desenvolver um programa educacional, por meio de escolas radiofônicas, junto às populações das áreas rurais consideradas subdesenvolvidas do norte, nordeste e centro-oeste do país. Esse movimento, embora originado da iniciativa eclesiástica e coordenado por membros do clero, foi financiado pelo governo federal. A proposta de colaboração foi realizada por dom José Vicente Távora1, então arcebispo de Aracaju, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ao recém-eleito presidente Jânio Quadros. O convênio concretizou-se pelo decreto presidencial nº 50.370, assinado em março de 1961. Alguns números permitem se vislumbrar o alcance do projeto: o MEB chegou a contar com 7.353 escolas radiofônicas abrangendo 14 Estados no início de 1964, as aulas eram então transmitidas por uma rede de 29 emissoras e, nos primeiros cinco anos de funcionamento, cerca de 320 mil alunos concluíram o ciclo de alfabetização (Fávero, 2006).

Muito do que se conhece sobre o processo de implantação e funcionamento do MEB se deve a dois livros: Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961/1966), de Osmar Fávero (2006), e Católicos radicais no Brasil, de Emanuel de Kadt (2007)2. Além dessas duas obras clássicas, o movimento vem sendo estudado pelo menos desde a década de 1980, contando com distintas abordagens3. Este artigo pretende participar das reflexões sobre o MEB a partir de um aspecto ainda pouco contemplado: a análise dos meandros sociopolíticos que viabilizaram sua constituição, em um contexto no qual as iniciativas educacionais desenvolvidas no Brasil, sobretudo nos anos de 1950 e 1960, inserem-se em um processo mais amplo, pautado pelo ideário desenvolvimentista.

A criação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe [CEPAL], em 1948, foi fundamental para a difusão e consolidação dessa concepção que, do ponto de vista econômico, propunha a industrialização e a superação do modelo agrário exportador para toda a região. No caso brasileiro, a influência da CEPAL pode ser observada nas formulações do Instituto Superior de Estudos Brasileiros [ISEB], criado em 1955, e na elaboração do Esboço de um programa de desenvolvimento para a economia brasileira no período de 1955 a 1960, do economista Celso Furtado, que serviu de base ao Plano de metas do governo Juscelino Kubitschek.

O discurso desenvolvimentista também se dirigiu ao meio rural para denunciar o ‘atraso’ e abandono deste, defendendo a necessidade de uma reestruturação produtiva. Essa reestruturação demandaria, entre outras medidas, a ampliação da atuação do Estado Nacional a partir de políticas como a reforma agrária, a extensão da legislação trabalhista e a ampliação da educação básica aos trabalhadores rurais4.

Esse ambiente modernizante vinha ao encontro do clima renovador que também afetava a hierarquia eclesiástica, especialmente pela sua parcela mais progressista, redundando em ações de cooperação interinstitucional. Exemplo notável seria a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste [SUDENE], em 1959, para a qual Roberto Romano oferece uma interpretação teórica e contextual:

A teoria da industrialização desigual, combinada com o arcaísmo das estruturas rurais, fornece o quadro de referência para a projeção de uma síntese histórica da luta eclesiástica pela SUDENE como instrumento modernizador da região e neutralizador das diferenças sócio-econômicas do país (Romano, 1979, p. 29).

Ainda segundo Romano (1979, p. 155), o prestígio da sociologia e da economia se fortaleceu nas ações dos bispos durante o período Juscelino Kubitschek, conferindo “[...] o sentido da verdadeira simbiose operada entre os bispos e os técnicos que ajudaram o Governo federal a fundar a SUDENE”.

Na perspectiva, portanto, de um ideário comum, que pautava as diversas iniciativas, orienta-se esta análise da conjuntura histórica, que tem por objetivo compreender como, no interior de um Estado oficialmente laico, pôde ser firmado e justificado um convênio no qual o governo federal brasileiro financiou um movimento proposto e coordenado pela Igreja Católica. As questões que pautaram essa discussão foram as seguintes: de que forma as especificidades da Igreja Católica como instituição se refletiam em seus objetivos de combate ao analfabetismo? Como se deram as aproximações entre os principais agentes governamentais e religiosos envolvidos no estabelecimento do MEB? Como foi possível se justificar a institucionalização desse convênio?

A análise embasou-se teoricamente nas noções de grupos de elite e de influência, com base nas reflexões de Bruneau (1974). A utilização dessas categorias analíticas direcionou-se, particularmente, ao exame dos nexos institucionais e entre agentes representantes das instituições. No caso da Igreja, refere-se à CNBB e a alguns membros do episcopado, mais atuantes no processo de oficialização do movimento.

Trata-se de um recorte que destaca os aspectos relativos à competência e ao trânsito junto às esferas públicas de membros de uma elite eclesiástica, visando auxiliar na compreensão do conjunto de fatores que justificaram o apoio do governo federal à implantação do MEB. Outras abordagens oferecem visões distintas, que podem ser, em parte, divergentes ou complementares, tais como as de Wanderley (1984), Kadt (2007) ou Fávero (2006), compondo um panorama de perspectiva histórica bastante ampla.

O estudo partiu de dois procedimentos metodológicos. Inicialmente, à luz de aportes bibliográficos e documentais, refletiu-se acerca da atuação da elite eclesiástica brasileira, destacando-se as relações entre a Igreja Católica e o Poder Executivo federal que possibilitaram o convênio de lançamento do MEB.

O seguinte procedimento foi a análise documental do Decreto nº 50.370 (1961). Para tanto, foram seguidas as sugestões de André Cellard, que adverte para a observação de cinco dimensões inter-relacionadas do processo investigativo. São elas o exame do contexto social global no qual foi produzido o documento; o conhecimento sobre os seus produtores, individuais e/ou coletivos, buscando-se conhecer seus dados biográficos, motivações, posições sociais e redes de relações; o estabelecimento do tipo e da origem do documento, bem como das possíveis motivações para sua constituição. A essas dimensões contextuais somam-se duas, de caráter propriamente analítico: a observação da lógica interna e dos conceitos-chave do texto e a identificação dos sentidos e da historicidade dos termos empregados pelos autores e, finalmente, a análise interpretativa, que consiste na reunião, classificação e comparação das informações preliminares e interpretação dos textos a partir das questões orientadoras e das categorias analíticas (Cellard, 2008).

Com base nessa perspectiva teórico-metodológica, e objetivando-se responder às questões propostas, o texto foi organizado em três tópicos. No primeiro, examina-se o contexto eclesiástico brasileiro, sobretudo as formas de atuação da CNBB nas disputas sociopolíticas da Igreja e seus esforços pela manutenção da influência no meio rural. Ainda nesse tópico identificam-se os principais agentes católicos envolvidos na proposta de implantação do MEB. No segundo tópico abordam-se as relações entre membros do episcopado e os políticos que viabilizaram o estabelecimento do convênio. No terceiro realiza-se a análise do texto do decreto nº 50.370.

Peculiaridades do processo de modernização eclesiástica e sua (re)inserção na política brasileira

No período em análise, modernização tornou-se palavra de ordem para distintos setores da sociedade, e isso incluía, de maneira incontornável, a Igreja Católica. Dermi Azevedo (2004, p. 111-112) observa que, ao longo do século XX, entre as várias transformações ensejadas pela separação Estado-Igreja no Brasil, estava o fato de que a instituição católica

[...] opta por atuar, com toda visibilidade possível, na arena política. Essa opção implica a colaboração com o Estado, em termos de parceria e de garantia dostatus quo. [...] A Constituição de 1934 registra alguns resultados dessa ofensiva, tal como a instituição do ensino religioso nas escolas públicas, a presença de capelães militares nas Forças Armadas e a subvenção estatal para as atividades assistenciais ligadas à Igreja. O processo de mudança de paradigmas na Igreja ganha força a partir dos anos de 1960, sob a influência do Concílio Vaticano II. Nas décadas de 1950 a 1960, a Igreja no Brasil prioriza a questão do desenvolvimento.

Entretanto, a Igreja ‘prioriza’ o problema do desenvolvimento de acordo com interesses específicos, ou seja, distintos dos objetivos socioeconômicos do Estado, por exemplo. Para se evitar o risco de obliterar a complexidade das relações entre essas instituições, deve-se registrar, conforme Romano, que o projeto da Igreja é a ‘salvação popular’. Nessa direção, mesmo o

[...] desenvolvimento nacional autônomo é compreendido como ‘meio’ em vista da realização deste ‘fim’. Na rejeição do novo modelo econômico, ligado ao imperialismo, operam dois tipos particulares de razão: a primeira, de ordem moral e teológica, constata que a maioria do povo vive na miséria e sofre injustiças sociais; a segunda, de ordem científica, enunciaria os fatores objetivos dessa situação. A partir desses elementos, afirmam [os bispos brasileiros] a necessidade de transformar a sociedade contemporânea, o que por sua vez, seria sinal ‘eficaz’ ‘da libertação dos oprimidos’ (Romano, 1979, p. 34-35, grifo do autor).

Parece relevante se observar tais ênfases, sobretudo em vista de estudos que alinham de forma direta a ação e o pensamento dos católicos ‘progressistas’ com setores de esquerda da sociedade civil. Embora não se possa desconsiderar que essa aproximação tenha ocorrido - levando, no limite, grupos católicos a engajarem-se na luta armada, após o golpe de 1964 -, considera-se que os objetivos, embora guardassem alguma semelhança, no sentido de constituírem, ambos, utopias finalistas, eram de natureza distinta. Ademais, seguindo Romano, deve-se lembrar que não há como se perfilar de forma simplista o discurso eclesiástico com posturas políticas tendentes ao conservadorismo ou às forças progressistas. Há uma ambivalência, cuja origem estaria

[...] nas dificuldades próprias do processo religioso de dominação: desde que sua burocracia ou sua legitimidade seja contestada, ela, em crise, busca renovar sua política diante da sociedade e do Estado. Para isto, põe em campo uma refinada mudança em seus métodos apropriativos da cultura moderna, visando à sua reprodução enquanto realidade institucional (Romano, 1979, p. 64).

O mesmo autor lembra que no processo de disputa entre o Estado e a Igreja

[...] o Estado incorpora cada vez mais o peso sacral da autoridade, e a Igreja, igualmente cada vez mais, incorpora a racionalidade e a ciência à sua prática. Com essas armas, as duas instituições se enfrentam no fito de controlar a cultura, notadamente através da educação (Romano, 1979, p. 246).

No contexto em análise, o ambiente de debate público pode ter favorecido a implantação do MEB, pois ele tinha características que eram aceitas por defensores de uma educação mais ‘popular’, tanto entre católicos quanto entre segmentos de visão mais ‘materialista’, conforme o linguajar da época. Em suma, a despeito dos eventuais - e acirrados - confrontos entre Estado, Igreja e distintos grupos sociais, foram também possíveis momentos de cooperação, quando iniciativas puderam ser conciliadas. Importa se sublinhar, especialmente em relação ao processo que levaria à concretização de ações como o MEB, que não se tratava, do ponto de vista católico, de um mero trabalho de promoção de ascensão social, mas de integração de contingentes de pessoas colocadas à margem no sentido de reforçar a própria crença religiosa, de acordo com as pretensões da Igreja. Entretanto, tal reforço se daria em novos moldes, no plano de uma consciência considerada mais desenvolvida em termos sociais, o que contava com a simpatia de um espectro político mais amplo.

Esse projeto, em sua amplitude, deveria contemplar, sobretudo, os mais pobres, em razão do reconhecimento de uma realidade socioeconômica muito distante dos padrões almejados, tanto nas periferias das grandes cidades quanto no meio rural, notadamente nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste do país. A ação do catolicismo já se fizera sentir com relativa força no meio urbano, por exemplo, na constituição dos Círculos Operários5. Entretanto, sua influência vinha declinando, pelo menos desde os anos 1940, em virtude do fortalecimento dos sindicatos de feição estatal e da militância de distintos grupos anticlericais de esquerda na organização operária. O trabalhador rural convertia-se, então, em alvo de disputas e o campo em território fértil das experiências modernizantes, de todos os matizes, como as Ligas Camponesas6, por exemplo.

A forma pela qual se daria o combate ao atraso, colocando o país em patamar adequado a uma imaginária linha evolutiva, entretanto, não era consenso na sociedade e nem mesmo dentro da Igreja. Frente a tal conjuntura, como, então, se entender o êxito do convênio que instituiu o MEB? Dentre uma série de circunstâncias, uma das razões objetivas reside na ampliação da capacidade de intervenção social e política da Igreja a partir da fundação da CNBB, abordada no próximo tópico. Mas, mais do que isso, foi fundamental que o controle da entidade, por largo tempo, tenha permanecido com um grupo de prelados, sobretudo de dioceses nordestinas, identificados com a luta social, constituindo o que ficou conhecido como ‘bispos do Nordeste’.

Thomas Bruneau cita oito bispos (além de dom Helder Câmara, secretário geral) que compunham o que ele denomina ‘primeiro grupo’ da CNBB. Conforme o autor, “[...] através da CNBB, os bispos do Nordeste se tornaram os mais estratégicos e proeminentes, tanto no Rio como nacionalmente, mediante as suas declarações, seus programas e movimentos” (Bruneau, 1974, p. 198). Entre eles, juntamente com Câmara, chama-se a atenção para dom Eugênio Sales e dom José Vicente Távora.

O secretário geral era uma liderança inconteste da ala considerada ‘à esquerda’ no episcopado. Sua permanência no cargo por 12 anos (1952-1964) foi fundamental para se garantir uma interlocução privilegiada com setores da sociedade e do governo e para se legitimar iniciativas dos pares. Eugênio Sales, bispo de Natal, fundou, em 1948, o Serviço de Assistência Rural (SAR), com um programa educacional e assistencial amplo, que incluía a criação de escolas regulares, missões rurais no interior, promoção de seminários e cursos de formação para o clero, além do apoio ao cooperativismo e à sindicalização rural.7 Em 1950, o SAR criou as escolas radiofônicas, cuja disseminação conduziu à criação da Representação Nacional das Emissoras Católicas (RENEC), em 1958. Esse foi um dos resultados da mobilização feita pelas autoridades eclesiásticas para a implantação de uma rede de emissoras católicas no Brasil, que vinha ocorrendo pelo menos desde 1955, quando o frei franciscano Gil Bonfim apresentou um estudo inspirado na experiência realizada na Colômbia, sob a coordenação do monsenhor Jose Joaquin Salcedo, a Acción Cultural Popular (ACPO), difundida pela Radio Sutatenza, a partir de 1947 (Fávero, 2006).

Entretanto, para que ocorresse a efetivação do sistema rádio educativo católico no Brasil, foi importante a figura de José Vicente Távora, que aqui é tomado como um exemplo da ação do episcopado. Em 1959, o bispo fundou a rádio Cultura de Sergipe e, em seguida, o Sistema Rádio Educativo de Sergipe (SIRESE), que, semelhante à iniciativa de Natal, em 1958, comporia uma rede de escolas radiofônicas sob a responsabilidade da diocese de Aracaju, experiências que acabariam demonstrando, simultaneamente, as dificuldades e demandas educativas, especialmente das populações do interior, e o potencial do ensino via rádio.

Távora, muito próximo de Câmara, compunha uma espécie de elite atuante em relação à questão social. As relações estabelecidas, ao longo de suas carreiras eclesiásticas, com diversos segmentos sociais, por esse grupo de ‘bispos do Nordeste’, do qual os três aqui citados eram expoentes, possibilitaram o encaminhamento de projetos e reivindicações acolhidos junto a diferentes governos. E é importante se sublinhar que tal cooperação se tornou possível na década de 1950, porque, em muitos aspectos, a orientação do governo de Juscelino Kubitschek foi compartilhada por amplos setores da Igreja Católica, sobretudo na CNBB, então sob o controle dos chamados ‘progressistas’.

No entanto, ainda que houvesse identificação em torno do ideário modernizante, há que se fazer uma relativização. Osmar Fávero observa que o projeto nacional desenvolvimentista era progressista, por um lado, ao propor uma integração mais ativa no sistema capitalista internacional; por outro lado, revestia-se de uma face conservadora, porque assumia a manutenção da ordem existente como premissa e também por privilegiar algumas áreas consideradas dinâmicas, relegando setores como o da agricultura. Uma parte da Igreja Católica, sobretudo dos bispos do Nordeste, frente a essa contradição, pretendia tornar o conjunto da população protagonista do desenvolvimento, para além do planejamento tecnocrático. Propunham, também, um crescimento mais equilibrado entre o centro-sul urbano e industrial e o setor rural, particularmente do Nordeste. Para tanto, a reforma agrária era considerada uma medida inadiável (Fávero, 2004). A corroborar essa avaliação, observe-se a opinião de Távora, em 1960:

Devemos ser pelo desenvolvimento em termos de expansão orgânica, não em termos exclusivos de industrialização. Um programa orgânico de desenvolvimento deve ser pensado tendo em vista a melhoria também das populações rurais, as mais numerosas e as mais sacrificadas de todo o país (A cruzada, 1961, transcrito da revista Síntese, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 71).

Tem-se, então, entre aproximações e distanciamentos, uma conjunção de fatores que passam por aptidões pessoais, rede de relações, objetivos comuns e chancela institucional a explicar a possibilidade de um projeto - o MEB - que uniu tão fortemente interesses da Igreja e do Estado no Brasil. Deve-se indagar, portanto, a respeito dos fundamentos dessa relação.

Meandros do poder: agência católica em âmbito governamental

A despeito das divergências no interior das instituições - Igreja e Estado - e entre elas, o fato é que o MEB foi uma experiência das mais abrangentes e relevantes no campo da educação popular rural via rádio. Também por isso, seu estudo permite se refletir acerca de alguns aspectos dessa conexão interinstitucional. A questão aqui colocada diz respeito aos fatores que viabilizaram, naquela conjuntura, a cooperação estabelecida.

Analisando as mudanças ocorridas na Igreja Católica no Brasil do século XX, Thomas Bruneau elenca uma série de categorias a partir das quais é percebida a trajetória da instituição:

1. Princípio organizacional dominante que descreve a percepção que a Igreja tem do meio em que vive e dos obstáculos para a consecução do seu objetivo geral de influência [...]. 2. Os grupos ou setores da sociedade aos quais a Igreja dá atenção particular [...]. 3. Relação Igreja-sociedade, ou a maneira pela qual a organização procura ligar-se ao meio maior. 4. Os instrumentos ou mecanismos com os quais a Igreja exerce influência e gera engajamentos (Bruneau, 1974, p. 16).

Adaptando essa reflexão mais ampla para o período que concerne a este artigo, pode-se afirmar que era notória a percepção do atraso econômico e civilizacional do país e da educação como via de superá-lo; o grupo, particularmente visado nesse quesito, era o dos trabalhadores rurais; a ligação com o meio se daria pelo clero e pela ação do laicato, via MEB. Evidentemente que, no exercício de influenciar a vida social, operavam instrumentos e mecanismos de diferentes tipos, que iam da atuação direta do episcopado junto aos poderes públicos ao trabalho de orientação e organização de segmentos sociais a partir da base. O que estaria presente, em qualquer caso, é a noção de ‘influência’. Bruneau, com base em Ivan Vallier, se vale de uma definição de ‘influência’ relativamente despojada, mas que atende aos propósitos deste estudo. Esta equivaleria à capacidade de um indivíduo, um grupo, uma associação ou mesmo um Estado de gerar engajamentos (fidelidades, recursos, apoios) suficientes para impor uma direção de sua escolha à estrutura e, assim, provocar mudanças. Influente, então, seria o indivíduo ou a instituição apta a marcar distintivamente esferas de interesse ou de atividades (Bruneau, 1974). Entretanto, o mecanismo ou a base para o exercício da influência é o poder político, daí a complexidade e a necessidade de observação das mudanças nas relações do Estado com a Igreja no Brasil (Bruneau, 1974).

Não se pode desconsiderar que a ‘influência’ é exercida por meio de ações concretas, e estas, no período em questão, ainda se ligavam fortemente à capacidade mobilizadora da elite eclesiástica. Daí a importância da CNBB, o órgão responsável por propor temas da agenda católica em âmbito governamental, ou seja, de influenciar ações do governo no sentido de seus interesses.

A fundação da Conferência dos Bispos, em 1952, marcou um momento que foi, simultaneamente, de efeito e causa de uma reorientação da natureza dos vínculos entre Igreja e Estado:

Em resumo, o acontecimento mais decisivo para a Igreja foi a institucionalização da CNBB, que permitiu uma variedade de relações de autonomia. Em vez de fiar-se nas ligações tradicionais com o Estado e os elementos de poder local, a CNBB podia escolher e promover a sua própria orientação e apoiar aqueles que, situados no governo, pensavam da mesma forma. Novas alianças se tornaram possíveis e os objetivos de mudança social da Igreja se aproveitaram delas (Bruneau, 1974, p. 208).

O ponto a ser ressaltado é que, de forma distinta de outros momentos, esse episcopado renovado assumia compromissos - essenciais aos ‘objetivos de mudança social’ - cuja efetivação não podia prescindir da esfera política. A afirmação do autor, nesse sentido, enfatiza um aspecto fundamental da conjuntura de então:

Em vez de fingir que a Igreja estava ainda ‘acima da política’, representando ‘tudo que de melhor havia na tradição brasileira’, o grupo da CNBB sabia que estava cooperando com o Estado. Compreendendo a sua relação com o Estado, ele podia, presumivelmente, controlá-la em vez de ficar preso por ela [...] (Bruneau, 1974, p. 208, grifo do autor).

Esse grupo “[...] estava intimamente aliado a importantes líderes políticos do período; líderes que eram progressistas e presumivelmente estavam promovendo a mudança” (Bruneau, 1974, p. 208). Essa proximidade passava por compartilhamento de objetivos e também por se tratar de relações entre grupos de elite, tal como eram a cúpula do governo e o episcopado, cujo poder de ‘influência’, nos termos em que já foi definido, era potencializado por uma instituição que começava a ganhar força, a CNBB.

A partir de aportes da sociologia, pode-se pensar a posição dos bispos como elite religiosa, ainda que este constitua, todavia, um “[...] tema periférico na agenda de estudos sobre grupos dirigentes” (Seidl, 2017, p. 35). O que causa estranheza, pois, “[...] a considerar o papel sociopolítico central da Igreja e sua posição no espaço do poder no Brasil, o interesse sociológico pela alta hierarquia católica dispensaria maiores justificativas” (Seidl, 2017, p. 36), ponto de vista do qual se compartilha, sobretudo se considerando o período em questão.

Analisando o episcopado brasileiro a partir de tais pressupostos, o mesmo pesquisador aponta para alguns elementos básicos:

Ainda que invariavelmente negada pelos escolhidos, a ascensão ao episcopado representa uma das formas mais evidentes de distinção em face do corpo de profissionais da Igreja. É sinônimo de percurso religioso de êxito, chancelado pelo acesso à função central não apenas na esfera católica, mas também no espaço do poder, notadamente, do poder simbólico. [...] Além de administrar a distribuição de parte importante do corpo religioso, de definir suas formas de atuação, encarna função de intérprete dos princípios e práticas da Igreja e pode falar com legitimidade em nome de uma instituição que desfruta, no caso do Brasil, de posição proeminente no interior da estrutura social do país e da esfera pública (Seidl, 2017, p. 37).

Importa se salientar que a posição do bispo implica em distinção, fruto de uma trajetória exitosa, o que confere acesso a diferentes instâncias de poder, para além dos muros institucionais. Isso é potencializado, no caso brasileiro, pela força que o catolicismo, historicamente, demonstrou. Além disso, menção especial deve ser feita ao aspecto ‘diretivo’ e ‘administrativo’ de que se reveste a ascensão ao episcopado, tema ao qual se retornará.

Para se exemplificar essas considerações e aproximá-las às circunstâncias da constituição do MEB, considere-se o campo de possibilidades de dom José Vicente Távora, principal articulador do movimento, a partir de sua trajetória na hierarquia eclesiástica. Filho de família grande, com tradição na Igreja Católica, por já haver encaminhado membros ao clero e às congregações femininas, o que compensava o relativamente modesto patrimônio familiar, ele formou-se em uma escola de elite, o Seminário de Olinda, “[...] secularmente reconhecido e legitimado como centro de educação de privilegiados, [que] certamente lhe proporcionou uma educação de qualidade, e sem dúvida, à época, reservada a poucos” (Santana, 2011, p. 52). Ou seja, foi-lhe propiciado um ambiente que favorecia a formação de redes de influência importantes para o futuro.

A partir de sua ordenação, o padre voltou-se às questões sociais, então fundamentais para a instituição, pelo diagnóstico da extrema pobreza e frente ao avanço das ideologias de esquerda. Esteve ligado aos grupos que buscavam organizar os trabalhadores, como os Círculos Operários e a Juventude Operária Católica. Sua atenção aos pobres, porém, não era exclusiva e nem excludente, pois é relevante se perceber que a sua inserção em várias instituições, dentro da Igreja (Liga Independente das Senhoras da Ação Católica, LBA, entre outras), contribuía para o acúmulo de um capital social e político significativo, fundamentalmente no período em que Távora atuava na capital federal (RJ), proporcionando contatos com os círculos de poder, para além de sua ação pastoral entre os pobres e operários (Nascimento, 2008). Sua proximidade com os poderes da República se intensificou com a nomeação como bispo auxiliar do Rio de Janeiro, em 1954. Essa posição e o fato de estar na capital federal foram fundamentais para a ampliação de sua rede de influência. Para Ernesto Seidl (2017, p. 51-52),

Já investidos de autoridade [bispos auxiliares], têm a oportunidade de angariar um capital organizacional e de relações por meio de um treinamento em atividades bastante diversificadas de organização cotidiana de dioceses complexas, ao mesmo tempo que são expostos com maior intensidade aos mecanismos próprios do alto poder eclesiástico e aos padrões de exercício do cargo.

De acordo com a apreciação do autor, pode-se inferir que, à medida que Távora ascendia na hierarquia, aumentavam suas responsabilidades e capacidade de intervenção. Do alto de suas posições na hierarquia, que culminaram com o arcebispado de Aracaju, ele participou de inúmeras iniciativas em prol de um projeto de desenvolvimento social e humano, de acordo com a orientação religiosa do grupo ao qual pertencia e suas próprias inclinações políticas.

São vários os registros de ações envolvendo o prelado, destacando-se os encontros privados, reuniões e correspondências trocadas com chefes de Estado (Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e até mesmo os governantes militares), a fim de encaminhar demandas de cunho social - naquele contexto o MEB foi uma entre tantas outras iniciativas. A despeito de sua propalada opção política pelos trabalhadores e pobres, deve-se lembrar que ele estava situado em posição de estabelecer relações com as instâncias de governo - e seus encontros com presidentes são emblemáticos. Mas postula-se que tudo isso só teve efeito porque havia correspondência de pensamento entre governo e Igreja também em outro sentido: o da concepção geral dos projetos e da preparação dos executantes em termos racionalistas, técnicos, aí inclusos os bispos e suas equipes de assessoria leiga.

Na disputa pela soberania no campo da cultura, principalmente por meio da educação, a Igreja, premida pelos tempos, incorporava práticas modernizantes. Além disso, suas lideranças assumiam, cada vez mais, comportamentos de administradores, com exigências que iam muito além da ação catequética. Seidl (2017, p. 36-37) observa que

A multiplicação de postos e de papéis conhecida em seu interior [da Igreja] sobretudo a partir dos anos de 1950, amplificada pelas alterações do Concílio Vaticano II (1962-1965), moldou uma instituição progressivamente diversificada. A uma estrutura de serviços mais variada corresponderam exigências específicas a seus profissionais - sacerdotes, bispos, freiras e irmãos -, solicitados a assumir tarefas em uma miríade de pastorais, comissões, conselhos, órgãos, assessorias, meios de comunicação.

Ou seja, a Igreja, mais do que orientação espiritual, passava a fornecer quadros técnicos, religiosos ou leigos, a engajar-se na pretensão modernizante, em parceria com o governo. Nesse sentido, é emblemático o plano administrativo apresentado por Távora quando de sua chegada como bispo de Aracaju, por contemplar questões típicas do poder político. Entre seus eixos, estão, por exemplo, programas de eletrificação rural (para os quais a diocese forneceria material didático, técnicos e treinamento); patrocínio dos clubes agrícolas e implantação de sindicatos rurais em todo o Estado, sob controle da ‘nova Igreja’, isto é, mais próxima da realidade cotidiana dos fiéis; criação de grupo de trabalho para pensar a industrialização do Estado, a partir do aproveitamento de matérias primas locais; criação de armazéns e silos de estocagem. A sistematização de tais estudos e ideias contribuiria decisivamente para a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), empreitada na qual os ‘bispos do Nordeste’ tiveram papel central (Santana, 2011).

Havia, assim, uma preocupação e um compromisso de ação a unir os interesses da Igreja e do Estado. Eram vários os projetos em pauta, mas a prioridade recaía sobre a educação rural. Isso, por duas razões básicas: a percepção da miséria do campo e uma visão de futuro que considerava a inevitabilidade da reforma agrária, tema onipresente na conjuntura de então. Nas palavras do arcebispo,

Porque a mesma preocupação que nos ocorre relativamente ao operariado urbano angustia-nos quando pensamos em milhões de trabalhadores rurais que já é hora de atender em programas completos de cooperação social e educativa, até mesmo criar o ambiente propício à reforma agrária que virá, que está batendo à nossa porta, infelizmente sem aquela preparação necessária às soluções destinadas a mudar a fisionomia econômico-social de um povo inteiro (Távora, 1958 apud Santana, 2011, p. 87).

Era a Igreja se adaptando ao século e tentando se antecipar a ele. Um aspecto relevante é que o prelado assumia uma certeza frente às etapas do desenvolvimento que o aproximava do discurso de esquerda - embora também setores liberais compartilhassem dessa percepção. A reforma da estrutura fundiária viria, modificando ‘a fisionomia econômico-social de um povo inteiro’, e as pessoas deveriam ser preparadas para tanto. Tem-se, então, sinteticamente, uma manifestação de um membro de um tipo específico de elite, dotado de preparo administrativo, relativo poder e legitimidade conferida pela instituição que o abrigava. Em conjunto com outros grupos de elite, a partir de uma posição privilegiada, sua atuação exemplifica o retorno do protagonismo da Igreja junto ao Estado.

São inúmeros os relatos de reuniões pessoais e correspondências entre bispos e chefes de governo. Em novembro de 1958, Távora escreveu ao presidente Juscelino Kubitschek, relatando as dificuldades e a pobreza de Sergipe e da região Nordeste e fazendo algumas solicitações explícitas de verbas. É relevante se notar que ele se dirigia ao ‘amigo’ e fazia referência a ‘conversas anteriores’ (Santana, 2011), em uma das muitas demonstrações de acesso ao poder central.

O estreitamento de tais relações e sua institucionalização pode ser percebido em momentos chave da história pregressa do MEB e de outras iniciativas, como durante a realização dos dois Encontros dos Bispos do Nordeste (Campina Grande, 1956 e Natal, 1959). O presidente da República, Juscelino Kubitschek, esteve presente em ambos. Nessas reuniões afinou-se a cooperação entre Igreja e governo, resultando em várias medidas práticas com o objetivo de se buscar soluções para o desenvolvimento do Nordeste (Peixoto Filho, 2003). Em um dos decretos federais derivado das sugestões e recomendações do II Encontro, estava previsto o apoio governamental no estabelecimento de medidas de financiamento de um Programa de Educação de Base por meio de escolas radiofônicas visando toda a região (Peixoto Filho, 2003). Esse projeto ambicioso de ampliação seguia a senda das iniciativas de Natal e Sergipe.

Na campanha presidencial de 1960, o prelado, já arcebispo de Aracaju, apresentou seu projeto de escolas radiofônicas para Jânio Quadros e também para Henrique Teixeira Lott (Gois Barros apud Nascimento, 2008), que ficou em segundo lugar. Passada a eleição, mas ainda antes da posse, Távora dirigiu-se novamente ao eleito. A carta, posteriormente publicada no jornal A cruzada, tratava especificamente do programa de educação de base.

Quis a Providência Divina que eu ficasse no âmago da questão, por força da circunstância, e assim, fosse escolhido para escrever-lhe em nome de muitos, a fim de abrir a última etapa de uma caminhada vigorosa e redentora em que V. Exa., como Chefe do Governo, não poderá deixar de ser uma figura principal do comando (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 149).

Nessa apresentação que o arcebispo faz dos atores políticos envolvidos, o tom de modéstia e de valorização da posição do presidente é protocolar, mas demonstra a relevância dos setores implicados. Depois de tecer apreciações e justificativas a respeito das condições de miséria no campo e do caráter prioritário que deveria ter o seu enfrentamento, o prelado prosseguia:

Diante dessas considerações, Senhor Presidente, o episcopado brasileiro, somando-se a outros setores da vida nacional, dos quais se destaca de maneira especial O Cruzeiro - que já vinha preocupado com este problema e em cujo nome também falo -, deseja lhe entregar esta bandeira de extraordinária grandeza humana, qual seja, a de libertar esses milhões de irmãos nossos de seus males, a partir dos males da ignorância, num gesto equivalente a uma segunda abolição da escravatura (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 149).

Descontado um eventual exagero retórico, essa passagem é significativa por menções importantes. O ‘episcopado brasileiro’ aparece unido a outros setores, e é dado destaque a um veículo de comunicação de prestígio e abrangência nacional ‘em cujo nome’ alegava falar o religioso, demonstrando acertos prévios entre determinadas esferas. A revista O Cruzeiro, naquele país de analfabetos, era de elite e revestia-se de um tom de modernidade. Servia, no caso, pelos dois aspectos, como uma espécie de chancela, de aval de um setor mais avançado da sociedade que, entretanto, estava distante do discurso de esquerda.

Após tais indicações de envolvidos, contudo, Távora deixaria muito claro quem, realmente, estaria à frente da empreitada:

Posso-lhe adiantar que os planos estão estudados; o sistema está encontrado; as experiências-piloto, lançadas anteriormente para uma expansão posterior a todo o Brasil, já plenamente coroadas de êxito; o pessoal técnico está em treinamento; a mobilização nacional, organizada e permanente para o ‘Movimento’, pode ser feita especialmente pelo episcopado, sem nenhuma dúvida (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 149-150, grifo do autor).

Ou seja, o controle e a operação, quase que total, estariam com a CNBB e, particularmente, naquela conjuntura, com os bispos do Nordeste. Restava a questão do financiamento, e nesse sentido a missiva expõe um aspecto importantíssimo da relação Estado/Igreja. Segundo Távora, não haveria “[...] necessidade de verbas especiais por parte do Governo Federal, bastando, apenas, aplicação das que se destinam à alfabetização e educação de adultos e adolescentes, que foram sempre verbas orçamentárias subestimadas sem sistema nem rendimento, como V. Exa. sabe” (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 149-150). O arcebispo refere-se a uma transferência de recursos públicos já previamente destinados a uma das funções precípuas do Estado, a educação. Parte dessas verbas, então, passaria a ser gerida e aplicada em um programa sob responsabilidade da Igreja Católica, instituição de direito privado, que, ancorando-se em sua relevância social, apresentava-se como o agente mais eficiente para efetivar tal função.

O presidente eleito respondeu afirmando encarar como “[...] oportuna a auspiciosa cooperação às conclusões da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que escolheu Vossa Excelência como altíssimo intérprete” (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 151). Dizia já conhecer a experiência piloto de educação radiofônica de Sergipe e que considerava objetivos os planos para estendê-la ao país. “Condizendo, na sua estrutura, com a emergência nacional, recomendarei aos órgãos próprios do governo o estudo deles para que incorporem suas sugestões à política oficial de alfabetização de milhões de brasileiros” (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 151). Destacam-se três pontos significativos: o tom, embora sem deixar de ser entusiasmado, é mais cauteloso do que o do seu correspondente; além disso, a CNBB, de quem Távora seria o ‘intérprete’, era eleita como interlocutora e parceira, colocando a colaboração em termos mais institucionais; por fim, um aspecto que escapa ao escopo de análise deste artigo, mas que deve ser citado: o presidente falava em alfabetização, quando os objetivos do MEB eram mais ambiciosos, tratando-se do combate ao analfabetismo como um passo inicial no rumo da consciência e da liberdade individual.

Na resposta, também havia menção à revista citada pelo arcebispo: “Tenho como importante fator de êxito a ajuda que a carta de Vossa Excelência registra, de um órgão que penetra todo o país, como O Cruzeiro” (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 151). Por fim, a promessa: “Tão logo me emposse, mobilizarei a colaboração que me oferece” (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 151). Comentando essa troca de correspondências, Távora dizia estar, então, “[...] representando a direção do organismo nacional do episcopado brasileiro e [...] alguns outros grupos do maior valor” (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 152). A presença da CNBB e dos outros grupos de ‘valor’ seria a garantia não só de uma execução competente, mas também isenta dos propalados perigos esquerdistas. É o que parece transparecer de outro comentário do prelado. Ele elogiava a ‘vibração’ do presidente em relação ao tema da educação, sobretudo dos ‘irmãos camponeses’. Acrescentava, a seguir, que o MEB pretendia “[...] ser a chave de um momento novo para as nossas áreas subdesenvolvidas, rumo a uma trilha para a libertação social a que a nossa gente tem direito. O convênio do episcopado com o Presidente da República é o tom de segurança desse caminho a percorrer” (A cruzada, 1960 apud Nascimento, 2008, p. 153). Após a menção de inequívoco sentido social progressista, eram lembrados os termos seguros em que o caminho estava sendo pavimentado.

Quadros, logo no início do governo, efetivamente atendeu à demanda. O convênio, ajustado anteriormente entre o ministro da Educação e Cultura, Brígido Tinoco, e a CNBB, por quem respondia o secretário geral, dom Helder Câmara, estabelecia as bases para o cumprimento do Decreto nº 50.370 (1961), publicado no diário oficial da União em 22 de março do mesmo ano.

Concretizando a proximidade: análise do Decreto Presidencial 50.370

O decreto “Dispõe sobre um programa de educação de base, e adota medidas necessárias à sua execução através de Escolas Radiofônicas nas áreas subdesenvolvidas do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do País a ser empreendida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil” (Decreto nº 50.370, 1961)8. Perceba-se que o instrumento foi estabelecido no âmbito da presidência, pois, de acordo com o artigo referido no documento (de número 87, inciso I, da Constituição de 1946, então vigente), competiria ‘privativamente’ a este “[...] sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução”.

Essa menção é importante porque corrobora, em grande medida, o que se veio argumentando acerca da função da proximidade do poder, entre círculos de elite. Travava-se, na sociedade brasileira do período, um grande debate, envolvendo intensamente também a Igreja, em torno das questões relativas à educação, que culminaria na LDB, tramitada no Congresso durante 13 anos e publicada ao final de 1961. A despeito disso, a institucionalização do MEB deu-se por via de convênio/decreto resultante de um arranjo mais direto entre Poder Executivo e cúpula católica. De parte do governo, havia um embasamento jurídico amparado na prerrogativa presidencial e, portanto, garantia de legitimidade. Do ponto de vista do protagonismo da Igreja, o próprio texto do documento legal permite se perceber alguns aspectos que esclarecem a questão.

Já no primeiro artigo, o decreto afirma que o “Governo Federal ‘prestigiará’ o Movimento de Educação de Base (MEB)”, o qual será “[...] ‘empreendido’ pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil nas áreas subdesenvolvidas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste” (Decreto nº 50.370, 1961, grifo nosso). O uso dos verbos no imperativo, típico de tal instrumento legal, e no tempo futuro, segue ao longo do documento. No caso de ‘prestigiará’, parece ter o sentido de chancelar a ampliação de um projeto tido como exitoso, pela “[...] experiência adquirida e os resultados já apresentados pelas Escolas Radiofônicas [...]”, conforme observado nas considerações iniciais. Também chama a atenção o protagonismo conferido ao movimento, que a expressão será ‘empreendido’ demonstra. Isso é reforçado pelo artigo seguinte, no qual é previsto que o MEB “[...] ‘executará’ um plano quinquenal 1961-1965 durante o qual ‘instalará’ 15.000 (quinze mil) Escolas Radiofônicas em 1961 e, nos anos subsequentes, ‘tomará’ providências necessárias para que a expansão da rede escolar radiofônica seja sempre maior do que a do ano anterior” (Decreto nº 50.370, 1961, grifo nosso). Ou seja, há uma evidente ação de delegação de função pública para a CNBB, sobre quem recairia toda a parte executiva.

Quanto às despesas, o artigo terceiro assegurava que, “Para ocorrer às despesas de 1961, o Governo Federal determinará aos órgãos que participam deste programa que destaquem de seus orçamentos verbas no montante de Cr$ 414.300.000,00 [...]”, que estaria “[...] à disposição do MEB mediante cotas bimestrais fornecidas por antecipação” (Decreto nº 50.370, 1961). Para os exercícios subsequentes (1962-1963-1964 e 1965), segundo o artigo quarto, “[...] os órgãos cooperadores mencionados no Artigo 8º deverão incluir nas respectivas propostas orçamentárias as dotações ‘específicas’ e ‘necessárias ao atendimento do plano do MEB’” (Decreto nº 50.370, 1961, grifo nosso). O tom de colaboração irrestrita, por parte do governo, permanece na sequência. O artigo de número 6 facultava, ao Conselho Diretor Nacional do MEB, “[...] solicitar ao Presidente da República a ‘requisição’ de funcionários federais para serviços julgados indispensáveis aos objetivos do Movimento” (Decreto nº 50.370, 1961, grifo nosso).

O artigo sétimo propiciava ao MEB “[...] estabelecer convênios com órgãos públicos federais [...] ‘cuja colaboração seja considerada necessária para a execução de seus programas e planos de ação’ [...], os quais deverão ser submetidos à apreciação do Presidente da República” (Decreto nº 50.370, 1961, grifo nosso). Para além da mera avaliação presidencial, e tornando o texto um pouco menos genérico, o oitavo artigo apontava para as prioridades e as possibilidades de parceria com setores específicos do governo:

Colaborarão com o MEB os seguintes setores da administração pública federal, [...]

  1. a) o Ministério da Educação e Cultura especialmente pela Campanha Nacional de Educação Rural, pela Campanha Nacional de Educação de Adultos, pela Campanha Nacional de Merenda Escolar, pela Campanha de Erradicação do Analfabetismo e pelo Sistema Radio educativo Nacional;

  2. b) o Ministério da Agricultura especialmente pela Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, pelo Departamento Nacional de Produção Vegetal, Departamento Nacional de Produção Animal, Serviço de Informação Agrícola, Serviço de Economia Rural, Instituto Nacional de Imigração e Colonização;

  3. c) o Ministério da Saúde pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais especialmente seu Serviço de Educação Sanitária, pelo Serviço Nacional de Educação Sanitária e pelo Departamento Nacional da Criança;

  4. d) o Ministério da Aeronáutica pelos Serviços de Transportes da Força Aérea Brasileira; e) o Ministério da Viação e Obras Públicas pela Comissão Técnica de Rádio, pelo Departamento Nacional dos Correios e Telégrafos, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento;

  5. f) serão considerados órgãos cooperadores, ainda, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, o serviço Social Rural, a Comissão do Vale do São Francisco e a Superintendência da Valorização da Amazônia (Decreto nº 50.370, 1961).

Além da inequívoca disposição de colocar diversos setores do governo a cooperar com o movimento, o artigo também evidencia uma ambição que vai muito além da alfabetização. O envolvimento de tantas áreas da administração pública parece corresponder às pretensões mais amplas da Igreja - aqui, em sintonia com o governo.

Finalmente, o artigo nono determinava que, no prazo de 45 dias, “[...] os órgãos cooperadores nele indicados devem estabelecer convênios com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil” (Decreto nº 50.370, 1961). O encerramento, assim, encaminhava a concretização das ações ao âmbito dos ministérios e da CNBB, selando uma parceria cujos fundamentos eram bem anteriores. O documento, de maneira geral, reforçava a percepção do prestígio do episcopado e da confiança, sobretudo em relação às alternativas de esquerda, na Igreja. Daí essa delegação de uma atribuição do Estado. O decreto, portanto, consiste em um valioso exemplo, entre tantos, da complexa relação interinstitucional aqui explorada.

Considerações finais

Ao longo do texto, buscou-se contemplar um aspecto ainda pouco observado nos estudos sobre o MEB, o dos meandros sociopolíticos que viabilizaram a sua constituição, objetivando se perceber como, no interior de um Estado oficialmente laico, pôde ser construído, justificado e firmado um acordo por meio do qual o governo federal brasileiro financiou um movimento proposto e coordenado pela Igreja Católica.

Se a modernização, ligada ao ideário desenvolvimentista, era uma espécie de espírito da época, permeando toda a sociedade, as visões sobre a questão eram distintas, com a Igreja apresentando algumas especificidades. Essa circunstância estava ligada ao fato de que a Igreja, como instituição, tem características de orientação e de práticas muito próprias, o que ajuda a se contextualizar sua posição na conjuntura do período.

A partir da configuração descrita, abordou-se a agência do catolicismo em âmbito governamental, ou seja, a capacidade de influência - nos termos em que foi definida aqui- junto ao poder central. Essa possibilidade de ação, como se tentou demonstrar, estava intimamente ligada ao posicionamento do episcopado como grupo de elite, portanto, como interlocutor privilegiado. Trata-se de um ponto fundamental à argumentação geral deste artigo, a esclarecer algumas minúcias sobre as aproximações entre os principais agentes governamentais e religiosos envolvidos na oficialização do movimento.

Finalmente, analisou-se o documento que representou a culminância oficial do processo de constituição do MEB. A linguagem geral e o sentido de suas determinações demonstram, acredita-se, o resultado prático de um processo em que a Igreja, pelos mecanismos analisados, assumiu a direção e execução de um projeto inserido em uma das funções precípuas do Estado: a da instrução elementar.

Aquele que foi um dos movimentos mais relevantes - em termos de mobilização de pessoas - da história da educação popular no Brasil é, recorrentemente, considerado ‘de esquerda’. Isso ocorre pelo caráter engajado de seu discurso, pela efetiva preocupação com a inclusão dos mais pobres na vida econômica e social da parte mais moderna da sociedade. Como esquerdista, foi combatido, em inúmeros momentos de sua trajetória, e teve sua orientação inicial modificada durante a ditadura. Entretanto, há certo paradoxo percebido na constituição do MEB. Ele se instituiu, conforme se tentou demonstrar, por meio de um fluxo de influências percebido entre círculos de elite. Assim, as relações estabelecidas entre o episcopado e instâncias governamentais, notadamente o próprio presidente, demonstram alguns aspectos que podem ajudar a se entender melhor a complexa história dos vínculos entre a Igreja e o Estado brasileiro.

As peculiaridades dos arranjos analisados também permitem se captar algo do intrincado contexto político e social do período. Tratava-se de uma época na qual, a despeito do dramatismo - de resto, justificado - dos diagnósticos acerca da situação dos pobres, imperava, de forma um tanto paradoxal, o otimismo. E isso era fruto de um ambiente permeado de visões de futuro e de projetos que o acercariam da maioria da população. O MEB, indiscutivelmente, era um desses projetos, e a história de sua instauração o torna objeto precioso para se refletir sobre a trajetória da educação no Brasil.

Referências

Adriano, I. G. (2012). O Movimento de Educação de Base em Goiás e o papel dos intelectuais-monitores (1961-1966) (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia. [ Links ]

Alves, K. L. (2020). Venho por meio desta: escolas radiofônicas e cotidiano nas cartas do Movimento de Educação de Base em Pernambuco (1961-1966). Revista Brasileira de História da Educação, 20. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e107Links ]

Azevedo, D. (2004). A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Estudos Avançados, 18(52), 109-120. Recuperado de: http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10027Links ]

Bastos E. R. (1984). As Ligas Camponesas. Petrópolis, RJ: Vozes. [ Links ]

Beozzo, J. O. (2001).Padres conciliares brasileiros no Vaticano II: participação e prosopografia - 1959-1965 (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Carlos. [ Links ]

Bruneau, T. (1974). O catolicismo brasileiro em época de transição. São Paulo, SP: Loyola. [ Links ]

Cellard, A. (2008). A análise documental. In J. Poupart et al. (Ed.), A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos (p. 295-316). Petrópolis, RJ: Vozes . [ Links ]

Chaves, L. G. B. (2008). Entre o evangelho e a revolução: ações educativas realizadas na cidade de Cratéus‐CE, no período de 1964 a 1971, sob a orientação de Dom Antônio Batista Fragoso (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. [ Links ]

Decreto nº 50.370, de 21 de março de 1961. (1961). Dispõe sobre um programa de educação de base através de escolas radiofônicas; convênios estabelecidos entre a CNBB e o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério da Saúde e a Comissão do Vale do São Francisco, 1961. Recuperado de: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-50370-21-marco-1961-390046-publicacaooriginal-1-pe.htmlLinks ]

Decreto nº 52.267, de 17 de julho de 1963. (1963). Dispõe sobre um programa de educação de base e adota medidas necessárias à sua execução através de Escolas Radiofônicas nas áreas subdesenvolvidas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e em outras áreas em desenvolvimento do País a ser empreendida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Recuperado de: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-52267-17-julho-1963-392602-publicacaooriginal-1-pe.htmlLinks ]

Fávero, O. (2004). MEB - Movimento de Educação de Base. Primeiros tempos: 1961- 1966. In Anais do 5º Encontro Luso-Brasileiro de História da Educação. Recuperado de: http://www.forumeja.org.br/files/meb_historico.pdfLinks ]

Fávero, O. (2006). Uma pedagogia da participação popular. Análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas, SP: Autores Associados. [ Links ]

Ferraro, A. R. (2019). Igreja e desenvolvimento: o Movimento de Natal (R. A. Peixoto, org.) (2nd ed. rev. e ampl.). Natal, RN: Jovens Escribas. [ Links ]

Gonzalez, J. A. (2011). Cultura, educação popular e transformação social nas formulações do MEB e do CPC (1961-1964) (Dissertação de Mestrado). Universidade de Campinas, Campinas. [ Links ]

Ioris, R. R. (2017). Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista. São Paulo, SP: Paco Editorial. [ Links ]

Kadt, E. (2007). Católicos radicais no Brasil. Brasília, DF: UNESCO/MEC. [ Links ]

Klaus, V. (2011). Desenvolvimento e governamentalidade (neo)liberal: da administração à gestão educacional (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. [ Links ]

Moraes, R. (1995). Celso Furtado: o subdesenvolvimento e as ideias da Cepal. São Paulo, SP: Ática. [ Links ]

Moraes, R. (2005). Nota sobre a economia do desenvolvimento nos “vinte e cinco gloriosos” do pós-guerra. Cadernos CEDEC, 76, 1-58. Recuperado de: http://www.cedec.org.br/files_pdf/CAD76.pdfLinks ]

Nascimento, I. (2008). Dom Távora, o bispo dos operários: um homem além do seu tempo. São Paulo, SP: Paulinas. [ Links ]

Paiva, M. M. (1992). Igreja e renovação: educação e sindicalismo no Rio Grande do Norte (1945-1964)(Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. [ Links ]

PeixotoFilho, J. P. (2003). A travessia do popular na contradança da educação. Goiânia, GO: Ed. da UCG. [ Links ]

Prado, M. E. (2008). Os intelectuais e a eterna busca pela modernização do Brasil: o significado do Projeto Nacional-desenvolvimentista das décadas de 1950-60.História Actual Online, 15, 19-27. Recuperado de: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2546980Links ]

Raposo, M. C. B. (1982). Movimento de Educação de Base - MEB: discurso e prática: 1961-1967 (Dissertação de Mestrado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. [ Links ]

Rocha, M. O. F. (2011). Movimentos sociais: ação sócio-política na região de Picos a partir da ação sócio‐educativa do Movimento de Educação de Base MEB, no período de 1985 ‐ 1995 (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife. [ Links ]

Rodrigues, E. D. (2009). Estratégias argumentativas na construção do discurso ideológico: um estudo da produção didático-pedagógica do MEB (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. [ Links ]

Rodrigues, M. E. C. (2008). Enraizamento da esperança: as bases teóricas do movimento de educação de base em Goiás (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Goiás, Goiânia. [ Links ]

Romano, R. (1979). Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo, SP: Kayrós. [ Links ]

Santana, G. S. (2011). A guinada da igreja progressista em Sergipe: o bispado de Dom José Vicente Távora (1958-1970) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão. [ Links ]

Santos, A. M. (2014). A interiorização da educação popular em Pernambuco (1956 a 1964): Nazaré da Mata (Mata Norte), Palmares (Mata Sul) e Caruaru (Agreste) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife. [ Links ]

Seidl, E. (2017). Uma elite pouco (re)conhecida: o episcopado brasileiro. Tempo Social,29(3), 35-60. Recuperado de: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.125886 [ Links ]

Souza, C. M. (2006). Pelas ondas do rádio: cultura popular, camponeses e Movimento de Educação de Base/MEB (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. [ Links ]

Souza, J. J. V. (2002). Círculos operários - a Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: EdUFRJ. [ Links ]

Wanderley, L. E. W. (1984). Educar para transformar: educação popular, Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base. Petrópolis, RJ: Vozes . [ Links ]

1Dados biográficos dos bispos podem ser encontrados em Beozzo (2001). Especificamente sobre Távora, vejam-se Nascimento (2008) e Santana (2011). Neste estudo, limitou-se às informações que contribuam à análise.

2Osmar Fávero pertenceu ao Secretariado Nacional do MEB desde sua criação até maio de 1966. O trabalho citado foi por ele apresentado como tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1984, e o de Kadt, elaborado como tese de doutorado na Universidade de Londres e publicado originalmente em inglês, pela Oxford University Press, em 1970.

3Podem-se citar, a título de exemplo: análise do impacto do MEB em âmbito local, Raposo (1982); relações entre educação e sindicalismo, Paiva (1992); uso do rádio e as interações entre educação e cultura popular, Souza (2006) e Alves (2020); interações entre estudo, evangelização e prática política, Chaves (2008); bases teóricas do movimento, Rodrigues (2008); práticas socioeducativas em sua articulação com a política, Wanderley (1984); estratégias argumentativas presentes nos materiais didáticos, Rodrigues (2009); persistência do MEB nas décadas de 1980-90 e sua ação socioeducativa, Rocha (2011); aproximações e distanciamentos do MEB em relação ao Centro Popular de Cultura/CPC, Gonzalez (2011); papel político dos intelectuais monitores, Adriano (2012); e formas de interiorização do movimento, Santos (2014).

4O trabalho de Ioris (2017) apresenta uma síntese das discussões sobre a temática do desenvolvimentismo. Para uma análise da construção do discurso desenvolvimentista e sobre as relações entre educação e desenvolvimento, ver, entre outros, Moraes (1995, 2005), Prado (2008) e Klaus (2011).

5Os Círculos operários, associações de trabalhadores de orientação católica, surgiram no Brasil na década de 1930. Foram um dos resultados do maior envolvimento do catolicismo laico na discussão das mazelas sociais, desde os anos 1920, sob inspiração de pensadores católicos referenciais, como Jacques Maritain, originando vários grupos inspirados pela Igreja, como a Liga Eleitoral Católica, a Associação de Universitários Católicos e a Ação Católica Brasileira. Tal movimento teve efeito também no interior da classe trabalhadora, resultando na criação dos Círculos Operários e, mais tarde, na Confederação Brasileira dos Trabalhadores Cristãos. Sobre o tema, pode-se consultar Souza (2002).

6As Ligas Camponesas foram associações de trabalhadores rurais criadas inicialmente em Pernambuco e, mais tarde, em outras regiões do Brasil. Promoveram intensa atividade política entre meados dos anos 1950 até o golpe de 1964. Muito se publicou sobre o tema, e um livro de síntese é o de Bastos (1984).

7Um minucioso estudo da atuação do SAR encontra-se em Ferraro (2019).

8Em 1963, ele seria alterado pelo governo João Goulart (Decreto nº 52.267, 1963), aumentando a área de abrangência do Movimento.

Como citar este artigo: Bilhão, I. A., & Klafke, A. A. D. Igreja, Estado e educação: uma análise da constituição do Movimento de Educação de Base (MEB). (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e153 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 09 de Agosto de 2020; Aceito: 03 de Novembro de 2020; Publicado: 22 de Dezembro de 2020

*Autora para correspondência. E-mail: ibilhao@unisinos.br

Isabel Aparecida Bilhão é doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS). Professora e Pesquisadora no PPG em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Vice-líder do grupo Currículo, Memórias e Narrativas em Educação - CNPq. E-mail: ibilhao@unisinos.br https://orcid.org/0000-0002-2299-1429

Álvaro Antônio Klafke é doiutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS). Analista pesquisador em História no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). E-mail: klafkealvaro@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-8663-8923

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra (UERJ) E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons