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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 08-Jan-2021

https://doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e156 

Artigo Original

Estudantes lutando pela liberdade: a resistência e o combate à ditadura, Piracicaba/SP - 1964 a 1982

Students fighting for freedom:the resistance and the fight against dictatorship, Piracicaba/São Paulo - 1964 to 1982

Estudiantes luchando por la libertad:la resistencia y la lucha contra la dictadura, Piracicaba/SP - 1964 a 1982

Rodrigo Sarruge Molina1  * 
http://orcid.org/0000-0002-4033-6049

1Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil.


Resumo:

Essa análise está inserida no campo de estudos da História da Educação e tem como objeto de pesquisa a resistência do Movimento Estudantil da cidade de Piracicaba/SP contra o golpe civil-militar de 1964 e a ditadura. Compreende-se que embora o Movimento Estudantil piracicabano tenha suas particularidades, ele estava conectado com as principais questões nacionais do período e, espera-se ter demonstrado sua contribuição para fomentar a contra hegemonia, a reorganização da União Nacional dos Estudantes e a abertura democrática no Brasil. O referencial teórico e metodológico é o materialismo histórico dialético que auxiliou no trabalho de investigação com fontes primárias localizadas principalmente no Arquivo público do Estado de São Paulo e da Universidade de São Paulo.

Palavras-chave: movimento estudantil; golpe de Estado de 1964; ditadura civil-militar; União Nacional dos Estudantes (UNE)

Abstract:

This analysis lies in the area of studies of the History of Education and its research objective is the resistance of the Student Movement in the city of Piracicaba, state of São Paulo, against the 1964 civil-military coup and the dictatorship. It is understood that although the Piracicaba Student Movement had its particularities, it was connected to the main national issues of the period and we hope to demonstrate its contribution to encourage counter hegemony, the reorganization of the National Student Union and the transition to democracy in Brazil. The theoretical and methodological framework is the dialectical historical materialism that assisted in the investigation work with primary sources located mainly in the Public Archives of the State of São Paulo and the University of São Paulo.

Keywords: student movement; 1964 coup; civil-military dictatorship; National Students Union (UNE)

Resumen:

Este análisis se inserta en el campo de los estudios de Historia de la Educación y tiene como objeto de investigación la resistencia del Movimiento Estudiantil de la ciudad de Piracicaba/SP contra el golpe de estado civil-militar de 1964 y la dictadura. Se entiende que aunque el Movimiento Estudiantil piracicabano tenga sus particularidades, estaba conectado con los principales problemas nacionales de la época y, se espera que haya demostrado su contribución para fomentar la contra hegemonía, la reorganización de la Unión Nacional de Estudiantes y la apertura democrática en Brasil. El marco teórico y metodológico es el materialismo histórico dialéctico que ayudó en el trabajo de investigación con fuentes primarias ubicadas principalmente en los Archivos Públicos del Estado de São Paulo y de la Universidad de São Paulo.

Palabras clave: movimiento estudiantil; golpe de estado de 1964; dictadura civil-militar; Unión Nacional de Estudiantes (UNE)

Considerações teórico-metodológicas

O referencial teórico-metodológico utilizado para a análise do objeto de estudo - os estudantes piracicabanos resistindo e combatendo à ditadura - é baseado no materialismo histórico dialético, especialmente na escola italiana gramsciana (Gramsci, 2002).

Portanto, na busca pelo entendimento da trajetória da História do Movimento Estudantil, em Piracicaba, propusemo-nos a investigar as relações entre os diversos estudantes na cidade de Piracicaba (o local) com a sociedade brasileira sob a ditadura (o nacional). Apontamos o esforço e a tentativa de articular as particularidades do objeto analisado, em nível microscópico (protestos e congressos) no interior paulista, com a visão telescópica nos quadros complexos e gerais que estruturavam a sociedade brasileira entre os anos de 1964 a 1982.

Logo, não foi possível compreender o Movimento Estudantil em Piracicaba isoladamente, pois grande parte das dinâmicas piracicabanas são reflexos de suas relações com outras regiões de dentro e fora do Estado de São Paulo, bem como seus determinantes culturais, políticos, ideológicos e econômicos. Em suma, o singular não existe sem o universal, da mesma forma que o universal não se estabelece sem as múltiplas e contraditórias relações singulares (Molina, 2016)

Os materiais empíricos primários desta investigação1 estão baseados em fontes encontradas no campus da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, como são os acervos do Museu da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) e do Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz” (CALQ). Também consultamos os acervos do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), Centro Cultural Martha Watts da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e arquivos particulares. Na capital paulista, foram examinados os acervos do Centro Sérgio Buarque de Holanda e o Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Desses acervos, foram coletados para a produção desse artigo: documentos datilografados pelos estudantes do CALQ, transmissões de fax entre políticos, fotografias, jornais e os documentos do extinto Departamento de Ordem Política e Social [DOPS].

Introdução

Em 2020 completam-se 56 anos do ‘golpe de 1964’, um dos períodos mais traumáticos da História do Brasil. Segundo Fico (2008), o governo democraticamente eleito de João Goulart foi deposto pelos militares auxiliados pelo governo dos Estados Unidos e apoiados por setores civis, especialmente setores médios, pela burguesia e pelas igrejas. Na época, os militares golpistas justificavam as operações como o único caminho para restabelecer a ordem no Brasil diante da crise econômica e o crescimento de movimentos sociais populares. Tais movimentos eram acusados de serem comunistas e estarem tramando, junto a ex-União Soviética (URSS), uma revolução anticristã em solo brasileiro, ainda que provas do suposto plano internacional de “invasão” do Brasil e destruição da família tradicional nunca tenham sido apresentadas (Dreifuss, 1981).

A resistência ao golpe e à ditadura foi protagonizada pelos sindicatos, setores progressistas da igreja, artistas, grupos clandestinos, guerrilheiros, intelectuais, professores e jornalistas. Pesquisas recentes também demonstram a importância das associações de bairros, favelas (Pestana, 2018), comunidade LGBTQ+2, mulheres e movimento negro na luta pela volta da democracia (Pires, 2018). Outro grupo de extrema importância, que é o foco deste artigo, é o Movimento Estudantil, composto pelos jovens organizados principalmente na União Nacional dos Estudantes (UNE). Nos 21 anos de ditadura, o movimento estudantil teve diversas fases de lutas, os períodos de radicalização, desorganização, reorganização, ação popular, guerrilhas e clandestinidade. Nesses diferentes momentos, sofreram brutal repressão que resultou na destruição da sede da entidade estudantil, assassinatos, prisões e torturas (Sanfelice, 2008).

Embora o movimento estudantil tenha se destacado na resistência e militância durante a ditadura, os estudantes vinham travando suas lutas desde antes do golpe de 1964. No período pré-golpe, destacam-se os debates sobre a reforma universitária promovidos pela UNE de 1961 a 1963, no contexto das ‘reformas de base’ e com uma ‘UNE voltante’ que, junto ao Centro Popular de Cultura [CPC], percorria todo o Brasil disseminando movimentos de cultura popular.

Em decorrência da hegemonia de tendências políticas e ideológicas da esquerda entre 1956 a 1964, conhecida como ‘a UNE à esquerda’, esses estudantes sofreram perseguição da direita e da extrema-direita ideológicas e políticas. Foi nesse período pré-golpe, mais precisamente em março de 1964, que se registrou o ‘sequestro’ de um estudante em Piracicaba por forças reacionárias que o denunciam para a polícia como elemento comunista. O caso ‘Marcomini’, como ficou conhecido o episódio, foi estudado na tese de doutorado do autor (Molina, 2016) e demonstrou que a repressão antidemocrática já ocorria muito antes da instauração da ditadura3.

Após o golpe de abril de 1964 e o incêndio criminoso da sede da UNE no Rio de Janeiro, o movimento estudantil radicalizou-se e passou a combater a ditadura. Nesse contexto, as teses da UNE eram permeadas por um referencial teórico marxista, anti-imperialista e buscou-se realizar uma aliança estratégica e tática com os camponeses e operários visando a derrubada do regime antidemocrático (Sanfelice, 2008).

Embora a UNE tenha sido colocada na ilegalidade, em 1964, o ápice dos confrontos com a ditadura foi em 1968, quando o Ato Institucional 5 (AI-5) foi instaurado. Nesse contexto de exceção, o Movimento Estudantil sofreu forte refluxo, com diversas dificuldades de operar na clandestinidade. Um exemplo claro dessas dificuldades foi a realização do 30o Congresso da UNE em um sítio em Ibiúna, interior paulista, resultando na prisão de ao menos mil estudantes.

Esses ataques culminaram em desorganização, desarticulação e divisão do Movimento Estudantil. No entanto, apesar da perseguição, os estudantes continuaram atuando na clandestinidade contra o regime antidemocrático e passaram a fomentar alianças programáticas com os movimentos de trabalhadores da cidade, do campo e alguns setores progressistas da igreja, especialmente os ligados à Teologia da Libertação (Sanfelice, 2008).

Uma vez contextualizados os quadros gerais do Movimento Estudantil no Brasil, os próximos tópicos irão se atentar para as particularidades do movimento no interior paulista, especialmente na cidade de Piracicaba. Para facilitar nossa exposição, a análise foi dividida cronologicamente por décadas, o que condiz com a dinâmica dos movimentos de estudantes dessa cidade localizada na região de Campinas.

Anos 1960 - rebelião caipira contra o golpe civil-militar

A cidade de Piracicaba foi um dos palcos de maior importância para o Movimento Estudantil brasileiro, reunindo oposições, rebeliões e dois grandes congressos durante a ditadura, que foram fundamentais para a rearticulação dos estudantes em nível nacional e para fomentar as lutas pelas ‘Diretas Já’. Localizada no interior paulista, entre 1964 e 1982, a cidade já era um dos polos universitários mais complexos da América Latina, contemplada com os campi da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Metodista (Unimep). Em decorrência desse capital cultural, educacional e científico, a cidade teve importância na vida universitária nacional com considerável movimentação estudantil, que, aliás, já registrava, desde o início do século XX, organizações estudantis como o Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz” (CALQ), fundado em 1909 (Molina, 2016).

Durante o ‘regime militar’, uma das singularidades do Movimento Estudantil piracicabano foi proporcionada pela existência do CALQ. Esse centro acadêmico operou normalmente durante os 21 anos de ditadura, ao mesmo tempo em que ocorria forte repressão contra o Movimento Estudantil no Brasil com o fechamento de outros centros acadêmicos e a proibição da UNE.

Compreende-se essa particularidade por quatro fatores:

1. foi um dos únicos centros acadêmicos ‘autônomos’ com sede física própria fora do campus universitário ecom mais de 500 associados4;

2. grande parte de seu público de alunos e ex-alunos era composto por parcela expressiva dos empresários e grandes proprietários rurais que haviam contribuído para o golpe, junto de setores médios conservadores (políticos, militares e profissionais liberais);

3. em alguns momentos, teve intervenção dos professores da ESALQ/USP;

4. apoio e alinhamento político com os golpistas de abril de 1964 e os primeiros anos da ditadura, embora houvesse oposição interna (Molina, 2016).

No entanto, com o aprofundamento da ditadura, muitas forças civis que antes apoiaram o golpe de 1964 passaram a criticar o regime militar e a se organizar politicamente para a retomada da democracia, que estava sequestrada desde abril de 1964 pelos diversos atos institucionais e decretos-leis dos generais. Para isso, em 1966, foi criada a ‘Frente Ampla’ (1966-1968),que aglutinava diversas forças políticas, desde Carlos Lacerda (UDN) até João Goulart (PTB), e também contava coma presença de forças religiosas, jornalísticas, artísticas e estudantis. O CALQ, em Piracicaba, também não passou inerte por essa tentativa de retorno da democracia no Brasil, que ainda sofresse com os resultados problemáticos na economia e com uma repressão crescente na gestão ditatorial do general Castelo Branco (Gaspari, 2014).

Na antiga sede do CALQ, no centro de Piracicaba, esses encontros da ‘Frente Ampla’ ocorriam muitas vezes com a presença de convidados especiais, como o deputado e líder do MDB, Mario Covas, e os ex-presidentes com os direitos políticos cassados, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. Segundo documentos, espiões do regime militar sempre se faziam presentes nas palestras e, como forma de ironizar a presença policial, os estudantes ‘faziam questão’ de cumprimentar o inspetor Paulo de Camargo, o delegado Joseph Cella (DEOPS) e o tenente Alfredo Mansur (SNI) pelas suas ‘secretas’ presenças no CALQ (Herrmann Netto, 1996).

Foi nesse quadro de resistência à ditadura que o Movimento Estudantil caipira organizou a grande passeata do dia 21 de setembro de 1966, quando programaram sair das escolas e universidades para se encontrarem na praça José Bonifácio, bem no centro da cidade. O ato foi organizado como protesto à prisão de 176 colegas na capital paulista em 7 de setembro5, quando secundaristas reunidos na União Estadual dos Estudantes (UEE) sofreram violência policial (Polacow, 2014).

Após o encontro na praça central, haveria grande passeata unificada pelas principais ruas da cidade. Ao mesmo tempo, a ditadura decretou a ilegalidade da passeata pacífica e determinou a coibição dos atos estudantis deslocando militares da cavalaria do 5º Grupamento de Canhões Antiaéreos do Exército de Campinas para Piracicaba. Em vista da desproporcionalidade de forças, a igreja resolveu amparar os estudantes dentro da catedral localizada na praça, graças à intervenção do progressista dom Aníger Melillo (Polacow, 2014).

Já com os ânimos acalmados, e para a surpresa dos militares, os estudantes saíram de dentro da igreja com a proteção do bispo Aníger Melillo6, que saiu à frente dos estudantes como escudo humano. A esse grupo, somaram-se outros religiosos e populares nas ruas para a realização da passeata, desafiando a cavalaria do Exército e a polícia. Esse ato tornou-se um símbolo de resistência contra a ditadura em Piracicaba em 1966, contexto que já era violento com perseguições, prisões, torturas e assassinato de opositores políticos7 (Arns, 1985).

Após o episódio, o grupo de estudantes e populares conseguiram realizar a passeata sob forte tensão e vigilância. No dia seguinte, em 22 de setembro, após assembleia, os estudantes publicaram uma nota no jornal de Piracicaba em que comemoravam o sucesso da passeata e lançaram um voto de louvor a dom Aníger Melillo, então bispo da diocese de Piracicaba e também ao apoio popular que ‘empreenderam pela compreensão’ da causa estudantil, ‘possibilitando a maiúscula vitória’. No mesmo documento, manifestaram repúdio às atitudes autoritárias das forças policiais da ditadura e conclamavam assembleia geral permanente dos ‘Universitários de Piracicaba’ (Universitário de Piracicaba, 1966).

Para além de Piracicaba, em 1966, a igreja mineira também amparou os estudantes no 28° Congresso da UNE, realizado na clandestinidade no porão da Igreja São Francisco de Assis, em Belo Horizonte. Na ocasião, o mineiro José Luis Moreira Guedes foi eleito presidente da entidade com uma nota de repúdio à submissão do Ministério da Educação ao governo dos Estados Unidos, o famigerado MEC/USAID (Santana, 2007).

Em 1968, após o assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, pela ditadura, em março daquele ano, manifestações de massa passaram a ganhar as ruas, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde parte da população começou a aderir às passeatas, sempre reprimidas pela polícia militar. No interior paulista, as coisas não eram diferentes, conforme relatou João Herrmann Netto8, um dos ex-presidentes do CALQ e futuro prefeito de Piracicaba. Em entrevista, relatou que em 1968 os estudantes de Piracicaba também foram reprimidos por realizarem manifestações pacíficas contra a ditadura, principalmente no dia da passeata realizada em solidariedade ao colega assassinado no Rio de Janeiro, o estudante secundarista Edson Luís, que foi baleado no peito pela Polícia Militar dentro do Restaurante Central dos Estudantes, antigo ‘Calabouço’ (Herrmann Netto, 1996).

Entre 1966 e 1968, uma das resistências mais combativas da sociedade civil contra a ditadura foi o movimento estudantil, que também ajudou na organização e agitação da célebre Passeata dos Cem Mil na capital do extinto Estado da Guanabara. Ao mesmo tempo, atentados terroristas eram “[...] praticados por uma organização criminosa paramilitar de extrema-direita, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), composto por estudantes e policiais de direita, financiados por grandes grupos capitalistas e com claro apoio da ditadura militar” (Antunes & Ridenti, 2007, p. 82).

No movimento estudantil, esses violentos grupos de extrema-direita eram organizados especialmente na Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. No dia 3 de outubro de 1968, assassinaram com arma de fogo o estudante José Carlos Guimarães e balearam outros três na famosa Batalha da Maria Antônia, quando os estudantes da USP, ligados à esquerda, foram atacados pelos estudantes da Mackenzie ligados ao CCC. Pesquisas indicam que o assassino foi Osni Ricardo, membro do CCC e do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) (Brasil, 2014).

Porém, mesmo com a repressão oficial e paramilitar, os estudantes não deixavam de resistir à ditadura e insistiam em realizar debates democráticos. Segundo Herrmann Neto (1996), na década de 1960, houve muitas outras manifestações dos estudantes piracicabanos, como a luta pela reforma universitária, o repúdio ao decreto-lei nº 477, conhecido como o AI5 das Universidades, que previa a punição de professores, alunos e funcionários suspeitos de subversão contra o regime, inibindo a produção do conhecimento livre e crítico e também a participação no congresso clandestino da UNE em Ibiúna em outubro de 1968.

Anos 1970 - repressão e resistência no interior

Após a instauração do AI-5, o Estado brasileiro passa a radicalizar na eliminação da oposição política e instaurou o arrocho salarial contra a classe trabalhadora. Beneficiados com grandes empréstimos internacionais do Banco Mundial, graças ao alinhamento político e ideológico com Washington, os ditadores puderam fomentar o famoso ‘Milagre brasileiro’, quando a economia crescia e o povo se embebecia (Toussaint, 2019).

O ufanismo patriótico era alimentado pela máquina de propaganda do Estado, por meio da Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), colaborando para um forte clima de apatia social em todas as regiões do país. A população estava entretida com samba e futebol, enquanto a classe média era feliz com seus modernos eletrodomésticos (Matos, 2008).

Ao mesmo tempo que a seleção conquistava seu título mundial de 1970, a guerrilha rural do Araguaia era desmantelada. Em Piracicaba não foi diferente, quando Luiz Hirata, também conhecido pelos colegas da ESALQ como ‘Lua’, precisou fugir da escola, justamente no seu último ano do curso de agronomia. Por conta da forte repressão, Hirata, que fazia parte da resistência da Ação Popular (AP), precisou entrar na clandestinidade, o que não impediu sua detenção e tortura na sede do DEOPS na capital paulista. Não resistiu aos ferimentos e faleceu em 16 de dezembro de 1971 (Miranda & Tiburcio, 1999).

Apesar das severas consequências, isso não significou o fim do Movimento Estudantil em Piracicaba. Como podemos notar na fotografia abaixo (Figura 1), em 1974, os estudantes de Piracicaba realizaram protestos contra a visita do ministro da Educação Jarbas Passarinho à cidade. Na ocasião, as principais pautas eram relativas à necessidade de maiores investimentos na educação pública e contra o regime ditatorial. Durante os atos realizados na praça José Bonifácio, foi denunciada a presença de infiltrados da polícia que procuravam compelir radicalismos entre os estudantes, pois assim seria possível identificar as lideranças, o que facilitaria as investigações dos órgãos de inteligência para posterior repressão ao movimento estudantil9 (Campos, 2012).

Fonte: Campos (2012)

Figura 1 Movimento estudantil piracicabano em 1974 

O ano de 1974 foi importante para a resistência piracicabana, pois, no mesmo ano desses protestos estudantis, foi oficializado o movimento de contracultura de cartunistas por meio de uma exposição internacional. Trata-se do famoso Salão Internacional de Humor de Piracicaba que, ainda em atividade, se utiliza das artes plásticas e do desenho de forma crítica, visando a satirização do status quo. Na época, o conteúdo foi caracterizado por uma ditadura decadente composta por forças militares e grandes empresários. O salão internacional foi idealizado por iniciativa de piracicabanos apoiados por grandes artistas de destaque nacional como Henfil, Ziraldo, Millôr Fernandes e Jaguar (Albuquerque, 2014).

No entanto, embora o clima fosse de abertura, a repressão continuava a todo vapor. Em 1975, os professores da ESALQ/USP -Oriowaldo Queda, Rodolfo Hoffmann e Ondalva Serrano foram denunciados pelo diretor Salim Simão e o chefe departamental Joaquim Engler como críticos à ditadura e favoráveis à democracia e à reforma agrária. (Elias, 2004). Embora esse grupo de professores tenha sido delatado para os aparatos de repressão, conseguiram sair com vida. Mesma sorte não teve o jornalista Vladimir Herzog10, que foi assassinado na sede do DOPS nesse mesmo ano.

Como podemos observar na fotografia abaixo, encontrada nos arquivos secretos do DOPS, em São Paulo, diante desse quadro facínora do regime, o CALQ organizou protestos públicos. Um desses atos foi articular com a Igreja Católica a realização de uma missa de sétimo dia em homenagem a Herzog, o que despertou a ira dos aparatos de vigilância, pois tratava-se de um ato público ilegal, mesmo que dentro de um espaço sagrado.

Fonte: Dops (1975).

Figura 2 DOPS vigiando estudantes de Piracicaba na missa  

A fotografia acima (Figura 2) mostra a preocupação especial dos espiões com o deputado João Pacheco Chaves (MDB), registrado na foto com o número 1 marcado com caneta vermelha sobre o paletó de cor clara, e o estudante Antônio Felix Domingues, fichado com o número 2 sobre a camisa branca, na época, presidente do CALQ da gestão de 197511.

Segundo reportou o detetive que espionava os estudantes, a missa foi encomendada pelo CALQ e consagrada pelo bispo dom Aníger Maria Melillo, na catedral de Santo Antônio, contando com a presença de estudantes, políticos e populares (Dops, 1975).

Após o ato religioso, o estudante Waldecir Florencio, do terceiro ano de agronomia, distribuiu alguns folhetos às pessoas que se encontravam à porta da Catedral. Em um desses panfletos estava escrito que “[...] o professor Herzog, que também era jornalista, ‘faleceu’ em condições estranhas nas dependências do II Exército, em São Paulo, no sábado passado” (Dops, 1975, grifo do autor).

No entanto, embora os espiões estivessem vigiando a missa, a maior preocupação era investigara articulação do movimento estudantil piracicabano com os movimentos nacionais de paralisação das universidades em protesto ao assassinato de Herzog. Segundo reportou o agente do DOPS, em novembro de 1975, as paralizações tinham atingido 14 universidades, mas em Piracicaba somente alunos da ESALQ aderiram entre os dias 31 de outubro e 3 de novembro12 (Dops, 1975).

Analisando esses documentos do DOPS, pudemos constatar que, especialmente após o AI-5 de 1968, ocorreu uma grande operação de identificação de elementos supostamente ‘subversivos’ com o objetivo de realizar a denominada ‘limpeza nacional’, um ciclo repressivo que durou até os últimos dias da ditadura militar. Essa atividade militar e paramilitar também contou com o apoio de empresários civis, como o grupo Folha e Ultragaz, que fomentaram vários artifícios de espionagem, desde filmagem e fotografia de protestos, até escutas telefônicas de lideranças e infiltração de policiais disfarçados de estudantes nas escolas e universidades, muitas vezes com a colaboração dos funcionários das instituições educativas e científicas.

Esse projeto repressivo gerou as famosas ‘listas’ que eram compartilhadas entre os diferentes comandos militares com os nomes de estudantes e professores que deveriam ser vigiados, constrangidos ou eliminados. Recorrentemente, os órgãos de inteligência da ditadura, uma vez de posse desses nomes, pressionavam as direções das universidades para perseguir e suspender os fichados e impedir que fossem aprovados em outros concursos públicos e vestibulares, “[...] a fim de se eliminar a influência da esquerda” (Motta, 2014, p. 157).

Essa repressão também foi sentida nas manifestações culturais, como a vigilância contra o Teatro Universitário “Luiz de Queiroz” (TULQ), que dificultou os ensaios e espetáculos artísticos dos estudantes, pois a censura também operava no meio acadêmico com prisões, aposentadorias compulsórias e até mesmo apreensão de livros. No entanto, apesar do patrulhamento, os estudantes não se intimidavam e organizavam diversas apresentações com a classe artística piracicabana e nacional, o que possibilitou a celebração de peças teatrais, exposições e concertos musicais. Exemplo disso foram as presenças ilustres de Raul Cortez, do conjunto MPB4, e até mesmo de Gilberto Gil. Alguns desses espetáculos ocorriam no anfiteatro da sede do CALQ no centro de Piracicaba e a renda obtida era revertida para a manutenção da sede do centro acadêmico (Calq, 1975).

Anos 1980, ‘falência’ do regime e a retomada da organização estudantil: o 32º Congresso da UNE em Piracicaba

Ao fim dos anos 1970 e durante a década de 1980, algumas personalidades, instituições e organizações civis responsáveis pelo apoio ao golpe civil-militar de 1964 e a ditadura estavam insatisfeitas com a gestão econômica e política da ditadura, e até setores burgueses conservadores iniciaram a sua separação do bloco de apoio ao regime (Netto, 2014). O endividamento e o aumento da desigualdade social no país13colaboraram para a articulação de forças políticas que tencionaram a abertura democrática do país (1974-1988), o processo de anistia (1979), a assembleia constituinte (1987-1988) e culminaram na eleição direta de 1989. Contudo, todos esses processos foram controlados de modo conservador pelos generais pela via ‘lenta, gradual e segura’14, perpassando as gestões dos presidentes militares Geisel e Figueiredo e do civil Sarney.

No entanto, do ponto de vista político, “[...] não foi a força da oposição a impulsionadora da distensão, antes, ao contrário, foi sua fraqueza” (Motta, 2014, p. 326). Em outras palavras, após o extermínio dos grupos combativos de esquerda e a domesticação das divergências moderadas dentro da estrutura de poder orquestrada pelos militares (MDB), os generais sentiam-se mais seguros para abrir o planalto para os civis, desde que alinhados à ordem.

Nesse contexto de abertura política, a cidade de Piracicaba, por meio de sua prefeitura, a Unimep e movimento estudantil, contribuiu para estruturar a reorganização do movimento estudantil e oposições15 de nível nacional.A cidade ofereceu amparo e infraestrutura para o funcionamento de dois grandes congressos da UNE entre os anos de 1980 e 1982 realizados em Piracicaba, quando a cidade acolheu dezenas de milhares de estudantes de todo o Brasil.

Embora os eventos fossem celebrados pacificamente, ameaças terroristas com bombas eram realizadas pelo grupo CCC (Comando de Caça aos Comunistas) que produziam panfletos e realizavam ligações telefônicas que ameaçavam explodir bombas durante os eventos públicos da UNE em Piracicaba (Vicentini, 2014).

Fonte: Ameaças não impedirão... (1980).

Figura 3 Imprensa de Piracicaba noticia ameaças terroristas 

Em nível nacional, essas táticas terroristas ficaram famosas com o atentado do ‘Rio Centro’ em 1981, quando militares do exército pertencentes a grupos ‘linha dura’ pretenderam realizar ataques com bombas contra as oposições que estavam celebrando com milhares de populares o Dia do Trabalhador no Rio de Janeiro (Sallum, 1994).

Conforme podemos ver na imprensa de Piracicaba (Figura 3), em 1980, ao mesmo tempo em que a tensão era elevada com as ameaças de atentados à bomba, as residências do bispo metodista Oswaldo Dias da Silva e do professor José Américo Morelli16 foram invadidas violentamente, o que determinou a criação de esquemas de segurança entre professores, religiosos e estudantes. Os grupos de Piracicaba encarregados da segurança do 32º Congresso da UNE tinham especial preocupação com o reitor Elias Boaventura da Unimep e sua família, que tiveram a segurança reforçada diante das ameaças e atos concretamente efetivados pelas forças terroristas.Isso não significou nenhum tipo de recuo, pois como afirmou Boaventura “[...] se pretendemos nos firmar como universidade alternativa e hoje já intranquilizamos a cidade, temos que caminhar para perturbar o Estado e incomodar o país” (Ameaças não impedirão..., 1980).

Embora o regime estivesse em distensão, essas agressões provam que um setor ainda resistia contra a volta da denominada ‘abertura democrática’. Como consequência, ataques, principalmente contra professores da Unimep e religiosos metodistas, ocorreram para intimidar o processo político que estava em negociação.

Junto da violência simbólica com a demolição do prédio da UNE no Rio e as ameaças de atentados terroristas do CCC nos congressos, os aparatos de repressão temiam a reorganização dos estudantes e destacaram para Piracicaba uma equipe para espionar as movimentações estudantis e acadêmicas.

Conforme apontam documentos dos arquivos do DEOPS, os agentes policiais realizaram uma série de levantamentos sobre a organização do congresso da UNE de 1980 por cerca de dois meses. Muita coisa foi monitorada, como as refeições, os delegados estudantis e os observadores do evento, o transporte e até mesmo a divisão sexual das hospedagens que era organizada pela ‘Comissão de Alojamento’, que congregava os acadêmicos da Unimep (DCE e reitoria) e do CALQ. Segundo os policiais reportaram, estava prevista a participação de 35.000 delegados da UNE, deste total, 3.500 seriam abrigados em prédio da prefeitura municipal em colchões de espuma doados pela prefeitura, 7.500 seriam alojados em repúblicas de estudantes e 24.000 seriam hospedados dentro do campi Centro e Taquaral da Unimep, em casas de populares, em hotéis e pousadas e no conjunto residencial dos estudantes da ESALQ (moradia), conhecida como ‘Casa do Estudante’, que também abriu suas portas voluntariamente para o evento (Dops, 1980a).

Por meio de infiltrados no DCE/Unimep, os policiais constataram que além da reitoria da Unimep, a Fundação Municipal de Ensino (FUMEP) e a Câmara dos Vereadores de Piracicaba também estavam amparando o movimento estudantil, fornecendo ônibus de companhias particulares e municipais e também a Guarda Civil Municipal (GCM) para a proteção contra eventuais distúrbios que preocupavam os organizadores do evento.Essa preocupação fez o presidente da UNE, Ruy César Costa Silva, estar em audiência com o secretário da Segurança de São Paulo solicitando segurança para o evento, visto que ameaças terroristas da extrema-direita ocorriam com frequência. Conforme o documento expõe, a UNE “[...] reivindicaria do Sr. Secretário a presença de técnicos em explosivos durante o Congresso” (Dops, 1980b).

Sob tensão, o 32º Congresso da UNE ocorreu e contou com a participação de 4 mil alunos de todo o Brasil e América Latina, diferente dos números da polícia que previa mais de 35 mil estudantes. Os jovens estudantes foram acolhidos pelos piracicabanos que, graças ao apoio da prefeitura da gestão do prefeito Hermann Netto, tiveram “[...] à sua disposição todos os espaços da cidade - do Teatro Municipal ao Ginásio de Esportes e salas da Câmara Municipal” (Vicentini, 2014, p. 347).

É nesse período que o movimento estudantil inicia sua reorganização nacional, depois de ser colocado na ilegalidade pelo golpe de 1964 (Sanfelice, 2008). Ao mesmo tempo que a antiga sede da UNE17 na praia do Flamengo era demolida pelo presidente militar João Figueiredo, esses universitários elegiam, em Piracicaba, Aldo Rebelo como novo presidente no 32º Congresso da UNE em 1980.

Fonte: Diehl (2012).

Figura 4 Abertura do congresso da UNE no Estádio Municipal. 

Conforme retratado na fotografia acima (Figura 4), artistas nacionais apoiaram o congresso e se deslocaram para Piracicaba para a realização de apresentações musicais em claro apoio aos estudantes e à redemocratização do país. No dia da abertura do evento, estiveram no palco João Bosco, Gonzaguinha, Ivan Lins, Elba Ramalho, Sá e Guarabira. Estava prevista a participação de, no mínimo, 7 mil civis nessas apresentações no Estádio Municipal ‘Barão de Serra Negra’ (Dops, 1980c).

O 34° Congresso da UNE em Piracicaba de 1982: abertura em marcha, vigilância reforçada.

Embalados pela lei da anistia, as greves no ABC paulista, a crise econômica que atingia em 1982 com uma inflação acumulada de 99,7% ao ano18 e o despopularizado governo militar do general João Figueiredo, a UNE resolveu aproveitar a reaglutinação das forças progressistas e a experiência positiva do Congresso de 1980 para realizar novamente em Piracicaba uma segunda versão do congresso nacional com as mesmas forças e estruturas da Unimep e prefeitura municipal ainda sob gestão de João Hermann. Os mesmos problemas de 1980 se repetiram: ameaças de bombas e detenção de alguns estudantes e jornalistas (Elias, 2004).

Fonte: Jursys (1982).

Figura 5 Ginásio municipal de Piracicaba tomado de estudantes. 

Conforme podemos observar nas fotografias (Figura 5 e 6), ao mesmo tempo em que bandas de protesto do rock nacional eram formadas em Brasília como a ‘Legião Urbana’, o inevitável fim do regime militar e a esperança de um país democrático eram celebrados pelos estudantes em Piracicaba que portavam diversas faixas e bandeiras provocadoras: “Basta com a corrupção”; “Chega de Biônico”, “Constituinte já”, “Pelo fim do regime militar”; “Pelas amplas liberdades democráticas”; “Contra o governo da fome, repressão e entreguismo”; “Viva os 45 anos de luta pelo ensino público e gratuito” (Vicentini, 2014, p. 343).

Fonte: Jursys (1982).

Fotografia 6 Debates no 34° Congresso da UNE no ginásio municipal 

Ao mesmo tempo em que o evento era realizado em um clima festivo, os estudantes e demais apoiadores jamais imaginavam que uma estrutura de ‘guerra’ era montada nas imediações do evento. Documentos revelados pela jornalista Beatriz Vicentini (Elias, 2004) e revisitados por esta pesquisa revelam que a ditadura montou uma grande estrutura de repressão e inteligência para intervir no evento estudantil, muito mais abrangente que em 1980.

Apesar da aparente tranquilidade proporcionada pelo interior paulista, essas movimentações da repressão contavam com agentes especiais de diversas divisões da ditadura, desde o Exército até as polícias estaduais. Para isso, montaram bases operacionais em diversos locais da zona rural de Piracicaba, próximos à área urbana.

Embora as eleições presidenciais fossem ocorrer somente em 1989 e os militares impusessem uma série de condições para a reabertura democrática, no momento da realização da segunda edição do congresso da UNE em Piracicaba, em 1982, a ditadura já demonstrava seu esgotamento19, o que muitas vezes despertava a ‘ira’ da famigerada ‘linha dura’, resistente aos caminhos democráticos em curso.

Segundo as fontes primárias consultadas nos arquivos do Dops (1982) da capital paulista, oito agrupamentos de repressão, busca e inteligência foram mobilizados e enviados para estudar as movimentações políticas do evento estudantil da UNE em Piracicaba. Na ocasião,em 1982, eram:Agentes do Centro de Informações do Exército - CIE (equipe Meca); Centro de Informações da Aeronáutica - Cisa (equipe ARA); Centro de Informações da Marinha - CIM (equipe Mara); Serviço Nacional de Informações - SNI (equipe Sima); Delegacia de Polícia Federal - DPF (equipe Fifa); Delegacia de Ordem Política e Social - DOPS (equipe OPA); II Exército (equipe SOPA); 11ª Brigada de Infantaria Blindada de Campinas - BDA (equipe Bugre). Estariam envolvidos até arapongas do Ministério da Educação (Godoy, 2014).

Sob comando do general Carlos Tinoco Ribeiro Gomes, do II Exército (Godoy, 2014), as equipes de busca compostas por espiões, carros especiais e agentes armados coletavam informações que eram enviadas para as bases de operações na zona rural piracicabana20, que também concentravam agentes especiais da inteligência da polícia do Estado de São Paulo e das oito divisões das forças armadas acima citadas. Após a coleta e primeira análise, as informações eram transmitidas, via telex, para o IV Comando Aéreo em Viracopos ou enviadas, por malote, para a 11ª Brigada de Infantaria Blindada de Campinas (Dops, 1982).

Os documentos revelados demonstram que os militares batizaram a campanha de ‘Operação Pira’, atuando antes e durante o congresso da UNE com o objetivo de vigiar o Congresso da UNE e as relações dos estudantes com os partidos de oposição ao regime, visto que a cidade de Piracicaba foi ponto de encontro nacional em 1980 e 1982 dos estudantes e demais políticos de resistência à ditadura21.

Umas das principais preocupações dos espiões era relativa às relações desses movimentos de estudantes com as eleições gerais para governadores de novembro de 1982, as primeiras eleições abertas para governadores de Estados desde a imposição do AI-2 em 196522.

Por isso, durante o 34° Congresso da UNE, os agentes estiveram atentos para reuniões paralelas ao evento, procurando vigiar as organizações. A recomendação para a ‘Operação Pira’ era de não conversar com os guardas municipais que protegiam o evento por determinação do prefeito Hermann Netto. Também não deveriam portar identificações militares, fingindo trabalhar como jornalistas. Na visão do general Carlos Gomes, que comandava a campanha, dois terços dos quase 4 mil estudantes presentes no evento de 1982 em Piracicaba eram compostos por elementos subversivos (Godoy, 2014).

Fonte: Jursys (1982).

Figura 7 Votação no 34° Congresso da UNE no Ginásio Municipal 

Compreende-se que esse esquema ‘cinematográfico’ montado pelos militares em Piracicaba tinha dois objetivos principais: em primeiro lugar, influenciar as eleições para favorecer os candidatos ligados à ditadura; e, em segundo, dificultar a abertura democrática, pois setores da extrema-direita militar, também conhecidos como ‘linha dura’, estavam inconformados com o processo de democratização e “[...] buscavam garantir um controle que lhes escapava às mãos” (Elias, 2004, p. 78).

De qualquer forma, como retratado na fotografia acima (Figura 7), o evento estudantil no interior paulista foi mais uma vez vitorioso, pois nessa nova edição, realizado entre 30 de setembro e 3 de outubro de 1982, o 34° Congresso da UNE conseguiu eleger a primeira mulher como presidente da entidade, a estudante de ciências sociais, Clara Araújo, natural de Teofilândia e acadêmica da Universidade Federal da Bahia.

Após os eventos de Piracicaba, o movimento Estudantil continuou lutando para o retorno da Democracia no Brasil. Participaram das ‘Diretas Já’ (1983-1984), da Constituinte (1987-1988) e das primeiras eleições diretas para presidente em 1989, após passados 25 anos do golpe de 1964, os brasileiros puderam escolher nas urnas seu representante máximo.

Considerações finais

Historicamente, o movimento estudantil sempre foi perseguido, reprimido e colocado na ilegalidade no país durante o período da ditadura e no interior paulista, isso não foi diferente. Como apresentamos em nossos referenciais teóricos e metodológicos, constatamos que a cidade de Piracicaba esteve atrelada às lutas nacionais e não era uma ilha isolada.

Entre festas, reuniões estaduais, congressos nacionais e assembleias locais, o Movimento Estudantil de Piracicaba foi extremamente contraditório. Como foi exposto na Seção 3, o Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz” (CALQ) apoiou oficialmente o golpe de 1964, ao mesmo tempo em que ‘arrependido’, também lutou contra a ditadura. A depender da gestão dos centros acadêmicos ou do contexto histórico onde os estudantes estavam inseridos, ora eram reacionários, ora eram revolucionários, assim como outras instituições, como foi a Igreja Católica, que apoiou o golpe de 1964, mas também protegeu os estudantes em seus protestos.

Embora seja historicamente uma cidade conservadora, reduto do Partido Republicano Paulista que influenciou os 30 primeiros anos da República, no decorrer da segunda metade do século XX, a cidade foi se consolidando como um centro universitário, científico e estudantil nacional e protagonizou diversas lutas de resistência ao golpe civil-militar de 1964 e à ditadura. A cidade e seus estudantes, em especial os da Unimep, foram importantes para a reorganização do movimento estudantil no Brasil e contribuíram para fomentar a abertura democrática no país, especialmente na década de 1980, ao mesmo tempo que a repressão não desistia de vigiar e reprimir os estudantes.

Conclui-se que, embora o movimento estudantil do interior tenha suas particularidades, os ‘caipiras’ também foram importantes para a retomada da liberdade no país, seja como resistência ou combate à ditadura.

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1O presente artigo é um desdobramento da tese de doutorado realizada na Unicamp (Molina, 2016). A pesquisa foi aperfeiçoada em 2020 na forma de artigo no interior do Programa de Pós-graduação em Educação da UFES.

2Comunidades formadas por lésbicas, gays, bissexuais, trans e queer.

3O calouro e comunista Marcomini foi detido e entregue por veteranos para a direção da ESALQ/USP, em seu turno, o diretor Hugo Leme delatou o estudante para a polícia (Molina, 2016).

4A sede do CALQ era um prédio de três pavimentos que tinha um grande anfiteatro usado para debates políticos e espetáculos culturais. Segundo Antônio Félix, ex-presidente, cerca de 80% dos estudantes da ESALQ eram sócios da entidade, que contavam com financiamentos do MEC que possibilitavam o oferecimento de planos de saúde e aquisição de impressoras modernas (Molina, 2016).

5Nesse mesmo contexto ocorreu o ‘Massacre da Praia Vermelha’ quando 600 estudantes são confinados e espancados no campo do Botafogo (Siqueira, 2011).

6Dom Aníger Melillo trabalhava em comunhão com a Unimep e a Igreja Metodista em “[...] eventos, concelebrações ecumênicas e atividades de defesa da democracia” (Dana, 2014, p. 172).

7Pelo menos 1.918 prisioneiros políticos atestaram terem sido torturados entre 1964 e 1979 (Arns, 1985).

8Falecido em 12/04/2009, foi prefeito de Piracicaba e cinco vezes deputado federal. Integrou os partidos PMDB, PPS, PSB e o PDT.

9Outro fotógrafo que cobriu as manifestações políticas da época em Piracicaba foi Christiano Diehl que também afirmou: “[...] havia muitos homens da polícia infiltrados nas universidades, principalmente na Esalq [...] Eu tinha um primo que era sargento, no 5º GCan em Campinas, e ele me dizia que havia policiais infiltrados na Esalq, nos movimentos estudantis e DCEs. Era assim que agiam” (Diehl, 2012).

10Diretor do departamento de telejornalismo da TV Cultura. Na época, para acobertar o crime de assassinato, o órgão de repressão forjou uma cena de suicídio (Markun, 1985).

11Chaves foi responsável pela presença de Juscelino Kubitschek na formatura da ESALQ em 1958. Após o fim da ditadura, integrou os quadros do PMDB, colaborando para a difusão do partido em Piracicaba (Pfromm Netto, 2013).

12O documento foi assinado pelo delegado Milton Abrahão Barhum, da delegacia seccional de polícia de Piracicaba, no dia 3 de novembro de 1975 e enviado para a sede do DOPS da capital.

13Sobre o aumento das desigualdades sociais na ditadura militar ver Bastos, Barone e Mattos (2015).

14As propostas lentas e graduais são recorrentes na História do Brasil, como a abolição legal do trabalho escravo, que durou 17 anos. Teve início em 1871 com a ‘Lei do Ventre Livre’ e finalizada com a ‘Lei Áurea’ em 1888.

15Cabe mencionar os movimentos grevistas de 1978 no ABC paulista e o ‘ressurgimento’ do Movimento dos Sem Terras e trabalhadores rurais, organizados principalmente no MST.

16Líder do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) e professor da Unimep.

17O prédio da UNE foi invadido, metralhado e incendiado em 1964. O edifício foi retomado em 2007, ano em que o ex-presidente Lula e a entidade estudantil começaram a negociar a construção da nova sede desenhada por Oscar Niemeyer. Em 2016, junto com as manifestações da extrema-direita contra a Dilma Rousseff, o prédio da UNE voltou a ser depredado.

18Os dados inflacionários foram obtidos da fonte Almanaque da década de 1980 (2016).

19Em 1982, nas eleições estaduais do Rio de Janeiro, a vitória de Leonel Brizola contra o candidato herdeiro da ditadura, Moreira Franco (PDS), sinalizava o esgotamento do regime.

20Sítio próximo à rodovia SP-304, distante 15km do centro. O outro centro de operações, mais próximo do centro, era um sítio no bairro de Ondinhas, próximo ao rio Piracicaba.

21Há registro de que a perseguição no governo de João Figueiredo (1979-1985) também atingiu outros movimentos sociais, como foi o caso do movimento negro (Figueirêdo, 2016).

22De 1965 a 1982, as eleições eram conduzidas pela ditadura por meio de dois partidos da ordem, ARENA e MDB.

Como citar este artigo: Molina, R. S. Estudantes lutando pela liberdade: a resistência e o combate à ditadura, Piracicaba/SP - 1964 a 1982. (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e156 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 15 de Junho de 2020; Aceito: 18 de Julho de 2020; Publicado: 08 de Janeiro de 2021

*Autor para correspondência: E-mail: molinaprof@hotmail.com

Rodrigo Sarruge Molina é historiador e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) onde atua no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFES). Realizou Pós-doutorado em Fundamentos da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), doutorado e mestrado em Educação na área de Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (FE/UNICAMP). E-mail: molinaprof@hotmail.com https://orcid.org/0000-0002-4033-6049

Editor-associado responsável: Cláudia Engler Cury (UFPB) Email: claudiaenglercury73@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-2540-2949

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