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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 08-Jan-2021

https://doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e157 

Artigo Original

A Comissão Nacional de Moral e Civismo e a Mocidade Portuguesa:configurações sociais e identidade nacional

National Commission of Morals and Citizenship: social configurations and national identity

Comisión Nacional Moral y Cívica: configuraciones sociales e identidad nacional

Amanda Marques de Carvalho Gondim1  * 
http://orcid.org/0000-0001-9248-9859

1Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.


Resumo:

O artigo procura observar como aspectos da educação se apresentaram no Brasil e em Portugal em períodos históricos de regimes ditatoriais. Um dos discursos proferidos foi o que considerava a importância das tradições e sua manutenção para se atingir um estágio civilizacional superior ao vigente, tendo a educação escolar como principal dispositivo. A metodologia utilizada foi a observação de simetrias na categoria identidade nacional em textos do primeiro presidente da Comissão Nacional de Moral e Civismo [CNMC], no Brasil, e do primeiro comissário nacional da Mocidade Portuguesa [MP], em Portugal. Nos dois casos, foram encontradas afirmações acerca da produção da identidade nacional a partir da valorização das tradições, que deveriam ser preservadas e fomentadas na educação nos dois casos.

Palavras-chave: Comissão Nacional de Moral e Civismo; Mocidade Portuguesa; ditadura; análise comparativa

Abstract:

The article tries to observe how some aspects about education presented itself in Brazil and in Portugal in historical periods of dictatorial regimes. One of the speeches was the one that considered the importance of the traditions and their maintenance to reach a civilizational stage superior to the current one, having the school education like main device. The methodology used was the observation of symmetries in the category national identity in texts of the first president of the National Commission of Morals and Citizenship [CNMC] in Brazil and the first national commissioner of Mocidade Portuguesa [MP] in Portugal. In both cases, statements about the production of national identity were found based on the valorization of traditions, which should be preserved and fostered in education in both cases.

Keywords: National Commission of Morals and Citizenship; Mocidade Portuguesa; dictatorship; comparative analysis

Resumen:

El artículo observa cómo se presenta aspectos acerca de la educación en Brasil y Portugal en períodos históricos de los regímenes dictatoriales. Uno de los discursos pronunciados fue lo que consideraba la importancia de las tradiciones y su mantenimiento para alcanzar una etapa civilizacional superior al vigente, teniendo la educación escolar como principal dispositivo. La metodología utilizada fue la observación de las simetrías en la categoría de identidad textos nacionales del primer presidente de la Comisión Nacional Moral y Cívica [CNMC] en Brasil, y el primer comisionado nacional de la juventud portuguesa [MP] en Portugal. En los dos casos se encontraron afirmaciones acerca de la producción de la identidad nacional a partir de la valorización de las tradiciones, que deberían ser preservadas y fomentadas en la educación en los dos casos.

Palabras clave: Comisión Nacional Moral y Cívica; Juventud Portuguesa; dictadura; análisis comparativo

Introdução

A educação escolar nas sociedades ocidentais apresenta-se no século XX como um importante dispositivo na formação de discursos sociais que interessamaos governos. Portugal e Brasil tiveram ditaduras cuja produção de enunciados legitimaram os regimes impostos. Vários foram os discursos e configurações criados para conferir garantias de sustentação do poder, tentando demonstrar uma aparência democrática aos modelos de exceção. Um desses discursos foi o da identidade nacional existente desde suas origens e a necessidade de preservação das tradições, tendo em vista a retomada da moralidade e civismo.

O objetivo deste artigo é evidenciar aspectos ressaltados pela educação do Brasil e de Portugal para considerar uma identidade nacional. A criação de instituições nos governos de ambos os países revela uma aproximação, na prática, em consolidar, por meios institucionais, o modelo de nação apresentado nos discursos ao longo do tempo.

A educação formal, de âmbito escolar, é o espaço de afirmação da identidade nacional apresentada neste artigo. Apresentar o que os primeiros presidentes das instituições educativas de cada um dos país defendia é o caminho para se identificar quais os anseios da Comissão Nacional de Moral e Civismo, no Brasil, e da Mocidade Portuguesa, em Portugal, acerca de uma história, moldada em ações, a ser preservada e perpetuada na sociedade, não como passado, mas presente e futuro.

Gondim (2018, p. 16) utiliza em sua investigação um percurso metodológico que considera o “[...] indivíduo na condição de sujeito na formação, transformação e afirmação dessa identidade nacional [...] para melhor compreensão das relações estabelecidas de seu povo consigo e com o outro”. É com essa premissa que se apresenta o artigo, abarcando o indivíduo na sociedade onde está inserido, contribuindo e formando uma identidade nacional, utilizando as configurações da educação formal.

Os períodos históricos apresentados em ambos os países serão de ditaduras e sua relação com a educação nesse contexto. No Brasil, a ditadura civil-militar, entre os anos de 1964 e 1985; em Portugal, a ditadura salazarista, entre os anos de 1933 e 1974. Apesar de não coincidir literalmente em tempos cronológicos, as aproximações culturais e de formação de identidade nacional encontraram afinidades, aqui apresentadas. A principal delas foi o discurso religioso no meio educacional e o surgimento de configurações sociais ratificadoras desse discurso.

A educação, portanto, cumpriu uma função extremamente importante na criação e reprodução de identidades nacionais nesses momentos, representando um espaço para afirmação do poder. Concordando com Röhr (2007), o aparato educacional, fomentado pelos governos apresentados, aparece como cerne no atendimento de fins ‘políticos, ideológicos, sociais, econômicos ou religiosos’. O sistema de ensino foi utilizadono Brasil e em Portugal para atender aos interesses políticos dos regimes estabelecidos de forma autoritária e que encontraram nele e em seus sujeitos um meio de sua afirmação e disseminação de afirmações tidas por eles como ‘verdadeiras’ e necessárias ao bom seguimento da sociedade ‘civilizada’.

Os casos brasileiro e português apresentam o componente histórico de terem sido duas ditaduras. Cada uma possuiu suas singularidades. O viés apresentado neste artigo, que tem por base o pensamento de Elias (1994, p. 150), apresenta algumas semelhanças ou aproximações. “Entre as peculiaridades dos regimes ditatoriais figura o desenvolvimento de uma composição social específica dos indivíduos que neles vivem. Eles são sumamente adaptados ao controle externo [...]”. Serão esses mecanismos de controle externo e seus principais atores as chaves para se chegar ao estudo da educação voltada para a formação de uma identidade nacional.

Brasil e Portugal possuem relações centenárias, quer seja pelo processo de colonização, quer seja pela identidade civilizacional construída nos dois países a partir de aspectos em comum. Nas palavras do segundo comissário nacional da Mocidade Portuguesa [MP] e sucessor de Salazar como presidente no Conselho de Ministros do governo português:

Onde quer que pulsava um coração lusíada aí se celebraram com fé ardente os ritos dêsse grande acto de culto patriótico, em cujos momentos culminantes a Nação portuguesa se tornou presença real num grande Império invisível, Império ecumênico, Império do espírito - cujo domínio inefável abrangia de um extremo ao outro da terra, pois a todas as paragens do mundo chegou a ânsia e o esfôrço português!

Em nenhuma parte, porém, fora de Portugal, êsse milagre se produziu com tamanho esplendor como no Brasil. É que os portugueses, aqui, não estão em terra alheia. Portugal não é estrangeiro no Brasil: o pai não pode ser um estranho em casa do filho que amorosamente criou e estabeleceu!

Laços de sangue indissolúveis reforçados por inapagáveis tradições comuns ligam por toda a eternidade as duas Pátrias. O português no Brasil vive numa espécie de estado de graça: a chama do seu lusitanismo afervora-se e cresce do mesmo passo que o amor à terra e ao progresso brasileiro. Nenhum dêstes sentimentos exclue o outro: pode ser-se português de lei e querer ao Brasil como à segunda pátria, porque quando se trabalha e luta em prol da sua civilização está-se implicitamente a honrar e defender a civilização portuguesa! (Caetano, 1941, p. 18-19)1.

Marcelo Caetano considera que o português e, por conseguinte, o mais importante território por ele colonizado possuem aproximações de tal ordem que este se sente em casa estando no Brasil. O apelo às tradições comuns considera a escrita da história de Brasil e Portugal como histórias semelhantes, ao ponto de dizer que os portugueses contribuem para o progresso do Brasil com o mesmo entusiasmo que ao seu próprio país. Seguindo o discurso de Marcelo Caetano, identificamos a aproximação entre os dois países por meio da educação. No entanto, não de maneira imediata e acrítica.

Observa-se a criação de instituições cujo objetivo foi formar a juventude nacional na perspectiva de um futuro glorioso, apontado pelos governos dos dois países. A ditadura salazarista e a ditadura militar aproximam-se em termos educacionais também nesse sentido. Apesar disso, a primeira procurou promover uma relação mais próxima ao cotidiano das crianças e jovens, ao passo que a segunda percorreu exclusivamente os caminhos institucionais das estruturas escolares.

A ditadura salazarista, também conhecida por Estado Novo2, iniciou de fato no ano de 1933 e acabou em 1974, com a denominada Revolução dos Cravos. No Brasil, a ditadura civil-militar foi do ano 1964 ao ano de 1985. Há um período de dez anos que Portugal e Brasil percebem vivendo uma mesma realidade política; antes e depois são verificáveis realidades culturais e sociaiscom alguma proximidade discursiva. Tanto no Brasil quanto em Portugal foram criadas instituições cuja principal função era atuar prioritariamente na educação escolar, tendo em vista esse objetivo. É nesse sentido que a educação se apresenta na condição de locus utilizado para a criação de dispositivos afirmadores dos discursos elaborados pelos governos e seus indivíduos.

A Comissão Nacional de Moral e Civismo [CNMC] foi um órgão criado pelo Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, e regulamentada pelo Decreto nº 68.065, de 14 de janeiro de 1971. O primeiro decreto versava ainda sobre a implantação da Educação Moral e Cívica (EMC) e sua obrigatoriedade em todos os níveis e formas de ensino. O órgão existiu e estabeleceu as normas educacionais do Brasil quanto aos assuntos moralidade e civismo de 1969, quando foi fundado até 1986, extinto pelo Decreto nº 93.613, do D.O.U. de 21 de novembro de 1986.

O primeiro presidente da Comissão Nacional de Moral e Civismo [CNMC] foi gen. Moacir de Araújo Lopes (1969-1970). O primeiro comissário nacional da Mocidade Portuguesa [MP] foi o eng.º Francisco José Nobre Guedes (1936-1940). Tanto um quanto outro foram grandes entusiastas da educação e possuem falas e textos sobre o assunto, além de terem sido os primeiros representantes das instituições educacionais criadas pelos respectivos Ministérios de Educação para disseminar as ideias acerca do modelo de cidadão que cada um dos países deveria ter para elevar ainda mais seu estágio civilizacional. Será feita, portanto, a apresentação de cada uma dessas instituições e seus primeiros representantes, considerando o papel cumprido por eles no sentido de contribuir com a formação de uma identidade nacional.

Configurações, ou figurações, na definição de Elias (2006), são mecanismos criados pelos seres humanos para atender às suas necessidades relacionais. “O conceito de figuração é neutro. Ele pode se referir a relações harmoniosas, pacíficas e amigáveis entre as pessoas, assim como a relações hostis e tensas” (Elias, 2001, p. 155). É na relação entre os indivíduos que se formam as figurações sociais ao longo da história. Sendo produzidas a partir de contextos, possuem características mutáveis, não necessariamente ontológica. O indivíduo só consegue entender a sua individualidade, inclusive, pela percepção relacional proporcionada pelas figurações; nesse sentido, apresentam-se a escola e as instituições diretamente ligadas a ela na condição de configurações sociais.

A ditadura militar no Brasil e a ditadura salazarista em Portugal

Antes de ingressar nas instituições e seus primeiros representantes faz-se mister apresentar os governos políticos do período quando foram criadas e quais seus objetivos acerca da educação em cada um dos países. O ano de criação da CNMC, 1969, foi marcado pelo governo do gen. Médici e o da MP, 1936, do governo de Salazar.O mundo ocidental dos anos 1930 e 1960, apesar de contextos históricos distintos, encontrava-se sob efeito de episódios ocorridos ainda na primeira metade do século XX, a primeira guerra mundial e a revolução russa. Ambos suscitaram anseios e receios, principalmente no Ocidente, culminando com surgimento de ideias e governos que afirmavam não concordar com nenhum dos dois acontecimentos, incorrendo a políticas extremas.

Portugal é um país cuja nomenclatura foi declarada “[...] governo da ditadura nacional” (Paulo, 1994, p. 34) até 1933, sendo considerado “[...] estado novo” (Paulo, 1994, p. 38). Ambos reconhecidos internacionalmente, emergem em uma Europa sob a necessidade de autodeterminação nacional.

O Brasil, apoiado pelos Estados Unidos, promove um golpe de Estado e instaura uma ditadura, mas se esforça durante todo o período em afirmar não ser. Os governos militares no Brasil se apresentaram como uma democracia nacionalista, cuja característica seria a não manutenção de um presidente se perpetuando no poder.

De qualquer modo, mesmo que não se veja o ressurgimento do nacionalismo militante como um mero reflexo do desespero, era simplesmente algo que preenchia a lacuna deixada pelo fracasso, pela impotência e pela aparente inabilidade de outras ideologias, projetos e programas políticos compreenderem as esperanças dos homens (Hobsbawm, 2002,p. 173).

No Brasil, a ditadura militar foi marcada pela alternância de presidentes e de modos como a história os retratou. Eles foram retratados pela forma como conduziram seus mandatos ou pela corrente dentro das forças armadas a qual pertenciam. Assim, o presidente da criação da CNMC era de um grupo considerado ‘linha dura’. Essa maneira de apresentá-lo tem a ver com as posturas tomadas por ele e com o grupo de exército ao qual ele era membro.

Médici já fazia parte do governo antes de assumir o posto de presidente e teve como ministro da Educação alguém que também já participava do governo. Médici havia sido chefe do Serviço Nacional de Informações [SNI] durante o governo do presidente que o antecedeu, gen. Costa e Silva, ao mesmo tempo em que seu futuro ministro da Educação, cel. Jarbas Passarinho, era ministro do Trabalho e Previdência Social. Ao assumir a presidência, em 1969, com ele veio também uma emenda à constituição de 1967, que conferia ainda mais poderes ao executivo; o Ato Institucional3 nº 17, por exemplo, permitia a Médici reprimir qualquer indisciplina militar (Skidmore, 1998, p. 157).

No discurso de sua posse, aludiu a necessidade de diálogo maior com os estudantes o clero, a imprensa etc. (Skidmore, 1998). Foi nesse sentido que ainda naquele ano, junto com o ministro da Educação, criaram as condições para o estabelecimento desse ‘diálogo’ pela educação. Importante considerar que o ‘diálogo’ aqui proposto estivesse muito mais no sentido de um lado falando e o outro escutando e obedecendo do que dois lados de fato falando e ouvindo mutuamente. O seu governo foi marcado por grande repressão, mas também ficou conhecido como o período do ‘milagre brasileiro’, com melhoria salarial e nas condições sociais e econômicas de uma parcela da população brasileira.

Em Portugal, nos anos 1930, o contexto político e econômico havia sido semelhante. A ascensão de Salazar ao cargo de presidente do Conselho Político Nacional, em 1933, marcou o início de sua ditadura e, com ela, uma série de mudanças em vários espaços de poder no governo. Seu governo, ao contrário do brasileiro, não teve alternância de representante; assim, assumiu a função de presidente entre os anos de 1933 e 1968, saindo por questões de saúde, mas sendo consultado nas decisões do governo até sua morte, dois anos depois.

O ministro da Educação, escolhido por ele, Carneiro Pacheco, era vice-reitor da Universidade de Coimbra à época, mas fora deputado por Santo Tirso, em 1918. Possuía estreita relação com setores da Igreja Católica Romana, fato que influenciou no encaminhamento de algumas questões acerca da educação, ao que não se opôs Salazar.O presidente e seu ministro da Educação viam a importância da educação no sentido de corroborar as ideias que o governo ensejava ver reproduzidos na sociedade.

[...] À escola incumbe cooperar com a família na formação integral da juventude, para que cada português seja um homem moral e fisicamente são, destro, competente, mentalidade nova, personalidade útil, sempre amoroso da Pátria e pronto a servi-la em todas as circunstâncias.

Estão feitas ou em preparação as reformas necessárias para que a escola, orientada por um programa educativo bem definido, aliviada de ensinos desperdiçadores da inteligência, defendida do burocratismo e de infiltrações antinacionais, e abertas as janelas para o ar e para o sol vivificador, melhor possa entregar-se à sua sagrada missão.

[...]

Consciência e unidade nacionais, hábitos de coesão e patriotismo militante, disciplina militar, ativa confiança nos destinos de Portugal só poderão vincar-se bem na juventude pela vida de uma organização em que ela caiba até os mais longínquos confins do Império e que, em todos os seus graus e no seu espírito, seja só portuguesa. [...] (Discurso de Carneiro Pacheco em 24 de maio de 1936 apud Arriaga, 1976, p. 131-132).

A educação mostra-se definitivamente fundamental para os rumos que o governo pretende tomar, sendo objeto de preocupação do governo. Justifica-se, assim, o interesse dos governos brasileiro e português na criação de instituições voltadas para estabelecer na educação aquilo que era praticado nas demais esferas do poder nas ditaduras militar e salazarista.

Nesse sentido, embora iniciados em tempos distintos, os governos brasileiro e português aqui apresentados possuem mais simetrias do que dissensos. Concordando com Cruz (apud Paulo, 1994), considera-se terem sido os governos Salazar e militar ditaduras de governo no sentido de que houve muito mais uma administração centralizada pelos serviços policiais, censura e por estruturas corporativas do que uma ditadura capitaneada por grupos ou partidos, como houve na Itália e Alemanha. Ou seja, o que se vivenciou no Brasil e em Portugal foi um governo burocrático ou administrativo “[...] subordinado ao estado, assente numa ideologia conservadora, marcadamente tradicionalista e católica, influenciadora de toda uma ideia nacionalista e autoritária que reveste o discurso do regime” (Paulo, 1994, p. 28).

A Comissão Nacional de Moral e Civismo [CNMC]

A Comissão Nacional de Moral e Civismo [CNMC] surgiu no contexto do regime militar brasileiro e perdurou mesmo depois de findo o governo militar e a volta da democracia. Criada pelo Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969 e regulamentada pelo Decreto nº 68.065, de 14 de janeiro de 1971, era inicialmente um órgão normativo4, posteriormente passou a ser órgão colegiado5 e foi extinta em 19866.

Subordinada diretamente ao ministro da Educação, tinha por competência

  1. a) implantar e manter a doutrina de educação moral e cívica, de acordo com os princípios estabelecidos no art. 3º do Decreto 68.065 (1971), articulando-se, para esse fim, com as autoridades civis e militares, de todos os níveis de governo;

  2. b) colaborar com o Conselho Federal de Educação na elaboração dos currículos e programas básicos de educação moral e cívica;

  3. c) fixar medidas específicas no referente à educação moral e cívica extraescolar;

  4. d) estimular a realização de solenidades cívicas ou promovê-las, sempre que necessário;

  5. e) colaborar com as organizações sindicais de todos os graus para desenvolver e intensificar as suas atividades relacionadas com a educação moral e cívica;

  6. f) convocar à cooperação, para servir aos objetivos da educação moral e cívica, as instituições e órgãos formadores de opinião pública e de difusão cultural, inclusive jornais, revistas, teatros, cinemas, estações de rádio e de televisão, entidades esportivas, de recreação, de classe, e de órgãos profissionais;

  7. g) assessorar o ministro de Estado da Educação e Cultura na aprovação dos livros didáticos, do ponto de vista de moral e civismo;

  8. h) colaborar com os demais órgãos do Ministério da Educação e Cultura na execução das providências e iniciativas que se fizerem necessárias para o cumprimento do Regulamento;

  9. i) articular-se com as autoridades responsáveis pela censura, no âmbito federal e estadual, tendo em vista a influência da educação assistemática sobre a formação moral e cívica;

  10. j) promover o conhecimento do Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969 e do Regulamento, por meio de publicações e impressos, notícias e artigos de jornais e revista, rádio e televisão e por palestras;

  11. l) sugerir providências para a publicação de livros, fascículos, impressos, cartazes ou cartazes de difusão adequada das bases filosófico-democrático-constitucionais prescritas no Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969 e do Regulamento, bem como de trabalho de fundo moral e cívico;

  12. m) sob a forma de resolução, expedir instruções, conclusões de pareceres e outros provimentos necessários ao perfeito cumprimento do Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969 e do Regulamento.

Parágrafo único. O Ministro da Educação e Cultura poderá devolver, para reexame, os pronunciamentos da CNMC que, na forma do Decreto-lei 869 (1969) e do Decreto 68.065 (1971), dependam de sua homologação (Portaria nº 524-BSB, 1972).

A Comissão Nacional de Moral e Civismo propunha-se a ‘colaborar, assessorar e articular-se’com uma série de dispositivos, visando a garantia e o fortalecimento dos valores morais da nacionalidade. Assim, sua disposição seria interagir com organizações sindicais, televisão, rádio, jornais e revistas para que não se pudesse ‘esquecer’ o real significado de brasilidade.

Dessa maneira, o exercício do poder emergia como uma prática necessária à manutenção de uma identidade nacional, que procurava se apresentar de forma ‘natural’. Considerava-se não apenas a educação formal de caráter escolar como formador de ideias e opiniões acerca dos valores morais da nacionalidade, mas outros espaços de veiculação de informações. A CNMC via as organizações sindicais, os jornais, as revistas, os teatros, os cinemas, as estações de rádio e televisão, as entidades esportivas, de recreação, de classe e órgãos profissionais como importantes meios na divulgação dos valores nacionais. Era, pois, uma instituição que identificava em outras a possibilidade de relacionar-se com o objetivo de estabelecer o que seria moralmente aceito como algo genuinamente brasileiro.

Nesse período, a instituição atuou no sentido de atender aos interesses do governo em direcionar a educação das escolas, na disciplina de educação moral e cívica (EMC)7, para uma formação visando a construção de uma identidade nacional. Assim, entre os anos de 1969 e 1986 ocorreram oito Encontros Nacionais de Moral e Civismo, cujo objetivo era o de acompanhar o que estava sendo feito nos Estados com relação à disciplina e orientar os representantes e professores responsáveis por ela nas salas de aula.

A CNMC era um órgão, portanto, regulador da EMC no cotidiano escolar. A EMC era uma disciplina e prática educativa imposta pelo governo, mas sem formação inicial docente para tal. Como alternativa, foram elaborados pela CNMC livros e programas norteadores para que docentes das mais diversas áreas lecionassem e o fomento de condições para existência de professores específicos para a disciplina.

Foi nesse sentido que se formou, em 1985, a primeira turma do curso de pós-graduação em EMC, realizado a distância pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro. Em paralelo ao esforço de formação de professores na disciplina, houve a elaboração de prescrições sobre os currículos e programas básicos, distribuídos pelo Ministério da Educação e Cultura [MEC] em março de 1970. E também a homologação de pareceres dos livros que deveriam ser utilizados nas aulas da disciplina nos mais diversos níveis e modalidades.

Atendendo ao disposto no decreto de inclusão da EMC na vida escolar e da CNMC como dispositivo de regulação daquela, há que se apresentar como finalidades ‘a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade’, por meio do ‘culto à pátria, símbolos, tradições e instituições’. Caberia, portanto, a pessoas ‘dedicadas à causa da educação moral e cívica’ exercer a função de verdadeiros representantes dessa tarefa.

Gen. Moacir de Araújo Lopes

O primeiro presidente da CNMC foi também colaborador na elaboração e desenvolvimento da EMC na ditadura militar. Autor de livros como Cartilha de Educação Moral e Cívica, Bases filosófico-constitucionais da educação no Brasil e Valores espirituais e morais da nacionalidade, fez parte da comissão organizadora do concurso realizado pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1968, para a escolha de um Guia de civismo destinado ao ensino médio.

Quando membro da Escola Superior de Guerra [ESG]proferiu na ESG uma conferência em 16 de julho 1970 cujo título foi ‘A Educação Moral e Cívica no Brasil: perspectivas atuais’8. À época era professor titular de EPB na Faculdade de Humanidades Pedro II e conferencista na ESG, além de ocupar a função de presidente da CNMC. Na sua explanação, dividida em seis tópicos, abordou: conceito de educação; a educação moral e cívica; a legislação atual; a situação atual; perspectivas; conclusão.

No primeiro tópico, considerou duas correntes e suas visões sobre a educação: uma, considerada por ele apenas pedagógica e outra, conscientemente filosófico-pedagógica. Concordando com a importância da segunda, apontou:

Se um dos principais deveres de uma geração é preparar adequadamente a que a vai substituir, através do complexo educacional, é-lhe absolutamente importante definir as bases filosófico-pedagógicas das atividades educativas. Assim o compreendem (e com profundidade!) todos os regimes apoiados em ideologias totalitárias. Só regimes democráticos, entorpecidos ainda pela utopia do liberalismo no campo moral, permitem o abandono da formação do caráter da juventude e consequente descaminho de boa parte dela (Lopes, 1970, p. 1).

Nenhuma pedagogia é neutra, portanto. Deve-se considerar isso à partida para a compreensão de sua defesa em uma educação cujo objetivo maior seria a formação nos moldes de entendimento da identidade nacional. Em uma crítica aos rumos que a educação naquele momento estava seguindo, abordou que, apesar de muitos professores terem recorrido à consideradapedagogia social-radical de John Dewey, alguns ‘valorosos’ não ‘abandonaram’suas convicções filosófico-espiritualistas. Educar, por fim, na sua perspectiva, deveria ser no sentido de desenvolver no educando valores, encaminhando-o ao despertar de elementos positivos que se ‘acham dormentes’ (a exemplo da verdade, justiça, amor, benevolência, solidariedade).

Dentro dessas premissas, a evolução humana, ou seja, o verdadeiro progresso individual e coletivo, nada mais é que um processo educacional, no qual, progressivamente, são reveladas à consciência do Homem aspectos da Realidade do Universo - que é Amor, Sabedoria e Poder. E o conhecimento dessa ‘Verdade’ levará o ser humano à gloriosa liberdade dos filhos de Deus, conduzindo, ‘naturalmente’, aos bens a que a criatura humana tem direito - espirituais, morais e materiais, individuais e coletivos (Lopes, 1970, p. 4, grifo nosso).

Esse processo de ‘naturalização’, proferido em seu texto e reverberado em sua fala nas conferências que resultaram dessa escrita, possuiu uma configuração no sentido de afirmar algumas verdades. Promover no indivíduo o ‘despertar’ de elementos positivos, conduzindo-o à ‘Verdade’, considera a importância como elemento importante no processo civilizador, mas tendo em vista um aspecto eminentemente religioso. Com todas as letras ele afirma a sua compreensão de moral: “[...] ciência que trata do emprego que o homem deve fazer da sua liberdade para conseguir seu fim último [...], na expressão feliz de Julivet. E o fim último do homem é Deus” (Lopes, 1970, p. 5).

Deus não está aqui numa abrangência maior de todas as religiões, mas na ‘verdadeira’ religião, fincada no país pelas tradições desde o início de sua formação. A Igreja Católica Romana é posta na condição de elemento fundante e fundamental tanto na construção do país quanto na da identidade nacional. E seria a EMC que configuraria os sentidos mais abrangentes e específicos da educação, em suas bases filosófico-pedagógicas. Apesar de falar de regimes totalitários, vinculando-os a essas premissas, afirmou que a democracia surgida em Atenas se vinculou ao cristianismo, encontrando o ‘real’sentido de moralidade nos povos ocidentais.

Ao desconsiderar Deus no ensino escolar, interpretando erroneamente no seu entender as pessoas que defendiam o Estado laico, dentre elas, Rui Barbosa9, Lopes (1970) disse que o educando tomou forma de objeto e a educação a ele ensinada nesse modelo também não era neutra. Assim, uma formação que não apresentasse Deus em seu contexto possuía cunho materialista, sem base moral para se sustentar.

Foi para resolver o problema apresentado, além de procurar seguir o disposto na Constituição sobre a explicitude das bases filosóficas espiritualistas, que se seguiu à elaboração de uma disciplina curricular (EMC) e uma instituição para dar suporte. Em contraposição ao ateísmo do marxismo-leninismo deveria se impor valores cristãos e democráticos, sendo o primeiro necessário à manutenção do último.

Considerando esse aspecto, o governo brasileiro após 1964 atuou no que denominava de campo psicossocial e elaborou os decretos que criaram a EMC e a CNCM. Apesar de reiterar em suas falas que a EMC não possui caráter confessional, afirma insistentemente ser religiosa, devendo ser todas ensinadas, ‘sobretudo a católica’, pois que ‘adotada pela maioria dos brasileiros’.

A instituição cujo papel era elaborar mecanismos para instrumentalização dessa disciplina tinha importante poder na configuração educacional brasileira10. O seu primeiro presidente trabalhou constantemente para a viabilidade da disciplina em todas as escolas; tendo em vista naquele momento a ausência de formação acadêmica para lecionar a EMC, foram criados mecanismos à sua garantia com a permissão de profissionais de áreas correlatas, sob a responsabilidade da direção da escola. Para além disso, foi elaborado um documento com os programas e currículos a serem trabalhados na EMC de todos os níveis e modalidades de ensino.

Ainda nas ideias básicas apresentadas no documento há a menção de que a moral e o civismo formando três círculos concêntricos, nos quais o maior seria a religião; o segundo, a moral e o menor, o civismo. Nessa perspectiva encontrava-se a afirmação de que o educando deveria compreender a existência de valores eternos e imutáveis.

Consequentemente, a ‘tradição’, envolvendo valores permanentes e transitórios, deve sempre ser respeitada, propagada quanto aos valores eternos e alterada quanto aos valores em mudança, na direção do verdadeiro ‘progresso’ - espiritual, moral e material, do indivíduo e da sociedade (Brasil, 1970, p. 11, grifo do autor).

Elaborou-se, portanto, um conjunto de programas básicos ao ensino primário, médio e superior considerando essas premissas. A unidade e, por consequência, a identidade nacional estavam voltadas para atingir o objetivo de manter a tradição, mas seguindo na direção do ‘verdadeiro progresso’.

Mocidade Portuguesa (MP)

A Mocidade Portuguesa [MP] foi uma instituição criada pelo Ministério da Educação Nacional [MEN] durante o governo salazarista11, com o objetivo de promover na juventude os ideais pregados pelo Estado, por meio da doutrinação, principalmente o combate ao liberalismo e ao marxismo (Arriaga, 1976). Justificava-se por ser uma entidade nacionalista, baseada na Constituição12 e apoiava-se principalmente no desejo que a ditadura salazarista tinha de canalizar os interesses da juventude pela política para algo de controle do governo (Viana, 2001).

A Mocidade Portuguesa não é um rótulo que nos unifica pelo simples facto de o usarmos. Ela é o conjunto de todos os portugueses que, não tendo ainda entrado na vida, se estão preparando para poderem se integrar numa organização harmônica: A NAÇÃO PORTUGUESA (Ferreira, 1939).

Portanto, legitimado pelo poder do Estado, a MP foi criada para atender à demanda educacional de formação moral e cívica da juventude masculina de Portugal13.A política da ditadura salazarista para a educação no que dizia respeito à moralidade e civilidade estava pautada na manutenção das ‘tradições’. Assim, um dos aspectos da nacionalidade reclamada pelo governo e que deveria fazer parte dessa instituição era a religiosidade.

[...] De forma semelhante se pode interpretar ainda a ‘fé cristã’. Ao mesmo tempo que orienta a acção, também por ela passa a definição de ‘alma nacional’: ser português é ser católico e essa característica permite um comportamento particular e sempre valorizado - o humanitarismo apontado à nossa colonização ligar-se-ia, de resto, a este aspecto (Cunha, 2001, p. 18, grifo nosso).

A MP foi o dispositivo criado para circular os discursos de identidade nacional e unidade territorial e cultural. A educação da juventude seria o caminho para a obtenção de uma sociedade cujos indivíduos possuíssem o ‘caráter’ baseado na ‘ordem, moral’ e ‘disciplina’. Isso deveria ser forjado não de maneira artificial, mas interiorizado no indivíduo, de modo que ele agisse sem ao menos perceber.

Desse modo, inicialmente, a MP era de caráter voluntário a todos os meninos que desejassem fazer parte da instituição; posteriormente, passou a ser obrigatória a filiação, sendo considerada importante em algumas situações do cotidiano escolar14. A MP, portanto, participava de um projeto educativo que visava responder a um problema social e pedagógico (Viana, 2001). Apesar de ser considerada semelhante a outras juventudes surgidas na Europa no mesmo período, a MP utilizava o discurso de não se parecer com nenhuma delas, pois que tinha características nacionalistas próprias.

Uma delas, ao que demonstra Viana (2001), foi a aproximação da instituição com a Igreja Católica. Embora afirmasse em vários documentos não ser uma associação da Igreja Católica, há uma série de demonstrações de sua presença. A criação do cargo de diretor de serviços de formação moral na MP tinha por ocupante um clérigo da Igreja Católica.

O Regulamento da Organização Nacional da MP, publicado em 1937pelo ministro do MEN, Carneiro Pacheco, apresenta a seguinte redação no parágrafo segundo:

A MP cultivará nos seus filiados a educação cristã tradicional do País, nos termos do §3º do artigo 43.º da constituição Política, e em caso algum admitirá nas suas fileiras um indivíduo sem religião (Regulamento da Organização Nacional da MP, 1937).

No Plano das Lições de Formação Nacionalista, a ser ministrada em todos os centros de instrução da MP era conceituada a nacionalidade como um conjunto de famílias que formava uma família maior, com os mesmos antepassados, a mesma história e as mesmas aspirações de futuro. Para tanto, deveria ser preservada uma característica essencial: a unidade moral, como condição essencial para a existência da nação. Ela seria o resultado da consciência e sentimento que o povo teria como grande família solidária nas tradições, alegrias e dores.

A comunhão religiosa, a identidade de raça, a unidade de língua, a afinidade de costumes, a integração num só Estado. Tudo o que é fator da unidade nacional é bendito. Tudo o que desagrega, divide e dissolve a Nação deve amaldiçoar-se, perseguir-se e aniquilar-se (Regulamento da Organização Nacional da MP).

Esses fatores para unidade moral foram apresentados no sentido de ir em busca de um discurso que legitimasse a existência da unidade nacional. Deveria, portanto, recorrer a cada um desses aspectos e trabalhos na educação dos jovens até chegar ao objetivo pretendido.

O 1º Congresso Nacional da MP ocorreu em maio de 1939. Nas Instruções (1937) do Boletim de 1938 havia menção de sua organização, contendo em uma das seções a serem abordadas a temática da Educação Moral da Juventude, dividida em três pontos: o objeto da educação moral; o espírito de disciplina e formação do caráter e o espírito de iniciativa e formação do caráter.

O boletim de novembro de 1940 apontou as conclusões do congresso, com a parte sobre a formação moral escrita pelo padre Manuel Rocha, então diretor dos Serviços de Formação Moral da MP. No seu relatório apresentou as seguintes conclusões acerca do responsável pela formação moral:

Serão normalmente sacerdotes (o pároco, ou seu delegado) os instrutores de formação moral - verdadeiros assistentes religiosos de cada centro [da MP]. Todos eles, pela Circular nº 365, de novembro de 1939, são propostos - para nomeação - ao Comissariado Nacional, pelo Diretor dos Serviços de Formação Moral, depois de se ter entendido com a competente autoridade eclesiástica diocesana (Mocidade Portuguesa,1940, p. 13).

A ‘naturalização’ tratada quanto à religião católica romana pela MP traz consigo a afirmação de uma identificação imediata daquela com a identidade nacional portuguesa. Não se observa a necessidade em justificar a presença de um membro da igreja responsável pela formação moral, portanto.

O comissariado nacional era composto por um assistente nacional para a formação moral, sendo necessariamente um padre proposto pelo cardeal-Patriarca de Lisboa, cujo nome do cargo era Comissário Nacional Adjunto (Arriaga, 1976). A vinculação entre formação moral, entendida como formação para o caráter integral, e a Igreja Católica Romana era tratada como importante pelo fato de ser a igreja a portadora da tradição cristã, tão propalada pelos discursos do governo, mesmo antes da ditadura.

Seria no sentido dessa formação de homens cujo caráter compreende e vive ‘naturalmente’com a consciência de seus deveres com a concepção cristã da sociedade ocidental que a MP deveria atuar. E o caminho para essa unidade nacional e moral caberia à igreja junto à juventude. O primeiro líder dessa juventude não apenas concebia esse discurso, bem como era um importante exemplo para sua afirmação.

Eng.º Francisco José Nobre Guedes

O primeiro comissário nacional da MP havia sido secretário-geral do Ministério da Instrução Pública (posteriormente nomeado MEN) e diretor geral do ensino técnico, além de deputado da nação. Combateu na primeira guerra mundial e foi graduado na extinta Legião Portuguesa; após deixar a função de comissário nacional da MP, foi ministro de Portugal na Alemanha. Seu interesse pela educação ultrapassa a visão da escola, daí ter se interessado em dirigir uma instituição que deveria ser educacional, mas atuar dentro e fora da escola.

A Mocidade Portuguesa não é apenas escolar. Nela cabem todos os pequenos portugueses. Por todas as condições especiais que a escola reúne, ela tem de ser o eixo do movimento. Mas, salvo o papel de cultura que a escola tem, os nossos centros extraescolares serão dotados dos mesmos elementos de educação, sem distinção alguma nos processos de formação. Se a Mocidade Portuguesa não pode ter a pretensão de fazer indivíduos iguais, a igualdade entre todos os seus filiados verificar-se-á no direito às mesmas regalias como no dever das mesmas obrigações (Guedes apudArriaga, 1976).

Nobre Guedes era um entusiasta da educação para a formação de uma sociedade cujas unidades nacional e moral acontecesse de maneira efetiva e não artificializada. O Jornal da MP e o Mocidade Portuguesa Boletim Mensal foram instrumentos para a veiculação das ideias do comissariado nacional criados no ano de 1937. Em ambas as publicações, que deveriam ser de acesso a todos os filiados da MP, encontram-se textos escritos por Nobre Guedes e alguns deles foram também objeto de pronunciamentos em palestras ou conferências.

Na primeira edição do Jornal da MP, há um artigo seu sobre o papel da MP:

A MP é um movimento cuja aceleração nada poderá deter. Em pouco tempo dominará por completo. Nalguns anos abaterá os nichos onde se abrigam ainda os velhos representantes da democracia macabra, mãe legítima do comunismo, como liquidará os filhos tarados desta moderna lepra. Portugal será dêstes novos portugueses, a quem não faltará nunca ânimo e fôrça para o levar, através dos tempos, pelos caminhos do seu constante engrandecimento (Guedes, 1937a, p. 1).

Na Mocidade Portuguesa: Boletim 1937, há como uma continuação da ideia apresentada no jornal do mesmo ano:

Deve ter-se em vista que a organização vincule no espírito da mocidade a necessidade da fé como amparo superior da existência e a moral cristã como norma perfeita de solidariedade humana; o culto da independência da Pátria e da sua unidade territorial; a viva admiração pelas glórias do passado e conhecimento das responsabilidades delas resultantes; a perfeita consciência do levantamento nacional iniciado em 1926; a necessidade social dum governo de força e autoridade; a belesa moral do lema que manda sacrificar o interesse dum ao bem de todos (Guedes, 1937b, p. 2).

Sua defesa na educação portuguesa voltada para a promoção de uma unidade nacional comum é justificada em seus textos por considerar a melhor maneira de desenvolver o caráter. Durante o período em que foi comissário nacional da MP, foram registradas várias atividades cuja iniciativa era a de integrar a MP no cotidiano da sociedade portuguesa. Assim, a MP realizou acampamentos e participava de várias solenidades cívicas.

A participação do Eng.º Nobre Guedes foi de grande contribuição, por fim, para a estruturação filosófica e organizacional da instituição. O Jornal da MP e o Boletim criados significaram instrumentos verificáveis das ideias desenvolvidas e propagadas pela MP em todos os espaços onde ela se propôs participar. Durante todo o seu período como comissário o Jornal da MP veiculou os preceitos a serem seguidos por todos os seus membros; com sua saída, houve a finalização temporária do Jornal, só voltando em 1942.

No período quando ele era o comissário nacional, o Jornal da MP possuiu um caráter principalmente formativo, com textos que remetiam à reflexão da importância da nacionalidade e o papel a ser desempenhado pela MP. Assim, a escolha da publicação do primeiro exemplar na data de 1º de dezembro de 1937, remetia ao dia no qual se comemorava a Restauração Portuguesa de 1640. Na capa, constam não apenas a alusão a esse importante dia do calendário cívico português, mas também na afirmação de ser Portugal a ‘mais velha Nação europeia’ e apresentar a celebração da independência como algo ‘sagrado’.

No editorial dos números subsequentes, há uma série de textos. A primeira, intitulada ‘Formação do caráter’, é publicada em três edições, com os seguintes subtítulos: ‘I - O sentimento da ordem (16/12/1937)’; ‘II - O gosto da disciplina (01/01/1938)’ e ‘III - O culto do dever militar (15/01/1938)’. A outra, dividida em cinco partes, tinha por título ‘Nacionalismo atuante: I (01/07/1938)’, ‘II (16/07/1938)’, ‘III (01/08/1938)’, ‘IV (14/08/1938)’ e ‘V (01/09/1938)’. Tinham por objetivo apresentar aspectos da tradição lusa que formaram Portugal, conclamando a juventude a promover os mesmos feitos ‘abnegados’ de seus antepassados. O mesmo fazia o comissário nacional em seus textos e falas ao se dirigir à MP. Sua importância foi reconhecida de várias formas, a exemplo da sala do centro da MP na Escola Machado de Castro15 com seu nome.

Considerações finais

As ditaduras brasileira e portuguesa, apesar de se tratar de períodos de início e término não coincidentes, em se tratando de educação possuem aspectos que se aproximam. Um deles foi a criação de órgãos cujo objetivo era estabelecer diretrizes educacionais à formação da sociedade do futuro, com base em perspectivas consideradas ‘tradicionais’, porém importantes para a manutenção e avanço dos respectivos países. Assim, a CNMC, no Brasil, e a MP, em Portugal, foram criadas para formar uma cidadania nacional a partir do entendimento de certo modelo de cidadão.

No Brasil, esse percurso foi na elaboração da CNMC, órgão ligado ao Ministério da Educação e que legitimava diretamente a EMC. Regulando um ensino obrigatório em todos os níveis por meio de suas disciplinas compulsórias, promovia nas escolas e universidades preceitos de moralidade e civismo elaborados pela CNMC e ensinados por professores, embora houvesse a defesa de que a EMC extrapolasse os muros da escola e ocupasse outros espaços da sociedade, também considerados educativos. Embora tivesse esse interesse, a CNMC mal conseguiu se firmar na educação formal.

Em Portugal, a criação da Mocidade Portuguesa, embora buscasse exaltar caráter de menor participação docente, via sua legitimação principalmente nas escolas. Tinha caráter extraescolar, não sendo obrigatória a participação da juventude, que precisa se filiar. Apesar dessa ‘liberdade’, meninos não filiados à MP sofriam discriminação na escola e, por não estarem ligados poderiam ser vistos como ‘não nacionalistas’. O intuito em forçar uma filiação não inibiu o crescente número de desfiliações e ausência de novas filiações com o passar dos anos.

Desse modo, o Brasil impôs por meio da educação formal e Portugal buscou impor por meio do controle social. Enquanto no Brasil a EMC era entendida como algo universal a ser ensinado e aprendido em âmbito escolar, a MP diferia masculino e feminino e, apesar de ter a educação cristã como norte, pretendia forjar homens e mulheres de acordo com modelos pré-estabelecidos e aprendidos dentro das instituições juvenis, sob a batuta do Ministério da Educação.

As instituições criadas e seus primeiros representantes foram fundamentais no sentido de fomentar na educação o sentimento pretendido pelos governos. Brasil e Portugal aproximam-se no discurso da identidade nacional no que tange à afirmação de uma unidade moral fundamentada na tradição religiosa. O que se percebe é a afirmação de um elemento aglutinador para o combate ao inimigo comum, o comunismo. Aproximar o sentimento nacional à religiosidade do povo mostra à sociedade que a negação dessa religiosidade significa a negação da nacionalidade. O inimigo é apresentado como ateu, portanto, deveria ser combatido em nome da defesa do próprio país.

É no amparo a uma fé que precede a formação do país e ancorando isso ao futuro civilizacional dos países que a CNMC e a MP formulam e defendem suas ideias. Tanto Moacir de Araújo Lopes quanto Nobre Guedes apresentam discursos cuja ótica de educação encontra-se pautada na manutenção das tradições de fé desenvolvidas culturalmente por meio do uso do poder que a Igreja Católica possuía em ambos os países, mas tratados pelos sujeitos como se fosse algo ‘naturalmente’pertencente ao ser brasileiro e português.

Embora a instituição brasileira tenha se voltado mais para a formação pedagógica docente e a portuguesa, para a discente, é possível observar que ambas tinham caráter legitimador de seus governos e as ‘verdades’por eles apresentadas. Chega-se, então, à conclusão de que, pelo menos inicialmente, por meio de suas finalidades e primeiros representantes, a CNMC e a MP serviram como instrumentos na educação para o fomento de uma moral e identidade nacional consoante ao que o governo almejava.

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1Discurso proferido na sessão solene celebrada no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, em 10 de agosto de 1941.

2Não será utilizada essa expressão, aqui apresentada apenas para efeito de compreensão e percepção de como os dois países possuem pontos em comum. Estado Novo foi considerado, no Brasil, o período governado por Getúlio Vargas, entre 1930-1945.

3Conhecido por AI, foi o mecanismo utilizado pelos governos militares para conferir ‘legalidade’ao golpe civil-militar iniciado em 1964. Houve vários AI durante todo o período da ditadura militar no Brasil.

4De acordo com o Decreto nº 66.967, de 27 de julho de 1970 e publicado no Diário Oficial da União (D.O.U.) do dia 03 de agosto de 1970, cabia à CNMC, assim como os demais órgãos ligados ao Ministério da Educação e Cultura, a normatização dos assuntos referentes à pasta. Assim, caberia a ela decisões e publicação de atos com força de lei.

5Por meio do Decreto nº 87.062, de 29 de março de 1982, publicado no D.O.U. em 30 de março de 1982, a CNMC foi considerada como órgão colegiado. A partir de então, não teria mais poder para assinar decretos; esses deveriam ter a assinatura do ministro da Educação e Cultura para terem validade.

7A EMC possuía nomenclatura distinta nos diversos níveis educacionais. Assim, denomina-se EMC na educação fundamental; Organização Social e Política Brasileira (OSPB), no ensino médio e Estudos de Problemas Brasileiros (EPB), no ensino superior.

8O documento encontra-se datilografado e faz parte do acervo da Biblioteca da ESG, no Rio de Janeiro.

9Segundo Lopes (1970), o próprio Rui Barbosa corrigiu sua autoria da Constituição brasileira de 1891, na qual afirmava que o ensino nos estabelecimentos públicos deveria ser leigo. No texto de Lopes, cita um trecho de discursos dele, considerando que não reclamou a secularização do ensino em prol do ateísmo, muito pelo contrário.

10 Lopes (1970) menciona na conferência que os membros da CNMC possuíam as mesmas concessões que as conferidas aos membros do Conselho Federal de Educação (CFE), órgão responsável por uma série de demandas do MEC.

11 Decreto-lei nº 26.611, publicado no Diário do governo no dia 19 de maio de 1936.

12A Constituição referida aqui é a de 1933.

13Foi criada, posteriormente, a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), mas para atender a outras demandas sociais, distintas das que serviram de orientação para criação da MP. No entanto, em ambas se verificou o sentido de nacionalismo e preservação das ‘tradições’.

14De acordo com Correia (2002), houve um episódio em 1943 no Liceu D. Manuel II no qual um estudante não foi indicado ao prêmio nacional por não ter participado ‘com devoção’ nos trabalhos da MP, pois esse era um dos critérios instituídos pelo MEN.

15Importante Liceu à época situado em Lisboa.

Como citar este artigo: Gondim, A. M. C. A Comissão Nacional de Moral e Civismo e a Mocidade Portuguesa: configurações sociais e identidade nacional. (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e157. Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 15 de Julho de 2020; Aceito: 05 de Outubro de 2020; Publicado: 08 de Janeiro de 2021

*Autor para correspondência: E-mail: amcgondim@gmail.com

Amanda Marques de Carvalho Gondim possui graduação em História, mestrado e doutorado em Educação. É Professora Efetiva da Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco e da Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes. E-mail: amcgondim@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-9248-9859

Editores-associados responsáveis: Evelyn de Almeida Orlando (PUC-PR) Email: evelynorlando@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-5795-943X Alicia Civera Cerecedo (Cinvestav-México) Email: acivera@cinvestav.mx https://orcid.org/0000-0003-0021-2911

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