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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 04-Fev-2021

https://doi.org/10.4025/10.4025/rbhe.v21.2021.e168 

Artigo Original

Trajetória intelectual do Padre Leonel Franca: catolicismo e ensino religioso no Brasil (1908-1948)

Intellectual trajectory of Father Leonel Franca: Catholicism and religious education in Brazil (1908-1948)

Trayectoria intelectual del padre Leonel Franca: catolicismo y educación religiosa en Brasil (1908-1948)

Natália Cristina de Oliveira1  * 
http://orcid.org/0000-0003-4150-278X

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Ponta Porã, MS, Brasil.


Resumo:

O objetivo deste artigo é discutir a trajetória intelectual do padre Leonel Franca (1893-1948) no Brasil. Nossas análises compreendem suas ações religiosas e políticas entre 1908- inserção no seminário da Companhia de Jesus -e 1948- consagração de suas articulações enquanto reitor da PUC. Utilizamos, neste estudo, além de aportes teóricos, fontes documentais, arquivos localizados na Casa da Companhia de Jesus no Brasil - Rio de Janeiro. As realizações do intelectual jesuíta, no âmbito público, foram condizentes à sua formação sacerdotal reverberando ações em defesa do catolicismo. Com o intuito de orientar as novas gerações, pautado no projeto educativo da Igreja, o padre Leonel Franca contribuiu, significativamente, com a estruturação legal do ensino religioso na sociedade brasileira.

Palavras-chave: Companhia de Jesus; catolicismo; Padre Leonel Franca; ensino religioso

Abstract:

The purpose of this article is to discuss the intellectual trajectory of Father Leonel Franca (1893-1948) in Brazil. Our analyzes comprise his religious and political actions between 1908 - insertion in the seminary of the Society of Jesus - and 1948 - consecration of his articulations as rector of PUC. In this study, we used, in addition to theoretical contributions, documentary sources, files located at the Society of Jesus in Brazil - Rio de Janeiro. The accomplishments of the Jesuit intellectual, in the public sphere, were consistent with his priestly formation, reverberating actions in defense of Catholicism. In order to guide the new generations, based on the Church's educational project, Father Leonel Franca contributed significantly to the legal structuring of religious education in Brazilian society.

Keywords: Society of Jesus; catholicism; Father Leonel Franca; religious education

Resumen:

El propósito de este artículo es discutir la trayectoria intelectual del padre Leonel Franca (1893-1948) en Brasil. Nuestros análisis comprenden sus acciones religiosas y políticas entre 1908 - inserción en el seminario de la Compañía de Jesús - y 1948 - consagración de sus articulaciones como rector de la PUC. En este estudio, utilizamos, además de contribuciones teóricas, fuentes documentales, archivos ubicados en la Casa da Compañía de Jesús en Brasil - Río de Janeiro. Los logros del intelectual jesuita, en la esfera pública, fueron coherentes con su formación sacerdotal, reverberando acciones en defensa del catolicismo. Para orientar a las nuevas generaciones, a partir del proyecto educativo de la Iglesia, el Padre Leonel Franca contribuyó significativamente a la estructuración legal de la educación religiosa en la sociedad brasileña.

Palabras clave: Compañía de Jesús; catolicismo; Padre Leonel Franca; educación religiosa

Introdução

Este artigo tem como objetivo discutir a construção da trajetória intelectual do integrante da Companhia de Jesus, padre Leonel Edgard da Silveira Franca (1893-1948). Conhecido como padre Leonel Franca, ou padre Franca, o jesuíta teve intensa atuação política e religiosa, no primeiro cartel do século XX, no Brasil. Estabelecemos, ainda, a necessidade de explicitarmos sua formação vocacional como mote de sua trajetória; apresentarmos articulações da construção de sua rede de sociabilidade enquanto possibilidade de ascensão intelectual; e demonstrarmos as disputas travadas pela Igreja Católica em razão do ensino religioso nas escolas brasileiras.Com sua formação sacerdotal realizada pela ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola, a Societas Iesus (Companhia de Jesus),explanamos - por meio da centralidade das ações empreendidas pelo padre - a forma com que este relacionava a educação e a religião na Igreja Católica, bem como na sociedade brasileira.

Padre Franca realizou seus estudos clericais, enquanto religioso, pela Ordem Inaciana. Permaneceu de 1912 a 1915 na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma e, após isso, além de seus estudos e pesquisas, iniciou trabalho docente no Colégio Santo Inácio - no Brasil. Entre 1920 e 1923, completou, em Roma, seus estudos de filosofia e teologia e voltou a lecionar no Brasil no Colégio Anchieta de Nova Friburgo. Em 1927, no Rio de Janeiro, iniciou sua atuação no Centro Dom Vital como assistente eclesiástico e um dos maiores apoiadores da Ação Universitária Católica - onde estabeleceu, de forma mais concreta, uma rede de sociabilidade com intelectuais religiosos e políticos do período.

Compreendemos que essas primeiras experiências foram definidoras para a incorporação de um habitus jesuítico; a incorporação dos costumes, tradições, aprendizagens e exercícios da tradição consolidada, ao longo da história, pela Companhia de Jesus. Nesse sentido, entendemos que o habitus consiste em “[...] sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações [...]” (Bourdieu, 2009, p. 87), ou seja, seus atos não eram produtos apenas de obediência a regras, mas seus princípios e práticas mostravam-se organizados - conscientemente - para obter fins comuns ao da Igreja Católica.

Sua participação na vida pública deu-se, também, pela grande proximidade ao cardeal dom Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942)1, arcebispo do Rio de Janeiro, um dos principais líderes católicos do século XX no Brasil. A partir das colaborações nos movimentos sociais brasileiros, em 1931, padre Franca começou a atuar no Conselho Nacional de Educação. Tornou-se, ainda, integrante do Instituto Católico de Estudos Superiores, fundado em 1932 pelo Centro Dom Vital, que veio dar existência e significado à proposta de uma universidade católica no Brasil - da qual foi fundador e reitor.

Como embasamento das discussões aqui realizadas, utilizamos fontes de arquivos eclesiásticos e arquivos privados, que consistem sucessivamente em registros paroquiais, processos e correspondências e documentos particulares de indivíduos, famílias, grupos de interesses ou empresas. No que tange aos arquivos eclesiásticos,

As ordens religiosas regulares também produziram, ao longo de cinco séculos, documentação bastante rica, mas novamente, de acesso nem sempre fácil. Os jesuítas, certamente os mais lembrados, têm seu acervo no exterior [...] (Bacellar, 2006, p. 41).

Os arquivos jesuíticos estão, em grande parte, na sede - em Roma (Baccelar, 2006). Estamos de acordo com tal afirmação, porém localizamos documentos pessoais e cartas dos superiores religiosos em fontes disponibilizadas na Casa da Companhia de Jesus no Brasil - Rio de Janeiro. O arquivo dispõe de documentos pessoais ou administrativos de jesuítas, célebres e memoráveis, da história brasileira. Em meio a centenas deles, localizamos documentos e, até mesmo, correspondência antes da ordenação de Leonel Franca.

Desse modo, realizamos levantamentos dos arquivos privados, um acervo das correspondências e anotações do jesuíta. Encontramos diários, cartas pessoais, anotações de viagens, correspondências administrativas, solicitação de doações, rascunhos de livros ainda não publicados, entre tantas outras fontes pessoais que certamente contribuíram de forma fundamental à construção desta pesquisa. Sinalizamos que, ao selecionarmos os documentos, entendemos que muitas informações e dados podem ter sido blindados, pelo padre, pela instituição ou pelo próprio formato de arquivamento de dados, mas nossa compreensão e ofício de pesquisador avançaram em suas máximas possibilidades para analisar com cautela toda a documentação disponível para a realização deste trabalho.

Para a organização de nossa discussão, neste artigo, antes, demonstramos como a formação vocacional de Leonel Franca potencializou o desempenho de suas ações na Igreja; em seguida, apresentamos seu trabalho pastoral junto a dom Leme, em consonância aos escritos religiosos, para atingir a educação desejada de uma sociedade cristã. Por fim, ao entendermos que sua estratégia de atuação se estruturava em uma pedagogia católica, demonstramos suas articulações enquanto defensor assíduo da prática do ensino religioso nas escolas, pautado no método inaciano da ordem jesuítica. Para o entendimento das ações, empreendidas ao longo da vida religiosa e política de Leonel Franca, analisamos o processo formativo de sua trajetória vocacional.

Formação vocacional como marco da trajetória intelectual

Leonel Franca iniciou o período de experiência e aprofundamento na Companhia de Jesus, no Brasil, em 12 de novembro de 1908 - aos 15 anos. Seus estudos posteriores, de formação intelectual aconteceram na Pontifícia Universidade Católica Gregoriana (PUG). Morou em Roma por um extenso período e ali cursou o ensino superior e regressou ao Brasil para desenvolver o trabalho apostólico católico. A realização de estudos em Roma dava-se, apenas, para uma camada privilegiada dos sacerdotes. Apenas aqueles que representavam alguma promessa à Igreja ou, ainda, tinham laços promissores com algum clérigo alcançavam esse nível de instrução.

A formação do clero, aqueles que comporão a minoria das camadas religiosas - em postos de comando -, costumeiramente é organizada, preparada e reconhecida já durante o processo de formação sacerdotal. O desenvolvimento e a necessária disposição para o abandono a suas origens são desencadeados, ou revelados, desde a formação inicial até o momento de ordenação.

No século XX era habitual que a Igreja fizesse a maior parte de seus investimentos missionários na zona rural - essas áreas eram compostas, principalmente, por imigrantes e brasileiros de camada financeira menos favorecida. Serbin (2008) aponta que, nesse período, ao menos metade das vocações estava relacionada a esse público, além de órfãos e meninos com algum tipo de promessa familiar - geralmente vinda das mães: “[...] era comum a vocação ser incentivada pela mãe. Alguns párocos tentavam fazer das mães suas aliadas para encorajar um potencial seminarista. A Igreja via a mulher como a protetora da família” (Serbin, 2008, p. 122).

Os colégios religiosos, contidos nos seminários, acompanhavam a postura de uma instituição privada, pois educavam uma parcela mínima da sociedade que seria capaz de impactar e guiar uma cultura social notória. Os horários rígidos para alimentação, orações, as raras visitas familiares e a necessidade indispensável de permissão de um diretor espiritual para realização de todo e qualquer ato testavam a vocação de todos. As regras eram pontuais, além disso, o uso de brincadeiras, relações de amizades ou qualquer tipo de distração eram proibidos ou previamente analisados pelo monitor da instituição.

De acordo com Miceli (2009, p. 123), “[...] há inúmeros depoimentos a respeito da severidade disciplinar dos jesuítas e lazaristas motivo amiúde invocado para justificar grandes conflitos entre eles e os seminaristas brasileiro”. Daí surge a necessidade de grandes campanhas para as ‘vocações’, que - no caso da Igreja Católica - são frequentes e constantes ainda na contemporaneidade. Isso se dá, principalmente, pelo tempo prolongado de permanência nesses espaços, sofrendo-se as punições e a dedicação integral necessária e solicitada desde os primórdios da Santa Sé. Na maioria das ordens, ao se sair do seminário menor, cuja exigência de permanência é entre três e cinco anos, caminha-se para as etapas “[...] de noviciado, recebendo, pela ordem, a primeira tonsura, o subdiaconato, o diaconato e, ao cabo, o presbiterato” (Miceli, 2009, p. 125).

Ao concluírem as etapas necessárias, os seminaristas passam por um processo de investigação, no qual são consultadas pessoas próximas como, por exemplo, o padre de batismo. Caso passem por todas as etapas, serão ordenados e terão a sua primeira missa, com muita probabilidade, em sua cidade de origem. No caso de Leonel Franca, por este estar com seus estudos em Roma, seu irmão Leovigildo - também clérigo - teve permissão para a viagem e, assim, acompanhar a ordenação.

No decorrer da “[...] primeira República, a Igreja foi praticamente a única instituição que forneceu vários anos de ensino a indivíduos que não conseguiram ingressar nas faculdades superiores, ou seja, as de direito, medicina, farmácia e engenharia” (Serbin, 2008, p. 113), assim, os meninos tinham a possibilidade - por meio do seminário - de ter uma educação de qualidade, e rapazes pobres encontravam nesse ambiente apoio para a carreira profissional.

Aqueles seminaristas que haviam recebido investimentos mais altos, por parte da Igreja, poderiam tornar-se professores, diretores espirituais, mestres dos noviços e, após muita experiência e influência, chegar até mesmo a algum cargo de grande comando, como o de reitor. A formação dos seminaristas não necessariamente os preparava para ocuparem cargos, mas logo se via interesse - por parte da Igreja - quando se encontravam possibilidades em algum dos rapazes. Caso decidissem, mais tarde, abandonar os seminários, após o Vaticano II, era permitido que esses homens fossem admitidos como professores ou profissionais da área de formação (Serbin, 2008).

Outra alternativa àqueles que permaneciam na Igreja seria a de serem dirigentes de grupos, o que seria comprovado pelo teor de contatos e rede de sociabilidade realizada na sociedade à qual pertenciam. Produções intelectuais, organização de grupos, militância teórica e prática eram questões que davam visibilidade para que o sujeito se destacasse. Miceli (2009) assevera que a Igreja Católica, além das famílias de elite, era uma das únicas a poder oferecer tamanha formação e prestígio social em tempos economicamente tão difíceis como o da Primeira República.

Frequentar espaços sociais, comuns ao da classe dirigente, ou da elite oligárquica, poderia servir de instrumento para se seduzir aqueles de estratos desfavorecidos. Após sua inserção nos seminários, os meninos tinham a possibilidade de frequentar espaços comuns aos proprietários rurais, sujeitos de notabilidade social e até financeira. Esses locais poderiam ser “[...] festas, procissões, solenes pontificiais, casamentos etc.” (Miceli, 2009, p. 128). Além dos seminaristas, o único posicionamento garantido para a convivência nessa teia social, exceto a elite, seria a posição efetiva no clero como padre. Reiteramos que, para além da capacidade intelectual desses jovens, eram julgadas a intercessão de familiares já bem situados em algum grau na hierarquia católica ou a existência de famílias dispostas a financiarem tais estudos. Não seremos reducionistas em pontuar que os interesses acima seriam em sua totalidade de status sociais como o único objetivo de trajetória na vida clerical, no entanto ressaltamos que tais questões deveriam ser levadas em conta, apenas assim a rede de sociabilidade e a manutenção da classe dirigente fariam sentido.

Leonel Franca passou parte significativa de seu tempo no noviciado como ‘sacristão’ e como ‘anjo da guarda’(auxiliar/ajudante) e, nos últimos quatro meses de formação, antes do prazo final, foi nomeado vice-bedel (porteiro) (D’elboux 2, 1953). Seguindo as recomendações - em específico do seminário em que Franca se encontrava -, tornava-se necessário, rigidamente, realizar-se as seguintes atividades:

Levantar as 5,30; uma hora de meditação, seguida do quarto de reflexão e logo a Santa Missa. Das 8,30 às 9, lição de memória. As 9 horas, leitura ordinária de Ascética: Tratado de Perfeição e Virtudes Cristãs, pelo Pe. Afonso Rodrigues S. J.; Imitação de Cristo e Regras da Companhia de Jesus. Às 10, instrução do Pe. Mestre. Em seguida, meia hora de trabalhos manuais e humildes, varrer, etc. Ao meio-dia, jantar precedido do Exame de Consciência e seguido do costumado recreio e sesta. Pelas 2,30 da tarde, leitura da vida dos Santos (30 minutos), algum exercício escolar de cerca de uma hora e outra vez trabalhos manuais. As 4,15, pontos e mais meia hora de oração mental. Às 5, merenda e passeio (às vezes em silêncio). De volta, terço, visita ao Santíssimo para ganhar as indulgências das Estações; nalguns dias, quartinho de caridade (manifestação pública dos defeitos); Ladainhas de Todos os Santos, e às 20 horas, ceia, breve recreio, preparação da Meditação do dia seguinte, exame de consciência, e às 21,45 repouso (D’elboux, 1953, p. 40)3.

Os rituais rigorosamente cronometrados acompanharam o jesuíta por toda a sua existência, pois este era (re)conhecido pela sua pontualidade em seus compromissos. A aceitação da inserção de Franca no seminário, pela família, não foi completamente homogênea. As saudades e os problemas domésticos recaíam, com frequência, sobre o objetivo de servir à Companhia de Jesus, mas, ainda assim, em 13 de novembro de 1910, Franca pronunciou seus primeiros votos públicos. Na ordem inaciana este é o caminho: fazem-se os votos de pobreza, castidade e obediência, fica-se dois anos no noviciado e, após isso, dá-se a entrada definitiva na Companhia de Jesus (D’elboux, 1953).

A escolástica é a fase que antecede a ordenação - abrange os cursos de Letras, Filosofia e Teologia. Nessa etapa os seminaristas cursam o ensino superior e preparam, sobretudo, a intelectualidade católica a fim de atender e direcionar seus leigos nas comunidades às quais pertencerão. Os mais novos, chamados ‘juniores’, ingressam e ficam dois anos cursando Letras, e foi o que fez Leonel Franca nos 1911 e 1912.Em 19 de setembro de 1912, Leonel Franca chegou a Roma para os primeiros estudos. Para um seminarista estudar na Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), ele deveria fazer “[...] valer suas pretensões aos postos mais cobiçados e mais condignos às suas expectativas e aos investimentos custosos de que se haviam beneficiado” (Miceli, 2009, p. 122).

Na Primeira República, dos 79 religiosos que atingiam o grau de posicionamento a comporem o episcopado, apenas 26 deles realizaram estudos no exterior. Com isso, “[...] aqueles encaminhados a Roma eram, em geral, escolhidos pelos bispos após consulta aos reitores e diretores espirituais dos seminários” (Miceli, 2009, p. 131). Serbin (2008) declara que nos seminários brasileiros a formação costumava ser diferente, os estudantes consultavam os manuais da PUG mas não tinham acesso aos textos originais da Bíblia.

Destacamos - no que se diz respeito à trajetória de Leonel Franca -a vantagem de seu parentesco com dom Macedo Costa4. Sem este apoio familiar, seu destaque como intelectual religioso poderia ser mais complexo, pois, sem a existência de uma indicação da hierarquia católica, apenas raros jovens ocupariam posição em um estrato mais elevado. Leonel Franca, em seu diário de viagem, escreve que, no dia 27 de agosto de 1912, deixou “[...] Santos com destino a Roma, para estudar Filosofia. No dia seguinte passamos pelo Rio, no dia 6 tocamos em Dakar, e no dia 14 de setembro, sábado pela tarde, desembarcamos em Nápoles” (Franca apud Arquivo da Província dos jesuítas no Brasil, 1912).

Franca, como manda o método jesuíta, rígido em tradições, costumes e anotações, indicava todo o seu roteiro, e, em muitos deles, para além da ‘simples’ viagem, podemos observar o acúmulo de seu capital cultural - conceito cunhado pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Na ocasião Franca descreveu a viagem a Nápoles e as próximas até chegar ao destino final.

[...] Três dias nos demoramos para visitar a cidade. ‘Entre outras coisas vimos a igreja de São Francisco. O Gesú Nuovo, o museu, o aquário etc. No museu entre outras coisas vimos vários objetos de uso doméstico entre os romanos’, mas carbonizados [...]. No dia 16 ‘fomos visitar as excavações da antiga Pompéia’, situada às fraldas do Vesúvio. Quase toda a cidade está hoje descoberta e permite-nos a ilusão de viver entre os antigos romanos. [...] Toda a manhã ‘visitamos a cidade antiga de Pompéia, ao meio dia passamos a Nova Pompéia, que surge ao lado das ruínas da antiga’. Ao meio dia em ponto ouvimos a Missa no grande santuário de Nossa Senhora de Pompéia. No dia seguinte partimos para Roma. Era 17 de setembro de 1912, terça-feira (Franca apud Arquivo da Província dos jesuítas no Brasil, 1912, grifo nosso).

Essas experiências, uma vez incorporadas pelo seminarista, agiam em forma de habitus nos seus campos de convivência e consequentemente o aproximaram - ou afastaram - das redes de sociabilidade. As experiências culturais como conhecer museus, obras de arte, pontos turísticos históricos e cidades importantes para a constituição da civilização podem classificar-se como obtenção de capital cultural.

O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus. Aquele que o possui ‘pagou com sua própria pessoa’ e com aquilo que tem de mais pessoal, seu tempo. Esse capital ‘pessoal’ não pode ser transmitido instantaneamente (diferentemente do dinheiro, do título de propriedade ou mesmo do título de nobreza) por doação ou transmissão hereditária, por compra ou troca. Pode ser adquirido, no essencial, de maneira totalmente dissimulada e inconsciente, e permanece marcado por suas condições primitivas de aquisição. Não pode ser acumulado para além das capacidades de apropriação de um agente singular; depaupera e morre com seu portador (com suas capacidades biológicas, sua memória, etc.) (Bourdieu, 2012, p. 74-75, grifo do autor).

Portanto, avaliamos que as experiências realizadas por Franca, em suas viagens, no seu contato com os espaços que o levavam até Roma, eram acumuladas como capital cultural, que, por meio do habitus, como atesta Bourdieu (2012), era exercido nos seus campos de atuação. Na condição de um conhecimento incorporado, o agente passa a desenvolver-se de forma natural. Incentivos para tais apropriações não faltavam a Franca pelos espaços que frequentava, os idiomas que dominava e a forma como transitava no local onde presenciava o contato com os integrantes mais respeitados da classe dirigente da Igreja Católica.

Em abril de 1913, por ter profundo e interesse contato com livros, foi nomeado bibliotecário da PUG. Isso, dentro da Companhia de Jesus, não era gratuito. Apenas após muita dedicação era possível a ascensão no quadro daqueles padres. Franca anota em seu diário, entre os dias 21 a 29 de setembro de 1913, sobre a gratidão sentida por lhe ter sido confiado tal cargo, como neste excerto:

Tida a atenção e diligência nestes dois pontos: meditação quotidiana e humildade [...] Na humildade insistir, insistir, insistir muito. Considerar atentamente que se não combato AGORA viriliter contra a soberba, ela vai crescendo de dia a dia, e será sem dúvida causa de minha perdição [...] Sem humildade não poderei fazer coisa alguma para a glória de Deus (Franca, 1913 apud D’elboux, 1953, p. 62).

Com as anotações pessoais, é possível observarmos entraves e lutas pessoais para se dar seguimento às normas vigentes da ordem religiosa; como dedicar os horários de sesta, ou de descanso, a leituras pessoais. A incorporação do habitus “[...] produz a filiação de classe dos indivíduos, reproduzindo ao mesmo tempo a classe enquanto grupo que compartilha o mesmo habitus [...] ele também pode tornar-se um mecanismo de invenção e [...] de mudança” (Bonnewitz, 2003, p. 75). Ou seja, a forma como o agente age no campo no qual convive está diretamente ligada ao que apreendeu enquanto integrante de um grupo que compartilha os mesmos costumes e isso tende a facilitar o sentimento de pertença pelo espaço de convívio.

Com 25 anos, em 1918, Franca publicou seu primeiro livro, Noções de história da filosofia, em que se apoiou para ser ativo na militância católica. Ele passou - a partir disso - a ter mais reconhecimento entre seus pares, principalmente pela divulgação de sua obra. Com a análise e repercussão das opiniões públicas e divulgações do pensamento católico, notamos que o padre se manifestava em consonância ao habitus jesuítico, uma dessas características estava relacionada a disputas5 e necessidade de reforçar suas intenções por meio de influência e domínio situacional.

Para dar continuidade aos estudos, em novembro de 1920, Leonel Franca deixou, pela segunda vez, o Brasil e se dirigiu à ‘Capital do Catolicismo’ - Roma, a fim de realizar mais um processo de formação para o sacerdócio. Em suas anotações relata detalhes sobre a sua chegada, no dia 17 de dezembro, anota, também, visitas a lugares que frequentou, métodos de ensino e ideias a serem desenvolvidas no Brasil.

31.12. ‘Visita, em companhia do P. Prosperi’, ao R. P. Geral, que nos recebeu com muita caridade [...]. ‘Falou-nos da necessidade de desenvolver o noviciado no Brasil, e para isto, de cultivar os germes de vocações entre os jovens’. Insistiu também sobre a necessidade de nos adaptarmos às novas condições dos tempos. ‘A Igreja tem em si o princípio de vida, não teme a mudança das condições sociais’. Hoje, continuou ele, é ridículo obstinar-se em querer conservar certos usos e práticas suficientes para outras eras. Contava-nos de um pároco que se queixava de ver deserta a sua igreja. É que hoje, dizia o P. Geral, não basta tocar os sinos. Não basta afixar o convite sacro nas portas da igreja. [...] Neste sentido, muitas mudanças fez Pio X e muito mais teria feito se não encontrasse oposições e contrariedades. Ao fundar-se o Instituto Bíblico, continuou ainda o P. Geral, Pio X disse ao P. Fonk ’Quer um instituto moderno, não porém modernista’ (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1920, grifo nosso).

É possível percebermos o combate às violações ao que tradicionalmente foi consolidado na ordem religiosa. O que mais marca essas visitas e contato são as impressões de Franca que, sumariamente, anota e empreende esforços para transportar tais ideais para o sistema brasileiro no que tange ao catolicismo e à própria Igreja. Em Roma, Franca escreve incansavelmente em seu diário como a Europa, e os princípios romanos, o afetara.

Há um destaque considerável entre a sua formação bem como o seu perfil, se comparado aos de seus colegas que ficaram em formação no território nacional, em suma, aqueles que já estavam à frente do catolicismo no Brasil havia tempos. Foram inúmeros os debates a serem travados nos campos políticos, principalmente no que dizia respeito ao ensino religioso e à sua trajetória que - sem dúvida - foi originada no período em que iniciou a divulgação de suas reflexões. De acordo com a formação intelectual jesuítica, apresentamos algumas realizações do padre Leonel Franca no campo religioso.

Fortalecimento intelectual e religioso: o apoio de dom Sebastião Leme

No início do século XX, quando a Igreja Católica estava - por longo período - sob a liderança do arcebispo dom Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942) - o cardeal Leme -, a presença religiosa, em contraponto à sociedade, estava embasada por dois parâmetros. O primeiro sugeria um esforço da instituição “[...] mediante uma ampliação mais expressiva, e uma melhor organização dos seus quadros, mantendo sempre o caráter clerical e a direção hierárquica [...]”; por outro lado, necessitava de ações sociais pelo direcionamento político, além dos “[...] valores éticos e religiosos que tradicionalmente haviam pautado a atuação católica dentro do regime de cristandade” que asseguravam o direcionamento católico na sociedade (Azzi, 2003, p. 124).A Igreja, por meio de princípios religiosos, assegurava ter o domínio da solução adequada para resolver as crises sociais, culturais e políticas.

O fortalecimento da Igreja Católica, após 1890, foi determinante para o futuro da instituição. A ‘desnacionalização’ do clero, em virtude dos desconfortos da Igreja Católica com o Estado - como a inserção da laicidade em âmbito nacional -, levava as ordens a requererem padres da Europa, ou do exterior, para comporem as frentes de disputas nacionais. Alguns padrões iam se delineando, na nova fase, pois definitivamente “[...] ser padre no Brasil era ser branco. Ressurgiram os velhos preconceitos sobre a inadequação dos brasileiros para a vida sacerdotal” (Serbin, 2008, p. 95).

Durante todo o período varguista, a Igreja obteve subsídios governamentais auxiliando em atividades não apenas religiosas mas também sociais. Os investimentos direcionados aos seminários eram um exemplo dessa aliança financeira. Assim, acabava-se “[...] educando milhares de homens e fornecendo às escolas professores instruídos na rigorosa tradição clássica, os seminários serviram de válvula de escape a um Estado que negligenciava o ensino público” (Serbin, 2008, p. 117). Esse fato pode auxiliar nas explicações dos motivos de o Estado ter voltado a subsidiar os seminários ainda na primeira metade do século XX.

O modelo de neocristandade adotado pela Igreja apresentava-se como forma de superação do estado governamental, assim, agia-se com os interesses da Igreja demonstrando-se domínio da “[...] influência católica sobre o sistema educacional a moralidade católica, o anticomunismo e o antiprotestantismo [...], a Igreja revitalizou sua presença dentro da sociedade” (Mainwaring, 2004, p. 43). Essa era uma forma de se lidar com a fragilidade da instituição sem modificar seu conservadorismo de base. Leonel Franca nutria uma relação próxima ao arcebispo dom Leme e desempenhava importante papel no fortalecimento da Igreja Católica com o Estado nacional.

Dom Leme era primo materno de dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti - um intelectual católico militante e atuante politicamente. Além de primo, foi seu auxiliar e - depois - sucessor no Rio de Janeiro. A trajetória episcopal de dom Leme ficou marcada por sua militância religiosa em Olinda (1916) e no Rio de Janeiro (1921). Foi o segundo cardeal brasileiro, ordenado em 1930, e exerceu o cargo eclesiástico até a sua morte, em 1942 (Miceli, 2009). Além de aproximações religiosas de confiabilidade, podemos identificar em Leonel Franca o incondicional apoio a dom Leme. Corroboramos Arduini (2014) que o jesuíta se enquadra, em certa identificação, com a postura e histórico do arcebispo. Além de, coincidentemente, terem parentescos com líderes da Igreja, ambos têm trajetórias familiares similares:

[...] Sebastião Leme perdeu o pai pouco depois de nascer, despejando a família que então se iniciara em uma situação de insegurança econômica, agravada pela morte de seu padrasto. Além de assumir diversos trabalhos menores, sua mãe se viu obrigada a pôr o jovem Sebastião para trabalhar na venda de um tio. De lá, Sebastião Leme saiu quando ingressou no Seminário (Arduini, 2014, p. 58).

Ao tomar posse da arquidiocese de Olinda, dom Leme escreveu carta pastoral pública que, “[...] para além de mostrar a situação da Igreja Católica no Brasil, propunha caminhos para sua restauração tanto religiosa quanto política” (Skalinski Junior, 2015, p. 30). Na carta, intitulada Carta Pastoral de Dom Sebastião Leme, arcebispo metropolitano de Olinda, saudando os seus diocesanos, datada e veiculada em 16 de julho de 1916, demonstrava seu descontentamento com os rumos sociais propostos pelo governo no que dizia respeito à laicidade em todas as esferas sociais.

‘Somos a maioria absoluta da nação’. Direito inconcussos nos assistem com relação à sociedade civil e política, de que somos a maioria. Defendê-los, reclamá-los, fazê-los acatados, é dever inalienável. E nós não o temos cumprido. Na verdade, ‘os católicos, somos a maioria do Brasil e, no entanto, católicos não são os princípios e os órgãos da nossa vida política. Não é católica a lei que nos rege’. Da nossa fé prescindem os depositários da autoridade. ‘Leigas são as nossas escolas; leigo, o ensino’. Na força armada da República, não se cuida da Religião. Enfim, ‘na engrenagem do Brasil oficial não vemos uma só manifestação de vida católica’. O mesmo se pode dizer de todos os ramos da vida pública (Carta Pastoral..., 1916, grifo nosso).

A carta de Sebastião Leme chama a atenção à fragilidade da Igreja, às deficiências das práticas religiosas, à limitada influência política e à crítica situação financeira e repercutiu na sociedade entre os intelectuais católicos e não católicos. A credibilidade dessa carta pode também ter sido levada em consideração pelo fato de dom Sebastião Leme ser, pelo ponto de vista católico, “[...] considerado um notável estrategista, criador de formas de convivência com o novo regime e de apoio mútuo entre Igreja e Estado” (Campos, 2010, p. 43). Por isso consideramos fundamental nos deter à organização social por meio dos intelectuais e suas divulgações teóricas nos espaços culturais.

Lustosa (1990, p. 25) aponta que “[...] a maioria dos católicos do Brasil na Primeira República era conservadora em política e ultramontana em religião. Por isso [...] a dificuldade de muita gente da Igreja em aceitar o regime republicano [...]”. Nesse sentido, a carta foi provincial considerando que a Igreja se apresentava em situação complexa. De um lado, os católicos mostravam-se reformistas, seguindo os direcionamentos do clero brasileiro e incorporando as ideias iluministas dos liberais; a outra parte era romana, seguia o direcionamento tridentino e apropriava-se dos ideais do Vaticano, por conseguinte, a favor do ultramontanismo (Campos, 2010; Gaeta, 1991).

O líder católico chamava a atenção, em sua carta, para a ausência de intelectuais no país e isso fez com que o tom da discussão fosse alterado. Dom Leme afirmava que “[...] a Igreja precisava cristianizar as principais instituições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e alinhar as práticas religiosas populares aos procedimentos ortodoxos” (Mainwaring, 2004, p. 42).

Dom Leme conseguia “[...] mobilizar entre a intelectualidade, o estudo e o debate das ideias e do pensamento católico e estabelecer boas relações com as autoridades políticas do Brasil republicano” (Campos, 2010, p. 43). Essa formação romana diz respeito também aos atos de Leonel Franca. Enquanto jesuíta, por meio do apoio do arcebispo, realizava suas ações político-institucionais católicas com os objetivos de divulgar e propagar a fé cristã católica e os ideais da Santa Sé, impressos na sociedade brasileira. O campo religioso “[...] caracteriza o clérigo, cuja encarnação ideal-típica é o padre católico, como mandatário de um corpo sacerdotal que, enquanto tal, é detentor do monopólio da manipulação legítima dos bens de salvação e que delega a seus membros [...]” (Bourdieu, 2004, p. 120). Esse campo apresenta muitas ambiguidades e isso acontece por ele ser dissolvido em um campo de poder simbólico, pois está “[...] colorido de moralismo e os próprios não-religiosos cedem com frequência à tentação de transformar saberes positivos em discursos normativos capazes de exercer uma forma de terrorismo legitimado pela ciência” (Bourdieu, 2004, p. 123). A carta pastoral e as ações de dom Leme representam essa afirmação.

Martins (2017), em artigo ao centenário da carta pastoral, Um projeto político via instrução: 100 anos da Carta Pastoral de Dom Leme, auxilia na compreensão de que um dos objetivos que perpassa todo o teor daquele comunicado está diretamente ligado a aspectos educacionais. Ao falar sobre a ignorância religiosa, dom Leme destacou as camadas sociais e as dividiu em povo e intelectuais, sendo os segundos “[...] homens de letras, estudados, de ciências, gente ledora e lida que pontifica no magistério e na imprensa” (Carta Pastoral..., 1916). Fica registrada a preferência por esta camada que ficará ainda mais forte após a criação de organizações e centros, com apoios incondicionais a líderes católicos, como Alceu Amoroso Lima. Dom Leme, com esse intelectual, “[...]desenvolverá a estreita amizade que faz dele seu principal interlocutor leigo, e com o qual travará profundo diálogo sobre a questão política e religiosa no Brasil, tornando-se referência no movimento de resistência e difusão dos interesses da Igreja [...]”; relação esta que, mais tarde, consolidou-se também com Leonel Franca (Batista, 2020, p. 51).

Ao tratar a educação e instrução como fundamento e remédio para os males sociais e culturais, o arcebispo as diferiu já que ambas têm denotações distintas. Entendia que “[...] instruir é fornecer à inteligência os conhecimentos que lhe são necessários [...]”, enquanto o processo de educar está diretamente ligado a “[...] formar a vontade nos moldes do bem e da virtude, por meio daqueles hábitos e disposições que reunidos, fazem o caráter bom” (Carta Pastoral..., 1916). Nesse sentido, defendia em seus discursos que o ensino religioso deveria - fundamentalmente - ser mantido no currículo escolar, mas também na cultura e na vida cotidiana.

Leonel Franca, antes e após sua ordenação, escreveu de forma incansável sobre esta ideia preconizada por dom Leme: recristianizar o povo leigo por meio dos aspectos educacionais. A história de sua luta pela propagação do catolicismo está diretamente relacionada ao ensino religioso. Sobre tal dualidade, Franca afirma e defende:

Já vão longe os tempos em que uma ‘pedagogia superficial’, sobrevalorizando a cultura da intelligencia, ‘confundia instrucção com educação, capitalização de conhecimentos com formação de carater’. O homem não vale pelo que sabe, senão pelo que é. [...] ‘Não atribuamos á simples instrucção uma efficacia que não possue. É a educação que plasma o homem; a instrucção, quando muito, prepara technicos’ [...] (Franca, 1931, p. 7-8, grifo nosso).

Com os pés firmes no projeto de uma instrução geral, nos formatos não apenas institucionais, mas também integrais do povo, dom Leme apontou reprovação àqueles que procuravam excessivamente a cultura letrada em detrimento do conhecimento mundano. Indicou que fossem desconsiderados, inclusive, aqueles livros que não apresentassem o imprimatur da autoridade eclesiástica. O arcebispo era amigo pessoal de Getúlio Vargas, dessa maneira, mais tarde, “[...] procurou influenciar nas decisões de causas públicas. Ele obteve a ajuda financeira estatal para amparar as escolas católicas, conseguiu vetar o divórcio e reintegrar a educação religiosa durante o período escolar” (Mainwaring, 2004, p. 48).

Seguindo os mesmos princípios religiosos e profissionais, padre Franca foi uma espécie de secretário informal do arcebispo. Essa relação se dava acerca de grande parte das decisões a serem tomadas pela Igreja, por parte do cardeal. Para algumas informações soltas, ou algum projeto a ser elaborado, o padre jesuíta era consultado e iniciava sua escrita em apoio a seu superior no esclarecimento das questões:

Encarregou-lhe até a preparação do material para muitos documentos de importância, por exemplo, em 1937, a Pastoral contra o Comunismo; em 1938, um tratado sobre a nacionalização do clero e um apelo em prol da Casa do Padre, como vários depois em prol da Universidade Católica; em 1939, como Consultor do Cardeal e do Concílio Plenário Brasileiro: alocuções, notas, a carta Pastoral Coletiva, etc. (D’elboux, 1953, p. 229).

Compreendemos que o posicionamento religioso de Leonel Franca, como homem de confiança de dom Leme, fez dele um dos intelectuais mais respeitados da Igreja Católica no século XX. Seu jogo de domínio no campo religioso, imbuído do habitus jesuítico, permitiu que ele transitasse na esfera social de forma relativamente tranquila e segura. Para auxiliarmos no entendimento de como o integrante da Companhia de Jesus trabalhou a divulgação de seus posicionamentos, dedicamo-nos a compreender suas interferências à esfera leiga e acreditamos serem necessários apontamentos e respectivas repercussões de suas notas sobre o ensino religioso.

Pelos caminhos de conversão das almas: a disputa pelo ensino religioso

Em 1930, o governo provisório, de Getúlio Vargas, criou o Ministério da Educação e Saúde Pública. Nesse período a Igreja realizou uma mobilização de estreitamento de laços com a República e “[...] se fortalece frente à sociedade e reforça seu papel de organizadora, disciplinadora e condutora do sentido da história; fortalece também sua relação com o Estado Varguista que se confrontava com as lutas trabalhistas e as demandas sociais” (Mueller, 2015, p. 268). Os intelectuais católicos, por sua vez, se posicionavam favoráveis a todas essas demandas.

Francisco Campos foi o responsável pela instauração e consolidação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Iniciou-se, então, uma reforma ampla ao ensino, sobretudo no que tangia ao projeto de uma universidade idealizada para o país. Dentre as seis principais medidas resolvidas pelo ministro Francisco Campos, uma consistia na oferta do ensino religioso nas escolas públicas.

A aliança com a Igreja Católica compreende-se também pelo fato de que Francisco Campos vinha alinhando-se com o pensamento autoritário na esteira das elaborações de Alberto Torres, Azevedo Amaral e Oliveira Vianna. Tal tendência estava em expansão, encontrando guarida nos líderes intelectuais católicos, entre os ‘tenentes’ e os positivistas históricos do Rio Grande do Sul. [...] cabe observar que em 1931, à época do decreto relativo ao ensino religioso, não se externara, ainda, o conflito entre os católicos e os escolanovistas. Eles participavam, lado a lado, na Associação Brasileira de Educação (ABE)6 (Saviani, 2013, p. 197).

Essa movimentação culminou pelas disputas de poder organizativo do campo educacional, e, a fim de delinear novos embates à educação, em dezembro de 1931, ocorreu a V Conferência Nacional de Educação. Presidida pelo então presidente Vargas, objetivou definir o caminho da reconstrução do campo educacional. O encontro demonstrou o que já fora revelado em outros momentos: a impossibilidade de acordo com os interesses e de convivência em ambos os grupos. A educação, nessa conjuntura, tornou-se o alvo de conquista em disputa:

[...] de um lado, a Igreja católica, que tencionava instituir o ensino religioso no país, e, de outro, os renovadores, da Educação Nova. Os diversos agentes que se enfrentam pela hegemonia frente à sociedade brasileira começam a estabelecer-se em organizações, com o propósito de se fortalecerem por meio da divulgação de suas ideias e projetos (Batista, 2020, p. 143).

Dessa forma, havia uma separação mais declarada entre os representantes das opostas ideias. Foram essas principais discordâncias algumas das responsáveis pela organização do movimento do Manifesto dos Pioneiros que procurou expor, dentre outros aspectos, as deficiências constatadas na ausência de uma reflexão sobre a questão educacional no país. O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova marcou a ruptura dessa aliança com a saída dos católicos da ABE que - por sua vez - fundaram, em 1933, a Confederação Católica Brasileira de Educação. Uma das maiores distopias entre tais grupos dava-se nas discussões sobre o ensino religioso nas escolas. Suas discussões e falta de consenso foram fatores determinantes para a ruptura do grupo.

O ensino religioso foi um dos pontos em que a Igreja Católica mais demonstrou discordância com o Estado nacional. No documento de 1891, a Carta Magna apresentava os principais trâmites da passagem do império para a república. O documento trazia a bandeira da laicidade e, automaticamente, separava os poderes religiosos e políticos. Dispunha que seria “[...] leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (Brasil, 1891, art. 72). Essa constituinte demonstra incursão a um Estado mais laico e democrático com a consequente perda do monopólio da Igreja nas questões centrais de manutenção às escolas e tradições religiosas (Mueller, 2015) - era a esses pontos que a Igreja se posicionava contrária.

No diário de Leonel Franca é possível acompanharmos relatos das suas principais realizações e projetos de intervenção católica. O padre escreveu que, no dia 14 de janeiro, de 1931, esteve com Francisco Campos, o ministro da Educação, para falar sobre o ensino religioso:

Estive hoje a tarde com o Dr Francisco Campos, ministro da Instrução pública. [...] Encontramos depois na questão do ensino religioso e da oportunidade de introduzi-lo. Disse-me que ouvira, havia pouco, do Dr Getúlio: ‘que a Igreja era a maior força moral organizada no Brasil, cumpria prestigiá-la’. Continuando a trocar idéias sobre o ensino religioso, S. Excia disse-me que redigisse uma fórmula sobre o modo de o decretar. Despedimo-nos muito amavelmente (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1931, grifo do autor).

Nessa conversa, o jesuíta se dedicou a falar sobre uma redação legal que permitisse a presença do catolicismo nos currículos educacionais. O padre relatou, logo no dia seguinte, 15 de janeiro, expressando que os acordos estavam “[...] em forma de decreto, precedido por uma série de considerandos o que me pareceu conveniente e viável sobre a introdução do ensino religioso” (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1931). E, no dia 16 do mesmo mês, levou a minuta para que dom Leme desse seu parecer, que, por sua vez, foi aprovado sem restrições.

O jesuíta, no dia 17 de janeiro, voltou ao Ministério da Instrução Pública e apresentou o “[...] trabalho ao Ministro que o leu com muita atenção prometendo levá-lo hoje ao Presidente e pediu-me licença para assinar a minha exposição de motivos. Que Deus nos ajude” (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1931).

No dia 14 de abril de 1931, Franca se reuniu com Francisco Campos, então ministro da Educação. No dia 30 do mesmo mês, o decreto nº 19.491, que autorizava as escolas públicas a instituírem o ensino religioso facultativo nas escolas, foi assinado por Getúlio Vargas. No ato da matrícula, os pais, ou tutores, poderiam dispensar seus filhos das aulas, e aqueles que permanecessem teriam como professores os indicados pelos ministros de cada religião. As solicitações católicas não seriam tão rapidamente atendidas, com isso Franca não cessava sua luta por mais espaço à religião na legislação brasileira. No dia 19 de agosto, de 1931, ele escreveu:

Às 5 horas reunião no palácio do Cardeal de uma comissão de 12 juristas católicos. Organizou-se o trabalho de defesa das reivindicações católicas nas futuras reformas legislativas. Além de uma comissão central, coordenadora, instituíram-se várias comissões particulares para as questões do código civil, penal, lei eleitoral, ensino religioso etc. O cardeal nomeou-me assistente eclesiástico de comissão central e das sub-comissões particulares (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1931).

Resultado de seu esforço em função dos princípios católicos, além das suas funções já acumuladas, o inaciano recebeu nomeação para assistente eclesiástico das comissões central e particulares a respeito das discussões legais de assunto religiosos. Para isso, ele se dedicava intensamente, trabalhava de forma incansável e, em 13 de outubro, relatou: “Entreguei ao Cardeal um Resumo das reivindicações católicas, para ser entregue ao Governo Provisório, em nome do episcopado” (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1931). O padre persistia em manter contato com intelectuais renomados que fossem auxiliar na causa da Igreja. Em 19 de novembro, do decorrente ano, escreveu em seu diário:

Fui hoje visitar o Dr Demetrio Ribeiro na casa de saúde São José, falamos sobre o Decreto de separação da Igreja e do Estado de 7-1-1890. Contou-me que no dia 9 de dezembro de 89, ele apresentara na reunião dos ministros do Governo Provisório um projeto de separação. Fora aprovado por todos os presentes. Rui calara-se; Benjamin Constant dizendo tratar-se de coisa de grande importância pediu que se adiasse a aprovação e a execução. No dia 11 quiseram organizar um grande meeting para obter a separação imediata. Mais tarde, em outra reunião, presente Deodoro, Rui Barbosa saca do bolso um papelsinho e apresenta o seu projeto de separação em que se modificam alguns pontos do Dr Demetrio. Foi aprovado e promulgado a 7 de janeiro de 1890. D. Antonio teve um colóquio com o Demétrio, que lhe expôs as suas intenções que não eram, como se dizia de perseguir a Igreja. ‘Como se enganaram’ disse então D. Antonio.

Em seguida entramos a conversar sobre o recente Decreto acerca do ensino religioso. Mostrei-lhe que não havia nenhuma intromissão do temporal no espiritual, nem ofensa à justa liberdade de consciência. Concluiu concordando comigo e dizendo que iria falar ao Dr Getúlio afim de manter o Decreto de abril. Pediu que redigisse um projeto de regulamentação em que se incluísse o ensino religioso no horário escolar nas horas destinadas a Instrução de Moral cívica (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1931).

Padre Franca procurava apoio intelectual com pessoas que pudessem auxiliar, de alguma forma, a consolidar a presença religiosa na instrução nacional - daí o uso do engajamento intelectual de sua sociabilidade. O jesuíta dissertou, em uma ocasião, que a lei do ensino religioso em outros países europeus, ainda que convivendo com outras crenças, mantinha-se soberana e imponente. No periódico carioca Hierarchia, na seção dos Artigos Especiaes, ao lado do texto O ensino religioso em face do livre pensamento, de Sérgio Buarque de Holanda, encontra-se o Aspecto social e pedagógico do ensino religioso, de autoria de Leonel Franca, que defende que

‘Intellectualmente o debate sobre o ensino religioso está encerrado’. Nenhuma das dificuldades que lhe foram opostas ficou de pé. Todas foram victoriosamente resolvidas. Se aqui e ali continuam ainda a ser repisadas obstinadamente é por motivos alheios ao seu valor lógico. [...] ‘Alguns viram na introcdução do ensino religioso nas escolas officiaes um atentado ao princípio republicano da separação entre a Igreja e o Estado’, considerada como uma conquista intangível e definitiva da nossa civilização. - ‘Confusão deplorável’ [...] (Aspecto social..., p. 08, grifo nosso).

Franca relatou, nessa mesma oportunidade, que, além de auxiliar no crescimento religioso, tal disciplina orientava os cidadãos na formação de consciência, na diminuição da delinquência, fortalecia os hábitos de honestidade profissional e administrativa. O padre fez um levantamento, ainda, sobre países como Itália, Polônia e afirmou que, em tais países, a educação religiosa funcionava de forma organizada e exemplar.

O padre reiterou suas considerações, organizando os objetivos de tal disciplina que, para ele, “[...] trata-se de formar homens, de moldar consciências, de preparar cidadão para a vida, de habilitá-los à realização perfeita da superioridade dos seus destinos” [...] (Aspecto social..., 1931, p. 08). É possível afirmar que, por meio de publicações como a exposta no periódico Hierarchia, padre Leonel Franca transitava entre o desejo de que a população expressasse sua opinião e argumentasse em favor da Igreja ou formasse opiniões.

Ao escrever o livro Ensino religioso e ensino leigo: aspectos pedagógicos, sociais e jurídicos, padre Franca iniciou, apresentando, rapidamente, sua concepção sobre o rompimento entre a Igreja e o Estado:

Ora, foi precisamente no domínio pedagógico que os constituintes de 1891 cometeram talvez o êrro mais funesto ao Brasil. O laicismo escolar, tal como entendeu, em quase todo o país, a jurisprudência republicana, mutilou vitalmente a educação popular e tornou a nossa escola, de todo em todo, inepta ao desempenho de suas mais nobres elevadas funções. Educação moral dos indivíduos, formação social dos cidadãos, respeito à liberdade espiritual das famílias religiosas, todo foi sacrificado aos preconceitos de uma ideologia inconsistente (Franca, 1931, p. 4).

Defendeu, em sua publicação, sobre os países europeus que, separados da Igreja, ainda assim, ensinaram a religião; que, pelo fato de terem se separado politicamente, não ficaram impedidos de zelar pela moral do país. Em tom muito parecido com a postura de dom Leme, Franca continuou:

[...] se a luta religiosa vier, quod Deus avertat, não será sobre um decreto que respeita todas as liberdades e não constrange nenhuma consciência; não será sobre os católicos que não querem impor o ensino de sua religião a quem livremente não a admita; será sobre a intolerância esteira e sectária de quantos - poucos ou muitos, não importa [...].A luta religiosa não a queremos, não a provocamos; mas não a tememos na consciência tranquila de que lutamos pela defesa do mais intangível e sagrados dos nossos direitos (Franca, 1931, p. 108).

O governo provisório, para Franca, com a admissão do ensino religioso e sua importância, elevou-se à compreensão mais profunda do país. O jesuíta defendeu que atos como o da admissão do ensino religioso nas instituições bastavam para se imortalizar a alma de um estadista, no caso, Getúlio Vargas. Na defesa de padre Franca, a legislação, ao aceitar a religião, começou a entrar em contato com a realidade concreta e viva, respeitando as fontes que alimentavam a vitalidade espiritual dos povos. A volta do “[...] Ensino Religioso às escolas oficiais era, portanto, um ponto chave para os militantes ligados à Igreja. Essa conquista [...] representou uma importante vitória para os católicos, e acirrou ainda mais as disputas no campo” (Prachum & Skalinski Junior, 2020, p. 7).

O jesuíta padre Franca mantinha muitas visitas em suas acomodações, no seminário localizado na capital. Alceu Amoroso Lima, companheiro de combate e conquista religiosa, costumava dizer que o quarto de Leonel Franca era um dos grandes centros da intelectualidade carioca (Skalinski Junior, 2015). Enfatizamos a centralidade da rede de sociabilidade nas conquistas religiosas e políticas em razão de, por exemplo, Alceu Amoroso Lima-figura próxima ao jesuíta Franca - ocupar cargos importantes no Estado; apresentava-se muito bem articulado na elite intelectual carioca - cultivou com “[...] Gustavo Capanema (1900-1985), Ministro da Educação e Saúde Pública entre 1934 e 1945, [...] relação pessoal [...]” (Skalinski Junior; Ruckstadter, 2016, p. 47). Entendemos que essas articulações contribuíram demasiadamente ao trânsito de Leonel Franca no Ministério da Educação.

De acordo com Sirinelli (2003, p. 38), as relações organizadas em rede consistem em “[...] lugares mais ou menos formais de aprendizagem e de troca, de laços que se atam, de contatos e articulações fundamentais [...], no qual se estabelece vínculos afetivos e se produz uma sensibilidade que se constitui marca desse grupo”. Com isso, o inaciano escreveu, no dia 1º de junho, ter recebido em sua casa, para tratar sobre os rumos da educação nacional, o educador Anísio Teixeira:

1. Veio hoje visitar-me o Dr. Anísio Teixeira, Diretor de Instrução Publica; falou-me dos artigos que haviam sido publicados contra ele, garantiu-me que não tinham nenhuma intenção hostil aos colégios particulares ou religiosos; explicou-me as expressões ambíguas que haviam dado lugar a interpretações desfavoráveis, num sentido aceitável, insistiu sobre a conveniência de fazer cessar esta ‘mentalidade farisaica’. Depois discutimos longamente sobre ensino religioso, etc. A conversa durou quase duas horas (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1932, grifo do autor).

Podemos identificar que, ainda que com posicionamentos políticos divergentes, o jesuíta mantinha contato com seus oponentes. Ele não praticava rompimentos, mas fortalecimentos. No ano de 1933, antecedendo a reformulação de uma nova constituição, Leonel Franca já iniciava as discussões legais. Em 20 de março de 1933, escreveu: “Heráclito contou-me hoje a intervenção do Dr Fontes junto ao Interventor no sentido de ser executado o Decreto do Ensino Religioso no Distrito Federal. Chamado do Anysio que negou ter posto qualquer obstáculo. Ordem do Interventor para que se regulamente” (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1933). É possível notar o acesso livre do jesuíta aos bastidores das aprovações, ou não, da legislação. Os convites para compor organizações estatais não cessavam:

01/05/1933

Hoje à noite aqui esteve o Dr Candido Mendes insistindo para que aceitasse o cargo de Diretor das Faculdades de Educação, Ciencias e Letras a criar-se na Universidade livre do Rio de Janeiro.

[...]

05/12/1933

Recebi a visita do Prof. Lourenço Filho e do Dr Jonathas Serrano que me vieram convidar: 1º para tomar parte numa comissão de educadores que se propõem orientar a constituinte em matéria de educação; 2º para entrar na Academia de Ciências Pedagógicas em vias de organização (Franca apud Arquivo da Província dos Jesuítas no Brasil, 1933).

O papel intelectual desempenhado por Franca tornava-se cada vez mais divulgado e respeitado. As intervenções feitas na legislação federal, via contatos pessoais, beneficiavam a Igreja e faziam com que o padre atingisse os seus objetivos maiores de propagar a fé católica e aumentar o poder da Igreja em nível nacional.

A defesa ao ensino religioso continuou por toda a sua trajetória. O movimento dos pioneiros da educação, da Escola Nova, já citado anteriormente, marcou o período de construção da Constituição de 1934. Essa Carta Magna foi a primeira a dedicar espaço considerável à educação - 17 artigos; 11 específicos ao tema. Nessa constituição, a Igreja Católica se aproximou do governo varguista, dando respaldo ao Estado, a fim de ser beneficiada por alguns privilégios e retomar aquilo que a secularização roubara em outro momento. Alinhado a uma tendência liberal, o texto demonstra uma força mais conservadora e quebra o laicismo mantido na primeira carta, favorece o ensino religioso, afirmando que:

O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis, e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais (Brasil, 1934, art. 153).

Já na Constituição de 1937, o país, no retorno de um novo período autoritário, iniciou mudanças fundamentais para a modernização do Estado brasileiro. No que concerne ao ensino religioso, foi assinalada uma tendência que permitia ao ensino se apresentar na condição de “[...] matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias” (Brasil, 1937). No entanto, não deveria se “[...] constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos” (Brasil, 1937, art. 133). A questão facultativa não protegia a isenção, mas reforçava o catolicismo sobre as demais religiões. A respeito das duas últimas leis,

Na Constituição de 1934, a menção ao ensino religioso é feita com uma alteração em favor da Igreja: seria facultativo, e de acordo com a confissão de fé, manifestada pelos pais ou responsáveis, constituindo matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais. A Constituição de 1937 determinou que o ensino religioso poderia ser contemplado como matéria de curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias: não poderia se constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos (Bomeny, 2001, p. 48-49).

As constituições entre 1930 e 1945 não limitaram a participação da Igreja. O catolicismo abrangia não apenas o ensino religioso, mas a constituição como um todo, em tudo o que dizia respeito à educação. A Constituição de 1946, na decadência do Estado Novo, embora com a queda de Vargas, manteve seu formato, ainda que com traços leves, por Eurico Gaspar Dutra. Muitas leis orgânicas foram instauradas nesse momento, e aquelas que se referiam ao ensino industrial, ao ensino secundário e ao comercial tiveram papel fundamental na formação desse período. Sobre o ensino religioso no texto constitucional, após embates travados nas disputas entre católicos e liberais, ficou definido que

O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, e é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável (Brasil, 1946, art. 168, V).

A laicidade, mais uma vez, não foi assegurada. Embora tenha ficado legalmente exposto que a religião seria ministrada de acordo com as confissões de cada aluno, isso possivelmente não se concretizou, pois era muito difícil - senão impossível - se pensar em outras religiões adentrando-se os ambientes escolares. Seguindo os princípios filosóficos como direcionadores da cultura, Franca refutava a ciência quando o assunto era a superação das leis de Deus.

Franca atacava, diretamente, o Estado no que dizia respeito ao ensino gratuito ser laico. Apontava isso como eufemismo, já que não correspondia à realidade dos pagadores de impostos católicos, considerando que a instrução era mantida à custa do Estado - logo, com a contribuição dos cidadãos. Os impostos pagos pelos civis não garantiam a eles uma escola que mereciam, já que aqueles não voltavam aos católicos que desejavam uma escola religiosa. Franca exaustivamente afirmava: “[...] passamos pela ditadura do laicismo” (Franca, 1931, p. 51).

A dedicação integral do padre Franca à educação religiosa contribuiu para que fosse o “[...] grande responsável, fundador e primeiro reitor da Pontifícia Universidade Católica. Marcou a construção dessa instituição e, por meio de seu posicionamento dentro dos campos político e religioso, liderou as lutas que a viabilizaram, a consolidaram e a expandiram” (Oliveira, Campos, & Skalinski Junior, 2019, p. 21).Para o jesuíta, a importância entre as relações Igreja e Estado estava basicamente centrada na importância histórica, doutrinária e de atualidade. Os militantes de uma ‘nova ordem’ não obteriam nenhuma conquista viável à sociedade sem os fatores espirituais, enquanto norteadores para a reconstrução social, e apenas o ensino religioso nas escolas, seguido de uma universidade católica, seria suficiente à resolução dos problemas intelectuais e morais que afetariam as novas gerações.

Considerações finais

Ao compreendermos a trajetória do Padre Leonel Franca, detivemo-nos aos fatores formativos que constituíram seu percurso enquanto um intelectual jesuíta. Embora, aparentemente, sua escolha pelo caminho sacerdotal tenha sido voluntária, uma de nossas análises foi considerar as ligações sociais e a forma como estas impactavam em seus direcionamentos vitais. Sinalizamos a importância de Leonel Franca tanto como sobrinho de dom Antonio Macedo Costa, um dos destaques na ‘Questão Religiosa’ - aliado de dom Vital - ícone da Igreja Católica nesse período, quanto um dos principais agentes mediadores religiosos/políticos do cardeal dom Sebastião Leme.

O século XX, principalmente em sua primeira metade, apresentava a Igreja Católica com práticas efetivas de articulação com o Estado. As ligações dessas duas instituições davam-se com aproximações e rupturas. Nesse imbróglio vimos na figura central do Padre Leonel Franca um agente que nos deu a possibilidade de compreensão dos desdobramentos de fatos ocorridos naquele momento com a organização do ensino religioso nas constituições federais, que em várias ocasiões apareciam enquanto anotações rascunhadas em seu diário. O jesuíta esboçava possíveis redações da Carta Magna - no que se referia ao ensino da religação nas instituições educacionais -, entregava-as a políticos que possivelmente teriam influência no trâmite da alteração do documento e aguardava a promulgação constitucional a fim de obter resultados de sua súplica católica. Com isso, concluímos nossas acepções a fim de compreendermos o papel que esse jesuíta desempenhou enquanto orientador de um grupo de intelectuais - sobretudo os católicos - e mediador das demandas da Igreja Católica com o governo Getúlio Vargas.

O padre empreendeu, por toda a sua trajetória intelectual, a defesa de que, se o currículo escolar não pudesse ser religioso, ele ignoraria a educação, sendo assim, não poderia educar. Os pressupostos de padre Franca, atrelados à Igreja Católica, eram de que a educação fosse essencialmente religiosa. A escola leiga, que ignorava a religião, seria incapaz de reger uma pedagogia sã. A laicidade era definida, por padre Franca, como contrária à pedagogia católica, que, por sua vez, seria a única capaz de, por meio do ensino religioso, salvar ao mesmo tempo a Igreja, o Estado e a sociedade (Franca, 1931).

Fontes

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1 O arcebispo nasceu em 1882 no Espírito Santo do Pinhal (SP), foi professor primário do ensino público, ingressou no seminário em 1894 e viajou à Roma secular em 1904 (por 08 anos). Estudou no Colégio Pio Latino-Americano e na Universidade Gregoriana e formou-se doutor em teologia e filosofia.

2 Luiz Gonzaga da Silveira D’elboux (1953) realiza uma escrita biográfica e, para isso, coleta impressões sobre Franca, trazendo o relato de uma das testemunhas do convívio com o intelectual na PUG. Seu objetivo era divulgar um escrito que auxiliasse no caminho da beatificação do irmão da Companhia Padre Leonel Franca. Portanto, ao utilizar a obra, consideramos as impressões e os princípios de construção deste trabalho.

3Todos os escritos deste texto mantêm-se fiéis às transcrições de manuscritos e documentos originais. Assim procederemos por todo o artigo.

4Leonel Franca era sobrinho-neto materno de dom Antonio de Macedo Costa (1830-1891). O arcebispo era um dos braços direitos do popular e consagrado dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, que o tornou um personagem fundamental na história do catolicismo por seu envolvimento na “Questão Religiosa”.

5Desde o século XVI os cursos de Artes, Teologia e Filosofia realizavam, com muita frequência, as ‘disputas científicas’. Essa tradição foi preservada pela Companhia de Jesus ao longo de sua existência. Ocorriam diversas vezes ao ano e implicavam na defesa de ideias com debates assíduos. Participantes de outros locais realizavam discussões a fim de elegerem o vencedor de um debate. A vitória implicava na premiação ou castigo dos envolvidos (Oliveira, 2015).

6Em 15 de outubro de 1924, Heitor Lyra da Silva fundou, no Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Educação (ABE). Esta organização congregava indivíduos das mais variadas denominações políticas e ideológicas. O objetivo do grupo consistia em agrupar profissionais que tivessem alguma relação com o ensino e sentissem a necessidade de debater sobre a educação. A finalidade maior se dava movida a promover, divulgar e discutir temas recorrentes à realidade do campo educacional no Brasil. Na década de 1920, a ABE passou a organizar debates e conferências que contribuíssem com o desenvolvimento educacional.

9Como citar este artigo: Oliveira, N. C. Trajetória intelectual do Padre Leonel Franca: catolicismo e ensino religioso no Brasil (1908-1948). (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e168 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4)

Recebido: 05 de Agosto de 2019; Aceito: 11 de Março de 2020; Publicado: 04 de Fevereiro de 2021

*Autor para correspondência: E-mail: natdeoliveir@gmail.com

Natália Cristina de Oliveira possui Doutorado em Educação, na linha de pesquisa História e Políticas Educacionais, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2018); Mestrado em Educação, na linha História e Política da Educação, pela Universidade Estadual de Maringá (2015); Especialização em Políticas Públicas e Educacionais pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - Campus Cornélio Procópio (UENP/CCP) (2013); e graduação em Pedagogia - UENP/CCP (2011). Atualmente é docente do curso de Pedagogia, e do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: natdeoliveir@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-4150-278X

Editor-associado responsável: Cláudia Engler Cury (UFPB) E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com http://orcid.org/0000-0003-2540-2949

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