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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 05-Feb-2021

https://doi.org/10.4025/10.4025/rbhe.v21.2021.e170 

Artigo Original

Como se formar médica no século XIX: o caso da pernambucana Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque

How to become a doctor in the 19th century: The case of pernambucana Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque

Cómo hacerse médica en el siglo XIX: el caso da pernambucana Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque

Raylane Andreza Dias Navarro Barreto1  * 
http://orcid.org/0000-0002-5602-8534

Tayanne Adrian Santana Morais da Silva1 
http://orcid.org/0000-0001-9868-7151

1Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.


Resumo:

Este artigo é fruto da análise da trajetória formativa de Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque (1854-1934), primeira médica pernambucana, formada em faculdade brasileira, em 1892. Por meio de pesquisa bibliográfica e documental a investigação revelou caminhos, estudos, trajetos formativos, problemas do ser mulher, bem como as oportunidades educacionais aproveitadas. Longe de uma história de opressor versus oprimido, o que se buscou foi a aproximação de uma escrita da história que valoriza a atuação de mulheres a partir dos dispositivos formativos de um período histórico que consorciam tradição familiar, poder econômico, redes de relacionamentos, subvenção pública, além da vontade de enfrentar uma sociedade androcêntrica que, se não impedia, dificultava qualquer tipo de ascensão feminina.

Palavras-chave: história das mulheres; Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque; medicina; século XIX

Abstract:

This is article result of analysis of the formative trajectory of Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque (1854-1934), the first doctor from Pernambuco, graduated for a Brazilian medical scholl, in 1892. Through of bibliographical and documentary research, the investigation revealed paths, studies, formative routes, problems of to be a woman, beyond the educational opportunities used. Far from a story of oppressor versus oppressed, what was sought was the approximation of a writing of history that values the performance of women starling formative elements of a historical period that combine family tradition, economic power, relationship networks, public subsidy, in addition to the willingness to face an androcentric society that was not impeded, it hindered any kind of female ascension.

Keywords: history of women; Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque; medicine; 19th century

Resumen:

El presente artículo es el resultado del análisis de la trayectoria formativa de Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque (1854-1934), primera médica pernambucana formada en una facultad brasileña en 1892. Merced a la indagación bibliográfica y documental, la investigación sacó a la luz caminos, estudios, trayectos formativos, problemas relativos a la mujer, como también el aprovechamiento de las oportunidades educativas. Más allá de una historia de opresor contra oprimido, lo que se buscó fue la aproximación a una narrativa de la historia que enfatiza la actuación de determinadas mujeres a partir de los elementos formativos de un periodo histórico que correlaciona tradición familiar, redes de relaciones, subvenciones públicas, junto con la voluntad de plantar cara a una sociedad androcéntrica que ponía obstáculos, cuando no impedía, a todo tipo de promoción de la mujer.

Palabras clave: história de las mujeres; Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque; medicina; siglo XIX

Introdução

Na busca por compreenderemos lugares ocupados pelas mulheres ao longo do tempo, historiadores têm se empenhado, especialmente a partir da segunda metade do século XX, em retirar o indivíduo mulher da invisibilidade há que tantos séculos lhe foi imposta. Não sem razão, os trabalhos de estudiosas como Michelle Perrot (1988, 1995) e desta com George Duby (Perrot & Duby, 1991) e, no Brasil, Mary Del Priore (2016), dentre outros, têm sido evocados, citados e propagados de modo a contribuírem com a escrita da história das mulheres, incentivando, assim, que outros trabalhos sejam realizados.

Em seus estudos sobre as mulheres, Perrot (1988, 2007; Perrot & Duby, 1991) aborda a relação destas com o poder ao longo da história, colocando em evidência as sublevações de mulheres enquanto espaço de atuação e protagonismo feminino. Suas pesquisas, a exemplo de sua parceria com Duby (Perrot & Duby, 1991) em História das mulheres no ocidente, reafirmam a necessidade de se distanciar do modelo androcêntrico nas pesquisas e se aproximar do entendimento de que estudar histórias de mulheres, em toda sua pluralidade, é percebê-las como agentes históricos, detentores de consciência e vontade, que movimentaram e movimentam os caminhos da história da humanidade.

Conforme avaliam Perrot e Duby (1991), os estudos sobre a história das mulheres a partir da segunda metade do século XX contribuíram fortemente para a revisão do entendimento do quadro de dominação sobre as mulheres e para trazer à luz suas ações e vontades, incluindo a existência de poderes detidos e exercidos por elas. Sem a relativização desse cenário de dominação absoluta dos homens em relação às mulheres, as possibilidades de estudo sobre a atuação feminina em diversos âmbitos da vida em sociedade teriam sido inviabilizados, confinando a escrita da história das mulheres a uma relação dualista e simplificadora das relações entre o sexo masculino e o sexo feminino. É nessa seara, e com a mesma intenção, que nos dedicamos, neste artigo, ao estudo da trajetória de vida e de formação profissional de Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque (1854 - 1934), conhecida como a primeira médica pernambucana formada em uma faculdade de medicina no Brasil.

Filha de João Florentino Cavalcanti de Albuquerque e Herundina Siqueira Cavalcanti de Albuquerque, ambos de famílias tradicionais da zona da mata açucareira de Pernambuco, Maria Amélia nasceu no engenho Dromedário, propriedade de seus avós, na cidade de Escada1, não por acaso, como veremos, terra onde o jurista sergipano Tobias Barreto de Menezes estabeleceu residência e desenvolveu intensa atividade intelectual entre 1871 e 1881 (Barreto, 1994). Na longa caminhada da pernambucana, muitos foram os obstáculos, como foram muitos os estudos que em 1892, aos 38 anos de idade, tornaram-na médica com a defesa de tese intitulada Do eritema nodoso palustre.

Junto com as gaúchas Rita Lobato Velho Lopes e Ermelinda Lopes de Vasconcelos - respectivamente, a primeira e a segunda médica a se graduarem em uma faculdade brasileira - e da fluminense Maria Augusta Generoso Estrella, diplomada nos Estados Unidos e subvencionada com ‘pensão’ concedida pelo imperador Pedro II, doutora Amélia Cavalcanti, como ficou conhecida, faz parte do grupo de pioneiras a se lançarem no campo da medicina no Brasil, área que até então era destinada aos homens. Tal caminho a colocou na galeria de mulheres que subverteram normas sociais e culturais instituídas e se lançaram no campo da ciência.

A partir dessas perspectivas, o objetivo perseguido nesta investigação foi o de desvelar o processo formativo de Amélia Cavalcanti em direção à faculdade de Medicina. Para tanto, a sua trajetória de vida foi tomada como objeto de estudo, e, por meio do método de investigação histórica, foram pesquisados, para além da sua citada tese, outros documentos que revelaram caminhos, estudos, trajetos formativos e problemas do ser mulher e médica no século XIX.

Consideradas as fontes, esta pesquisa foi ancorada no que defende George Duby (1993), para quem o estudo do indivíduo deve ser feito quando este pode desvendar o coletivo do qual faz parte, e, em Michele Perrot (1995, p. 11), para quem a “[…] história das mulheres se inscreve em uma genealogia das representações e da linguagem [...]” que revela emblemas e uma longa duração de códigos de valores masculinos. Assim sendo, foi imprescindível nos atentarmos para os elementos formativos do período histórico que consorciam tradição familiar, poder econômico, redes de relacionamentos, subvenção pública, além da força de vontade da própria Maria Amélia ao enfrentar uma sociedade androcêntrica que, se não impedia, dificultava qualquer tipo de ascensão feminina, como foi a sociedade oitocentista brasileira.

Em consonância com o pensamento de Ferrarotti (2010, p. 51), para quem é possível “[...]conhecer o social partindo da especificidade irredutível de uma práxis individual [...]”, o estudo da trajetória formativa de Maria Amélia se insere na linhada historiografia que pretende desvelar histórias de mulheres para além do dualismo dominadores-dominadas. Para tanto, este estudo se vale dos estudos biográficos que privilegiam as experiências invisíveis da história e se volta para um mundo de singularidades através das trajetórias de homens e mulheres ditos ‘comuns’, na tentativa de conhecermos “[...] a forma pela qual eles constituíram a si mesmos” (Gomes & Schmidith, 2009, p. 7). Isso porque os estudos biográficos constituem um campo privilegiado para investigarmos diferentes agentes históricos e como os movimentos de suas ações se deram em contextos permeados de contradições e subversões diárias às normas sociais vigentes, o que os distancia de uma história baseada em ‘um esquema único de ações e reações’ e nos permite vislumbrar justamente o oposto, ou seja, que “[...] a repartição desigual do poder, por maior e mais coercitiva que seja, sempre deixa alguma margem de manobra para os dominados” (Levi, 2006, p. 180).

Há que registrarmos que a existência dos valores oitocentistas que regiam os espaços sociais e cerceavam o exercício das liberdades individuais femininas foi a motivação para explorarmos as particularidades das decisões da personagem em análise a partir do que propõe Levi (2006, p. 182), pois tais decisões partem de “[...]uma considerável margem de liberdade que se origina precisamente das incoerências dos confins sociais”. É nessas incoerências, presentes sobretudo no discurso oitocentista, que ora confinava a mulher em uma suposta incapacidade para atividades intelectuais, ora conferia a ela o dever de criar e educar uma prole instruída para a modernidade, que enxergamos os limites aos quais estava submetido o poder restritivo lançado sobre o sexo feminino e as experiências formativas extraídas das tensões entre as ações do indivíduo e o corpus social.

O início do percurso formativo de Maria Amélia

Os oitocentos foram anos decisivos para o Brasil em suas esferas cultural, social, econômica e política. A vinda de D. João VI para o Brasil, no ano de 1808, em decorrência das guerras napoleônicas, trouxe um incentivo sem precedentes para os campos da arte, cultura e educação. Houve o estímulo à criação dos primeiros centros de ensino da medicina no Rio de Janeiro e na Bahia e novas tipografias começaram a funcionar, enquanto mais livros e periódicos passaram a circular entre a elite letrada brasileira. Com as revoluções republicanas despontando na parte sul da América, muitos setores ligados à monarquia espanhola também embarcaram rumo ao “[...] único refúgio da legalidade monárquica no Novo Mundo” (Alencastro, 1997, p. 13).

Pouco tempo depois, precisamente em 1815, o Brasil, que entrou no século XIX como colônia, foi elevado à categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e, no ano de 1822, os laços com Portugal foram estremecidos quando dom Pedro declarou-se imperador do Brasil. Segundo Alencastro (1997), em uma América tomada pelas auroras republicanas, o Império Brasileiro se configurava como uma espécie ‘singular’ no plano político do Novo Mundo e representava

[…] um momento único na história brasileira. Efetivamente, no regime monárquico forjou-se no Rio de Janeiro - capital política, econômica e cultural do país - um padrão de comportamento que molda o país pelo século XIX afora e o século XX adentro. […] o Rio de Janeiro funciona como uma grande eclusa, recanalizando os fluxos externos e acomodando os regionalismos num quadro mais amplo, pela primeira vez verdadeiramente nacional (Alencastro, 1997, p. 21-22).

Em meio a esse cenário, o Brasil recebeu diversas influências culturais com os imigrantes, assim como se apropriou de valores e hábitos do Velho Mundo. No Rio de Janeiro e, pela própria dinâmica descrita por Alencastro, também em outras províncias, percebia-se o desejo, por parte das elites econômicas, de o Brasil ascender enquanto uma nação civilizada pautada em valores modernos tal qual suas congêneres europeias. No que diz respeito ao campo educacional especificamente, embora os problemas da instrução pública já tivessem sido abordados em outros momentos da sua história, foi no século XIX, como já revelou a historiografia brasileira, que os governos provinciais e o poder central, instalado no Rio de Janeiro, começaram a pensar a instrução pública como uma das responsáveis pela construção deste país que se queria moderno.

Como sintetiza Jinzenji (2010, p. 22), o século XIX assistiu “[...] à produção de aparatos legais visando à organização do ensino [...]” em que a própria Constituição do Império, por exemplo, demonstrava a importância que paulatinamente a instrução pública adquiriu durante os Oitocentos. Desde a Constituição de 1824 e a Lei Geral da Educação de 1827 que mandou “[...] crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Império [...]”, passando pelo Ato adicional de 1834 que delegou “[...] às assembleias provinciais a responsabilidade de legislar sobre a instrução primária e secundária [...]”, até a lei de nº 43, de 10 de junho de 1837, que subordinava as escolas de primeiras letras e as de instrução secundária ao Liceu Provincial (no caso de Pernambuco, ao atual Ginásio Pernambucano), muitos foram os mecanismos legais que ‘permitiram’ a ampliação do acesso à escolarização para diferentes grupos sociais, dentre eles, o das mulheres.

Em Pernambuco, as reformas educacionais que de algum modo contemplaram as mulheres começaram a ser empreendidas com maior esforço a partir da segunda metade do século XIX, caracterizadas pelas “[...] ações voltadas à regulamentação da instrução pública, à formação docente e à dinâmica de ensino-aprendizagem nas escolas primárias” (Gonçalves Filho, 2016, p. 24). Contudo, nas disposições legais, correspondendo às tradições estabelecidas, existiam, também, claras distinções entre as temáticas abordadas nas escolas para meninos e nos estabelecimentos de ensino destinados para as meninas. Para elas, por exemplo, eram recomendadas noções de costura2 e economia doméstica, enquanto agricultura, geometria e ginástica eram assuntos abordados em escolas para o sexo masculino.

Essa diferença nas propostas de educação entre os sexos também está nos números: em 1870, das quase 150 mil pessoas que sabiam ler e escrever, “[...] 92.664 eram do sexo masculino e 54.661 do sexo feminino [...]” e, entre os anos de 1855 e 1874, “[...] 2.292 meninos concluíram o A-B-C nas escolas públicas primárias de Pernambuco, ao passo que só 954 meninas alcançaram esse êxito” (Gonçalves Filho, 2016, p. 29-30). Se esses números desvelam que, embora o acesso à educação por parte das mulheres estivesse em pauta, existia nítida diferença que ia além deles já que,em relação aos conteúdos escolares, prevalecia uma noção de educação feminina voltada ao aprendizado das prendas domésticas e de boas maneiras, calcada em uma formação moral que as preparavam para o casamento e a maternidade (Jinzenji, 2010; Gonçalves Filho, 2016).

Entre os avanços promovidos pelas reformas de ensino na legislação e os números que revelam a desigualdade que ainda envolvia o ensino destinado a meninos e meninas na província de Pernambuco, Maria Amélia, embora vivesse em condições econômicas melhores que muitas meninas que entravam nas escolas, não estava isenta de ser atingida por esse cenário de desigualdade nas oportunidades de acesso à instrução. Mesmo pertencendo a uma das grandes famílias de Pernambuco, é importante frisarmos que no Nordeste, de modo geral,

[...] a mulher de elite, mesmo com um certo grau de instrução, estava restrita à esfera do espaço privado, pois a ela não se destinava a esfera pública do mundo econômico, político, social e cultural ‘[...]Muitas filhas de famílias poderosas nasceram, cresceram, casaram e, em geral, morreram nas fazendas de gado’ [...] Raramente aprenderam a ler e, quando o fizeram, foi com professores particulares, contratados pelos pais para ministrar aulas em casa. Muitas apenas conheceram as primeiras letras e aprenderam a assinar o nome. Enquanto seus irmãos e primos do sexo masculino liam Cícero, em latim, ou Virgílio, recebiam noções de grego e do pensamento de Platão e Aristóteles, aprendiam ciências naturais, filosofia, geografia e francês, elas aprendiam a arte de bordar em branco, o crochê, o matiz, a costura e a música (Falci, 2004 p. 263, grifo do autor).

Em uma sociedade marcada pelos laços patriarcais e ancorada na proteção do senhor de engenho, em que a política se pautava nas relações de parentesco, em um verdadeiro ‘familismo político’, como denomina Melo (1997),o principal papel da mulher era manter esses arranjos familiares, o que dispensava os estudos mais aprofundados, tais quais os destinados aos homens, e revestia o casamento de uma importância ainda maior para as moças das sociedades açucareiras nordestinas. De acordo com Falci (2004, p. 271, grifo do autor), a moça que passasse de seus 25 anos sem contrair matrimônio seria considerada “‘moça velha’, ‘moça que tinha dado o tiro na macaca’, ou ainda moça que estava no ‘caritó’ [...]”, adjetivos esses que a maioria das jovens oitocentistas temia receber. Nesse cenário, há que ressaltarmos que Maria Amélia precisou romper com esses valores que negativavam a imagem da mulher solteira para se formar em medicina, tendo se casado somente após ter adquirido seu diploma de médica, aos 38 anos de idade.

De acordo com as fontes, no período de sua instrução formal, a família de Maria Amélia residia na ‘casa da cidade’ do Recife, onde o Sr. João Florentino Júnior e D. Herundina eram donos de propriedades comerciais e negociantes do ramo de carnes secas no centro da capital pernambucana (Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial e Agrícola da Província de Pernambuco, 1875). Acompanhando o que acontecia com algumas das moças das famílias mais abastadas que viam na instrução um elemento importante, Maria Amélia aprendeu suas primeiras letras com um professor particular, o padre Francisco João Azevedo, que lhe ensinou também música e desenho. Padre Francisco era uma figura notável no cenário brasileiro, considerado o inventor de uma máquina taquigráfica que teria sido utilizada como protótipo da máquina de escrever (Cantarin, Almeida, & Lima, 2015).

Contudo, ao contrário do cenário descrito por Falci (2004), a educação de Maria Amélia não terminou com as noções de leitura e música. Além do ensino das primeiras letras com um professor legitimado pela sociedade pernambucana3, os pais da pernambucana investiram na instrução da filha fazendo-a estudar geografia com o ‘Dr. Arcelino de Queiroz’-que escreveu compêndios elementares de geografia adotados pela Escola Normal, importante instituição de ensino em Pernambuco do século XIX -;francês e desenho com o mestre Giuseppe Marinangeli e italiano com o professor Carlo Cighera (Almanach de Pernambuco, 1913).

Tobias Barreto de Menezes, que, no final da década de 1870, veio a defender a proposta de subvenção pública para custear os estudos de Maria Amélia na faculdade de Medicina, foi seu professor de alemão, provavelmente em um colégio misto, fundado pelo próprio jurista em 1870, antes mesmo de seu estabelecimento na cidade de Escada (Barreto, 1994; Aguiar, 1997). Segundo Aguiar (1997), a instituição de ensino recebeu o nome de ‘Collegio 25 de Março’ e funcionava na praça Conde d’Eu, no Recife. Além do alemão, com Tobias Barreto ela também estudou literatura e poesia e teve contato com as artes por meio de aulas de canto e piano com a atriz, cantora e pianista Giulia Beltramini, descrita pelos jornais como ‘discípula do Conservatório de Milão’ (Diário de Pernambuco, 1869).

Tais como a professora Beltramini, o professor padre Francisco, o bacharel Arcelino de Queiroz e o jurista Tobias Barreto também tiveram atuação destacada no campo da educação, conforme anunciado nos jornais da cidade. As fontes revelam ainda que a formação dessa pernambucana também se deu com mestres que trabalharam em instituições de ensino bem recomendadas da cidade, a exemplo de seu professor de geografia, que lecionava na Escola Normal do Recife. A escolha de seus mestres de idiomas, literatura e música permite-nos inferir ainda que seus pais pretenderam possibilitar o aprendizado com mestres que colocassem a menina Amélia em contato com os costumes europeus, tão caros às famílias ricas da época.

Ao que nos parece, os esforços empreendidos pelos pais de Maria Amélia para que ela continuasse seus estudos remontam a uma espécie de ‘tradição familiar’ perpetuada entre os Cavalcanti de Albuquerque. Cadena (2011) aponta que o destaque da família na configuração política oitocentista ultrapassa a importância de suas riquezas materiais, que, segundo o autor, não eram tão vultosas quanto se acreditava na época. Dentre as estratégias utilizadas pelos Cavalcanti de Albuquerque para conquistarem sua notoriedade, estava justamente o preparo de seus rebentos para inseri-los na vida pública ou em ramos profissionais de prestígio, a exemplo da profissão médica, em ascensão no século XIX. Também é preciso registrar que Amélia Cavalcanti era filha única (Almanach..., 1913), o que pode ter direcionado o empreendimento dos seus pais, visto que a moça não teria irmãos com quem competir pelos recursos familiares.

Além disso, ainda que seus pais fossem oriundos de famílias donas de engenho, após a consolidação do Partido da Praia em Pernambuco, durante a Revolução Praieira de 1848, e a subida de Chichorro da Gama -um liberal ‘anti-Cavalcanti’, nas palavras de Cadena (2011) -à presidência da província em 1845, a força dos Cavalcanti de Albuquerque foi significativamente diminuída.O avô paterno de Maria Amélia, João Florentino Cavalcanti de Albuquerque, por exemplo, foi diretamente afetado por esse cenário, uma vez que acumulou dívidas e perdeu muito de seu poder e prestígio nos conflitos entre gabirus e praieiros4 na década de 1840. Mesmo que João Florentino tenha sido alçado ao posto de tenente-coronel tempos depois e que fosse dono de pelo menos três engenhos na freguesia de Sirinhaém (Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial e Agrícola da Província de Pernambuco, 1869), a família de Maria Amélia não possuía fortuna suficiente para desprender gastos com os estudos na Faculdade de Medicina na Corte, o que justifica o pleito pela subvenção pública.

No entanto, os professores e as ‘aulas’ elencadas anteriormente demonstram que esse período formativo de Maria Amélia foi resultado, para além da ação particular de seus pais e dos bons desempenhos da aluna, do poder econômico da família que ainda detinha rendimentos suficientes para custear as aulas particulares com mestres conceituados na província. Tais dispositivos sinalizam para alguns dos recursos necessários para que a mulher pudesse ascender intelectualmente no Império Brasileiro, os quais, ainda que insuficientes, se mostravam imprescindíveis, no Brasil, para o desempenho daquelas que queriam ir ao encontro do saber. Faltava ainda o aparato legal que impulsionasse os estudos da mulher a ponto de fazê-la parte do processo de modernização tão almejado pelo país, como já ocorria na Europa e nos Estados Unidos.E foi justamente neste campo, o legal, que, a partir da segunda metade do século XIX, ocorreram algumas mudanças em relação à educação feminina (Del Priore, 2016) e que possibilitaram o avanço dos estudos posteriores das futuras doutoras, como foi o caso de Maria Amélia Cavalcanti.

Exames preparatórios e subvenção pública

No Almanack de Pernambuco de 1913, Maria Amélia é descrita como uma moça advinda de famílias tradicionais e admirada pela sua determinação em continuar seus estudos. O periódico destaca ainda a estima que Tobias Barreto nutria pela moça de Escada e a defesa que empreendeu na ocasião do pleito por subvenção pública para que ela pudesse estudar medicina fora de Pernambuco. Consolidado como um dos personagens mais importantes da história da Faculdade de Direito do Recife (FDR), o jurista e poeta Tobias Barreto de Meneses é uma das peças-chave para compreendermos o percurso formativo da primeira médica de Pernambuco, pois revela outro dispositivo necessário para a ascensão da nossa personagem: as redes de sociabilidade.

Embora, para alguns, Tobias Barreto tivesse a imagem de ‘mestiço impulsivo, malcriado, briguento e polemista’, para outros, o poeta e jurista foi fonte de inspiração para sua geração e para as seguintes (Barreto, 2016, 2020). Contudo, não foi só no campo do direito e da poesia que atuou Tobias: intelectual de seu tempo, além de ter sido professor de Maria Amélia e, tempos depois, professor da Faculdade de Direito de Recife, foi uma voz atuante na tribuna da Assembleia Provincial em favor da educação, quando deputado pelo Partido Liberal, entre 1878 e 1879. Ao contrário do viés elitista e religioso que recaía sobre a visão da instrução formal, o jurista acreditava que a responsabilidade do desenvolvimento intelectual deveria recair não somente na conta do poder público, mas também do próprio povo, sendo a educação um “[…] meio de agregar valores e elevar o grau de alerta e exigência dos cidadãos” (Barreto, 2016, p. 109). Foi com esse pensamento que Tobias esteve engajado em debates relativos a projetos voltados para a questão da instrução pública na Assembleia Provincial, incluindo o pedido de bolsa de estudos de Maria Amélia, bem como defendeu o pedido da primeira solicitante, Josefa Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira, para estudar no exterior. Segundo Cavalcanti,

Quando a petição de Romualdo, transformada no Projeto n° 61, foi levada, vitoriosa, à segunda discussão, Tobias logrou ver aceita uma emenda, de sua autoria, estendendo os benefícios da subvenção a outra jovem pernambucana, que ele considerava talentosa: Maria Amélia Florentino [sic.] Cavalcanti (Cavalcanti, 1959, p. 153).

Opondo-se ao jurista, e representando a tradição pernambucana à época, o deputado e médico Malaquias Antônio Gonçalves5obstinou-se a barrar a concessão da bolsa para as duas jovens, sendo duramente criticado por Tobias Barreto. O sergipano caracterizava a teoria -que sustentava o argumento de seu opositor -de inferioridade intelectual e ‘decrépita’ e que muito o admirava ver ‘um espírito culto’ como o do deputado Malaquias “[…] abraçar-se com o cadáver de uma teoria inanida, que já não pertence aos nossos tempos, que deve ser enterrada na mesma fossa, em que dorme o pobre dogma do pecado original” (Barreto, 1879 apud Diário de Pernambuco, 1879a, p. 2-3).

Ao final de seu discurso e dos embates com o doutor Malaquias, o sergipano discorre sobre as qualidades que tornavam Maria Amélia apta ao ensino superior:

Esta moça estudiosa, aproveitando a ocasião que mais azada se lhe oferece, dirige assim, por meu intermédio, à representação de sua província um pedido que já há algum tempo projetara dirigir-lhe, para ver se consegue levar a efeito o seu mais íntimo desejo, que é o desejo de ilustrar o seu espírito, o desejo de instruir-se. E eu justamente encarreguei-me de apresentar aqui o seu pedido, porque tenho pleno conhecimento do seu talento […] Já tem, pelo menos, instrução preparatória suficiente para habita-la, em pouco tempo, aos estudos universitários […] posso afiançar-lhes e sem exageração, que é um espírito elevado, é uma dessas mulheres, que nasceram para o estudo, que nasceram ‘para o livro’, dotada de uma certa ‘curiosidade científica’, que não é comum nos próprios homens, naqueles mesmos, que se têm na conta de muito devotados à ciência (Barreto, 1879, apud Diário de Pernambuco, 1879a, p. 2-3, grifo do autor).

Mesmo com a defesa eloquente de Tobias Barreto, o projeto de subvenção não foi sancionado de imediato, conforme consta nos informes sobre a Assembleia Provincial no jornal Diário de Pernambuco. A justificativa para a recusa foi a de que, em razão do ‘estado pouco lisonjeiro das finanças provinciais’ e dos gastos dos cofres públicos, “[…] não seria licito agravar semelhante estado de cousas com a despesa de subvenção a varias senhoras, em idade ainda verde” (Diário de Pernambuco, 1879b). O detalhe é que nessa época Maria Amélia contava 25 anos, e a pouca idade não era impedimento para os homens que começavam o ensino superior com cerca de 12 anos de idade.

Somado a esses dispositivos há, também, no caso específico da entrada de mulheres no curso de medicina, o exemplo dado por Maria Augusta Generoso Estrella, que decidiu estudar medicina fora do país ainda na década de 1870, colocando em discussão, na Corte, o acesso das mulheres à profissão médica. Tais inciativas foram cruciais e repercutiram no decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, conhecido como Reforma Leôncio de Carvalho (1879), que, embora com muitas críticas, finalmente permitia a entrada de mulheres nos cursos médicos brasileiros.

Com a ‘Reforma Leôncio de Carvalho’, o ensino superior brasileiro passou por significativa mudança. O decreto n° 7.247, baseado no que ocorria nas universidades alemãs, conferia liberdade quanto à frequência dos alunos do curso, além de permitir que os alunos repetissem os exames caso não fossem aprovados. Schwartzman (2015, p. 120-121) afirma que essa reforma foi resultado da “[…]adoção mal compreendida de elementos do sistema universitário alemão [...]” e ocasionou diminuição do controle estatal sobre os cursos médicos, sendo criticada à época, pois as mudanças trazidas pelo decreto fizeram desaparecer “[…]o pouco controle de qualidade que havia no regime anterior de centralização [...]”, deixando “[...] a impressão de que o Brasil não estava preparado para o pluralismo e a liberdade acadêmica”.

Contudo, o fato é que, mesmo sob críticas, o referido decreto/reforma permitiu a matrícula de mulheres nos cursos de Medicina brasileiros. Por isso, seguindo os passos de Maria Augusta, muitas mulheres se valeram de mecanismos legais, como a referida Reforma de 1879, para pleitear espaços nos cursos médicos. No caso de Maria Amélia, isso começou com o cumprimento de todos os exames previstos pela reforma6, pois os estudos que tinha ainda a impossibilitavam de cursar medicina em faculdades brasileiras.

Ainda que Tobias Barreto tenha dado início ao processo legal de concessão da bolsa em 1879, somente em 1881 (e a partir de nova solicitação) a bolsa de estudos de Amélia foi finalmente aprovada em 1º discussão na Assembleia Provincial, constituindo-se em um dos mais importantes dispositivos acionados à época para a ascensão das mulheres em espaço científico. Àquela altura, Maria Amélia já havia realizado os exames que a habilitavam para o ingresso no ensino superior brasileiro, conforme rezava o artigo 200, § 1 da referida reforma de 1879.

E, a título de revelar a dinâmica de acesso ao ensino superior nesse momento histórico, há que registrarmos o processo encabeçado por nossa personagem, que assim se resume: em novembro do ano de 1880, a pernambucana realizou os exames referentes à língua francesa e língua nacional. No ano seguinte, efetuou os exames para a língua inglesa e em 1882 fez os exames de geografia e latim7. O levantamento das folhas de registros encontrados na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro também aponta que, em 1883, a estudante prestou os exames referentes às disciplinas de aritmética e história, todos no mês de fevereiro. O ano de 1884 foi fundamental para a futura médica, pois nesse ano fez os exames de geometria, filosofia e álgebra e, com eles, cumpria todas as exigências para o ingresso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (Faculdade de Medicina…, 1880-1883, 1884-1889, 1890-1894, 1895-1898).

Em todos os exames, pagos, há que ressaltarmos, a estudante obteve aprovação e o seu desempenho foi fundamental para a implementação da bolsa de estudos pelo poder público. Contudo, tendo em vista que em sua formação inicial até 1877 não haviam sido encontrados indícios de que a jovem estudara disciplinas como história, filosofia, Álgebra e aritmética, em nossa pesquisa foi preciso atentar-nos para o fato de que a preparação dela para o ensino superior não havia sido finalizada na década de 1870. Conforme o levantamento das provas de Maria Amélia realizado na Faculdade de Direito do Recife, encontradas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e as listas de aprovados nos exames entre os anos entre 1881 e 1885, publicados nas folhas do Diário de Pernambuco, é possível apontarmos que o período de preparação da estudante para o ensino superior foi realizado no Collegio Dous de Dezembro, no Recife, instituição particular de ensino misto.

Bem quisto por causa do seu corpo docente, o Collegio Dous de Dezembro era elogiado nas páginas dos jornais recifenses que publicavam as listas dos estudantes que prestavam os exames na Faculdade de Direito do Recife, afirmando que, dos 94 alunos da turma de 1879, somente três tiveram resultados negativos e que, pela lista publicada, era possível verificar

Tão explendidos resultados, que estamos persuadidos, nenhum collegio desta cidade ainda obteve, dão a medida exacta dos exforços empregados, em pró do adiantamento de seus alumnos, pelos dignos directores dessa casa de educação [...] o zello d’esta, quer pelo que respeita á moralidade, que pelo que interessa ao bem estar material do estabelecimento, nada deixa á desejar (Diário de Pernambuco, 1879c, p. 1).

A preferência do Diário de Pernambuco e a falta de outros colégios que mostrassem tão bons resultados conduzem ao pensamento de que o Collegio Dous de Dezembro era muito bem conceituado na cidade e, por isso, recomendado ‘como uma casa de educação moral e litteraria’ entre as famílias com condições financeiras suficientes para matricularem seus filhos. Mais uma vez, as condições da classe à qual pertencia Maria Amélia permitiram que esta tivesse uma educação qualificada para os padrões da época e fosse preparada para o ensino superior, o que, ainda assim, não era comum nos Oitocentos.

Ainda que tivessem apoio financeiro para custear seus estudos, é preciso considerar que poucos foram os nomes femininos encontrados nas listas investigadas8, o que demonstra que poucas eram as mulheres, mesmo entre as mais abastadas, que estavam se preparando, entre os finais dos anos de 1870 e início dos anos de 1880, para o ensino superior. Menor era ainda o número de mulheres que entrava nas faculdades e que concluía os cursos, e mais raros os casos em que elas tiveram seus estudos custeados pelos cofres públicos. A trajetória de Maria Amélia foi um desses casos excepcionais da educação nos Oitocentos.

A formação no curso de Medicina

Desde os primeiros passos dados em 1808, sob a orientação do cirurgião-mor José Corrêa Picanço, a comunidade médica no Brasil buscou meios de se projetar como detentora dos conhecimentos sobre os corpos e suas doença se esforçou-se para tornar obrigatória a formação profissional para se bem exercer a medicina, em uma clara tentativa de distinção entre aqueles que tiveram sua trajetória ancorada na formação acadêmica e os ‘leigos’ que atuavam na cura de doenças sem o aparato ou o reconhecimento, científico e institucional. Esse reordenamento das instituições formativas foi se desenvolvendo e se tornando cada vez mais complexo nos Oitocentos.

Pela lei de 3 de outubro de 1832, as Academias Médico-Cirúrgicas da Bahia e do Rio de Janeiro foram transformadas em faculdades e com isso uma mudança de paradigma foi implementada. De acordo com Edler (2003), com base no modelo francês, a medicina não mais se pautaria pela figura do médico-de-família com funções clínica e de cirurgia, mas em uma medicina de cunho anatomoclínico e,

Nesse período, marcado pela crença da dependência da patologia e da terapêutica médicas aos fatores climático-telúricos circunscritos ao meio ambiente, a rejeição da herança colonial da Fisicatura-mor e do legado de informações médicas, mais ou menos impressionistas, descritas pelos viajantes naturalistas, impôs-se como pré-condição à afirmação do novo ethos profissional (Edler, 2003, p. 149).

No caso específico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro -FMRJ -, a comunidade médica ganhou outro estímulo para direcionar seus esforços no sentido de superar o estado de precariedade em que se encontrava a formação médica até então. Nessa perspectiva, qualificar,tendo como foco a ‘patologia brasileira’-os profissionais da medicina assim como os de odontologia, farmácia e as parteiras -pressupunha também a necessidade de se melhorar as condições sob as quais esses médicos se formavam, já que isso, ao final de seu percurso formativo, conferiria aos recém-formados um estatuto diferenciado pautado na qualidade e legitimidade de sua profissionalização. Essa especialização mostra como a comunidade médica esteve empenhada em realizar melhorias de suas instâncias formativas e como “[…] produziram-se condições para que a razão médica se estabelecesse como um saber para poucos” (Gondra, 2004, p. 77), excluindo-se ou limitando-se a atuação daqueles sem formação9, como era o caso dos curandeiros (Pimenta, 2004).

Ser admitido na instituição de profissionalização médica, atender ao rígido código institucional para permanecer na faculdade e dela sair formado tornaram-se exigências que não apenas autorizavam a atuação do sujeito como médico, mas também reafirmavam a importância das instituições de ensino da medicina como as únicas responsáveis por formar e avaliar os futuros doutores da área. Foi nesse contexto de especialização e de melhoria nos cursos voltados para as práticas de cura e prolongamento da vida, que incluía melhorias nos aspectos técnicos e institucionais do curso e sua própria ampliação às mulheres, que a formação profissional de Maria Amélia Cavalcanti esteve inserida.

Assim, aproveitando o fluxo das reformas, Maria Amélia Cavalcanti terminou seus preparatórios. Com o apoio financeiro da subvenção pública, seguiu para o Rio de Janeiro quando tinha cerca de 30 anos, ou seja, cinco anos após sua primeira tentativa. A pernambucana entrou em um curso que, majoritariamente, formava “[...] homens, brancos e membros integrantes da elite material e cultural da sociedade da Corte [...]” antes que estes completassem 25 anos (Gondra, 2004, p. 112). Ou seja, além do distanciamento pelo gênero, podemos inferir que sua ‘entrada tardia’ no curso de Medicina implicou, também, em um distanciamento etário em relação aos seus colegas de faculdade.

Além desses distanciamentos, é preciso ressaltar que existia o de caráter geográfico. Tendo 30 anos de idade e ingressando em uma área de formação tão recente para as mulheres, Maria Amélia precisou sair de sua terra para concretizar o objetivo de formar-se médica. Mesmo existindo uma faculdade localizada em Salvador, cidade de uma província vizinha à sua, o que supostamente diminuiria os estranhamentos em relação à nova condição de estudante de medicina, Amélia direcionou os esforços para ser admitida no curso localizado na Corte. Esse aspecto da formação da pernambucana não era um dado incomum entre os estudantes de medicina, visto que as melhores condições do curso fluminense, comumente, atraíam a matrícula ou transferência de jovens da parte norte do Brasil para estudarem medicina no Sul (Gondra, 2004).

Esse deslocamento da pernambucana nos sugere que ela seguiu o fluxo de estudantes nordestinos que iam para o sul para ter acesso ao ‘melhor ensino médico’ em terras brasileiras, tendo como objetivo uma formação mais qualificada para a profissão médica. Ainda que o curso na Corte também fosse alvo de críticas10, as oportunidades formativas eram mais animadoras na FMRJ, se compararmos com a sua congênere baiana, como nos mostra a pesquisa realizada por Abreu e Miranda que levam em conta os menores salários dos professores na Bahia, a ausência de materiais didáticos mais consistentes na biblioteca desta instituição e a estrutura físico-ambiental do curso em Salvador, por exemplo.

As instalações cirúrgicas eram definidas como ‘vergonhosas’, a tal ponto que durante a visita de um médico estrangeiro ao hospital da Faculdade, o professor que o acompanhava sentiu-se obrigado a mentir para salvar as aparências, informando ao visitante que a sala de operações tinha sido vítima de um incêndio recente, razão pela qual as operações estavam sendo realizadas em condições provisórias em uma simples sala de curativos […]. (Abreu & Miranda, 2014, p. 15, grifo do autor).

Para Abreu e Miranda (2014, p. 15), a FMRJ “[…] sempre foi privilegiada pelo poder público em relação à sua irmã nordestina, e, como se não bastasse, ainda acusava esta última de baixo nível científico, da falta de rigor e seriedade nos seus exames”. Ainda de acordo com os autores, a maior fatia de recursos destinados à FMRJ era justificada pelo poder público por esta possuir mais alunos frequentando seus cursos, e eram esses investimentos que tornavam a faculdade na Corte uma instituição mais bem preparada, dado que pode ser observado, por exemplo, na quantidade de leitos hospitalares das duas instituições: enquanto o Rio de Janeiro contava com 39, a Bahia possuía pouco mais de dez leitos (Abreu & Miranda, 2014). Por estar mais perto da Corte, a FMRJ recebia não só mais recursos, mas obtinha mais prestígio e apoio do império para além do inventivo financeiro, visto que o próprio dom Pedro II comparecia aos concursos promovidos pela instituição, defesas de teses e formaturas.

Também é preciso ressaltar que os estudantes da Faculdade de Medicina na Corte já estavam mais familiarizados com estudantes do gênero feminino, tendo em vista que as médicas gaúchas pioneiras da medicina brasileira já estudavam na instituição e, desde a década de 1830, mulheres como Madame Durocher11, parteira diplomada por essa instituição de ensino, já havia conquistado o reconhecimento da comunidade científica da Corte. Contudo, mesmo que a convivência com mulheres na faculdade de medicina não fosse novidade, isso não evitava que a entrada destas em um curso superior cujo status social já estava legitimado se desse em meio a hostilidades por parte dos homens e da própria sociedade oitocentista de maneira geral.

Embora o cenário aqui no Brasil tenha sido mais favorável à convivência entre estudantes dos dois gêneros, se compararmos com a situação nos Estados Unidos e Inglaterra12, por exemplo, Maria Amélia estudou em um momento em que as alunas de medicina ainda eram hostilizadas. E, se Maria Augusta Estrela foi elogiada, em periódicos e pelo próprio imperador Pedro II13, no ano de 1881, por ter obtido seu diploma de médica no New York Medical College and Hospital for Women, Ermelinda Vasconcelos não teve a mesma sorte: recém-formada pela FMRJ, ganhou, em1888, uma crônica intitulada A machona, escrita pelo jurista e autor da história da literatura no Brasil, Silvio Romero, que tratou com escárnio o seu desempenho no curso de Medicina (Rezende, 2009). Outras críticas também foram endereçadas às aspirantes ao título de doutora:

Joaquim José da França Junior, advogado, dramaturgo do final do Império, escreveu a comédias As doutoras, expressando sua oposição à entrada das mulheres na medicina […] As Doutoras, sucesso de público com 50 apresentações, entusiasmou outros pretensos dramaturgos como Silva Nunes que escreveu a peça A Doutora cujo enredo leva uma médica a um bordel por dever de profissão e conclui que a ‘profissão médica é incompatível com uma mulher honrada’ (Colling, 2011, p. 181, grifo do autor).

Conforme nos mostram Silva e Sampaio (2010), com os insultos por enfrentar, como fez Madame Durocher em sua época, Rita Lobato e outras médicas pioneiras contemporâneas de Maria Amélia se vestiam ‘sobriamente’, e até com algumas peças de roupas ditas masculinas, para evitarem a exposição e impedirem de serem confundidas com prostitutas e também para manterem a imagem de mulher honrada. Ou seja, mesmo obtendo o direito legal de cursar medicina e tendo o reconhecimento formal de seus pares na obtenção de seus diplomas, as mulheres médicas oitocentistas precisavam conviver ainda com uma rígida norma comportamental para evitar serem escarnecidas e descredibilizadas pela sociedade oitocentista, incluindo os homens cultos.

Também Josepha Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira14, estudante subvencionada pela província de Pernambuco, chegada dos Estados Unidos e já matriculada no curso de Medicina do Rio de Janeiro, foi alvo de algumas hostilidades por parte dos alunos na mesma época. Lobo (1967), em seus estudos sobre o ensino médico no Brasil império, destaca a denúncia que Josefa Águeda fez a um de seus colegas de curso por ter sido insultada nas dependências da FMRJ:

[…] só chegou ao nosso conhecimento um incidente havido entre o aluno Anastácio Ferreira Dias e sua colega Josepha A. F. M. de Oliveira. A aluna representou e o Diretor, em Congregação, declarou que os insultos do aluno afetavam a honra e pundonor da queixosa, pedindo para o mesmo as penas regulamentares. Falou-se em Comissão de inquérito, mas parece-nos que o incidente foi abafado. Foi ocorrência excepcional na vida da Faculdade (Lobo, 1967, p. 484).

Tal cenário foi descrito por Lobo (1967, p. 484) como uma exceção, visto que o clima que imperava era da “[…] maior e franca cordialidade entre os alunos dos dois sexos matriculados [...]” na instituição de ensino médico. Contudo, é preciso reiterarmos que, mesmo com o crivo legal da ‘Reforma Leôncio de Carvalho’, as alunas, a exemplo de Ermelinda Vasconcelos e Josepha Águeda, eram alvo de discursos que ainda buscavam invalidar suas permanências nos cursos médicos. Mais do que isso, a própria faculdade reconheceu os insultos e exigiu punições, ao mesmo tempo que, ainda segundo Lobo, também silenciou o caso para evitar maiores constrangimentos. Neste caso, é importante ressaltarmos que a própria Josepha se valeu das normas institucionais para tentar se resguardar de alguma forma, tendo em vista que se encarregou de denunciar as hostilidades sofridas.

Maria Amélia, talvez fruto do amadurecimento, também procurou se resguardar na medida em que evitou certos comportamentos para se esquivar de situações desagradáveis ou que deslegitimassem seu ofício. Exemplo disso foi que, em entrevista concedida ao Almanach de Pernambuco (1913), ao ser questionada sobre seus escritos poéticos, a já ‘doutora Amélia’ se recusou a conceder alguns de seus poemas ao entrevistador, pois, segundo ela, mostrá-los ao público não seria adequado à sua postura médica, ainda que muitos intelectuais e profissionais da medicina e do direito também escrevessem e publicassem poemas, como o próprio jurista Tobias Barreto com quem estudou. Tal dado demonstra que, assim como as mulheres da parte sul do Brasil, mesmo legitimada por seus pares e elogiada pela própria imprensa da província, a médica pernambucana ainda precisou seguir um código de conduta que não pusesse em risco sua imagem enquanto profissional da medicina.

Mesmo com esses entraves de ordem ‘moral’, em sua formação, exceto pelos comentários e crônicas direcionadas à classe de mulheres-médicas, em nossa pesquisa, não encontramos maiores incidentes que tenham dificultado a formação médica da pernambucana. Como já registrado, Amélia Cavalcanti terminou os exames preparatórios em 1884 e em dezembro desse mesmo ano matriculou-se no curso de Medicina no Rio de Janeiro. Somente no ano seguinte passou a frequentar as aulas e, entre esse ano e o ano de 1891, Amélia cursou as disciplinas15 contidas em oito séries distribuídas em seis anos de curso médico, conforme estipulavam a ‘Reforma Leôncio de Carvalho’ (1879) e a ‘Reforma Sabóia’ (1882). Por seu desempenho, Maria Amélia foi aprovada com distinção ou plenamente nas matérias obrigatórias, incluindo aquelas destinadas à observação clínica e prática cirúrgica.

Como já pontuado, enquanto foi aluna, a pernambucana se inseriu em um momento de profunda remodelação do trabalho, do corpo docente e do próprio curso médico no Brasil, o que coincide diretamente com o maior prestígio do discurso científico e a ampliação dos campos de atuação dos médicos na segunda metade do século XIX (Gondra, 2004). A década de 1880, além de trazer as reformas que permitiram às mulheres cursarem medicina, também proporcionou à Maria Amélia um curso médico remodelado e com 26 disciplinas que ampliavam a formação dos profissionais médicos, além do contato com uma ambiência científica e coma mudança nos costumes e nos discursos pelas quais passava a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Cursados os seis anos, em janeiro de 1892 Maria Amélia obteve o seu diploma de médica defendendo sua tese sobre moléstias na pele, indo de encontro às escolhas de suas colegas de curso que, a exemplo de Rita Lobato e Ermelinda Lopes, se dedicaram a defender teses voltadas para o campo obstétrico ou ginecológico. Sua escolha esteve ligada ao curso de Pediatria que fez, concomitantemente, durante três anos, na ‘Policlínica do Dr. Carlos Moncorvo’, reconhecido como ‘pai da pediatria no Brasil’ e que teve no espaço e atendimentos da clínica, um meio de formar os primeiros pediatras brasileiros. Foi lá, segundo ela, que recolheu todas as observações para construção de sua tese.

Sobre as teses defendidas pelas pioneiras, embora não diferissem daquelas defendidas pelos alunos do gênero masculino, não sem razão “[…] pode-se perceber uma preocupação em oferecer uma medicina que se ocupasse da saúde e qualidade de vida das mulheres” (Silva & Sampaio, 2010). Além das teses em mesmo nível de produção intelectual, há que ressaltarmos que as estudantes de medicina brasileiras cursavam as mesmas disciplinas e tinham acesso aos laboratórios e aulas práticas da faculdade, estando aptas a cuidar de qualquer paciente, assim como os homens. Contudo, segundo o velado código de moralidade oitocentista que se estendeu também ao começo do século XX, a prática da medicina pelas pioneiras estava restrita ao cuidado de crianças e, sobretudo, de outras mulheres. Mesmo divergindo quando da escolha do tema de sua tese, a pernambucana também direcionou sua atuação profissional para o cuidado da saúde e do prolongamento da vida da mulher, assim como fizeram as outras médicas formadas de sua época.

Quase uma década separa a estudante de 1884 da médica diplomada que retornou à cidade do Recife com quase 40 anos de idade. Parabenizada pelos jornais da época, a menina de Escada deixou uma cópia de sua tese na sede de um dos periódicos que foi convidada a visitar, experimentando o prestígio que sua trajetória formativa lhe havia conferido. Em meio às auroras republicanas e contra os adjetivos de ‘machona’ conferidos às estudantes de medicina ainda no império, montou seu consultório no centro do Recife, precisamente no atual bairro Conde da Boa Vista, onde atendia a mulheres e crianças. Em algumas publicações do Jornal de Recife entre os anos de 1890 e 1920 é possível encontrarmos alguns anúncios do consultório da ‘Doutora Amélia’. Mais do que isso, algumas páginas do jornal desvelam o reconhecimento da sociedade pernambucana face aos serviços prestados, o que nos permite apontar o esmaecimento das hostilidades e desconfianças dirigidas à formação e atuação de mulheres médicas.

No mesmo ano de sua defesa de tese, por exemplo, já em Pernambuco, Maria Amélia é parabenizada por um homem, o capitão Joaquim Vallarim, cuja mulher estava sofrendo ‘incommodos gravíssimos e dolorosos’ por ter dado à luz ao seu filho. Na edição n° 133 do Jornal de Recife de 1892, o senhor destaca que a recém-formada havia sido indicada por um de seus amigos e que, após ser solicitada a visita à enferma, Maria Amélia prontamente atendeu ao chamado do jovem pai e “[...] com a máxima e melhor boa vontade prestou-se ao que desejávamos”. Segundo Joaquim Vallarim, Maria Amélia realizou tão bons serviços e com tanto profissionalismo e ‘robusta ilustração’ que ele passou a duvidar que alguém poderia exceder o talento da ‘Doutora Amélia’. Tal agradecimento deixa claro o espaço social também conquistado por Maria Amélia e como ela dirigiu suas aptidões. Assim como suas colegas, a doutora Amélia Cavalcanti direcionou seu trabalho para o alívio das enfermidades que, por questões de ordem moral e pela própria falta de médicos capacitados (Martins, 2004), acometiam os corpos femininos e ceifavam a vida de muitas mulheres em terras brasileiras.

Considerações finais

Mesmo diante de posicionamentos favoráveis à educação feminina, como o de Tobias Barreto, a força dos discursos que limitavam a participação das mulheres nas esferas política, intelectual e profissional ainda estava presente na sociedade oitocentista. No último quartel do século XIX percebemos ainda o reforço dos papéis de esposa e de mãe e a utilização do discurso médico-científico para justificar a incapacidade delas para trabalhos intelectuais, tal qual apontamos pelo discurso do deputado Dr. Malaquias. Contudo, ao analisarmos a trajetória formativa de Maria Amélia, propomo-nos a distanciá-la de uma visão generalista acerca da mulher oitocentista que, ao privilegiar a dicotomia mulher oprimida versus homem opressor, ignora a ação e apaga as experiências das primeiras, afastando-nos, portanto, de “[…] uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas” (Perrot, 2007, p. 16).

Ancoradas em Perrot (2007), inserimos este estudo na gama de pesquisas sobre a história das mulheres que, para além das investigações sobre os papéis desempenhados por elas na vida privada, explora a atuação feminina nos espaços públicos. Dentro desse contexto, por meio da trajetória de médicas como Maria Amélia e de suas contemporâneas, também tratamos das opressões e hostilidades sofridas pelas mulheres pioneiras na ciência, sem com isso findarmos as relações tecidas entre homens e mulheres, visto que ‘o status de vítima’ não pode resumir a atuação delas ao longo da história, que, dentro de suas possibilidades, souberam “[...] resistir, existir, construir seus poderes” (Perrot, 2007, p. 166).

Por meio da trajetória de Maria Amélia conseguimos enxergar posições de enfrentamento em relação aos papéis socialmente atribuídos ao gênero feminino no século XIX que acabaram por favorecer o processo de profissionalização de mulheres no Brasil. Mais do que isso, a quebra de valores tradicionais por parte de uma mulher nordestina, nascida em meio à zona da mata açucareira, demonstra que o acesso formal de pioneiras ao curso superior de Medicina, para além das reformas de caráter institucional, também foi resultado da agência de mulheres como sujeitos de suas histórias. Em consonância com os estudos de Perrot e Duby (1991), tratamos de ressaltar o protagonismo e a força de vontade dessas mulheres que romperam barreiras de caráter androcêntrico e enveredaram no campo médico-científico.

Por fim, vale ressaltar ainda que, ao investigarmos a história dessa mulher, colocamo-nos também no campo da escrita biográfica, que, conforme Avelar (2010, p. 170), incorre em um redimensionamento da escrita histórica e “[…] evita a formulação de paisagens monolíticas do passado”. Assim, oferecemos um contraponto à ideia das mulheres enquanto seres passivos, evidenciando que, mesmo diante da desigualdade entre os indivíduos que cerceiam suas possibilidades de escolhas, sempre existiram manobras “[…] através das quais os homes [e as mulheres] puderam se movimentar socialmente e promover mudanças” (Avelar, 2010, p. 170).

De modo que, sem olvidarmos as nuances de classe social, cultura local, gênero e dispositivos elencados, a trajetória formativa de Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque nos permite nuançar outra possibilidade de formação de mulheres que vai de encontro à ideia recorrente nas análises sobre o século XIX que tratam majoritariamente da falta de oportunidades educacionais para as meninas, pretendendo, portanto, ser uma contribuição para a escrita das páginas sobre a escolarização e profissionalização de mulheres no campo da medicina que, em terras brasileiras, fincou suas raízes em meados do século XIX e frutifica até os dias atuais. Isso nos leva a concluir que mais trajetórias de mulheres precisam ser desveladas e postas no rol da escrita da história, com a firme intenção de contribuir com uma história mais diversa, plural e menos androcêntrica.

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1Atualmente, a região onde ficava o engenho Dromedário está localizada em Sirinhaém, cidade vizinha de Escada e que fica a 76 km de Recife.

2Ao estudarem a incorporação do método Lancaster, de origem inglesa, na Lei brasileira nº 38.398 de 1827 que mandava criar escolas em todas as províncias e vilas mais povoadas e que incluía a educação de mulheres, Andrade Ferreira e Scwartz (2014, p. 70) deixam claro “[…]que aqui se produziu um fosso perigoso na escolarização, deixando mulheres à margem da história da educação [...]” uma vez que: “Na lacuna da geometria, foram sugeridos os trabalhos domésticos de costura e bordados, em uma tradução literal equivocada da expressão needle work do Método Lancasteriano”. Ainda segundo as autoras (p. 69), “[…] em Lancaster o needle work era o trabalho com agulhas, uma habilidade manual ensinada para preparar mão de obra para tecelagem fabril, no Brasil, a tradução equivocada acabou por direcionar a mulher às atividades domésticas de coser”. Tais interpretações e as práticas que delas descenderam foram determinantes para a lentidão pela qual passou o reconhecimento das capacidades femininas, inclusive no campo da ciência.

3Em algumas edições de periódicos, dentre elas a edição nº 535 do periódico A Província de 1875, parabeniza-o e agradece ‘o primoroso presente’ das ricas contribuições do padre em suas conferências públicas no Recife. Na mesma edição, os escritos do padre são descritos como encerrado em ‘belezas, que honrariam os mais acabados literatos’.

4Gabiru foi o nome dado aos Cavalcanti de Albuquerque pelos seus opositores políticos. Por sua vez, o termo ‘praieiros’ se refere aos participantes do movimento de caráter liberal e federalista que eclodiu em Pernambuco no ano de 1848, conhecido na historiografia como Revolução Praieira.

5Nascido na província do Maranhão, em 1846, formou-se em Medicina no ano de 1868 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Elegeu-se deputado provincial e depois exerceu o cargo de deputado federal de Pernambuco, era irmão de Segismundo Gonçalves, que exerceu os mandatos de governador de Pernambuco e senador da República. Ambos eram filiados ao Partido Liberal.

6Com a ‘Reforma Leôncio de Carvalho’ (1879), para a admissão no curso de Medicina tornou-se necessária a aprovação nas matérias de português, latim, francês, inglês, alemão, história, geografia, filosofia, aritmética, geometria, álgebra, física e química.

7A Faculdade de Direito de Recife foi a instituição que, em Pernambuco, realizava os exames preparatórios para o ingresso no ensino superior, inclusive para as outras províncias e faculdades.

8A lista encontrada na edição n° 265 do Diário de Pernambuco de 1880, por exemplo, consta que, entre os 282 inscritos para a prova de português, além do nome de Maria Amélia, havia somente cinco outros nomes femininos (Delmiria Secundina da Costa, Flora Cavalcanti de Albuquerque, Maria Coelho da Silva Sobrinha, Maria Fragoso e Zima Rocha Lima). Já na edição n° 109 de 1882 do mesmo jornal, em todas as listas publicadas dos aprovados nos exames constam somente os nomes de Delmiria Secundina, aprovada dentre os 188 inscritos para Retórica, e de Maria Amélia Cavalcanti, aprovada entre os 107 inscritos para Geografia.

9A exemplo da atuação das parteiras sem formação institucional, o que não impediu que as mulheres continuassem a requerer os serviços daquelas na hora do parto.

10Segundo Abreu e Miranda (2014), até a direção de Vicente Cândido Figueiredo de Sabóia, o visconde de Sabóia, que nomeia a grande reforma do curso de Medicina na década de 1880, a FMRJ era descrita como imersa em uma onda de ‘estagnação e do esquecimento e do descaso’, algo frequentemente denunciado pela comunidade médica brasileira desde as escolas cirúrgicas nas primeiras décadas dos Oitocentos. A precariedade das aulas em que se davam as aulas práticas, especialmente pela falta de materiais adequados e a superlotação da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, como dito pelos autores, eram as críticas mas recorrentes em relação à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro [FMRJ] (1880-1884).

11Marie Josephine Mathilde Durocher (1809-1893), mais conhecida como Madame Durocher, parteira diplomada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e primeira mulher admitida como membro titular da Academia Imperial de Medicina.

12Segundo Rezende (2009), nos Estados Unidos e na Inglaterra, as primeiras estudantes que entraram para o curso de Medicina foram insultadas, vaiadas e agredidas pelos outros alunos. Na Inglaterra, por sua vez, a reitoria da faculdade inglesa instaurou um inquérito administrativo que findou na expulsão das alunas.

13 Schwartzman (2015) destaca a importância de dom Pedro II como homem que valorizava as ciências, no desenvolvimento da vida intelectual no Brasil, visto que trouxe grupos de cientistas, além de ter estimulado e participado de vários eventos culturais e científicos, cedendo também uma bolsa de estudos para Maria Augusta Generoso Estrella custear seus estudos no curso de Medicina nos EUA.

14Josepha Águeda Feslibella Mercêdes de Oliveira, a outra pernambucana subvencionada com bolsa e que foi estudar medicina nos Estados Unidos retornou ao Brasil e matriculou-se no curso de Medicina no Rio de Janeiro na mesma época em que Maria Amélia. Contudo, não foram encontrados os registros do seu diploma, nem qualquer registro de validação de diploma estrangeiro no arquivo da FMRJ, o que nos permite inferir que Josepha Águeda não concluiu e nem reconheceu diploma do curso no Brasil e que Maria Amélia segue com a alcunha de primeira pernambucana a receber o diploma de médica.

15Segundo Abreu & Miranda (2014), assim eram distribuídas as disciplinas por ano: no primeiro ano cursavam ‘física em geral, particularmente suas aplicações à medicina; química e mineralogia; anatomia descritiva (demonstrações anatômicas)’; no segundo ‘botânica e zoologia; química orgânica; fisiologia; anatomia descritiva (repetição)’; no terceiro ano tinham ‘fisiologia (continuação); anatomia geral e patológica; patologia geral; clínica externa’; para o quarto ano estavam reservadas as disciplinas de ‘patologia externa; patologia interna; partos. moléstias de mulheres pejadas e de recém-nascidos; clínica externa’; no quinto ano ‘patologia interna (continuação); anatomia topográfica, medicina operatória e aparelhos; matéria médica e terapêutica; clínica interna’; por último, no sexto ano tinham ‘higiene e história da medicina; medicina legal; farmácia; clínica interna’.

18Nota: Este artigo é fruto do Projeto de Pesquisa “A educação de mulheres ao longo dos séculos XIX e XX” que conta com financiamento do edital da Chamada Universal MCTIC/CNPq 2018 e com bolsa PIBIC/CNPq.

20Como citar este artigo: Barreto, R. A. D. N., & Silva, T. A. S. M. Como se formar médica no século XIX: o caso da pernambucana Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque. (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e170 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 10 de Julho de 2020; Aceito: 10 de Outubro de 2020; Publicado: 05 de Fevereiro de 2021

*Autora para correspondência. E-mail: raylane.navarro@ufpe.br

Raylane Andreza Dias Navarro Barreto é Doutora em Educação pela UFRN, com pós-doutoramento pela Universidade de Lisboa. Mestrado em Educação e Graduação em Ciências Sociais pela UFS. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa Interdisciplinar em Formação Humana, Representações e Identidades - GEPIFHRI, Pernambuco, Brasil. Membro pesquisadora do Grupo Historiar - Pesquisa, Ensino e Extensão em História da Educação da UFMG e do Grupo de Pesquisa Interinstitucional Educação de Mulheres no Brasil da UFRN/UERJ. E-mail: raylane.navarro@ufpe.br https://orcid.org/0000-0002-5602-8534

Tayanne Adrian Santana Morais da Silva é Graduanda de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa Interdisciplinar em Formação Humana, Representações e Identidade - GEPIFHRI, Pernambuco, Brasil e atualmente atua como Coordenadora-Geral e professora de História do Pré-Acadêmico Projeto Portal da UFPE, Pernambuco, Brasil. E-mail: tayanne.morais@ufpe.br https://orcid.org/0000-0001-9868-7151

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra (UERJ) E-mail: gondra.uerj@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-0669-1661

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