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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 17-Fev-2021

https://doi.org/10.4025/10.4025/rbhe.v21.2021.e174 

Artigo Original

Formas de exclusão e de presença da população negra na história da escola sul-rio-grandense

Forms of exclusion and presence of the black population in the history of school in Rio Grande do Sul

Formas de exclusión y presencia de la población negra en la historia de la escuela sur-rio-grandense

Natália de Lacerda Gil1  * 
http://orcid.org/0000-0002-0818-4858

Cláudia Pereira Antunes1 
http://orcid.org/0000-0002-3386-0504

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.


Resumo:

O artigo busca compreender historicamente os processos de exclusão educacional, bem como as iniciativas de resistência e agenciamento, da população negra no Rio Grande do Sul. Assenta-se na análise da legislação provincial educacional e de jornais e relatórios oficiais durante as primeiras décadas republicanas. O trabalho demonstra que enquanto na legislação do século XIX vigoraram restrições para a presença da população negra nas escolas públicas, no pós-abolição outros processos de exclusão se intensificaram ou se estabeleceram, como a necessidade de trabalhar e sua consequente prioridade em relação aos estudos, ou como as práticas de preconceito e discriminação dentro das salas de aula, as quais foram objeto de denúncia na imprensa negra.

Palavras-chave: legislação provincial; escolarização; racismo

Abstract:

The article seeks to understand historically the processes of educational exclusion, as well as the resistance and protagonist initiatives, of the black population in Rio Grande do Sul.It relies on analysis of provincial educational legislation, newspapers and official reports during the first Republican decades. The work shows that while 19th-century legislation restricts the presence of black people in public schools, in the post-abolition period other exclusion processes have intensified or established, such as the need to work and its consequent priority over studies, or as the practices of prejudice and discrimination within the classrooms, which were the subject of denunciation in the black press.

Keywords: provincial legislation; schooling; racism

Resumen:

El artículo busca comprender históricamente los procesos de exclusión educativa, así como las iniciativas de resistencia y agenciamiento, de la población negra en Rio Grande do Sul. Se basa en el análisis de la legislación provincial educativa y de periódicos e informes oficiales durante las primeras décadas republicanas. El trabajo demuestra que mientras que en la legislación del siglo XIX se impusieron restricciones a la presencia de la población negra en las escuelas públicas, nel periodo post abolición se han intensificado o establecido otros procesos de exclusión, como la necesidad de trabajar y su consiguiente prioridad en relación con los estudios, o como las prácticas de prejuicio y discriminación dentro de las aulas, que fueron objeto de denuncia en la prensa negra.

Palabras clave: legislación provincial; escolarización; racismo

Introdução

Este trabalho1 integra o interesse em compreender historicamente os processos de exclusão educacional, bem como as iniciativas de resistência e de agenciamento, da população negra2 no Rio Grande do Sul. Para tanto, foram mobilizadas fontes oficiais (legislação e relatórios) e jornais3. No que se refere à periodização, partiu-se da análise da legislação provincial sobre educação a fim de sistematizar as informações já conhecidas da história da educação que indicam o fato de ao sul do Brasil não apenas ter sido vedada a presença de escravizados na escola como também de ‘pretos’. Em seguida, concentramos a análise nas primeiras décadas republicanas, procedendo ao exame de jornais e relatórios oficiais, dado que a legislação do novo regime deixava de indicar restrição de acesso à escola, sem que isso tivesse significado a supressão dos processos de exclusão educacional da população negra. Nesse sentido, o estudo aqui apresentado coaduna-se à historiografia do pós-abolição cuja ênfase recai na compreensão dos processos de racialização e estratificação social subsequentes a 1888. Como destaca Maria Clementina Pereira Cunha, nas últimas décadas, a historiografia “[...] se ampliou para incorporar a preocupação com o período do pós-abolição, em que as bases do racismo foram construídas e implementadas enquanto políticas de Estado” (apud Rosa, 2019, p. 14-15).

Para tanto, tem nos parecido fecundo o diálogo entre a História da Educação e a História Social. Alguns estudos vêm assinalando a centralidade do trabalho nas sociabilidades e nos processos educativos vivenciados pela população negra há séculos4. Trazidos à força para o continente americano5, foram pessoas nascidas na África e também seus descendentes que constituíram a ampla maioria da força de trabalho no novo mundo. Com o fim da escravidão no Brasil, seguem sendo os negros o grupo quantitativamente mais expressivo na população6 e, consequentemente, no mundo do trabalho, ainda que, pela política republicana imigrantista, tenham sido geralmente levados a ocupar as posições preteridas por brancos. Marcados, no entanto, pela retórica depreciativa construída pela população branca de ascendência europeia que, fortalecida desde o final do século XIX pela circulação das teorias raciais, descrevia tais pessoas como tomadas pela preguiça e propensas ao vício e à criminalidade, a elas foi dificultada a inserção nos direitos de cidadania característicos da República. Desse modo, não apenas tiveram que enfrentar a exclusão nos projetos de país formulados, naquele momento, por uma elite dirigente branca como também vivenciaram cotidianamente o preconceito e a discriminação. Tais vivências, comuns nos variados espaços sociais, obviamente não estão ausentes nas dinâmicas e espaços de escolarização. Portanto, interessa compreender, para além das restrições de acesso à escola definidas em lei, também outras formas de exclusão educacional que atingiram especificamente essa população. Para, então, compreender os agenciamentos construídos no sentido de subverter e reparar tais injustiças, hoje reconhecidas como crime.

Assumindo a potencialidade do conceito de experiência, conforme proposto por E. P. Thompson (1981), importa sublinhar que tais processos de exclusão não são vivenciados passivamente pelos indivíduos implicados. Daí a necessidade de articular na análise histórica as formas de exclusão e as reações de resistência. Mais que isso, importa notar que as pessoas que são alvo da exclusão seguem buscando formas de inserção e espaços de protagonismo. Como aponta Petrônio Domingues (2009, p. 241), em análise sobre o pós-abolição no Rio Grande do Sul, “[...] não se trata aqui de negar a famigerada opressão racial no Brasil meridional, mas de realçar a necessidade imperiosa de lançar luzes em formas alternativas e criativas de vida, resistência e agenciamentos”. Articulando-se a essas noções, também nos pareceu produtiva a perspectiva de análise de Stuart Hall (2013) para quem a identidade, longe de ser uma definição biológica, constitui-se historicamente. Assim, assumir a população negra como foco de investigação não corresponde a uma visão essencialista, que pretenderia identificar nesse grupo características intrínsecas, mas, ao contrário, coaduna-se ao intento de melhor compreender a mais acentuada exclusão educacional dos negros no Brasil7 como resultado dos variados e continuados processos históricos de exclusão social e educacional, marcados pelo racismo estrutural e institucional. Tais noções são, aliás, fundamentais para a compreensão da argumentação que buscamos sustentar neste artigo. O racismo não opera apenas de forma individual e, portanto, o conhecimento histórico dos processos de escolarização permite melhor apreender aspectos estruturais do racismo na escola. Conforme assinala Silvio Almeida (2019, p. 82)

No Brasil, a negação do racismo e a ideologia da democracia racial sustentam-se pelo discurso da meritocracia. [...] Em um país desigual como o Brasil, a meritocracia avaliza a desigualdade, a miséria e a violência, pois dificulta a tomada de posições políticas efetivas contra a discriminação racial, especialmente por parte do poder estatal. No contexto brasileiro, o discurso da meritocracia é altamente racista, uma vez que promove a conformação ideológica dos indivíduos à desigualdade racial.

A historiografia da educação dos negros foi inicialmente caracterizada pelo signo da ausência (Fonseca, 2007). Sobretudo no que se refere ao século XIX, durante longo período considerou-se desnecessário o estudo histórico sobre escolarização da população negra brasileira por se considerar que, pela escravidão vigente naquele período, tal população teria necessariamente estado fora da escola. Nas últimas duas décadas, alguns estudos têm indicado a presença de negros na sociedade oitocentista brasileira. Importa observar que parte expressiva da população negra, sobretudo ao longo do século XIX, era composta de pessoas nascidas livres e de libertos. Além disso, pesquisas têm ressaltado que, embora a legislação das províncias tendesse a proibir a frequência de escravos às aulas públicas, não era impossível sua matrícula em aulas particulares8. Há, portanto, também estudos dedicados a compreender como alguns escravizados foram ensinados a ler e escrever9. Ainda que não tenham sido muitos os indivíduos a terem acesso a tais aprendizados, indícios da existência de algumas pessoas escravizadas alfabetizadas põem em relevo estratégias de resistência. Há, por fim, também alguns importantes estudos que concentram a análise nas relações entre negros e educação nas primeiras décadas do século XX10. O aumento da produção acadêmica sobre essa temática é salutar, mas há ainda grandes lacunas a preencher.

Para o caso do Rio Grande do Sul, pouco se sabe sobre a presença das crianças negras nas escolas no século XIX. É preciso, portanto, avançar na compreensão dos modos diferenciais pelos quais se deu a expansão do acesso dessa população à educação ao longo do século XX. No entanto, sem pretender dar conta de indicar todos os trabalhos produzidos sobre o tema no Estado, alguns estudos mais conhecidos devem ser mencionados. Eliane Peres (2002) realizou importante estudo sobre a presença de negros no curso noturno da Biblioteca Pública Pelotense, mantido pela elite local entre 1875 e 1915. Lúcia Regina de Brito Pereira (2007) investigou as estratégias educacionais de organizações negras em Porto Alegre. Melina Kleinert Perussatto (2018) analisou no jornal O Exemplo, importante veículo da imprensa negra sul-rio-grandense, as relações entre educação, trabalho e cidadania no pós-abolição em Porto Alegre.

Apesar da existência desses importantes trabalhos que se dedicaram a conhecer a situação nessa parte do Brasil Meridional, fazia falta um estudo dedicado às formas de exclusão escolar da população negra no pós-abolição - e suas correlatas ações de resistência e agenciamento. Assim, construímos a pesquisa aqui apresentada buscando, inicialmente, identificar, a partir da legislação provincial, os critérios de exclusão de negros estabelecidos em lei para o Rio Grande do Sul. Nesse sentido, o que se destaca é que não apenas os escravizados, como também os ‘pretos’, foram impedidos de frequentar as escolas durante a maior parte do século XIX. Com a abolição da escravidão e, em seguida, o advento do regime republicano, deixam de figurar na legislação restrições à frequência às aulas para a população negra. No entanto, pretendemos evidenciar, centrando a atenção na cidade de Porto Alegre, que outros processos de exclusão se intensificaram ou se estabeleceram no período. O fato de que a maior parte da população negra, inclusive crianças, tivesse que trabalhar para garantir o sustento imediato, associado à escassez de escolas, representou impedimento real para a ampliação de sua escolarização. Essa questão figurou em alguns momentos nos relatórios oficiais do Estado. Tal desigualdade era também percebida por mulheres e homens negros que viveram nas primeiras décadas do século XX. Conhecedores de seu direito à cidadania, alguns desses expressaram suas preocupações nas páginas da imprensa negra, como forma de resistência à naturalização da falta de acesso ao conhecimento à qual estava submetida grande parte dessa população. Propuseram, ainda, a criação de escolas organizadas por suas próprias associações, como forma de agenciamento. Por fim, pareceu-nos importante mencionar também a exclusão que atingia crianças negras que estiveram na escola. A população atingida não esteve passiva diante de tais ocorrências, denunciando nas páginas de seus jornais o ‘preconceito de cor’ em escolas.

A legislação provincial em São Pedro do Rio Grande do Sul e a restrição do acesso à escola para a população negra11

Poucos anos após instituído o Império brasileiro, foi promulgada importante lei em cujo artigo 1º constava que “[...] em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haverão escolas de primeiras letras que forem necessárias” (BRASIL, 1827, p. 71). Luciano Mendes Faria Filho (2007, p. 137) ressalta que

[...] essa lei é contemporânea de um lento, mas paulatino, fortalecimento de uma perspectiva político-cultural para a construção da nação brasileira e do Estado Nacional que via na instrução uma das principais estratégias civilizatórias do povo brasileiro, tal qual frações importantes da elite concebiam e propunham-se a organizar.

Uma vez que o Brasil, tornando-se um Estado independente, havia mantido a escravidão negra como alicerce da economia nacional, ao propor a instrução pública como elemento indispensável à integração do povo ao projeto de nação concebido pela elite branca não se estava considerando, evidentemente, a população escravizada como destinatária dos esforços educativos estabelecidos pela lei de 1827. Ou seja, o povo para quem se pensava uma educação escolar capaz de criar um sentimento de pertencimento à nova nação referia-se à população livre.

De qualquer modo, importa destacar que, como a lei não determinava a responsabilidade pela criação e manutenção das escolas, acabou não sendo imediatamente implementada. Em 1834, foi sancionado o Ato Adicional à Constituição de 1824 que, entre outras coisas, definia como atribuição das províncias legislar sobre a instrução primária, bem como criar e manter as escolas. A partir desse momento, algumas províncias passaram a organizar redes de escolas e estabelecer detalhada regulamentação acerca do funcionamento dos serviços de instrução12. A província de São Pedro do Rio Grande do Sul não foge a essa regra e vai nos anos seguintes aprovar leis e regulamentos13 que disciplinam o funcionamento das escolas entre outras definições. É pela análise desse conjunto de atos legais que apresentamos a discussão sobre a restrição da presença de negros nas escolas públicas gaúchas durante o século XIX.

De acordo com a Constituição do Império, o ensino elementar deveria ser gratuito e obrigatório em todo o território nacional (Tambara, 1995), mas a legislação provincial não mencionava a obrigatoriedade14. Como eram raras as escolas mantidas pelo Estado e em função do apreço da elite política local em garantir às famílias a possibilidade de escolherem onde e como queriam educar seus filhos, o mais comum era que os jovens fossem instruídos em casa, por algum parente, ou por professores particulares. As poucas escolas públicas criadas no início do século XIX foram proibidas aos negros. O artigo 3º da lei de 1837 dizia:

Art. 3º São prohibidos de freqüentar as Escolas Publicas.

1º Todas as pessoas que padecerem de molestias contagiosas.

2º Os escravos, e pretos ainda que sejão livres, ou libertos (Leis, atos e regulamentos..., 2004, p. 16).

Em 1842, foi aprovado regulamento15 da instrução pública primária na província que mantinha a restrição mencionada. O texto legal indicava que:

Artigo 1º - Nas Escolas Públicas de Instrução Primaria de toda a Provincia serão recebidos todos os Alumnos, que forem apresentados aos Professores, ou Professoras com as formalidades estabelecidas no presente regulamento, a excepção daquelles a quem é expressamente prohibido frequentar as Escolas Publicas.

Artigo 2º - Não serão admitidos como Alumnos nas Escolas Públicas, além dos prohibidos por lei:

§1º os menores de 5 annos:

§2º os que não forem pessoalmente apresentados por seus Pais, Tutores, ou Encarregados (Leis, atos e regulamentos..., 2004, p. 21).

Os proibidos por lei eram, como explicitado na lei precedente, aqueles portadores de moléstias contagiosas e os pretos. Marcus Vinícius Fonseca (2007) observa que, nesse caso, é possível que o termo preto se referisse aos africanos. Conforme o autor, embora essa questão não tenha sido suficientemente problematizada na historiografia, era recorrente o emprego desse termo no Brasil em relação aos africanos no século XIX. Fonseca também salienta que, nesse período, seria inconstitucional impedir o acesso de negros livres à escola.

É importante destacar que a proibição tratava das escolas públicas, ou seja, aquelas criadas e mantidas pelo Estado, e, como já se mencionou, essas eram poucas, de modo a atender apenas uma parcela muito reduzida da população infantil. Estudos acerca de outras províncias têm ressaltado que a presença de negros nas escolas durante o século pode ter sido maior do que se pressupõe quando examinados os textos legais. A ação dos particulares, seja na educação doméstica, em escolas organizadas por grupos comunitários ou, ainda, por congregações religiosas, era mais expressiva no período do que a iniciativa pública em educação. No que se refere aos negros, livres e escravizados, sua presença nesses espaços educativos particulares carece, ainda, do aprofundamento dos estudos.

Para a província de Minas Gerais, por exemplo, alguns trabalhos têm problematizado a questão da frequência da população negra nas escolas públicas e particulares. Marcus Vinícius Fonseca (2007) afirma, a partir da análise de censos provinciais (entre 1831 e 1838), que a população negra era predominante naquela província: 59% da população livre e ainda 127.366 escravos (o que representava quase metade da população livre). Segundo ele, “[...] os dados contidos nesse censo [de 1831] revelam que havia uma tendência do público da escola em acompanhar o perfil racial da população da província” (Fonseca, 2007, p. 37). Isso permite ao autor afirmar que havia significativa quantidade de crianças negras nas escolas públicas e particulares de instrução primária naquele contexto. Além disso, é preciso considerar que as restrições legais à presença de escravos16 nas escolas mineiras versavam sobre as instituições públicas, sem pretender, ainda, regulamentar as iniciativas particulares.

Eliane Peres (2002), em estudo sobre Pelotas (RS), examinou a iniciativa da elite local na criação de um curso noturno para homens trabalhadores na Biblioteca Pública Pelotense que funcionou entre 1875 e 1915. Conhecendo o perfil racial e a história econômica da região, a autora considerou alta a probabilidade de que entre os alunos desse curso houvesse uma significativa quantidade de negros. Como não havia registro da cor nos livros de matrícula, trabalhou a partir do cruzamento dos “[...] dados disponíveis dos alunos com os de participantes em associações populares, especialmente as carnavalescas, dramáticas, abolicionistas, entidades de classe e, também, a imprensa produzida por negros” (Peres, 2002, p. 78-79). A partir disso, identificou a presença de crianças e adultos negros, trabalhadores das charqueadas.

Apenas em 1857, com a publicação de um novo Regulamento da Instrução Primária e Secundária é que deixa de aparecer na legislação da província de São Pedro do Rio Grande do Sul o impedimento de frequência às aulas para a população negra livre. Mantém-se, contudo, a restrição aos escravizados:

Art. 21. - Não serão admitidos á matricula, nem poderáõ frequentar as escolas:

§ 1º. Os meninos que padecerem de moléstias contagiosas.

§ 2º. Os que não tiverem sido vacinados.

§ 3º. Os escravos (Leis, atos e regulamentos..., 2004, p. 59).

Novo Regulamento é aprovado em 1876 e indica a obrigatoriedade do ensino para a população infantil que habitasse perto de uma escola pública. Nele consta que:

Art. 3º - O ensino publico primário do 1º gráo é obrigatório para todos os individuos livres maiores de 7 annos e menores de 15, residentes dentro do circulo traçado pelo raio de um kilometro, medido da séde da escola publica, não tendo impedimento physico ou moral que effectivamente o inhiba de frequentar a escola (Leis, atos e regulamentos..., 2004, p. 199).

O texto legal mantém, contudo, a despeito da indicação de obrigatoriedade, a proibição da matrícula de escravizados. Aqui a restrição deixa de incluir o critério cor/raça/nacionalidade, como figurava no início do século XIX. O impedimento, agora, atrela-se apenas à condição de escravo, ou seja, à condição de propriedade de outrem à qual estava submetida uma parcela da população. A população escravizada não era considerada povo e, por isso, estava excluída dos projetos de formação da nacionalidade brasileira, seja pelas políticas imigrantistas, seja pela exclusão do acesso à educação por exemplo. É claro que no caso brasileiro, sendo a população escravizada composta de pessoas pretas e pardas17, a exclusão do acesso à educação formal teve consequências de longa duração que se estendem para além do período de vigência da restrição e contribuem para que no século XX se difunda a compreensão da suposta incapacidade dos negros para a atividade intelectual18.

Interessante notar que a escola noturna provincial se destinava a grupos explicitamente excluídos das escolas diurnas. Seu regulamento, aprovado também em 1876, menciona explicitamente a quem se destinava tal instituição:

Artigo 1º A escola nocturna provincial se destina especialmente ao ensino das classes menos abastadas privadas de freqüentar durante o dia os estabelecimentos de instrucção.

Artigo 2º Em suas aulas seráõ admittidos os adultos, ingênuos ou libertos, sem outra condição além do procedimento e meio de vida honesto devidamente comprovado.

Artigo 3º Tambem poderáõ ser admittidos os menores, que, além dos requisitos exigidos pelo artigo precedente, apresentarem consentimento por escripto de seus pais, tutores ou pessoas sob cuja direção viverem (Leis, atos e regulamentos..., 2004, p. 231).

Nesse sentido, importa sublinhar a acentuada distinção entre diferentes grupos sociais no que se refere à possibilidade de frequência às aulas. Assim, se a legislação indicava o ensino primário como obrigatório aos indivíduos com idade compreendida entre os sete e os 15 anos, isso excluía a infância trabalhadora. Era principalmente para as crianças abastadas que a obrigatoriedade estava proposta, já que na sua maior parte os indivíduos trabalhavam desde a infância, como discutiremos a seguir. Evidente que o impedimento para que a população frequentasse as escolas durante o dia, como menciona o artigo 1º, era a necessidade de trabalhar. Ou seja, na escola noturna provincial assistiriam às aulas conjuntamente crianças e adultos ligados por uma mesma condição, serem oriundos das classes sociais baixas e, por isso, necessariamente, serem trabalhadores.

Outro aspecto que chama a atenção no regulamento da escola noturna provincial é que se destina também aos ‘ingênuos’, como aparece no artigo 2º. Heloísa Maria Teixeira (2010, p. 59) sublinha que “[...] foi com essa denominação que os filhos livres das escravas passaram a ser conhecidos [...]”, após 1871, quando foi promulgada a Lei do Ventre Livre. Segundo Teixeira (2010, p. 59),

[...] após setembro de 1871, as crianças que nasceram de ventres escravos ganharam a condição de livres, mas, apesar dessa condição, continuaram a viver dentro das escravarias junto com seus familiares cativos. Tendo o proprietário de suas mães o direito de escolher entre os serviços dessas crianças, que seriam prestados a partir dos 8 anos de idade, ou uma indenização pela criação dos mesmos, a grande maioria dos senhores escolheu a primeira opção [...] Vivendo em propriedades escravistas, os filhos livres das escravas foram mantidos em quase sua totalidade na mesma condição servil dos cativos de fato.

Ou seja, mesmo sendo juridicamente livres, os filhos de mulheres escravizadas nascidos após a Lei do Ventre Livre não deixavam de ter que trabalhar, razão pela qual só raramente poderiam frequentar a escola. De outro lado, se já seriam livres, a menção específica dos ingênuos na lei é uma evidência de que o tratamento não foi pensado como devendo ser o mesmo para todas as crianças.

Já nos anos finais do Império, em 1881, um último regulamento da instrução pública é aprovado na província. Nesse já não consta a restrição à escolarização para nenhum grupo populacional específico. A sequência de atos legais, entre os quais a própria Lei do Ventre Livre, já anunciava o final da escravidão e, passados dez anos desde a assinatura daquela lei, uma quantidade cada vez mais reduzida da infância poderia ser efetivamente composta de escravizados. O regulamento reafirmava a obrigatoriedade nos seguintes termos:

Artigo 20 - A instrucção primaria é obrigatoria, nas cidades, villas e povoações da Provincia para os indivíduos que tiverem de 7 a 15 annos de idade, sendo do sexo masculino, e 7 a 13 sendo do sexo femenino, dentro do perimetro marcado pela Camara Municipal (Leis, atos e regulamentos..., 2004, p. 265).

Em seguida apresentava, não mais impedimento, mas a desobrigação da frequência às aulas para alguns grupos:

§ 1º - Não são obrigados á freqüencia nas escolas:

1º - Os que tiverem impedimento permanente, physico ou moral.

2º - Os que se mostrarem habilitados nas matérias do 1 gráo.

3º - Os indigentes que não possam apresentar-se nas escolas.

4º - Os que forem unica companhia de pais invalidos ou enfermos (Leis, atos e regulamentos..., 2004, p. 265).

Encerrava-se, assim, o período de restrições legais à matrícula e frequência da população negra à escola, mas tinha início, com o advento da República, a circulação e/ou aprofundamento de outras formas de exclusão que se mostraram muito efetivas no estabelecimento de um fosso quanto às possibilidades de acesso, permanência e êxito na escola entre a população branca e a população negra. As desigualdades favorecidas e ampliadas no período pós-abolição, no que se refere ao acesso à educação, são o foco da seção a seguir.

A centralidade do trabalho na vida da população negra em Porto Alegre, o acesso à escola e o preconceito de cor

Iniciada a República, em Porto Alegre, como em outras capitais do país, os debates sobre a necessidade de reorganização do país direcionaram-se notadamente às intenções de modernização e higienização do espaço urbano. Os esforços de revitalização da cidade eram, na opinião das elites, dificultados pela presença da população pobre: “[...] a imprensa versa frequentemente sobre ‘o outro lado’ de Porto Alegre, onde não há vida elegante, cafés ou cinemas repletos, revelando aspectos da miséria anônima nas ruas e nos ‘pardieiros urbanos’” (Bakos, 1996, p. 31-32, grifo do autor). Como ressalta Charles Monteiro (1995, p. 81, grifo do autor),

[...] a burguesia e a elite dirigente movem uma cruzada contra a vadiagem, a mendicância, o jogo, a prostituição, o alcoolismo, a infância abandonada e os cortiços. [...] Combatendo hábitos ‘populares’ almejava-se criar um ‘homem novo’ dotado de senso de responsabilidade, de ordem e de trabalho. Era necessário erradicar costumes ‘bárbaros’ herdados do passado e tudo mais que pudesse impedir a integração das classes populares à sociedade moderna [...].

Muito mais do que o enfrentamento da pobreza pelas instituições republicanas e a preocupação com a garantia da cidadania para todos, o que inspirava a ação dessas elites era o desejo de eliminar os pobres da cidade ou, ao menos, afastá-los o quanto possível do convívio com as classes abastadas. Há nesse processo uma evidente racialização, visto que tais ações atingiam diferenciadamente cidadãos em função da cor de sua epiderme, como bem mostrou Marcus Vinícius de Freitas Rosa (2019)19.

Dentre as ações higienistas e moralizadoras que amplo destaque tiveram nos planos republicanos, figuram tentativas de expansão da escolarização (Carvalho, 2002). No entanto, tais intenções esbarraram em Porto Alegre, como em muitas cidades brasileiras, na escassez de recursos para ampliação do número de escolas. Assim, nas primeiras décadas do século XX, embora o número de escolas e matrículas cresça continuamente, é evidente sua insuficiência20.

As escolas criadas nesse período são na maioria diurnas e destinam-se à escolarização da infância. Nesse sentido, contudo, é preciso ponderar, como sugere Maria Cristina Soares de Gouvêa (2007, p. 129), que a

[...] definição de infância como período de vida caracterizado pela inserção no espaço escolar não assumiu um significado unívoco, remetido exclusivamente a seu pertencimento a um grupo etário. A identidade infantil construiu-se associada à origem social da criança, à sua inserção num grupo social, étnico e de gênero, que se superpôs à condição geracional.

Às crianças trabalhadoras foi negada, ainda por longo período, a condição de aluno, ou seja, tardou sua identificação como infância à qual se destinava a escola. A centralidade do trabalho para a população negra, como exigência incontornável à sobrevivência, determinou para esses grupos a necessidade do trabalho desde a infância, fosse o trabalho remunerado, fosse o trabalho doméstico não remunerado. Desse modo, uma das formas de exclusão educacional da população negra, determinada pelo racismo que estrutura a sociedade brasileira, foi a negação do acesso à escola, senão pela legislação como no século XIX, pelo pertencimento às classes subalternas e a urgência do trabalho em qualquer dos períodos.

Nesse aspecto, na documentação analisada, pobreza e identidade racial se articulam e se confundem, embora demarquem diferenças observadas no cotidiano das relações como demonstrou Rosa (2019). Era a criança pobre que precisava trabalhar desde cedo e era essa infância que a sociedade brasileira percebia como destinada ao trabalho. A proteção da infância, os argumentos em defesa dessa etapa da vida pelo signo da fragilidade e da ingenuidade, não se direcionaram igualmente a todos os grupos sociais. O que confere a esse aspecto, a marca da discriminação racial, é o fato de que a população negra, pelos encaminhamentos políticos tomados pela elite brasileira no pós-abolição, viu-se, mais do que outros grupos, mantida na pobreza pela estrutura social (a exclusão escolar sendo um dos elementos estruturais). Ou seja, se a criança pobre tinha que trabalhar e, portanto, enfrentava dificuldades para ir à escola, era muito frequentemente negra a criança pobre no Brasil.

A análise dos jornais permite observar a presença de anúncios de contratação de crianças:

Fonte: A Federação (1885)21.

Figura 1  Anúncio 1. 

Fonte: A Federação (1887).

Figura 2  Anúncio 2. 

Fonte: A Federação (1887).

Figura 3 Anúncio 3. 

Note-se que em dois dos anúncios busca-se um ‘moleque’, o que permite inferir que se pretendia uma criança negra22. A palavra moleque, oriunda do quimbundo, tinha por significado original filho pequeno. Miriam L. Moreira Leite (2001, p. 24, grifo do autor), analisando memórias e livros de viagem, indica que o

[...] significado de cria e moleque foi compreendido de muitas formas diferentes. Podia ser um tipo de criado, o moleque ou moleca nascidos em casa do senhor ou filhos de escravos. Mas ‘moleque’, que significa negrinho, passou a ser indivíduo sem palavra ou gravidade, canalha, patife, velhaco, ou apenas menino de pouca idade, ou ainda escravo jovem recém-chegado da África.

O deslocamento de sentido que passa a associar a palavra, na origem filho pequeno, com significados depreciativos, evidencia racismo e se confirma na análise do jornal A Federação, em que a maior parte das vezes a palavra aparece associada ao noticiário policial. Cabe observar, ainda, no primeiro anúncio acima que o que se pretende é alugar um moleque. Embora, a rigor, não fosse possível alugar uma criança escravizada naquele ano em razão da vigência da Lei do Ventre Livre. Mas muitas dessas, como já se disse acima, continuaram sob tutela dos senhores de suas mães e seguiam trabalhando.

A centralidade do trabalho na vida da população negra era também um dos aspectos mencionados por intelectuais negros23 em seus jornais. Melina Kleinert Perussatto (2018) já havia sublinhado em seu estudo a forte vinculação da população negra com o mundo do trabalho e as articulações entre os fundadores do jornal O Exemplo e o movimento operário em Porto Alegre. É de Esperidião Calisto, um desses fundadores, a seguinte afirmação: “[...] ser negro atualmente no Brasil é a mais nobre linhagem que se pode evocar; pois é ter-se a certeza que se descende de um povo herói do trabalho” (O Exemplo, 13 de maio de 1904 apud Rosa, 2019, p. 226).

Fernanda Oliveira da Silva (2017, p. 185), ao analisar as associações de homens de cor24 na região da fronteira Brasil-Uruguai, ressalta que as falas de seus membros

[...] apontam também a busca pelo direito civil de acesso à educação por meio de um espaço de sociabilidade, assim como a introjeção de uma ótica de formação para o trabalho, ao destacar as ocupações manuais, seguindo a lógica dos ofícios que se apresentavam como disponíveis ao grupo no pós-abolição, fosse na década de 20, fosse na de 50.

Nas páginas da imprensa negra é possível observar que os articulistas notavam a desvalorização do trabalhador na sociedade brasileira e repudiavam a sugestão de que a necessidade de trabalhar fosse indicativa de pouca capacidade intelectual. A pobreza em que se encontrava grande parte da população negra, para os intelectuais que se expressavam nos jornais, era consequência de séculos de vigência da instituição escravocrata, como se pode notar na argumentação apresentada no artigo ‘As nossas associações II’, publicado n’O Exemplo, em 1904 (p. 1, grifo do autor):

[...] somos as victimas de todas estas preoccupações que nos assediam, que procuram fazer-nos ceder pela pressão, pela desconsideração systematica e até pelo negar-nos a competencia de pensar e de agir concordes com a razão. Em nós querem que as nodoas que nossa roupa adquiriu no trabalho, sejam nodoas aviltantes, que a cor de nossa epiderme seja o borrão do vicio, a mancha do crime [...] que não passem [nossos grêmios] sem ter uma historia que atteste claramente, positivamente, que nós pensamos e pensamos proficuamente, e assim desmintam o que se diz por toda a parte: ‘que somos gente que vive, porém sem saber para que’.

Portanto, era preciso garantir que a população negra tivesse acesso à escola, pudesse ser instruída. Era imensa a importância dada à educação como forma de suprimir o preconceito de cor. Felinto Rodrigues (1904, p. 1), por exemplo, acreditava que “[...] o estudo de outras sciencias trará indubitavelmente aos que souberem aproveital-o, independencia pessoal com a consequente anulação do preconceito”. Homens do seu tempo, esses intelectuais mobilizavam o repertório político do período partilhando de noções liberais, tais como, igualdade de oportunidades, mérito como princípio justo de hierarquização social, progresso e civilização como garantia de modernização da sociedade. Por isso, a ênfase na ampliação das oportunidades educacionais como garantia de inserção dos negros como cidadãos e caminho seguro para acabar com o preconceito. No entanto, sem discordar que a educação é um dos diretos aos quais todo cidadão tem que ter acesso, em uma sociedade racista como a brasileira, isso não viria a se configurar como elemento suficiente no combate ao preconceito e à exclusão25.

Se as escolas existentes eram poucas e inadequadas às necessidades dos negros, algumas alternativas foram apresentadas na imprensa negra. Uma delas foi a proposição de que as próprias associações de negros criassem escolas, outra estratégia voltou-se para a demanda às autoridades por mais escolas noturnas e, ainda, o apoio à criação de escolas profissionais. Regulo Varella (1904, p. 1), destacava o problema ressaltando ser de responsabilidade coletiva:

Individualmente, os nossos, suicidam-se fugindo áinstrucção, colletivamente não podemos permittir que assim o façam, porque isto seria desvalorisar de todo uma classe forte, capaz, que se vae humilhando demasiado, servilizando, desmoralizando mesmo, pelo demerito resultante da falta de cultura intellectual de seus membros.

A solução seria a criação de escolas pelas associações e clubes negros. Tal proposição, embora tenha figurado muitas vezes no periódico editado em Porto Alegre, não chegou a ser efetivada26. Cabe sublinhar que a escola cuja criação reivindicavam os articulistas de O Exemplo seria uma escola noturna. No artigo ‘Nossa escola’, publicado em 1902 (p. 1), consta a seguinte argumentação:

Uma das primeiras carências do nosso meio social é incontestavelmente a da instrucção. Os nossos homens, nascendo enfaxados na necessi[da]de, nas privações de todo o confortável, de todo o útil, de todo o indispensavel á uma vida regular, são desde muito novos atirados às officinas, aos braços do trabalho, antes de terem podido accumular a bagagem intellectual de conhecimentos que fôranecessario em toda vida e não podem quando, com reflexão chegam a avaliar o mal que a falta de conhecimentos lhes acarreta, reparal-o porque seus ganhos bastam apenas para suas necessidades e o governo não mantem aulas nocturnas onde os filhos do Povo possam instruir-se. [...]

O governo não crea escolas nocturnas, cre[a]mo’-as nós.

O Exemplo, convencido de ser isso uma necessidade inicia o tra[ba]lho e espera o auxilio de todos os do nosso meio, homens e associações.

Analisando o jornal A Federação e os Relatórios da Intendência de Porto Alegre evidenciam-se muitas menções de criação de aulas ou escolas noturnas para os pobres. O cruzamento com a análise das publicações em O Exemplo permite observar que muitos desses aos quais se destinavam as escolas noturnas eram negros. No entanto, não há menção à cor (e, em geral, tampouco ao gênero) nas outras fontes analisadas. Em A Federaçãohá notícias de aulas noturnas criadas por particulares, quase sempre gratuitas. É o caso, por exemplo, de um anúncio publicado em várias edições do jornal ao longo de 1895:

Fonte: A Federação (1895, p. 4).

Figura 4  Escola nocturna instrucção e trabalho. 

Também a municipalidade de Porto Alegre colocou em funcionamento escolas noturnas, destacando-se piedade e benevolência na exposição de motivos. A primeira dessas escolas chamou-se Hilário Ribeiro e foi criada em 13 de maio de 1911. Embora não haja nenhuma referência na documentação analisada ao significado do dia de criação, a data chama a atenção. Em 1913, A Federação trouxe informações sobre as circunstâncias em que a escola foi criada, sem perder a ocasião para tecer profusos elogios ao Intendente Municipal:

Fundou-a o dr. Montaury, na multiplicidade das suas cogitações pelo bem alheio.

Apiedado da situação dos meninos desvalidos que perambulam pela cidade, o humanitário administrador chamou-os, tanto quanto possível, a um trabalho compativel com suas ainda apoucadas forças.

Foi incumbida a esses pequenos a capina das ruas.

Verificando o seu estado de analphabetismo, instituiu-se para elles a escola nocturna Hilario Ribeiro [...] (A Federação, 1913, p. 1).

Em outros momentos, contudo, a motivação abarca também a noção de instrução como direito de todos. No Relatório da Intendência de Porto Alegre, de 1917, consta informação de que não apenas esses pequenos trabalhadores teriam sido matriculados. Em 1911, a Escola Hilário Ribeiro

[...] registrava 110 matriculas, inclusive a de menores pobres, moradores da vizinhança e alheios aos serviços municipais, aos quaes não se devia negar a instrucção, que reclamavam, na impossibilidade em que se encontravam seus progenitores de o fazerem, nas escolas publicas, que funccionavam durante o dia (Relatório e projecto..., 1917, p. 31).

Outras duas escolas noturnas foram criadas pela Intendência naquele período com igual finalidade: Bibiano de Almeida, em 1912, e Apollinario Porto Alegre, em 1918.

A justificativa para o funcionamento das aulas à noite é sempre a necessidade de os alunos trabalharem durante o dia. Ou seja, tais escolas destinavam-se, se não exclusivamente, ao menos amplamente aos trabalhadores. Isso consta em muitas das notícias: “O cônego Felippe Diel acaba de fundar, na parochia dos Navegantes, da qual é vigario, uma escola nocturna para operários” (A Federação, 1918, p. 6) ou, ainda, “[...] no arrebalde do Menino Deus, acaba de ser fundado um curso nocturno. Esse curso abrir-se-á hoje, para operários e pequenos empregados que não possam frequentar as aulas de dia [...]” (A Federação, 1923, p. 6). Muitas vezes esses trabalhadores eram crianças, como já se viu. É o que consta explicitamente na notícia de uma reunião promovida na prefeitura municipal na qual “[...] foram explicados os motivos da fundação de uma escola noturna gratuita para crianças que vivem vendendo jornais, bilhetes de loteria, etc.” (A Federação, 1933, p. 3). Não há menção à cor dessas crianças trabalhadoras, mas não seria despropositado afirmar que muitas fossem negras.

Embora não haja indicação de cor dos alunos no jornal A Federação, encontramos, em 1886, notícia de aulas noturnas destinadas a meninas libertas, ou seja, no período em que ainda vigorava a escravidão. Na ocasião, assinalava-se a inciativa de João Costa Corrêa:

[...] tão digno cidadão cujo patriotismo levou-o até o extremo de estabelecer uma aula nocturna para essas infelizes que têm obtido as suas cartas de liberdade, sem retribuição alguma, contando já o numero de quarenta alumnas, concorrendo assim para o melhoramento do serviço domestico, que, certamente, muito melhorará quando feito por pessoas de educação litteraria; em segundo lugar, louvando a boa ordem do seu collegio, a disciplina de seus discípulos, que com ela adquirem as qualidades mais recomendáveis á vida pratica da sociedade (Cousas Municipaes, 1886, p. 2).

Interessante notar nesse excerto a vinculação entre instrução literária e aperfeiçoamento do trabalho doméstico, possivelmente, para quem escrevia a notícia, única destinação imaginável para essas ‘infelizes’ meninas negras. Além disso, escusado sublinhar os recorrentes objetivos de disciplinamento da população, como também consta no trecho.

A centralidade do trabalho na vida da população negra aparece, para a além da menção à necessidade de mais escolas noturnas, na valorização das escolas profissionais como alternativa, ao mesmo tempo, útil e viável em face das realidades vividas. Nesse sentido, o Instituto Parobé27 surge como uma opção para a escolarização da população negra. De acordo com F. Campos (1918, p. 1), em artigo publicado n’O Exemplo, era razão de felicidade a existência de instituições de ensino que “[...] facultam aos pobres, aos desprotegidos da sorte, a possibilidade de se instruírem em todos os ramos do conhecimento humano [...]”. Ressaltava, ainda, o articulista:

A par do estudo das lettras e das sciencias, aprendem-se em varios desses estabelecimentos a que fazemos referencia [Instituto Parobé e Escola Complementar], aprofundadamente, todas as artes e officios technicos, sem que para attingirem ao perfeito conhecimento de umas e de outras, seja necessario aos discentes dispensarem o que quer que seja, sendo que em um delles, quando o alumno já tem algum preparo, começa a ser remunerado na medida do valor do seu trabalho (Campos, 1918, p. 1).

Em 1910, o jornal A Federaçãoanuncia a abertura de matrículas:

Fonte: A Federação (1910, p. 3).

Figura 5 Instituto Technico Profissional da Escola de Engenharia.  

Em 1918 e 1919, nas edições do início de ano em A Federação e n’O Exemplotambém aparece anúncio do período e das condições de inscrição:

Fonte: O Exemplo (1918, p. 3).

Figura 6 Instituto Parobé. 

Note-se que se trata de uma escola para os pobres e para os trabalhadores, assim como as escolas noturnas criadas pela Intendência de Porto Alegre. Também o Instituto Parobé mantinha um curso noturno para adultos e meninos que não podiam frequentar a escola no período diurno. Constam em relatório da Secretaria do Interior e do Exterior do Rio Grande do Sul (Relatório..., 1927, p. 139) as seguintes informações:

O Instituto Parobé é a secção de ensino secundário e superior technico profissional de mecanica, artes e officios, que se destina a preparar mestres e contra-mestres. 0 ensino em qualquer dos cursos deste Instituto é completamente gratuito. Para matricula é entretanto necessário ser o candidato approvado em exame de admissão que consta de leitura, dictado e as operações fundamentaes. Este Instituto tem tres cursos distinctos: o diurno que se decompõe em 4 annos para o elementar e de igual numero de annos para o preparo technico; o nocturno, em dois annos elementares e dois technicos e o feminino em 4 annos de ensino elementar e quatro Je ensino technico.

Além disso, existia na instituição um “[...] curso feminino, este ultimo destinado a fornecer a educação domestica a meninas pobres” (Relatório..., 1923, p. XIII). Em alguns anos, consta nos relatórios do Estado menção acerca da cor dos alunos na Escola Complementar. Tal escola serviu principalmente para a escolarização de moças28, conferindo diploma que permitia que atuassem como professoras. Em 1923, por exemplo, tinha-se a seguinte distribuição dos alunos por cor e sexo:

Tabela 1 Distribuição dos alunos por cor e sexo 

Cor branca Cor preta
masculino 546 52
feminino 1.113 133

Fonte: Relatório..., 1923, p. XIII.

Chama a atenção a pouca presença dos alunos negros no total de matrículas. Alguns anos antes, o jornal O Exemplo havia mencionado uma situação de racismo envolvendo essas alunas, como se verá adiante. Isso nos faz pensar que, havia desejo por alguns dos envolvidos na escola de que mesmo essas poucas alunas não integrassem o corpo discente.

Se a condição de pobreza podia representar uma exclusão escolar indiferenciada, a ampliação das oportunidades de acesso à escola permite observar uma forma de exclusão especificamente racial. Melina Kleinert Perussatto (2018, p. 165) já havia destacado a ocorrência de “[...] preconceito escolar com base na cor”. Em 1893, por exemplo, a imprensa negra tinha denunciado “[...] o fato de algumas escolas públicas da capital estarem abertamente se recusando a admitir ou limitando o número de matrículas para os estudantes negros” (O Exemplo, 1893, p. 1). Nas páginas dos jornais é possível localizar denúncias de discriminação de alunos negros. Em 1904, Lindolfo Ramos (1904, p. 1, grifo do autor) publica em O Exemplo um artigo em que denuncia que ‘crianças de cor preta’ eram maltratadas em aulas públicas no Rio Grande do Sul:

[...] aqui tambemha caracteres pequeninos, esterilisadores das vocações, estioladores dos talentos, que entendem que a arte é monopolio de determinados individuos e que deve ser inascessivel a outros, aqui tambem está enthronado o maior dos bandidos, o mais vil dos assassinos das ‘classes inferiores’, o mais audaz, o mais cynico dos canalhas - o preconceito de côres - esse verme pestilento, essa torpeza que penetrou em algumas aulas do Estado.

Na sequência, concluía o autor: “[...] aqui, nas aulas publicas, as crianças de côr preta são uma especie de boneca de lustrador que somente vão á escola para polir os bancos: os professores nada ensinam aos ‘negrinhos’ e aproveitam-n’os muito bem como seu creadinho” (Ramos, 1904, p. 1, grifo do autor). Outra situação de racismo reportada nas páginas de O Exemplo ocorreu com alunas negras da Escola Complementar de Porto Alegre e repercutiu em vários artigos publicados no periódico. A questão teria sido primeiro publicada no jornal A Noite. Segundo consta “[...] o sr. Clemente Pinto determinou que as alumnas de côr não tomassem parte nas homenagens á Independencia Patria” (Os preconceitos..., 1916, p. 1). Em longo artigo intitulado ‘Os preconceitos na instrucção’, o jornal protesta contra Clemente Pinto, diretor da Escola Complementar: “Não é possível! - pensamos intimamente. Um educacionista que se preze e tenha integra consciência de sua missão não acolhe nem estimula preconceitos nefastos, que só podem contribuir para abrir dissenções amargas entre filhos do mesmo paiz” (Os preconceitos..., 1916, p. 1). E mais adiante complementa: “[...] O preconceito obsedia muitos espiritos em paixões nafastas. E a obcessão pode chegar ao grao de depreciar os homens notaveis, unicamente por não serem claros!” (Os preconceitos..., 1916, p. 1). No mesmo ano, o jornal publica também um artigo de Quintino Nunes (1916, p. 1), de Pelotas, cujo propósito era associar-se “[...] ao solenne protesto que os meus patricios, dando um exemplo de hombridade, souberam lançar contra a selecção indecorosa do dr. Clemente Pinto”.

Considerações finais

Buscamos, neste artigo, apresentar aspectos decisivos para compreensão de processos de exclusão escolar que atingiram especialmente a população negra no Rio Grande do Sul. As formas de exclusão se alteram e se reorganizam, a depender da temporalidade. Assim, para o caso analisado, havia no período imperial o impedimento da frequência de negros na escola expresso em lei. Já na República, retirado o impedimento legal, destacam-se dois outros aspectos: a dificuldade de se manter na escola em função das necessidades prementes que impunham o trabalho como prioridade e a hostilidade que os alunos negros podiam experimentar na escola, instituição cuja forma se origina na Europa e que tem a branquitude como eixo organizador (embora eufemizado em termos de racionalidade).

Também foi nosso intuito contribuir no conhecimento acerca da presença da população negra na escola sul-rio-grandense, com ênfase para o caso de Porto Alegre no início da República. Isso se faz necessário, em parte, pela ampla circulação de ideias equivocadas de que não haveria negros nessa região do país. Não apenas existiam e existem negros no Rio Grande do Sul, como também têm sido ativos no enfrentamento do racismo - em suas diversas formas - o que pretendemos evidenciar, quanto ao tema aqui em pauta, na apresentação dos debates e denúncias encontrados na imprensa negra. Além disso, ainda é grande a lacuna de estudos sobre a história da presença dos negros na escola gaúcha, de modo que esperamos ter contribuído para a ampliação do conhecimento histórico acerca da questão.

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1 Agradecemos às estudantes Luísa Grando Orfali, bolsista de Iniciação Científica pelo Programa BIC/UFRGS, e Maria Vitória Longo Viana, bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq, pela sistematização da documentação localizada nas fontes. Expressamos nosso agradecimento também à Carla Meinerz, pela leitura cuidadosa da versão preliminar e pelas valiosas sugestões. Os problemas e incompletudes deste estudo, evidentemente, são de nossa inteira responsabilidade.

2O uso dos termos negro, preto, afrodescendente, entre outros, é um debate importante que acompanha as pautas historicamente propostas pelo Movimento Negro no Brasil. Aqui, buscando rigor metodológico, acompanhamos a opção assumida por Marcus Vinícius Fonseca (2009, p. 19-20): “Portanto, do ponto de vista analítico, utilizaremos o conceito de negro como uma forma de atribuir significado a indivíduos que partilhavam uma experiência social, mas, ao mesmo tempo, procuraremos conduzir uma análise que não desconsidere os diferentes termos que a eles eram dirigidos e que, no plano das relações sociais do século XIX [e XX, no nosso caso], conferia alguma especificidade à condição de pretos, pardos, crioulos, cabras mulatos e outros termos afins”. Para uma introdução às discussões no âmbito do Movimento Negro, ver Domingues (2007).

3Optou-se por concentrar a análise nos jornais O Exemplo, importante veículo da imprensa negra sul-rio-grandense, e A Federação, jornal de grande circulação, vinculado ao PRR (Partido Republicano Rio-Grandense), abolicionista no século XIX e vinculado ao grupo politicamente hegemôniconas primeiras décadas do século XX. O Exemplo circulou em Porto Alegre, com interrupções, entre 1892 e 1930; A Federação circulou no Estado do Rio Grande do Sul entre 1884 a 1937.

4Para o aprofundamento da questão, bem como para o acesso a várias referências comentadas sobre o tema, ver Perussatto (2018).

5Vale assinalar que acompanhamos, nesse sentido, as análises propostas por S. Hall e P. Gilroy, em torno das noções de diáspora africana e Atlântico negro.

6Para o conhecimento dos dados populacionais no Brasil e a sua distribuição por cor, ver Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (n.d.).

7Em 2015, o analfabetismo total no Brasil era de 8%, sendo 4,9% entre brancos e 10,6% entre pretos. Já a média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais indicava, para aquele mesmo ano, 9 anos de escolaridade para a população branca e 7,4 para a população negra, ver Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA] (n.d.).

8A propósito, ver Veiga (2005).

9A título de exemplo ver Bastos (2016) e Peres (2020).

10Dada a impossibilidade de repertoriar aqui o conjunto das pesquisas mais expressivas sobre a temática, remetemos ao fundamental balanço feito por Surya Aaronovich Pombo de Barros (2018).

11A sistematização da legislação aqui apresentada foi originalmente produzida, a pedido de Jorge Terra, para o Seminário Nilo Feijó: da escravização à reparação no Rio Grande do Sul, realizado pela OAB-RS, em Porto Alegre, entre os dias 28 e 30 de novembro de 2016, como parte das ações de produção do Relatório de Reparação da Escravidão Negra do Rio Grande do Sul.

12No século XIX, denominava-se de instrução um conjunto de instituições educativas e culturais entre as quais estavam as escolas, mais comumente denominadas de ‘aulas’, mas também bibliotecas, museus, gabinetes de leitura entre outros.

13No que se refere à instrução em nível primário, ou seja, aquela cujo objetivo era ensinar a população escolar a ler, escrever e contar, têm-se na província de São Pedro do Rio Grande do Sul os seguintes atos legais: a Lei nº 14, de 1837, o regulamento para as escolas públicas de instrução primária, de 1842, o Regulamento para a Instrução Primária e Secundária da Província de Pedro do Rio Grande do Sul, de 1857, os Regulamentos de Instrucção Pública Alterando o Regulamento de 1857, de 1859, o Regulamento da Instrução Pública Primária, de 1876 e o Regulamento da Instrução Pública, de 1881.

14A elite política sul-rio-grandense apresenta, durante todo o século XIX e início do XX, posição contrária à obrigatoriedade do ensino, por considerar que cabia às famílias a decisão sobre como e onde educar seus filhos. Referindo-se ao final do século XIX, Terciane Luchese (2013, p. 285) menciona que a “[...] postura dos políticos republicanos gaúchos era a de fomentar o crescimento da oferta de escolas públicas primárias, mas eram a favor da liberdade de frequência”.

15As leis do Rio Grande do Sul foram consultadas em Tambara e Arriada (2005).

16Em Minas Gerais, os negros livres e libertos não estavam proibidos de frequentar as escolas públicas (como no caso do Rio Grande do Sul). A restrição era aos escravizados.

17Para mencionar a cor, e não o grupo étnico, conforme critério convencionado a posteriori pelo IBGE.

18Nesse sentido, é importante considerar na análise o impacto das teorias raciais no pensamento das elites brasileiras. Para um aprofundamento dessa questão, ver Schwarcz (1993).

19De acordo com Rosa (2019, p. 147), “[...] os critérios étnicos e raciais estavam presentes tanto na formação de certas aglutinações e solidariedades, quanto eram mobilizados nas disputas pelas moradias disponíveis, [...] aqueles mesmos critérios, bem como seus significados, eram componentes importantes das variadas formas de sociabilidades entre os que residiam nas regiões mais empobrecidos da cidade”.

20Para uma discussão sobre os tipos de escola e sua expansão quantitativa no Rio Grande do Sul, ver Gil (2016).

21As notícias de jornal que não tinham título nem indicação de autoria não foram incluídas nas referências ao final deste artigo.

22O dicionário Raphael Bluteau (1728) indica que esta palavra veio do Brasil e tinha por significado ‘pequeno escravo negro’ (Raphael Bluteau..., 2020). O dicionário Luiz Maria da Silva Pinto (1832) reitera essa compreensão indicando que o termo significava ‘preto escravo pequeno’ (Luiz Maria da Silva Pinto, 2020.

23Assumimos aqui a expressão intelectuais negros para nos referirmos àqueles que escreveram nesses jornais, seguindo a proposição de José António dos Santos (2011). Embora tivessem ocupações variadas (funcionários públicos, barbeiros, marceneiros etc.), foram ativos na reflexão sobre as condições de vida e desigualdades vigentes na sociedade onde viveram.

24Muitas dessas associações tinham sido criadas no bojo do movimento abolicionista, desde a década de 1860 e desempenharam importante papel naquele período (Alonso, 2015). Após 1888, muitos desses clubes mantiveram-se em atividade, deslocando suas finalidades e reorganizando seus modos de ação. Constituíram-se em espaços fundamentais de fortalecimento político, cultural e social para a população negra, dando espaço ao protagonismo de homens negros em debates de interesse aos seus semelhantes (Silva, 2017). A imprensa negra esteve articulada às associações e fez parte das estratégias de luta e coesão no âmbito desse movimento associativo.

25Atualmente as análises têm incorporado no debate sobre direito à educação outros elementos que evidenciam a complexidade da situação, permitindo notar como o racismo opera de forma individual, institucional e estrutural (Almeida, 2019).

26Em Pelotas, nas páginas d’A Alvorada, também se encontram proposições de criação de uma escola vinculada aos clubes negros. Naquele caso, no entanto, tem-se notícia da realização do intento em 1954, pela instalação de uma escola na sede do Clube Fica Ahí Prá Ir Dizendo (Silva, 2017, p. 197).

27Para informações mais detalhadas sobre a história dessa instituição, ver Stephanou (1990).

28Sobre a escolarização das mulheres no Brasil, ver Louro (2004).

32Como citar este artigo: Gil, N. L., & Antunes, C. P. Formas de exclusão e de presença da população negra na história da escola sul-rio-grandense. (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e174

Recebido: 21 de Maio de 2020; Aceito: 25 de Junho de 2020; Publicado: 17 de Fevereiro de 2021

*Autora para correspondência. E-mail: natalia.gil@ufrgs.br

Natália de Lacerda Gil é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do projeto de pesquisa interinstitucional (UFRGS, UNICAMP, USP, UFRJ, UFPI) ‘Exclusão escolar na história brasileira: persistências e resistências (1920-2020)’, financiado pelo CNPq (processo nº 420799/2018-4). E-mail: natalia.gil@ufrgs.br https://orcid.org/0000-0002-0818-4858

Cláudia Pereira Antunes é doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em Ciências Sociais pela UFRGS. Atua como Técnica em Assuntos Educacionais na Faculdade de Educação da UFRGS. Membro do Grupo de Pesquisa Peabiru: Educação Ameríndia e Interculturalidade - UFRGS, coordenado pela professora Dra. Maria Aparecida Bergamaschi. Membro do Grupo de Trabalho Interinstitucional GT 26-A, dedicado ao monitoramento da aplicação do Artigo 26-A da LDB nas escolas de educação básica do RS. E-mail: claudia.antunes.poa@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-3386-0504

Editor-associado responsável: Cláudia Engler Cury (UFPB) E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-0021-2911

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