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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 18-Jun-2021

https://doi.org/10.4025/10.4025/rbhe.v21.2021.e179 

Artigo Original

História da educação da população negra no Brasil e a produção discente sobre educação e relações étnicorraciais (2003-2014)

History of the education of the black population in Brazil and the discent production on education and ethnic-racial relations (2003-2014)

Historia de la educación de la población negra em Brasil y la producción discente en educación y las relaciones etnico-raciales (2003-2014)

Marcelo Pagliosa Carvalho1  * 
http://orcid.org/0000-0002-2498-525X

1Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.


Resumo:

A categoria ‘História da Educação da População Negra’ da pesquisa Educação e relações étnico-raciais: o estado da arte (Silva, Regis, & Miranda, 2018) abrangeu a análise de teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação stricto sensu em educação entre 2003 e 2014. Neste artigo, examinaram-se os 18 trabalhos discentes que foram agrupados em três subcategorias. Realizou-se uma análise de conteúdo dos trabalhos, uma breve descrição dos dados estatísticos, temáticas em destaque, metodologias, recomendações e referenciais teóricos mais utilizados. Discutiram-se suas contribuições para o campo da história da educação. Sublinhou-se que o conjunto das pesquisas tem o mérito de debater histórias, memórias, lutas e trajetórias de vidas silenciadas na ciência brasileira.

Palavras-chave: história da educação da população negra; história da educação; história e cultura africana e afro-brasileira

Abstract:

The ‘History of the Education of the Black Population’ category of the research Educação e relações étnico-raciais: o estado da arte (Silva, Regis, & Miranda, 2018) covered the analysis of theses and dissertations defended in stricto sensu graduate programs in Education between 2003 and 2014. In this article, we examined the 18 student works that were grouped into three subcategories. A content analysis of the works was carried out, a brief description of the statistical data, highlighted themes, methodologies, recommendations and theoretical references most used. His contributions to the field of History of Education were discussed. It was stressed that the set of research has the merit of discussing stories, memories, struggles and life trajectories silenced in Brazilian science.

Keywords: history of education of the black population; history of education; african and afro-brazilian history and culture

Resumen:

La categoría ‘Historia de la educación de la población negra’ de la investigación Educação e relações étnico-raciais: o estado da arte (Silva, Regis, & Miranda, 2018) cubrió el análisis de tesis y disertaciones defendidas en programas de posgrado estrictos. en Educación entre 2003 y 2014. En este artículo, examinamos los 18 trabajos de estudiantes que se agruparon en tres subcategorías. Se realizó un análisis de contenido de los trabajos, una breve descripción de los datos estadísticos, temas destacados, metodologías, recomendaciones y referencias teóricas más utilizadas. Se discutieron sus contribuciones al campo de la Historia de la Educación. Se subrayó que el conjunto de investigaciones tiene el mérito de discutir historias, recuerdos, luchas y trayectorias de vida silenciadas en la ciencia brasileña.

Palabras clave: historia de la educación de la población negra; historia de la educación; historia y cultura africana y afrobrasileña

Introdução

Este artigo objetiva analisar 18 trabalhos discentes (teses e dissertações) relativos às subcategorias: 1) lutas coletivas da população negra e educação; 2) docentes e intelectuais negros(as): trajetórias profissionais e de vida; e 3) outros temas que foram reunidos na categoria ‘História da Educação da População Negra’1 da Pesquisa Educação e relações étnico-raciais: o estado da arte (Silva, Regis, & Miranda, 2018), surgida a partir da proposição do Grupo de Trabalho em Educação e Relações Étnicorraciais (GT 21) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)2. Em seu processo de construção do projeto e de desenvolvimento, o Estado da Arte abarcou a ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros) e o CONNEAB (Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros). Obteve-se financiamento para a execução pela SECADI/MEC (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação), apoio institucional da UFMG, UFMA e UFPR3.

A pesquisa Educação e relações étnico-raciais: o estado da arte objetivou mapear e sintetizar a produção acadêmica sobre educação e relações étnicorraciais entre 2003 e 2014, no Brasil, por meio da leitura de teses e dissertações aprovadas em programas de pós-graduação stricto sensu em educação4, bem como de artigos publicados em periódicos Qualis A e B na área da educação, e de livros produzidos pelos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) e grupos correlatos. A pesquisa selecionou e analisou 494 artigos, 476 dissertações e 122 teses da área de educação.

O período abarcado (2003-2014) foi selecionado por dois motivos: 1) o ano inicial marca a aprovação da Lei nº 10.639/20035, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos currículos escolares brasileiros; 2) devido ao longo e complexo escopo da pesquisa, optou-se em finalizá-la com os dados de 2014 porque era o último ano em que se tinha a completude das teses e dissertações publicadas nos bancos de dados das diversas universidades no início das discussões das(os) pesquisadoras(es) que integraram o Estado da Arte6.

Dentre os objetivos específicos previamente definidos pelo Estado da Arte, destaque para: a) identificar e sistematizar a produção acadêmica sobre educação e relações étnicotraciais; b) identificar e categorizar as temáticas recorrentes; c) averiguar quais são as abordagens teóricas e metodológicas dominantes; d) verificar quais são as temáticas emergentes e as lacunas nesta produção; e) examinar as críticas e proposições ao ensino da história e cultura africana e dos negros brasileiros nas instituições escolares realizadas pela produção acadêmica da área; f) sistematizar as recomendações dos trabalhos analisados para a implementação da lei nº 10.639/2003 (Silva et al., 2018, p. 40).

A finalidade do Estado da Arte é a de contribuir no exame das repercussões da implantação e implementação da Lei nº 10.63/2003 na produção científica brasileira. Segundo Gomes (2018, p. 16-17), na ‘Apresentação’ dos resultados da pesquisa,

[...] a produção acadêmica sobre relações étnico-raciais e educação ainda não havia sido objeto de um processo denso, organizado e sistematizado que incluísse uma análise do que tem sido produzido após a sanção da Lei 10.639/03. Faltava-nos uma investigação científica abrangente, em nível nacional, que pudesse verificar quais são os principais temas abordados, as problemáticas privilegiadas e pouco ou não estudadas, onde esta produção vem sendo realizada, que lugar ela ocupa na pós-graduação em educação, como se articula com as outras áreas do conhecimento, a circulação nacional e internacional dos estudos e pesquisas e quais são as autoras e os autores de renome nacional e internacional que inspiram as novas gerações de pesquisadores e pesquisadoras.

A equipe de investigação contou com a participação 1) de pesquisadoras(es) das três universidades responsáveis pela pesquisa (UFMG, UFMA e UFPR7) e 2) e de outras instituições que foram convidadas(os) por causa da reconhecida atuação na área8. Tratou-se, portanto, de um trabalho conjunto de recolha de material, estudo, análise e reflexão concretizado por uma equipe de especialistas de diferentes NEABs, vinculados à ABPN e sob a coordenação de pesquisadores ligados ao GT 21 ‘Educação e Relações Étnico-Raciais’ da ANPEd. Ou seja, o desafio colocado era o de realizar uma pesquisa com tal magnitude sobre educação das relações étnicorraciais e trazer contribuições efetivas ao campo educacional.

Em relação à especificidade da categoria analisada neste artigo (História da Educação da População Negra), é valioso mencionar que muitas(os) estudiosas(os) (Gomes & Araújo, 2014; Oliveira, 2004; Rosemberg, 2011) apontam lacunas ou falta de um número maior de pesquisas em história da educação que se dediquem: ao entendimento das relações étnicorraciais; ao acesso e permanência da população negra nas unidades educacionais; às reivindicações históricas do Movimento Negro para a construção de uma educação brasileira antirracista. Segundo Gomes (2018), essa lacuna se conformava como uma grande perda para a produção do conhecimento de um modo geral e, em particular, para a educação9.

Pesquisadoras(es) da área destacam que a finalidade da legislação em questão (Leis nº 10.639/2003, nº 11.645/2008 e correlatas) demanda algo mais diverso e valioso do que o simples acréscimo de conteúdos: o combate ao racismo e a conformação da memória histórica (Coelho & Coelho, 2018; Munanga, 2015). Como assevera Gomes (2012, p. 106), “[...] trata-se, na realidade, de uma mudança estrutural, conceitual, epistemológica e política [...]”, em um processo de descolonização do currículo, que implica conflito, negociações e produz algo novo, cujo resultado esperado se configura na construção de projetos educativos emancipatórios.

A inclusão das Histórias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras se relaciona com a democracia e os direitos humanos. Silva (2015, p. 163-164) ressalta a importância dessa inclusão curricular no fortalecimento da autoestima das pessoas negras.

Como explicar às crianças negras e também às não negras que os afrodescendentes são os únicos brasileiros, pelo menos a significativa maioria deles, que desconhecem precisamente de onde vieram seus antepassados? [...] Se essa situação constrange adultos, imagine-se o quanto interfere no fortalecimento da autoestima das crianças negras, também das outras, as não negras. Como ensinar que somos todos iguais, diante de tão forte desigualdade? Que cidadania poderão essas crianças construir?

O material dessa categoria foi agrupado por similaridade de temas e dividido em quatro subcategorias: educação de crianças e jovens negros(as); lutas coletivas da população negra e educação; docentes e intelectuais negros(as): trajetórias profissionais e de vida; e outros temas. Mas, nesse artigo, privilegiou-se o estudo descritivo dos 18 trabalhos discentes congregados nas últimas três subcategorias.

Dados quantitativos das teses e dissertações analisadas10

A produção discente levantada apresenta uma elevação no número de trabalhos nos últimos anos: enquanto nos seis primeiros anos da série histórica foram defendidos quatro trabalhos, nos seis últimos anos a produção foi de 14 trabalhos. O ápice da produção foi em 2010: quatro trabalhos. Vale destacar que nos três primeiros anos (2003, 2004 e 2005) e em 2007 não foram defendidos trabalhos sobre a temática no Brasil.

Universidade do Estado da Bahia (5 pesquisas), Universidade Federal de Minas Gerais (3 trabalhos), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade Federal do Mato Grosso e Universidade Federal de Pernambuco (2 trabalhos cada) foram as que apresentaram o maior número de trabalhos. Quanto às unidades da federação, as que apresentaram a maior quantidade de teses e dissertações foram Bahia, Minas Gerais, São Paulo (respectivamente: 5, 3 e 3 trabalhos). A região Nordeste se destacou com a maior quantidade de pesquisas: nove. Em seguida, aparecem Sudeste e Centro-oeste (respectivamente, 6 e 3 trabalhos). A pesquisa não identificou trabalhos produzidos nas regiões Norte e Sul que se encaixassem nessas subcategorias11.

Observa-se a preponderância de trabalhos discentes defendidos em universidades públicas: 83,3% (15 trabalhos). Os homens foram responsáveis por 55,56% da produção discente, ao passo que as mulheres defenderam 44,44%. Há a preponderância de dissertações sobre o tema (83,3%).

Os trabalhos analisados investigaram aspectos relacionados à história de luta da população negra pelo direito à educação, as políticas públicas educacionais que foram confeccionadas em nosso país, as trajetórias profissionais e de vida de docentes negros(as). Procurou-se construir um quadro sobre os períodos em que as produções discentes acabaram se preocupando. Dividimos os trabalhos em quatro periodizações históricas: Colônia, Império, República e os trabalhos que gravitaram entre os períodos Império e República. O período republicano se destacou com a maioria das pesquisas (13 trabalhos ou 72,22%).

Nicanor Palhares Sá (Universidade Federal do Mato Grosso), Elisabete Conceição Santana (Universidade do Estado da Bahia) e José Luis Simões (Universidade Federal de Pernambuco) foram os(a) orientadores(a) com o maior número de pesquisas orientadas: dois trabalhos cada.

Análise de conteúdo das teses e dissertações

Subcategoria 1: Lutas coletivas da população negra e educação

Os trabalhos perscrutados nessa subcategoria apontam para a importância de a história da educação brasileira reconhecer as lutas pelo direito à educação e os espaços educativos desenvolvidos pela população negra, como nos terreiros das religiões afro-brasileiras.

Belo (2010) estudou os terreiros de Xangô em Maceió (1888-1912), justamente por marcar, respectivamente, o período da abolição da escravatura e da destruição dos terreiros alagoanos, em um evento que ficou conhecido como ‘Operação Xangô’. Os terreiros foram considerados enquanto espaços de educação, com dimensões formais e não formais, e que tiveram a função de guarda e renovação de um saber ancestral da cultura afro-brasileira. Assinalou que a educação nos terreiros de Xangô tem como principais características: a tradição oral na transmissão do conhecimento; o uso de elementos da mitologia dos Orixás; o sincretismo das etnias africanas entre si e destas com o cristianismo como estratégia de perpetuação do saber em condições sociais historicamente adversas; a ênfase da memória como herança cultural, que se relacionam com a ‘África perdida’; e a comunicação e troca de saberes que os terreiros tinham com a Bahia e a África. Destacou a dimensão histórica revelada nas entrevistas com os pais e mães de santo, que se fundamenta na atualização de uma memória coletiva, resistente mesmo com o passar do tempo e das transformações sociais e fruto do conhecimento transmitido de geração para geração. Concluiu que os terreiros são um espaço simbólico de liberdade de crença, culto e afirmação de uma cultura de origem africana.

Luz (2008) examinou a participação dos negros na cultura escrita do século XIX, a partir da investigação sobre a Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco, associação educacional que recebeu negros que atuavam em ofícios específicos na cidade do Recife, em plena ordem escravista, por meio do trabalho de instrução e profissionalização. Essa Sociedade acabou culminando na instalação do Liceu de Artes e Ofícios de Pernambuco, no final desse mesmo século. O trabalho discutiu essa entidade como fenômeno educacional, realçando sua importância como instância de apropriação da leitura e da escrita para os negros que atuavam em ofícios específicos. A Sociedade, em uma perspectiva mais ampla, foi a expressão de que a população negra teve participação ativa na cultura letrada. Luz (2008) mostrou que esse grupo social não deixou de acompanhar o movimento histórico no qual a linguagem dos sons e gestos passou a dar lugar ao registro escrito.

Em sua tese de doutoramento, Luz (2014) identificou as diferentes formas de organizações sociais negras existentes em Pernambuco (1800-1850) e as possíveis articulações existentes entre elas. Analisou a capacidade de atuação social e política dessas entidades e apreender sua forma de organização e funcionamento. Focou a importância da dimensão educacional em todo esse processo. Discutiu as práticas e articulações coletivas entendidas como expressões do associacionismo dos negros no Brasil oitocentista, compreendendo-as não somente como espaços de sociabilidade, mas, com igual importância, seu papel como instâncias educativas ou formativas importantes no interior da ordem escravista. Concluiu que os arranjos associativos da população negra ensejaram a construção de alternativas autônomas de vida social e política no interior da ordem escravista, quer no plano material, quer no simbólico, para os quais se valeram também de tradições ou princípios africanos compartilhados entre gerações. O fator educativo foi sublinhado como uma dimensão fundamental da dinâmica associativa, que permitiu o compartilhamento de saberes e valores entre os membros dos diversos grupos. Com isso, as organizações foram se tornando verdadeiras instâncias educativas em que os negros buscavam inspiração e aprendizado para o reconhecimento e a afirmação de suas identidades.

Silva (2010) reconstituiu a história da Associação José do Patrocínio (Belo Horizonte-MG), que agregou e foi dirigida por afrodescendentes entre as décadas de 1950 e 1960. O foco foi analisar as dimensões educativas do associativismo negro. Os resultados da pesquisa abalizaram que José do Patrocínio aproximou-se do modelo integracionista destacado na literatura sobre o tema e foi constituída por famílias negras que construíram uma pujante trajetória de ascensão social e que tinham a educação como a fundamental estratégia nesse processo. Afirmou que mesmo com as divergências ideológicas que existiam entre seus membros, havia um ponto de identificação comum: a educação era o instrumento mais eficaz para mudar a realidade da população negra no Brasil. Constatou que o projeto educacional da Associação objetivava a inserção dos negros no mercado de trabalho, acrescido de uma intenção de introduzi-los na educação superior. ‘O negro é capaz’ foi o grande mote da José do Patrocínio. Cabe lembrar que os sujeitos atendidos tinham ainda uma proximidade muito grande com as experiências da escravidão. A Associação teria contribuído enquanto um estágio importante para o que aconteceu com o movimento negro dos anos 1970, uma vez que agregava filhos e netos daqueles que viveram seus tempos áureos.

O estudo de Silva (2011) trouxe uma leitura das estratégias e práticas educativas empreendidas e efetivadas pelos negros forros na Comarca do Rio das Velhas no século XVIII. Procurou articular a historiografia da escravidão com a história da educação brasileira, destacando os fenômenos educativos e a experiência dos sujeitos. A pesquisa foi desenvolvida a partir de testamentos e inventários, utilizando aportes teóricos da Nova História Social. A sociabilidade dos negros forros em uma sociedade escravocrata foi o centro do estudo. Concluiu que a população negra da localidade teve como experiência práticas educativas em espaços de sociabilidades diversas e que as irmandades funcionaram como espaço de aprendizados morais, de autoafirmação frente à sociedade, de formação de vínculos afetivos e de solidariedade entre os pares.

A pesquisa de Kohl (2012) teve como base uma leitura da realidade da capoeira da cidade do Recife nas décadas de 1980 e 1990. A hipótese trabalhada é a de que houve mudanças no processo de formação dos praticantes de capoeiras, geradas por processos educativos balizados por relações interdependentes materializadas entre figurações da capoeira da cidade de Recife e de outras figurações. A capoeira foi analisada enquanto fenômeno educativo não formal. Afirmou que arrazoar a capoeira recifense como manifestação cultural que favorece possibilidades educacionais aos seus praticantes não significa padronizá-la a uma única dimensão conceitual. Ao contrário, refletir dessa maneira serve para problematizá-la, considerando a convivência junto às figurações como eixo central analítico. Resistindo aos padrões estabelecidos por cada período histórico, a capoeira do Recife surge da convivência social. Se em um determinado contexto, os capoeiras foram considerados marginais, em outros tempos passaram à condição de reconhecidos educadores.

Nunes (2012) analisou a atuação do Teatro Experimental do Negro (TEN) por meio do jornal Quilombo (1948-1950), que foi examinado com o objetivo de aferir as relações com a educação presentes em seus textos. Outro foco de análise foi a valorização da cultura e do esclarecimento da população em geral em meio às particularidades da população negra. De acordo com o autor (2012), o TEN refletiu sobre o ser negro em uma sociedade percebida como racista e segregada, e apontou para a educação como forma de incluir o negro nas benesses dessa sociedade recém-industrializada. O jornal Quilombo procurava conscientizar os negros dos seus próprios problemas, dilemas e dificuldades, sublinhando que sua inclusão na educação formal poderia mudar o quadro de exclusão que os afetavam. A movimentação cultural realizada constituía-se como pano de fundo para a educação dos negros, pelas políticas de inclusão, pela luta por poder e também para educar os não brancos.

Subcategoria 2: Docentes e intelectuais negros(as): trajetórias profissionais e de vida

A subcategoria ‘Docentes e Intelectuais Negros(as): trajetórias profissionais de vida’ aglutinou um total de seis pesquisas. A maior parte dos trabalhos realizou estudos biográficos que procuraram estudar casos específicos de professores(as) que se destacaram em suas áreas de atuação. As pesquisas trabalharam com casos excepcionais de sucesso educacional de profissionais que obtiveram inclusive reconhecimento social. Entretanto, as(os) pesquisadoras(es) afirmaram que esses casos realmente foram exceções. Em todos os casos realçados há a menção de que esses profissionais, apesar do prestígio que desfrutavam, também foram alvos de preconceitos ou discriminações raciais e tiveram de criar estratégias para se defenderem e galgarem trajetórias relevantes. Os trabalhos estudaram docentes que atuaram na escolarização de crianças e adolescentes e no ensino superior.

Garcia (2010) perscrutou, por meio de memórias de docentes afro-brasileiros da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, a relação entre a memória de suas trajetórias escolares e a identidade profissional enquanto docentes universitários afro-brasileiros. Refletiu sobre as clivagens de afrodescendência na memória escolar e identidade profissional destes professores, relacionando-as com a participação política destes sujeitos. Constatou que a formação da identidade do sujeito está diretamente ligada às suas memórias, marcadas por questões relacionadas à sua origem étnica, e que o preconceito racial sofrido durante a vida educacional volta a aparecer na universidade, já na condição de docente. Concluiu que a condição de afrodescendente é um referencial importante nas vivências identitárias desses profissionais docentes. Ou seja, não haveria como analisar a identidade dos sujeitos sem levar em conta a forma como a temática étnica foi trabalhada durante a trajetória educacional. Porém, realçou que algumas falas de entrevistados revelaram o ‘esquecimento’ de suas origens étnicas.

Gomes (2009) teve como objetivo apresentar os resultados de um estudo de caso sobre a vida profissional de Bernardina Maria Elvira Rich, mulher negra e professora primária em Cuiabá/MT, durante as primeiras décadas do período republicano brasileiro, e que se tornou destaque na sociedade cuiabana daquela época. Procurou-se recompor a mentalidade da sociedade na Primeira República, principalmente no que tange à multiplicidade de pontos de vista acerca de sua população negra e não negra. Verificou-se que o racismo esteve fortemente implícito nas práticas sociais do período. A pesquisa mostra que Bernardina Maria Elvira Rich, mesmo com o prestígio social que obteve, foi vítima de explícito e vergonhoso preconceito racial.

As memórias de professores negras do Guaporé/MT foram o foco de estudo de Dutra (2010), que trouxe à tona a experiência com educação de professoras negras da década de 1930 em uma escola da cidade de Guajará-Mirim. A escola, fundada por Dom Francisco Rey, destinava-se à preparação das primeiras professoras para atender as povoações localizadas ao longo do Vale do Guaporé, extremo oeste mato-grossense. O artigo analisou as dinâmicas em que se deu esta experiência com a formação e a atuação de mulheres negras. Segundo o autor (2010), o trabalho realizado pelas professoras negras foi uma história de sucesso. Suas experiências se constituíram em ações desbravadoras nos espaços situados na região no decorrer do século XX. Foram lideranças importantes, reinventaram suas práticas, utilizaram o espaço natural, uma educação com aspectos progressistas, os diálogos com os transeuntes que visitavam as localidades, trocando com eles experiências e saberes.

Macêdo (2013) realizou uma reflexão sobre intelectuais negros, memória, tradição, insurgência e educação antirracista. Discutiu o conjunto das obras de Edison Carneiro e Abdias do Nascimento, dois autores negros brasileiros, e traçou relações entre as temáticas centrais que orientaram esta reflexão - memória, tradição e insurgência - e a escrita destes autores. O pressuposto era que tais obras podiam ser consideradas como novos quadros interpretativos sobre as experiências das populações negras no Brasil, a fim de contribuir para uma (re)configuração da memória destas populações e também para a construção de uma educação antirracista e multiculturalista. As análises empreendidas por Edison Carneiro e Abdias do Nascimento forneceram um lugar de reconfiguração da memória e uma contribuição relevante para o combate ao racismo nos processos educacionais. O ponto alto da pesquisa é a entrevista com o próprio Abdias do Nascimento. A autora (2013) ressaltou o engajamento presente nas produções de Edison Carneiro e Abdias do Nascimento, trazendo para o debate a questão do protagonismo negro. A recomendação que fica nessa pesquisa é a importância de as universidades e escolas terem a obra desses dois grandes intelectuais brasileiros como referências importantes na análise da sociedade brasileira e da memória histórica construída.

Cruz (2009) abordou a trajetória de dois professores negros: José Rubino de Oliveira e Eunice A. J. Prudente. O primeiro, de seleiro em Sorocaba, tornou-se professor da Academia Jurídica de São Paulo, no século XIX, em pleno período escravocrata. A segunda, nascida no século XX, filha de operários, foi a primeira professora negra da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, além de ocupar outros cargos de destaque. O estudo identificou as estratégias empreendidas por esses sujeitos que lhes possibilitaram construir uma trajetória marcada por ascensão educacional e social. Constatou-se que os dois professores utilizaram um conjunto de estratégias, como a de se valer da ajuda de terceiros, isto é, do capital social, ou de aprovações em concursos públicos, entre outras. Ao se analisar a trajetória inicial de José Rubino e de Eunice, verificou-se que as estratégias utilizadas por eles se mostraram suficientemente fortes, pois providenciaram que ambos tivessem posse de um volume significativo de capital cultural e social que lhes renderam ascensão social, e sem negarem suas origens raciais. Salta aos olhos a similaridade na escolha das estratégias, apesar de terem desenvolvido suas carreiras em interregnos e contextos distintos, o que sugere que algumas dificuldades enfrentadas pelo professor José Rubino, em período anterior, continuaram a atingir uma professora negra que percorreu uma carreira profissional posteriormente. O autor (2009) afirmou que ambos, mesmo ocupando lugares de destaque na sociedade, sofreram discriminações raciais. Como resposta, utilizaram-se da competência e do capital cultural para se protegerem.

Barbosa (2008) analisou o processo de formação do Dr. Aderbal de Santana Barbosa e registrou a memória deste médico e educador para compreender as bases sobre as quais estavam assentadas suas iniciativas de intervenção social, especialmente no que se refere aos caminhos da expansão do ensino na Bahia, em razão da implantação do Ginásio de Ituaçu, em 1960. Investigou o panorama das relações raciais na sociedade baiana com o intuito de compreender as dinâmicas de ascensão social do segmento negro da população, do qual o educador faz parte. Conheceu a trajetória de escolarização do Dr. Aderbal Barbosa e revelar as circunstâncias sob as quais foi fundado o Ginásio de Ituaçu. O êxito profissional dele, se não era comum, era ao menos provável para outras famílias negras no referido período. Averiguou as repercussões da implantação do Ginásio de Ituaçu, criado por este educador, no município de Ituaçu, em meados do século XX.

Subcategoria 3: outros temas

O artigo de Gomes Júnior (2008) objetivou entender a situação do negro no espaço educacional brasileiro. Para tanto, analisou documentos produzidos pela Fundação Carlos Chagas na década de 1980 sobre população negra e educação, os anais do VIII Encontro de Negros do Norte-Nordeste (Recife, 1988) e qual foi a contribuição dos trabalhos relacionados ao negro e à educação que foram produzidos no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Diagnosticou as denúncias e reivindicações elaboradas nestas pesquisas e qual foi a perspectiva de educação apresentada nos trabalhos discentes do Programa de Pós-graduação selecionado. Para Gomes Júnior (2008), a década de 1980 foi o momento em que começaram a surgir estudos mais aprofundados sobre o negro e a educação, como foi o caso dos documentos estudados nessa pesquisa. O Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE começou a produzir pesquisas sobre esse assunto de forma tardia, somente a partir de 1999. Apenas cerca de 2% dos trabalhos discentes, defendidos no Programa no período de 1982 a 2005, foram sobre a temática, o que mostra a importância de ampliar a discussão.

Conti (2011) examinou a busca do personagem negro, africano ou nascido no Brasil, nas lições de história do Brasil, nos anos 1800: sua relação com a sociedade da época e sua participação no desenrolar histórico das transformações do país. Foi levantado e analisado o material informativo que trouxesse o conhecimento das relações sociais dos negros no período do tráfico negreiro e dos movimentos pró e contra a escravidão, estendendo-se aos momentos de tensão que levaram à assinatura da Lei Áurea. Constatou a ausência ou inexpressiva presença de personagens negros. Mas por que os autores - homens ilustrados, muitos deles engajados no movimento abolicionista - não reverberaram as necessidades dos negros? Por que fizeram silenciar os milhões de homens e mulheres negros que viveram e morreram neste país? Segundo a autora (2011), parte da resposta estava na coerência dos autores com o seu tempo e com as normas ditadas pela historiografia da época e a política dominante.

Silva (2006) pretendeu, por meio do contato direto com algumas comunidades da Chapada Diamantina, em especial a do Mulungu, conhecer a história de um povo, sua religião, lendas, contos e narrativas. Conheceu a realidade étnica, social, cultural e linguística da região da Chapada Diamantina, bem como fazer um levantamento da linguagem existente, entendendo a língua como veículo de comunicação, informação, expressão e depositária dos saberes de uma cultura. Verificou traços de línguas negro-africanas e de seus respectivos grupos étnicos. O pano de fundo consistia em examinar a participação da instituição escolar na afirmação ou negação da identidade desses indivíduos, sobretudo a partir da valorização do ensino da norma padrão em detrimento da não padrão. Os resultados da pesquisa mostraram que as práticas comunicativas aconteciam por meio da oralidade, uma vez que os moradores mais velhos não tinham o domínio da leitura e da escrita. Assinalou que o resgate do patrimônio cultural dessas comunidades deveria ser realizado pelas instituições educacionais presentes na região. A cultura oral teria que ser afirmada e englobada no currículo escolar, pois valorizaria a ancestralidade e as tradições dos sujeitos que atendem.

Silva (2013) analisou as disputas no processo de tramitação do Projeto de Lei que se transforma em Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 4.024/1961 - entre os defensores da educação pública e os defensores da educação privada (1948-1961) à luz da realidade racial brasileira, referenciando-se nos discursos de dois personagens envolvidos na referida disputa: Anísio Teixeira e Carlos Lacerda. O cerne do estudo foi demonstrar a existência do racismo na educação brasileira, em especial no processo de discussão para a aprovação da referida lei. Ao longo dos 13 anos de trâmite, ocorreram veementes embates que colocaram em lados opostos: grupos que faziam a defesa expressa de uma educação pública, como sendo responsabilidade total do Estado brasileiro, e outros grupos propondo uma educação privada com a utilização de recursos públicos. Dentre as conclusões, o autor (2013) citou que o embate ideológico presente na tramitação do Projeto de Lei teve como cenário as diferenças raciais em um período histórico que coincide com a apresentação dos dados raciais nos censos demográficos; o desenvolvimento de pesquisas que questionaram o mito da democracia racial; e com o amadurecimento das militâncias negras, que também contribuiu para o questionamento de relações raciais cordiais no Brasil.

Santana (2013) objetivou estudar a participação política das mulheres na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Pelourinho, em Salvador, Bahia, no período 1969-2001. Refletiu acerca da luta e resistência interna empreendida pelas mulheres negras para a divisão do poder na Mesa Administrativa da Irmandade. As relações de gênero escamoteadas pelos cânones religiosos foram levadas em consideração, pois o viés sexista esteve frequente nas várias edições do ‘Compromisso’ até o ano 2000, documento que regulamentava o funcionamento da Irmandade há quase 400 anos. Outros documentos examinados foram as atas da Mesa Administrativa, da Mesa de Honra, dentre outros. As conquistas das mulheres intermediadas pela Mesa de Honra feminina expressas nas narrativas orais dos Irmãos colaboradores e pelo conjunto de documentos analisados constituíram-se questões centrais da pesquisa. Com isso, constatou-se o quão relevante foi a Mesa de Honra feminina, formada por mulheres negras da Irmandade, para a relação dialógica dos papéis sociais de homens e mulheres na Irmandade, com o propósito de relações de poder menos machistas, sexistas e homofóbicas.

Análise do conjunto dos trabalhos

Há uma preponderância de pesquisas de cunho histórico documental, discussões sobre a historiografia construída na área, levantamentos bibliográficos mais aprofundados ou que utilizaram a História Oral para resgatar ou ressignificar a memória individual ou coletiva advinda da população negra. Os (As) autores mais utilizados, apesar de os trabalhos serem da área de educação, são mais específicos da área da história: Michel de Certeau, Roger Chartier, Sidney Chalhoub, Pierre Bourdieu, Norbert Elias e Circe Bittencourt. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Kabengele Munanga são os mais citados no momento em que os(as) pesquisadores(as) debatem as reivindicações coletivas negras e as condições de vida da população negra, sobretudo no acesso e permanência na educação.

É importante lembrar que o movimento negro e pesquisadoras(es) da área durante muito tempo denunciaram que o campo educacional brasileiro ignorou os condicionamentos produzidos pela discriminação racial e a inserção e contribuições da população negra (Fonseca & Barros, 2016; Pinto, 1992, entre outras/os). Apenas nas duas últimas décadas do século passado o quadro começou a sofrer certa mudança.

Finalmente, as questões relativas à população negra foram incorporadas à educação brasileira. Isso se deu a partir de um longo processo de reivindicação construído pelos movimentos sociais criados pela população negra durante todo o século XX. A partir dos anos de 1980, estas reivindicações começaram a encontrar ressonância em diferentes segmentos da sociedade, possibilitando a construção de dispositivos pedagógicos e legais que estabeleceram diretrizes para o tratamento das questões étnico-raciais na educação. Portanto, podemos atribuir tal transformação à persistência e capacidade do movimento negro de vencer as resistências apresentadas por setores que desconsideravam o racismo como elemento estruturante da sociedade brasileira (FONSECA & BARROS, 2016, p. 11).

Os autores (2016, p. 12) apontam ao menos três marcos dessa mudança: 1) os Programas de Pós-graduação em Educação e a área de história da educação, no decorrer dos anos 1990, passaram a abrir espaços para a produção de pesquisas sobre a História da Educação da População Negra, contribuindo para modificar o panorama de escrita da historiografia educacional; 2) a publicação do dossiê temático ‘Negros e Educação’ (2002) na Revista Brasileira de História da Educação; e 3) a criação oficial, em 2001, do Grupo de Trabalho nº 21 ‘Relações Étnico-raciais e Educação’ da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED).

Esses espaços conquistados auxiliaram no questionamento das formas tradicionais de representação da população negra nos processos educacionais e na construção de narrativas mais justas no que tange às contribuições dessa população do que demonstravam ou ensinavam os tradicionais manuais eurocêntricos, comuns em planos de curso e ementas da disciplina história da educação, bem como ajudaram a deixar a universidade brasileira um pouco mais democrática - sobretudo os cursos de pedagogia e de licenciatura12.

Outra observação significativa diz respeito ao fato de que a maioria dos trabalhos discentes averiguados não utilizou referenciais teóricos específicos da história da educação. Vale ressaltar, contudo, que as teses e dissertações constantes no Estado da Arte, como supracitado, não foram selecionadas diretamente de linhas de pesquisa específicas da história da educação, o que justifica, em parte, a falta de uma literatura científica mais coadunada com essa subárea13.

Muito provavelmente devido ao fato de mais de 83% dos trabalhos analisados serem dissertações de mestrado, há a ocorrência maior de estudos de caso. É mister salientar, entretanto, a busca de muitas(os) pesquisadoras(es) em realizarem um levantamento bibliográfico consistente sobre a discussão da temática que tratavam.

Não há a ocorrência de um tema que possa ser considerado como emergente, isto é, que tenha tido maior presença nas pesquisas desenvolvidas nos últimos cinco anos da pesquisa. O que podemos destacar quando abarcamos todas as pesquisas desenvolvidas no interregno perscrutado são as denominações que nomeamos para as subcategorias. No que se relaciona à subcategoria ‘Lutas coletivas da população negra e educação’, destaque para as análises que procuraram enaltecer que a população negra brasileira, por meio dos seus coletivos, sempre reivindicou educação dos poderes públicos ou tentou realizar ações educativas para educar essa população. Como afirma Silva (2015, p. 7), a escolarização é um valor importante para a comunidade negra enquanto uma espécie de lugar de refúgio.

Não que nos refugiemos nas escolas, onde com frequência nos submetem, por força de persistente racismo institucional, a experiências de discriminação, desrespeito, sofrimentos. Mas porque, com os conhecimentos adquiridos nas escolas, temos mais condições de expressar para além da nossa comunidade, quem somos, que projeto de sociedade defendemos enquanto descendentes de africanos. E, assim, possamos, em conjunto com os demais cidadãos e cidadãs construir uma sociedade que definitivamente inclua, respeite e apoie a todos. Refúgio, nesse caso, pois, não é um abrigo, mas um instrumento para fazer conhecido e reconhecido um povo, o nosso povo negro, e sua luta.

Tal perspectiva se contrapõe, no senso comum, às visões de que os negros não valorizaram ou não se inseriram em processos educativos formais, ou seja, que culpabilizavam a própria vítima da exclusão educacional (social, econômica, política etc.) e se coaduna com considerações realizadas nos últimos anos por pesquisadoras(es) da história da educação brasileira (Cruz, 2016; Fonseca, 2007; Muller, 2014; Veiga, 2010, entre outras).

O conjunto das teses e dissertações estudadas neste artigo, portanto, tem o mérito de afirmar que a população negra não desprezou a educação, o que houve foi uma exclusão ou inclusão precária dessa população nas políticas educacionais brasileiras ao longo da história, como destacam Veiga (2010, p. 282) “[...] em que pese a não-existência do impedimento legal de inclusão das crianças negras e mestiças nas escolas, os mecanismos internos de exclusão há muito estiveram presentes na história brasileira [...]” e Cruz (2016, p. 214) “[...] o segmento negro também esteve, mesmo que não de forma massiva, no sistema formal de ensino, durante o século XIX [...]”.

Em ‘Docentes e intelectuais negros(as): trajetórias profissionais e de vida’, realçamos as intenções dos(as) pesquisadores(as) em analisar e socializar aspectos biográficos e acadêmicos de intelectuais negras(os) que tiveram trajetórias de destaque em suas áreas. Entretanto, mesmo com essas histórias de sucessos profissionais, intelectuais ou de contribuições em prol da população negra, os estudos demonstraram que essas(es) docentes e intelectuais não tiveram trajetórias livres do racismo. Ao contrário, tiveram que construir estratégias para combatê-lo ou, no mínimo, para serem menos atingidos pelo preconceito e discriminação raciais. Tais conclusões comuns nas teses e dissertações analisadas também aparecem em estudos realizados por pesquisadoras(es) da área como, por exemplo, Muller (2014). Em pesquisa sobre o magistério no Rio de Janeiro, na Primeira República, a autora cita que os materiais didáticos e as práticas pedagógicas do período classificavam, demarcavam e estereotipavam professoras e estudantes negros, institucionalizando representações negativas acerca das mulheres negras brasileiras que procuravam atuar no magistério.

As recomendações dos trabalhos discentes são muito genéricas ou apenas apontam para a continuidade do seu foco ou eixo de pesquisa. Apesar de ser uma área em expansão, nota-se que a temática da História da Educação da População Negra ainda é um campo em construção e com necessidade de mais pesquisas, uma vez que abarca um período histórico amplo e uma população que foi e é maioria na sociedade brasileira.

Cabe ressaltar que a denominação dessa categoria também não é ponto concordante nas pesquisas: a maior parte das(os) investigadoras(es) abaliza de forma mais direta ou mais sútil a necessidade no trato da especificidade da História da Educação da População Negra com a argumentação de que, majoritariamente, a área da história da educação brasileira não considerou ou respeitou a importância no trato dessa questão. Porém, algumas teses e dissertações examinadas não destacaram o imperativo dessa especificidade ou mesmo concluíram que este recorte não deva ser construído ao largo da grande área história da educação brasileira, justamente porque ainda não haveria uma produção consistente para essa separação.

Nesse debate, ficamos com o primeiro grupo, ou seja, consideramos que, apesar do fato de a especificidade da História da Educação da População Negra (sua produção em programas de pós-graduação ou em periódicos da área) aparecer com mais vigor, como observamos, nas últimas três, quiçá quatro décadas - e não por falta de cobrança de intelectuais negras(os) que, ao menos desde as primeiras décadas do século XX, reivindicaram maior espaço para o estudo das trajetórias e contribuições dessa população na educação nacional - é necessária a construção e a afirmação desse campo específico dedicado a combater a invisibilidade epistemológica ainda reinante na ciência brasileira. Uma educação antirracista só será realmente viável por meio do questionamento dos processos histórico, social e cultural e da denúncia das injustiças sociais e raciais marcantes no país. Ou seja, é de suma importância uma educação que interpele e combata a estrutura histórica que produz e reproduz o racismo.

Considerações finais

Este artigo - mesmo somado aos nossos outros dois resultantes do estudo sobre essa categoria do Estado da Arte que aprovamos para publicação em importantes periódicos (ver notas 1 e 2) - não pretende esgotar as discussões sobre a História da Educação da População Negra, tampouco é a única referência que se dedicou ao levantamento e à análise da produção científica da área nos últimos anos. Outros trabalhos trouxeram contribuições valiosas e merecem ser consultados, dentre eles, destaque para o livro organizado por Fonseca & Barros (2016)14, que, de certa maneira, também tem um formato de Estado da Arte da área, sobretudo, ao tentar examinar a literatura científica e contar com contribuições de especialistas que se dedicam ao estudo da história da educação dos negros no Brasil. As pesquisas publicadas em periódicos da área educacional ou apresentadas nos encontros nacionais de associações, como no Congresso Brasileiro de História da Educação, no GT nº 21 da ANPED ou no Copene - Congresso Brasileiro das(os) Pesquisadoras(es) Negras(os) - também são imprescindíveis fontes de consulta.

As assimetrias raciais, sociais e educacionais são estruturas constitutivas da sociedade brasileira, erigidas com base em relações étnicorraciais que historicamente discriminaram ou impediram o acesso ou expulsaram enormes quantidades de negras(os) dos sistemas educacionais. Torna-se cada vez mais urgente a construção de políticas públicas educacionais e de ações afirmativas que garantam a quebra de um ciclo de exclusão e que assegure acesso e permanência com qualidade social para a população negra. Não se elimina o racismo estrutural sem garantir oportunidades de escolarização e dos demais direitos sociais para todas(os). A dívida histórica tem que ser paga!

Sublinhamos que o conjunto das pesquisas que analisamos nesse espaço tem o mérito de discutir temas que permaneceram silenciados nas produções educacional e histórica brasileiras, talvez mais na primeira do que na segunda. Observa-se uma disposição de (não só, mas principalmente) pesquisadoras(es) negras(os) em pesquisar e socializar essas histórias, memórias, lutas e trajetórias de vida invisibilizadas ou ocultadas na academia brasileira. Os negros sempre reivindicaram maiores espaços de poder, mais oportunidades sociais e educacionais, sobretudo nos últimos anos, como bem demonstram os trabalhos perscrutados. E isso é muito importante. É justiça a ser feita, é garantia ao direito humano à educação. São espaços democráticos que estão sendo reivindicados e criados, apesar de toda discriminação racial presente nesse país. Esse é certamente o discurso mais consolidado no conjunto dos trabalhos.

Quanto às lacunas visualizadas no conjunto das teses e dissertações, por tratar-se de uma periodização histórica enorme, que se inicia com a chegada dos africanos sequestrados e escravizados ao Brasil indo até os anos mais recentes, concluímos que fica um pouco difícil apontar as épocas que necessitam de mais estudos. Porém, o que podemos destacar é que a maioria dos trabalhos discentes focou suas análises no período republicano. Em decorrência, talvez o campo de pesquisa necessite de pesquisas que versem sobre períodos anteriores. Mas também existe uma necessidade de estudos mais vigorosos que se debrucem sobre os pontos de pauta mais generalizados que marcaram o movimento negro nos seguintes períodos: Ditadura Empresarial-Militar de 1964-1985; período constituinte; exigências do movimento negro na discussão em torno da última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Faltaram pesquisas que estudassem a realidade de estudantes negros(as) enquanto crianças, adolescentes ou jovens, apesar de reconhecermos a dificuldade de se desenvolver estudos históricos com essa dimensão. Abordagens mais específicas que tenham recortes étnicorraciais sobre gênero, orientação sexual, juventude, população camponesa também são imprescindíveis. Como também pesquisas que se empenhem no estudo histórico-educacional do pensamento negro em educação no Brasil e em África e que se dediquem na sapiência acerca das pedagogias negras que foram propostas ao longo da história.

É de suma importância que os cursos de formação inicial ou continuada de professoras(es) se apropriem dessas abordagens afirmativas desenvolvidas nas últimas décadas por pesquisadoras(es) negros(as) ou não negros(as) que procuram construir uma história mais fidedigna acerca: 1) da luta da população negra por educação; 2) da presença de negros na educação brasileira, mesmo em tempos mais distantes, como no século XIX ou início do XX; 3) da biografia de intelectuais ou docentes negras(os) que precisam ser referenciados; 4) das desigualdades educacionais, sociais, raciais e econômicas que continuam gerando exclusões nesse país.

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1 A categoria ‘História da Educação da População Negra’ analisou 35 trabalhos discentes. No entanto, devido à amplitude do material e do espaço circunscrito nessa ‘Revista’, privilegiou-se o estudo das 18 teses ou dissertações abarcadas nas subcategorias citadas. Os demais 17 trabalhos discentes dessa categoria, que compuseram a subcategoria ‘Educação de crianças e jovens negros(as)’, foram estudados em artigo aprovado para publicação na Revista História da Educação - disponível neste link.

2Para o Estado da Arte também foram selecionados e analisados 31 artigos escritos em periódicos da área da educação (2003-2014) também catalogados na Categoria ‘História da Educação da População Negra’. Publicamos os resultados da pesquisa desses artigos em Educar em Revista (Carvalho, 2018).

3As universidades responsáveis em coordenar o Estado da Arte foram escolhidas pelo GT-21 da ANPED durante a 37ª Reunião Nacional dessa Associação.

4As equipes do NEAB-UFPR e NEAB-UFMA foram as responsáveis em realizar o levantamento no banco de dados das faculdades ou universidades a partir dos seguintes descritores: ações afirmativas; afro-brasileiros; branquidade; branquitude; cotas étnicorraciais; currículo e relações étnicorraciais; discriminação racial; diversidade étnicorracial; educação quilombola; etnia; formação de professores e relações étnicorraciais; História da África; História e Cultura africana e afro-brasileira; identidade étnicorracial; Lei nº 10.639; Lei nº 11.645; literatura africana; literatura negra; movimento negro; multiculturalismo; negritude; negros e livros didáticos; políticas afirmativas; população negra; preconceito racial; racismo; Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (PVNC); quilombos; relações étnicorraciais; religiosidade negra. A utilização de uma gama variada de expressões e palavras-chave foi efetivada com o objetivo de obter fontes de informação inicialmente mais amplas e que abarcassem uma latitude mais extensa de trabalhos. Portanto, tais descritores não foram colhidos em linhas de pesquisa ligadas especificamente à história da educação. A elaboração das diversas categorias de análise foi realizada pelo conjunto das(os) pesquisadoras(es) a posteriori, justamente a partir dos temas que mais se destacavam no conjunto das teses, dissertações e artigos publicados em periódicos. Três importantes ressalvas: 1) neste texto da Revista Brasileira de História da Educação, focou-se a análise de parte dos trabalhos discentes alocados na categoria ‘História da Educação da População Negra’, não necessariamente aprovados em linhas de pesquisa da história da educação; 2) o grupo de pesquisadoras(es) responsável pela organização e metodologia do Estado da Arte procurou, com muito cuidado, inserir as teses e dissertações selecionadas na categoria em que ela tivesse maior ligação; posto isto, alertamos que podem ter ocorrido casos de trabalhos discentes defendidos em linhas de pesquisa de história da educação que acabaram sendo colocados em outras categorias, e não nesta que estamos analisando; 3) mesmo com a tentativa de alongar o escopo da pesquisa e de seus descritores e ao fato de o grupo de investigadores(as) ter atenção especial para não deixar de fora trabalhos que se enquadrassem no perfil desse Estado da Arte, é imperioso salientar que uma ou outra pesquisa pode não ter sido captada e analisada, por diversos motivos, dentre eles: os descritores não as identificaram; os trabalhos discentes, por algum motivo que fugia ao controle da equipe investigativa, não estavam disponíveis no banco de dados da universidade no momento da busca etc.

5A Lei nº 11.645/2008 estendeu a obrigatoriedade para o ensino da história e cultura indígena.

6Os encontros presenciais do grupo de investigadoras(es) para a organização dos trabalhos ocorreram entre 2015 e 2016, em Belo Horizonte, Curitiba e São Luís. Os resultados desse Estado da Arte foram publicados, em sua totalidade, em 2018 - consultar Silva et al. (2018) -, com a ressalva em relação à importância de se socializar posteriormente os pormenores dos resultados das diversas categorias em relevantes periódicos da área educacional.

7Paulo Vinícius Baptista da Silva (UFPR), Katia Regis (UFMA) e Shirley Aparecida de Miranda (UFMG) coordenaram o Estado da Arte. Demais pesquisadoras(es) das três universidades que fizeram a análise dos artigos, teses e dissertações das categorias: Lucimar Rosa Dias, Débora Cristina de Araújo e Valeria Milena Rohrich Ferreira (UFPR) e Marcelo Pagliosa (UFMA).

8Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Wilma de Nazaré Baía Coelho, Tânia Mara Pedroso Müller e Luiz Alberto Oliveira Gonçalves foram as(o) investigadoras convidadas(os) de outras instituições que ficaram responsáveis em analisar as categorias. Nilma Lino Gomes, ex-ministra da Secretaria Especial de Igualdade Racial, atuou como consultora e realizou a ‘Apresentação’ dos resultados do Estado da Arte.

9No que diz respeito à educação na infância e as relações étnicorraciais, o trabalho de Gomes & Araújo (2014) realiza uma importante latitude histórica.

10Destacamos que a breve citação das informações quantitativas descritas neste subitem contribui para que o(a) leitor(a) possa ter a dimensão quantitativa dos trabalhos selecionados, porém, o foco principal desse artigo é a análise do conteúdo das pesquisas.

11Vale novamente mencionar que neste artigo analisamos apenas parte da produção realizada na área, com base nas subcategorias selecionadas. Para um diagnóstico mais amplo e preciso sobre essa produção, recomendamos também os outros dois artigos que escrevemos em diferentes periódicos (ver notas 2 e 3), além de obras que se dedicaram a mapear e examinar essa produção, como sugeriremos ao final deste trabalho.

12Sobre esse assunto, indicamos o trabalho de Fonseca (2016).

13Outra informação pertinente: muitos trabalhos aprovados em linhas de pesquisa ligadas à história da educação podem ter sido analisados em outras categorias do Estado da Arte, justamente porque o recorte das pesquisas destacava temas mais diretamente relacionados a essas outras categorias, a saber: Ações afirmativas; Currículo; Livro Didático e Literatura; Implementação da Lei nº 10.639/2003; Relações étnicorraciais nas instituições educacionais; Movimento Negro e Educação (com as derivadas: Juventude Negra; Religiosidade); Formação de professoras e professores; Quilombos; Identidade Negra e multiculturalismo; Cultura. O conjunto dos trabalhos discentes examinados no Estado da Arte pode ser encontrado em: Silva et al. (2018).

14Outra valiosa referência é a obra organizada por Romão (2005).

17Como citar este artigo: Carvalho, M. P. História da educação da população negra no Brasil e a produção discente sobre educação e relações étnicorraciais (2003-2014). (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e179 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4)

Recebido: 24 de Junho de 2020; Aceito: 15 de Fevereiro de 2021; Publicado: 18 de Junho de 2021

*Autor para correspondência: E-mail: marcelo.pagliosa@yahoo.com.br

Marcelo Pagliosa Carvalho é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou Pós-Doutoramento em História da África na Universidade de Lisboa. É Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA - Campus São Luís). Idealizador e docente da Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da UFMA, curso pioneiro no país. E-mail: marcelo.pagliosa@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0002-2498-525X

Editor-associado responsável: Ana Clara Bortoleto Nery (UNESP) E-mail: neryanaclara@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

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