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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 22-Jun-2021

https://doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e184 

Artigo Original

A realidade do aluno como tradição pedagógica em disputa na geografia escolar (1920-2020)

La realidad del estudiante como una tradición pedagógica en disputa en la geografía escolar (1920-2020)

Thiago Manhães Cabral1  * 
http://orcid.org/0000-0003-1384-8740

Jéssica da Silva Rodrigues Cecim2 
http://orcid.org/0000-0002-7928-9913

Rafael Straforini1 
http://orcid.org/0000-0002-6122-3297

1Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

2Colégio Técnico de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil.


Resumo:

O artigo analisa, a partir de materiais didáticos e documentos curriculares selecionados dos últimos 100 anos (1920/2020), a dimensão pedagógica da realidade do aluno como elemento primaz do ensino de geografia ao longo de sua história. Entendemos a realidade do aluno como um discurso cujo sentido está em disputa por diferentes concepções de ensino de Geografia. Como resultado do artigo, demarcamos quatro momentos da disciplina no Brasil: hegemonização da geografia escolar moderna e a realidade do aluno como parte da renovação do ensino; dimensão do real na temporalidade dos estudos sociais; renovação crítica baseada nas teorias da aprendizagem e noção de totalidade para a apreensão do real; análise de princípios geográficos no contexto da BNCC e a realidade em função da espacialidade do fenômeno. Assim, concluímos que o sentido de realidade do aluno transita pelos momentos políticos e epistemológicos da geografia escolar.

Palavras-chave: ensino de geografia; significante; relação hegemonia-pedagogia; epistemologia da aprendizagem

Resumen:

El artículo analiza, a partir de materiales didácticos y documentos curriculares seleccionados de los últimos 100 años (1920/2020), la dimensión pedagógica de la realidad del estudiante como elemento primario en la enseñanza de la geografía a lo largo de su historia. Entendemos la realidad del estudiante como un discurso cuyo significado está en disputa por diferentes concepciones de la enseñanza de la Geografía. Como consecuencia, demarcamos cuatro momentos destacados de la disciplina en el Brasil: la hegemonización de la Geografía Escolar moderna y la realidad del estudiante como parte de la renovación de la enseñanza; la dimensión de lo real en la temporalidad de los estudios sociales; la renovación crítica basada en las teorías del aprendizaje y la noción de totalidad para la aprehensión de lo real; el análisis de los principios geográficos en el contexto de la BNCC y la realidad según la espacialidad del fenómeno. Así, argumentamos que el sentido de la realidad del estudiante transita por los momentos políticos y epistemológicos de la Geografía Escolar.

Palabras clave: enseñanza de la geografía; significante; relación hegemonía-pedagogía; epistemología del aprendizaje

Abstract:

This article analyzes, based on didactic materials and selected curricular documents from the last 100 years (1920/2020), the pedagogical dimension of the student's reality as a primary element of geography teaching throughout its history. The student's reality is understood as a discursive element whose meaning is in dispute for different conceptions of teaching Geography. As a result of the article, it was demarcate four important moments of the discipline in Brazil: hegemonization of modern School Geography and the student's reality as part of the renewal of teaching; dimension of the real in the temporality of Social Studies; critical renewal based on theories of learning and the notion of totality for the apprehension of the real; the analysis of geographic principles in the context of the BNCC and reality according to the spatiality of the phenomenon. Thus, it is concluded that the sense of student's reality moves through the political and epistemological moments of School Geography.

Keywords: geography teaching; signifier; hegemony-pedagogy relationship; epistemology of learning

Introdução

Este artigo analisa a dimensão pedagógica da realidade do aluno como elemento primaz do ensino de geografia ao longo de sua história. Partimos dos pressupostos teórico-metodológicos da teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe para discutir a realidade do aluno como ‘significante flutuante’ no decorrer da história da geografia escolar. Com isso, queremos dizer que o sentido de ‘realidade do aluno’ nunca esteve fechado aprioristicamente, sendo constantemente alvo de disputas entre diferentes grupos acadêmicos e políticos, atuantes em diferentes concepções acadêmicas, teóricas e pedagógicas para o ensino da geografia.

Segundo Viñao (2012), é recorrente que, ao se direcionar à história de disciplinas escolares, se oriente às pesquisas sobre manuais escolares, posto que um campo auxilia na compreensão do outro. Desta forma, elencamos como material empírico de análise alguns dos principais manuais didáticos (escolares) e obras de referência que tratam do ensino de geografia em diferentes momentos históricos para essa disciplina ao longo de todo o século XX e nas duas primeiras décadas do XXI. Selecionamos, também, alguns documentos curriculares, uma vez que identificamos certa tentativa de diferentes grupos acadêmicos e políticos de suturarem tais obras de referência e didáticas a estes documentos curriculares, numa tentativa de fixar hegemonicamente um sentido discursivo para este conhecimento escolar por meio de atos normativos. Tomamos como pressuposto inicial deste texto a noção de que a ‘realidade do aluno’ assume distintas roupagens ao longo do tempo - ou, para nos atermos à abordagem laclauniana, é preenchida por significados específicos a depender dos grupos políticos e das demandas presentes no campo de disputas internas à geografia escolar - para a fixação de diferentes sentidos curriculares. A este conjunto de flutuações de significados, cujo sentido está suspenso e aberto à multifacetadas relações de equivalência, Laclau (2013) denomina de ‘significantes flutuantes’. Daí se origina a perspectiva aqui adotada, quando nos propomos a tratar a realidade do aluno em suas diferentes concepções político-pedagógicas ao longo da historiografia dessa disciplina.

O texto está organizado em quatro momentos. O primeiro estará dedicado a compreender como a ideia de ‘realidade do aluno’ é uma das práticas discursivas do movimento de renovação do ensino da geografia nas primeiras décadas do século XX. Para isso, desenvolveremos um panorama sobre este momento histórico da disciplina, em que, segundo Vlach (1988), foi a primeira vez em que a geografia escolar foi pensada a partir de um método pautado em princípios pedagógicos que reposicionaram o papel do professor e do aluno dentro do processo de ensino-aprendizagem. Por estes caminhos, a primeira parte deste trabalho estará dedicada, então, a compreender como o significante ‘realidade do aluno’ é preenchido pelos sentidos didático-pedagógicos da geografia escolar moderna, considerando especialmente as metodologias de ensino pautadas nos ‘círculos concêntricos’1 e no ‘método dedutivo-indutivo’ de construção do conhecimento geográfico escolar.

O segundo momento deste texto se dedicará às apreensões da ‘realidade do aluno’ à luz das décadas de 1970-1980, quando, na LDB de 1971, os estudos sociais se hegemonizaram no currículo em substituição à geografia e à história e, como disciplina escolar, se voltam ao ‘estudo da comunidade’ como processo mediador da aprendizagem das temáticas sociais. Demonstraremos que há uma temporalidade dos estudos sociais para a formação de um sentido específico para a realidade do aluno naquele tempo, a partir de uma demanda que é de natureza pedagógica.

Avançando para o terceiro momento do texto, deteremo-nos à influência das teorias da aprendizagem para as reconfigurações da ideia de realidade do aluno no ensino de geografia no contexto da redemocratização brasileira. Desse modo, apresentaremos como o significante ‘realidade do aluno’ é preenchido por uma temporalidade caracterizada pela metonímia ‘casamento’ entre a renovação crítica da geografia no fim dos anos 1980 e as teorias piagetiana, vigotskiana e cotidianistas, conforme apresentado por Straforini (2004).

Por fim, finalizaremos o trabalho com um panorama sobre o significante ‘realidade do aluno’ construído pela Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), na qual, a nosso ver, os ‘princípios geográficos’ são elementos da tradição geográfica compreendidos como mediadores da construção de conhecimento escolar em geografia. Neste momento do trabalho, defenderemos que a própria noção do real se transforma, mas ao mesmo tempo é capaz de incorporar sentidos construídos em outros momentos da trajetória da geografia escolar.

A realidade do aluno para a geografia escolar moderna

A noção de realidade e suas diferentes apreensões no campo do conhecimento científico e escolar configuram diferentes abordagens e relações de ensino-aprendizagem. Autores como Silva (2003) destacam o papel institucional da escola perante as demandas e questões colocadas pela realidade sociocultural. Nesse contexto, o ensino geográfico é historicamente pautado pela realidade do aluno mediada pela dimensão espacial, quase sempre discutida à luz das categorias de análise da ciência geográfica (espaço, paisagem, território, região e lugar).

Os aspectos qualitativos que sustentam a realidade do aluno como tradição pedagógica da geografia escolar podem ser verificados em suas diferentes temporalidades, de modo que suas principais manifestações podem ser inicialmente identificadas a partir do momento em que é claramente definido um método pedagógico norteador dessa disciplina escolar. No Brasil, este momento se deu no contexto das três primeiras décadas do século XX, quando as bases da geografia escolar clássica de tradição jesuítica começavam a ser questionadas, basicamente a partir de quatro frentes mais preponderantes: (1) a tarefa da geografia como disciplina escolar vinculada ao projeto nacional-patriótico republicano - e, sobretudo, varguista - de educação territorial; (2) os princípios escolanovistas e o reposicionamento do papel do aluno nos processos de ensino-aprendizagem, de modo que ‘experiência’, ‘vivência’ e ‘prática’ são significantes da Escola Nova que reconfiguram a noção de realidade para o ensino geográfico moderno; (3) os específicos sentidos de geografia escolar defendidos por autores politicamente articulados em torno da modernização de seu ensino; e (4) o processo de institucionalização da geografia acadêmica no Brasil.

A ideia de realidade do aluno é, nesse movimento, uma prática discursiva que articula estes diferentes discursos atuantes sobre formulação da orientação moderna da geografia escolar, hegemonizando um sentido reformador de seu ensino a partir do debate escalar que é mediado, por um lado, pelos ‘círculos concêntricos’ como estratégia pedagógica, e por outro lado, pelo ‘método indutivo-dedutivo’ como concepção metodológica da geografia enquanto ciência. Em Methodologia do ensino geographico (1925), principal obra anunciadora dos princípios modernizadores da geografia escolar neste contexto histórico em particular, Delgado de Carvalho defende os círculos concêntricos para a distribuição dos conteúdos geográficos ao longo dos anos do currículo escolar, bem como uma metodologia ativa para que o professor possa desenvolver um ensino geográfico verdadeiramente atuante na direção do conhecimento do ‘fator humano’ e suas complexidades. Nas palavras do autor,

O methodo de ensino por meio dos círculos concêntricos, representando gráus sucessivos de força e complexidade, alargando pouco a pouco o horizonte para passar sempre do conhecido ao desconhecido, este methodo moderno parece ter definitivamente vingado nas escolas mais adeantadas do paiz.

Applica-se ou adapta-se mais ou menos a todas as disciplinas; serve ao ensino da história como ao da hygiene e das scienciasnaturaes. Para o ensino da geografia oferece especiaes vantagens, principalmente quando em conexão com o ensino da história.

Em geographia, o novo systema poupa o esforço de intelligencia e de imaginação que, logo ao iniciar o estudo, era imposto á creança para a comprehensão do globo terrestre e das noções de cosmographia, mesmo primárias. Ao envez, procura-se agora entre todos os objetos familiares circumjacentes os elementos formadores da geographia.

Mas esta ultima característica, a passagem do que é familiar ao menos conhecido, é d’hai, ao que é desconhecido, não é o ponto capital do novo ensino geographico. O eixo pode-se dizer de todo este ensino é o factor humano, [...] é de tornar o homem o ponto de principal interesse em todo e qualquer estudo geographico. A finalidade deste ensino é o estabelecimento elementar, mais claro e permanente, das relações entre a terra e o homem.

É, por conseguinte, duplo o critério que vem sendo adoptado hoje entre nós no ensino da geographia primaria: ‘o alargamento gradual dos conhecimentos geographicos desde os pontos mais próximos e mais familiares até aos mais afastados complexos e a necessidade de girarem todas as explicações e descripções em redor do factor humano, desde o homem isolado até ao homem em sociedade, em nação e em differentes continentes’ (Carvalho, 1925, p. 47-48, grifo nosso).

Para além da defesa dos círculos concêntricos - em que nos primeiros anos de escolarização inicia-se o ensino de geografia, a partir do imediato, do real e do que está mais próximo ao aluno, como a sua casa, sua rua, seu bairro, para ir progredindo progressivamente para outras escalas maiores como Estado, região, país, continente e mundo - como parte do método pedagógico formulado para um ensino de geografia numa concepção moderna, o currículo instituído pela reforma Francisco Campos (1931)2, é também uma marca da prática discursiva que caracteriza um sentido específico para o significante ‘realidade do aluno’.

‘No ensino de Geografia devem aproveitar-se sempre as observações e impressões colhidas pelos alunos’. Convém, nas duas primeiras séries, aplicar-se preponderantemente o método intuitivo, por meio de ‘demonstrações e experiências [...] O ensino deve ser, quanto possível, realizado no convívio com a natureza’, pois que, destarte, se torna mais apurada a capacidade de observação e ganham os conhecimentos a solidez que só o ‘contacto com a realidade objetiva pode dar’ (Decreto de Lei nº 18.890, 1931, p. 12411, grifo nosso).

Parece- nos muito significativo que o excerto acima de um documento oficial de estado expresse diretamente o sentido de geografia escolar defendido por Delgado de Carvalho, considerado um dos principais intelectuais da década de 1930 e membro do recém-criado Conselho Nacional de Educação em 1931 que, de acordo com Guilherme e Santos (2019, p. 18) tinha por função “[...] especializar os atos do governo aos assuntos educacionais, ou seja, de que os estudos relativos à educação pudessem ser inspecionados por especialistas educacionais”. Nesse sentido, defendemos que essa justaposição de sentidos de geografia escolar não foi uma mera coincidência, mas revela movimentos e estratégias de fixação de um sentido hegemônico de geografia defendido por Delgado de Carvalho que, na condição de conselheiro do Conselho Nacional de Educação, fazia deste seu palanque em defesa do que considerava como premente como o ensino de uma geografia moderna.

Segundo Zanatta (2013), estes princípios são algumas das bases constituintes do debate em torno da filosofia educacional de John Dewey, que tem, no Brasil, suas principais reverberações a partir da década de 1920, de modo que seu ápice se dá com o Manifesto dos pioneiros da Escola Nova (1932). De acordo com Cunha (2012), o referido manifesto se configurava como um marco de um projeto de renovação educacional redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros 25 pensadores da época. Para os escolanovistas signatários desse manifesto, a dimensão educativa da realidade mediada pela experiência deveria ser o ponto chave do processo educativo. Segundo essa linha de pensamento, a realidade do aluno é educacionalmente produzida pelas situações em que o método científico organiza, juntamente à dimensão didático-pedagógica, as experiências práticas ou as atividades pautadas no imediato concreto. Ainda, segundo a autora (Zanatta, 2013, p. 53), “Dewey propõe que o estudo da Geografia deve privilegiar as relações do homem com o ambiente natural, tendo a escala local como ponto de partida para se dilatarem os limites da experiência [...]”, delimitando, com isso, uma específica apreensão da realidade que definirá as tarefas do ensino geográfico mediado pela abordagem regional.

Ainda que o objetivo deste texto não seja aprofundar o debate das correntes interpretativas em torno do pensamento de Dewey, a exemplo de Angerami (2017), acreditamos que no ensino de geografia as correntes pedagógicas e filosóficas tratadas pela autora se interseccionam no período marcado pelo movimento escolanovista brasileiro, uma vez que, epistemologicamente, a geografia enquanto campo de conhecimento que buscava se fixar dentre os conhecimentos científicos, encontrava na geografia regional a possibilidade de operar, também, o sentido de experiência do mundo real de Dewey de forma holística, em que a sociedade e natureza não eram ‘entidades’ autônomas, mas indissociavelmente relacionadas ou em conexão. Geograficamente, a região seria, então, uma síntese da filosofia do conhecimento de Dewey.

Neste sentido, revela-se uma particularidade epistemológica da geografia escolar brasileira, visto que, segundo a perspectiva da orientação moderna do ensino geográfico, a apreensão do real é construída a partir do cruzamento teórico entre a ‘região’ como método advindo da tradição geográfica e a filosofia educacional deweyana. Vê-se, assim, que antes mesmo do processo de institucionalização da geografia acadêmica no Brasil, a geografia escolar já demonstra uma dinâmica de circulação de saberes entre diferentes tradições teóricas que caracterizam, na passagem do século XIX para o XX, mudanças ocorridas, por um lado, no interior do campo do conhecimento científico da geografia e, por outro, nas concepções de educação, com forte influência escolanovista (Girotto, 2017).

Desse modo, é por intermédio do ‘pedagógico’ (mais precisamente do discurso escolanovista) que os geógrafos brasileiros formulam as primeiras associações entre a abordagem regional (como princípio e método geográfico) e a experiência vivida (como princípio mediador da realidade para a construção do conhecimento na escola). Esta era a justaposição defendida por (Carlos) Delgado de Carvalho para uma perspectiva moderna de ensino-aprendizagem da geografia que concebe o significante ‘realidade’ em acordo com princípios positivistas.

Este método consistia em ‘descrever a realidade estudada de forma objetiva, empiricamente comprovada, racionalmente exata’, de maneira a inviabilizar dúvidas e contradições. Para tal, a ‘indução, análise e síntese’ eram elementos cruciais pois, ‘ao se estudar a realidade como um todo, dividir-se-ia este todo em partes, descrevendo suas características principais após criteriosa observação, estabelecer-se-iam as relações que cada parte tinha com a outra e, somar-se-iam estas várias partes para se ter a noção do todo sistematizado’. Eis, em rápidas palavras, o método científico, de ‘fundamentação positivista-funcionalista’, que os geógrafos brasileiros identificavam como o único capaz de resolver os problemas da ciência e da sociedade brasileira (Ferraz, 1994, p. 55-56, grifo nosso).

A geografia escolar é, como vimos, parte das controvérsias da própria história da geografia científica no Brasil, vindo a se constituir como uma das bases intelectuais de sustentação do método regional aqui desenvolvido alguns anos depois pelos geógrafos acadêmicos, a partir da segunda metade da década de 1930.

No campo das formulações da orientação moderna da geografia, vale, ainda, ressaltar que, segundo Ferraz (1994), os círculos concêntricos, enquanto metodologia de ensino mediadora da abordagem regional, são parte importante de um anseio dos intelectuais da geografia naquele dado momento histórico: a cientifização do conhecimento geográfico. No curso do processo de renovação de seu ensino segundo princípios modernos, assim como da própria institucionalização de sua vertente acadêmica, a geografia buscava, no Brasil, firmar-se como conhecimento científico e filiar-se ao campo das ciências naturais, de modo que a construção de seus métodos pedagógicos passava pela apreensão do real em que o racionalismo e o empirismo positivista são alçados como critérios de cientificidade e verdade. Vê-se, então, que a metodologia dos círculos concêntricos é uma prática articulatória cujo ponto nodal é a sistematização da geografia como ciência. Trata-se de uma demanda de natureza científica que é interna à disciplinarização desse conhecimento tanto para a escola quanto para a academia.

A realidade do aluno para a temporalidade dos estudos sociais

No último quartel do século XX, a temporalidade da orientação moderna da geografia escolar que caracterizou a Era Vargas é substituída pela hegemonização do campo disciplinar dos estudos sociais para a etapa de escolarização entre a quinta e oitava série do então primeiro grau, que veio a substituir os programas escolares de história e geografia. Primeiramente, sobre esta disciplina escolar especificamente, Straforini (2018) atenta, em suas pesquisas sobre o ensino de geografia nos anos iniciais, para leituras anacrônicas quando se trata dos estudos sociais, uma vez que é muito recorrente nos textos dos geógrafos associar essa disciplina escolar exclusivamente ao período da ditadura militar no Brasil, como a criação da LDB de 1971, excluindo por completo que essa disciplina já ocorria como prática curricular nos anos iniciais, sob o argumento interdisciplinar e fundamentos escolanovistas.

Isto posto, destaca-se também que, em termos das séries finais do ensino fundamental (ou primeiro grau da época), os estudos sociais foram “[...] promulgados em plena ditadura militar a partir da lei nº 5.692/71 e constituíram-se ao lado da Educação Moral e Cívica em fundamentos dos estudos históricos, mesclados por temas de Geografia centrados nos círculos concêntricos” (Brasil, 1997, p. 23). Para Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009, p. 63), “[...] o planejamento das atividades curriculares de Estudos Sociais estava baseado no seguinte modelo: área-núcleo, círculos concêntricos e estudo da comunidade”. Desse modo, a temporalidade dos estudos sociais na história da geografia escolar já revela seus primeiros contornos, visto que o significante ‘realidade’ mediado pelo estudo da comunidade e por uma leitura escalar pautada nos círculos concêntricos está, ainda hoje, presente no discurso geográfico escolar.

A organização das propostas curriculares de Estudos Sociais em círculos concêntricos tinha como pressuposto que os estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados aos estágios de desenvolvimento psicológico do aluno, devendo, pois, partir do concreto ao abstrato em etapas sucessivas. Assim iniciava-se o estudo do mais próximo, a comunidade ou o bairro, indo sucessivamente ao mais distante, o município, o estado, o país, o mundo. Os conteúdos ordenados hierarquicamente deveriam respeitar a faixa etária do aluno, por isso a história do mundo não deveria ser ensinada na escola primária, por ser considerada distante e abstrata (Brasil, 1997, p. 23).

Para esta concepção disciplinar em particular, a metodologia dos círculos concêntricos se destina a outro objetivo principal: a pedagogização dos conhecimentos sociais à luz do método científico racionalista-empirista (Kuhn et al., 2019), de modo que o conhecimento científico da sociedade e seus princípios de sistematização se adequem ao desenvolvimento psicológico do aluno.

As ciências sociais [...] como disciplinas especiais, são produtos de pensamento, de pesquisa, de experiência de descoberta. Resultam de estudos científicos, desinteressados e elevados que contribuem para o progresso humano. Os estudos sociais têm campos idênticos, pois tratam de relações humanas e compreendem as mesmas disciplinas. ‘Mas seu objetivo não é pròpriamente a investigação, mas sim o ensino, a vulgarização. O seu propósito não é fazer progredir a Ciência, mas educar’. Sem ser ciência normativa, as Ciências Sociais guiam os estudos sociais e os levam a conclusões práticas, instrutivas e úteis (Carvalho, 1957, p. 12, grifo nosso).

Vê-se, então, que a demanda nodal é, por excelência, de natureza pedagógica e sensivelmente diferente do que vimos até agora, pois, como pudemos perceber anteriormente, os círculos concêntricos significavam para os reformistas do currículo das primeiras décadas do século XX parte da formulação do método de ensino que conferia à geografia escolar um caráter científico ao mesmo tempo que pedagógico. Na temporalidade dos estudos sociais, os conhecimentos científicos da geografia já se encontram em franco processo de consolidação e reformulação, principalmente pelo advento teórico-metodológico da corrente teorético-quantitativa (New Geography).

É nesse ponto de diferenciação que reside, em nossa visão, a temporalidade dos estudos sociais e suas permanências no discurso escolar da geografia até os dias atuais. Fixando-se como uma demanda pedagógica, a metodologia dos círculos concêntricos é tomada como mediadora da realidade para o ensino dos temas sociais, históricos e espaciais. A nosso ver, este foi o momento em que a geografia acadêmica se viu desprendida de sua tradição escolar e o significante ‘realidade do aluno’ passa a ser fixado por um hegemonismo proeminentemente pedagógico. Não por acaso, é possível afirmar que, salve algumas exceções e propostas curriculares alternativas, a educação primária (atuais anos iniciais) da geografia ainda seja costumeiramente marcada por esta característica.

Grosso modo, mesmo com algumas permanências, o hegemonismo desta concepção de ensino perdurará até a década de 1980, quando o processo de redemocratização proporcionou, por um lado, o retorno das disciplinas de história e geografia, e, por outro lado, a renovação da geografia acadêmica, fundamentada nos pressupostos crítico-marxistas. A partir desse momento, as teorias da aprendizagem também passam a desempenhar papel fundamental na reconfiguração da ideia de realidade do aluno no campo da geografia escolar. Este será o terceiro momento deste trabalho, desenvolvido a seguir.

Abordagens contemporâneas: renovação crítica, teorias cognitivistas e as novas formas de compreensão do real no ensino de geografia

O olhar para a relação da geografia crítica com a dimensão escolar nos é cara em virtude de uma nova construção em torno da significante realidade do aluno. Nesta perspectiva, a realidade é constantemente mobilizada como sine qua non para as ações de transformação social, seja em âmbito acadêmico, seja no âmbito escolar. É pelo conhecimento do real, pelo desvelar da realidade, que se torna possível imaginar outras possibilidades de sociedade. No momento anterior, afirmamos que a realidade do aluno passa a ser mobilizada predominantemente sob o viés pedagógico. Neste momento, entretanto, o que ocorre é uma articulação mais marcada entre a dimensão científica e pedagógica, de modo a construir novos sentidos de realidade em relação aos propósitos geográficos.

Segundo Souza (2011), a geografia de base dialética marxista despontou nos anos 1970 na Europa e Estados Unidos e fazia oposição à geografia de então. A nova vertente procurava demarcar a geografia como uma ciência social e denunciava uma pretensa neutralidade do pensamento, apontando as relações ideológicas presentes na geografia desenvolvida naquele momento, significada como ‘Tradicional’. Em contraposição à geografia quantitativa (New Geography), essa corrente foi denominada de geografia nova, ou ainda, geografia crítica, que estava intensamente articulada à noção de transformação social e em interlocução com economistas, sociólogos e historiadores. A despeito de sua heterogeneidade epistemológica, seu objetivo estava alinhado à discordância frente às injustiças socioespaciais, à assunção de um conteúdo político no discurso científico e a crença de que a geografia poderia ser vista como uma forma de luta (Campos, 2012). A geografia tradicional e a geografia quantitativa foram, então, ressignificadas pelos geógrafos críticos como vertentes que iam no sentido contrário ao discurso de renovação, constituindo-se como o inimigo que deveria ser combatido para tomar-lhes o lugar de hegemônico que ocupavam na geografia acadêmica brasileira.

Desta forma, a equivalência entre os particularismos que integravam a nova corrente da geografia crítica se fazia valer por meio da insatisfação com a geografia hegemônica até aquele momento. Para Cavalcanti (2016), havia um predomínio de vertentes marxistas, no entanto, o reconhecimento da pluralidade se estabeleceu com mais segurança nos anos 1990. No âmbito escolar, tal qual na esfera acadêmica, não havia uma unidade de vertente crítica, prevalecendo o caráter denunciador dos modos como o ensino estava se desenvolvendo até então, ainda que preocupações como essas já estivessem presentes na geografia escolar antes mesmo do ápice do movimento de renovação. Nesta direção, “[...] a realidade vivida pelos alunos é uma forma de evitar a fragmentação da totalidade vivenciada, tão comum na prática escolar, que se caracteriza por negligenciar a divisão social do trabalho e do espaço” (Campos, 2012, p. 922). Deste modo, a articulação entre a realidade dos alunos com a noção de totalidade é o que obstrui uma educação fragmentada e deslocada da realidade do aluno, posto que a totalidade resultante do conflito capital-trabalho se realiza e se manifesta na concretude da realidade. Para Vesentini (2004), ainda que guarde laços, a geografia escolar não faz a transposição pura das discussões acadêmicas e, na geografia crítica escolar, a consideração da realidade dos alunos e os problemas típicos do seu lugar e de sua época é o que promove a autonomia dos estudantes, seu papel como cidadão ativo, sua criatividade e criticidade de modo que possam “[...] questionar a realidade” (Vesentini, 2004, p. 330).

Em meio aos desdobramentos do processo de redemocratização após a Ditadura Militar no cenário brasileiro, Estados e municípios construíam suas propostas curriculares. Em 1988, no Estado de São Paulo é publicada a proposta curricular criada pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP). Na geografia, a proposta contou com uma equipe de professores que visava realizar uma reorientação metodológica com base em “[...] princípios fundadores da disciplina, iniciativa conhecida, na época, como Geografia Crítica” (Pontuschka et al., 2009, p. 69). Ainda de acordo com Pontuschka et al. (2009, p. 73), a proposta da CENP

[...] buscava desenvolver no aluno a capacidade de observar, analisar, interpretar e pensar criticamente a realidade visando sua transformação. A realidade era concebida como uma totalidade que deveria envolver a sociedade e natureza. À Geografia caberia a compreensão do espaço geográfico produzido pela sociedade, suas desigualdades e contradições, as relações de produção e a apropriação que a sociedade faz da natureza (São Paulo, 1988, p. 19).

O documento trata-se de relevante expressão deste momento no qual os ideais de renovação da geografia encontravam contiguidade no processo de redemocratização no Brasil e apontavam para a ênfase na formação do cidadão e em sua capacidade de transformação social a partir de uma visão crítica da realidade em relação às suas contradições sociais.

No contexto da renovação crítica, a realidade evoca a noção de totalidade como uma maneira de antagonizar uma perspectiva fragmentada de ensino associada à geografia tradicional e ao ensino tradicional. A visão da realidade como produto social resultante de processos que respondem a uma totalidade se articula à noção de ‘cidadãos críticos’, ou seja, é criada uma relação equivalencial entre esses aspectos de modo que é pelo conhecimento da realidade como totalidade que os estudantes podem alçar a autonomia e se constituírem como cidadãos plenos. O modelo tradicional é então significado como descontextualizador em relação ao âmbito escolar e voltado apenas ao conhecimento acadêmico na formação docente, desconsiderando uma dimensão pedagógica.

Oliveira (1994) argumenta que no processo educacional dialético o conhecimento se constrói com base na socialização dos sujeitos, ou seja, por meio do entendimento de sua realidade vivida. É desta forma que ambos aprofundam seu conhecimento da realidade como um pré-requisito para a sua transformação. Do mesmo modo, de acordo com Callai (1998), a geografia é uma ciência social e, como tal, não deve se desprender da realidade.

Este é o desafio que temos: fazer da geografia uma disciplina interessante que ‘tenha a ver com a vida e não apenas com dados e informações que pareçam distantes da realidade’ e na qual se possa compreender o espaço construído pela sociedade como resultado da interligação entre o espaço natural, com todas as suas regras e leis, com o espaço transformado constantemente pelo homem. Para ir além da aula descritiva e distante, exige-se um esforço do ‘professor para trazer para a realidade do aluno aquilo que está sendo estudado’ (Callai, 1998, p. 34, grifo nosso).

Nesta perspectiva, os significantes ‘tradicional-fragmentado-enciclopédico’ compõem a mesma construção discursiva que o significante ‘distante’ no debate escalar dos círculos concêntricos. Da mesma maneira, a realidade do aluno é colocada em equivalência ao significante ‘vida’ e é operado como condição para que a geografia se torne ‘próxima’ e ‘interessante’. A garantia para que a prática não se dê de forma descritiva e enciclopédica está na mobilização da realidade, a qual confere sentido social para a geografia e constrói uma relação com a vida dos estudantes, à medida em que, na perspectiva de totalidade, articula relações e conexões indissociáveis entre o distante e o próximo, ou entre o local e global (Santos, 1994).

Uma das abordagens mais expoentes em direção à criação de alternativas ao ensino empirista diz respeito àquelas que veem no lugar uma potência para o ensino de geografia a partir da articulação escalar com o global. Essa abordagem parte da compreensão dialética de modo que se analisa “[...] a realidade na sua multiescalaridade e a totalidade dos fenômenos como resultante da relação contraditória entre o todo e a parte” (Cavalcanti, 2011, p. 194). Neste sentido, passou-se a questionar a noção de círculos concêntricos. A partir de Alderoqui (2006), Souza (2011) tensiona a consideração do próximo como uma espacialidade de simples e fácil compreensão, de modo que a dificuldade dos alunos em mobilizar essas escalas não está na proximidade ou na distância dos fenômenos, mas na forma como as relações complexas entre essas esferas vão sendo construídas pelos professores.

De modo semelhante, Straforini (2004) afirma que os círculos concêntricos determinam as explicações sobre os lugares a eles mesmos e que o ponto central da decisão pedagógica não está em iniciar o estudo geográfico pelo todo ou pela parte, mas em como essas dimensões são compreendidas, dado que no lugar de convivência da criança (a realidade concreta) está no global e vice e versa. Argumenta-se que os pressupostos da geografia crítica não dialogam com a educação tradicional, pois a geografia crítica chama à ação, de modo que o estudante atue sobre o objeto de conhecimento e o construa, defendendo, portanto, um ‘casamento’ entre a geografia crítica e as teorias cognitivistas que compreendem os estudantes como sujeitos ativos no processo de ensino-aprendizagem.

Assim sendo, neste artigo daremos enfoque ao construtivismo de Jean Piaget e à teoria sócio-histórica de Lev Vigotski em razão de serem duas vertentes profusamente exploradas no ensino de geografia. Ambas as perspectivas consideram que a construção do conhecimento se constitui ativamente e não de forma passiva, de modo que o conhecimento é concebido como um processo que é construído pelos sujeitos. A interação dos sujeitos com o meio é fundamental para o seu desenvolvimento e aprendizagem. Para Piaget, essa construção - aprendizagem - só é possível a partir do desenvolvimento anterior de estruturas psíquicas necessárias à aprendizagem; para Vigotski, por outro lado, são justamente os processos de aprendizagem que irão promover o desenvolvimento dos sujeitos.

De acordo com Castellar (2005), a psicogenética contribui no relevo que confere às funções adaptativas dos sujeitos em sua interação com o meio, o que se dá a partir de esquemas de assimilação e acomodação como polos dos processos de equilibração. Nos processos avaliativos da aprendizagem, o sujeito é avaliado com base no grau de conhecimento científico que foi adquirido e compreendido e não pela carga de informações acumuladas. Nesta perspectiva, se o objetivo é o desenvolvimento do conceito de lugar, por exemplo, é preciso que a criança desenhe seu lugar de vivência e seja levada a refletir sobre os conceitos em uma relação entre a vivência - âmbito do senso comum - e o conhecimento científico por meio de um raciocínio. Para a autora, a cartografia escolar é, então, concebida como uma operação metodológica para a construção do conhecimento geográfico escolar. Assim, por meio da reversibilidade, proporcionalidade, afastamento, proximidade, dentre outras noções, a criança vai atingindo níveis cada vez mais elaborados de conhecimento.

Ao professor cabe a promoção da dialética entre o conhecimento científico e o conhecimento cotidiano do aluno que, a partir do seu papel de mediador, possa promover a reflexão sobre “[...] a realidade vivida pelo aluno, respeitando a sua história de vida e contribuindo para que ele entenda o seu papel na sociedade: o de cidadão” (Castellar, 2005, p. 222).

A psicologia sócio-histórica de Vigotski foi elaborada no início do século XX, na Bielorrússia, com influência marcante das análises marxistas e compreende os processos de aprendizagem e desenvolvimento psíquico como uma construção histórica e social ao longo da vida dos sujeitos. Assim, considera-se a relação entre o âmbito psicológico, social, cultural e material na aprendizagem e desenvolvimento dos indivíduos. O papel da escola seria o de criar condições para o desenvolvimento do pensamento formal a partir da zona de desenvolvimento proximal (ZDP) do estudante (Cavalcanti, 2005), que é a relação entre o desenvolvimento real da criança, ou seja, aquilo que pode fazer sozinha, e o seu desenvolvimento potencial, aquilo que pode desenvolver a partir da mediação de alguém mais experiente naquele assunto. É possível perceber em Vigotski construções teóricas semelhantes às desenvolvidas pela geografia crítica no que se refere à noção de transformação social por meio do conhecimento e interação com a realidade em um processo dialético - o sujeito interfere na realidade e esta na formação do sujeito. Trata-se de pensar a realidade, o lugar de vivência do aluno, como mobilizadora da atividade. Segundo Cavalcanti (2005), é nesse processo que os conceitos cotidianos e científicos vão sendo relacionados, complexificando as análises que os alunos venham a realizar sobre seu espaço vivido ou, geograficamente, o lugar de vivência. De acordo com a autora supracitada, é no questionamento da geografia cotidiana (espaço vivido) com a científica (espaço concebido) que se criam possibilidades de reelaboração e ampliação da compreensão do vivido, ou seja, pela internalização do concebido.

Assim, a dimensão do vivido encontra contiguidade na noção de realidade do aluno e o lugar geográfico é suturado à dimensão de realidade, o que significa considerar os conhecimentos prévios dos estudantes e suas experiências na mobilização do espaço vivido (lugar) como fonte de conhecimento geográfico durante todas as etapas do processo de ensino-aprendizagem. Diante do exposto, temos que a realidade é concebida como necessária no processo de ensino e aprendizagem, pois é por meio da interação do sujeito com a realidade - metaforicamente constituída como lugar de vivência do aluno - que se dá a construção do conhecimento, seja em uma perspectiva piagetiana ou vigotskiana. São nos conhecimentos da vivência no lugar que estão os conhecimentos-conceitos cotidianos para Piaget e espontâneos para Vigotski, que irão se relacionar dialeticamente com os novos conhecimentos construídos a partir dos conceitos científicos.

Sobre o ensino da categoria analítica ‘lugar’, Gonçalves (2006) coloca a necessidade de discutir sua dimensão escalar que, frequentemente, associa-o aos estudos que se dão no local em associação à dimensão do espaço vivido, existindo mais de uma forma de pensá-lo na geografia. Para a fenomenologia, o lugar não tem uma escala definida, já que depende das experiências dos sujeitos. Já para a análise de Milton Santos, lugar e região podem ser sinônimos, dado que a escala se dá por meio da área em que se realiza o acontecer solidário, que relacionado ao tempo, faz com que a escala deixe de ser uma categoria geométrica e se torne geográfica. Para Ana Clara Torres Ribeiro, o local é compreendido como alvo de ações pensadas em outras escalas, ao passo que o lugar abarca as consequências dessas ações e projetos de existir. Assim, o local pode ser concebido como um espaço tomado isoladamente e o lugar, por sua vez, se dá quando se soma um valor social a esse local; o lugar só existe, portanto, em relação à sociedade e não como um sistema euclidiano de coordenadas (Gonçalves, 2006).

A partir do exposto, vimos então como a significante realidade do aluno foi sendo significado a partir dos movimentos de renovação da geografia, assim como com a articulação com dimensões educacionais, como as teorias da aprendizagem. Na segunda década dos anos 2000 foi lançada a BNCC (2017), que versa sobre as significações acerca do conhecimento geográfico escolar.

Os princípios geográficos e a espacialidade como mediadores da realidade do aluno na BNCC

A demanda de uma Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) foi homologada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394..., 1996), quando da indicação de um sistema único para a Educação Básica. O documento, que afirma se instituir como base e não como currículo, define competências, unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades para todos os segmentos da educação básica. A geografia é trabalhada como um componente curricular no ensino fundamental e no ensino médio integra a área de conhecimento de ciências humanas juntamente com a história, sociologia e filosofia. A publicação da BNCC retoma discussões que envolvem o estudo da espacialidade como o objetivo da geografia escolar. O raciocínio geográfico é concebido como a principal contribuição da geografia à educação básica ao promover o desenvolvimento da espacialidade por meio princípios, conceitos3 e metodologias geográficas.

O que o documento traz de novo, na parte que se dedica à geografia em sua superfície textual, é o destaque e a sistematização de princípios geográficos. Desta forma, por meio dos princípios de localização, distribuição, analogia, ordem, diferenciação, extensão e conexão, o raciocínio geográfico é desenvolvido com o objetivo de “[...] compreender aspectos ‘fundamentais da realidade’: a localização e a distribuição dos fatos e fenômenos na superfície terrestre, o ordenamento territorial, as conexões existentes entre componentes físico-naturais e as ações antrópicas” (Brasil, 2017, p. 311, grifo nosso). Por meio deste trecho, o documento define aquilo que considera imprescindível no desenvolvimento da geografia escolar em sua contribuição para o entendimento da realidade por meio do pensamento espacial. Neste sentido, privilegia onde, como e o porquê dos fenômenos se distribuírem na superfície terrestre, como se distribuem, como o território se organiza e, ainda, as relações entre as ações humanas e os elementos físico-naturais.

O enfoque se dá, portanto, na espacialidade como forma de interpretação de um mundo em constante transformação e nas relações entre sociedade e natureza. Para atingir esse intento, aponta a formulação de conceitos para que se domine um ‘conhecimento fatual’ e se pratique a cidadania (Brasil, 2017). Nesta direção, afirma que a aprendizagem da geografia por meio de seus conceitos impulsiona a utilização do raciocínio geográfico para “[...] pensar e resolver problemas gerados na ‘vida cotidiana’” (Brasil, 2017, p. 314, grifo nosso), que são condições para o desenvolvimento das competências gerais anunciadas na BNCC. Compreendemos que, como em outros momentos deste artigo, nesse documento o termo ‘vida cotidiana’ se sutura com a realidade do aluno. Deste modo, a BNCC coloca o raciocínio geográfico como uma forma de se pensar espacialmente por meio de princípios, metodologias e conceitos geográficos que possam dar subsídios para que os alunos possam ser mais autônomos e atuantes na sua realidade (vida cotidiana), o que os colocaria como cidadãos.

Institui-se que o ensino de geografia deve superar a descrição de fatos e informações, extrapolando o contexto imediato dos sujeitos por meio do domínio de conceitos e generalizações, de modo que “[...] estes permitem novas formas de ver o mundo e de compreender, de maneira ampla e crítica, as múltiplas relações que conformam a realidade, de acordo com o aprendizado do conhecimento da ciência geográfica” (Brasil, 2017, p. 313). A relação entre cidadania e vida cotidiana - como realidade - igualmente se faz presente em outros trechos do documento.

Em todas essas unidades4, destacam-se aspectos relacionados ao exercício da cidadania e à aplicação de conhecimentos da Geografia diante de situações e problemas da vida cotidiana, tais como: estabelecer regras de convivência na escola e na comunidade; discutir propostas de ampliação de espaços públicos; e propor ações de intervenção na realidade, tudo visando à melhoria da coletividade e do bem comum (Brasil, 2017, p. 316).

A realidade, desta forma, apresenta sentidos de espaço de vivência, de lugar e de destino das intervenções dos alunos. Nos Anos Iniciais é vista como instância que deve ser reconhecida e comparada em relação a diferentes lugares. Nos Anos Finais, a partir do conhecimento das desigualdades sociais, espera-se que os alunos assumam a responsabilidade de “[...] transformação da atual realidade” (Brasil, 2017, p. 316) com base em princípios democráticos, solidários, justos e ações espacialmente localizadas. Podemos assumir, portanto, que na BNCC, a realidade do aluno encontra equivalência na noção de espaços de vivência e vida cotidiana. É preciso, portanto, que os estudantes comparem, compreendam e analisam sua realidade para que sejam capazes, no exercício de sua cidadania, de transformá-la pautados em princípios de democracia e justiça, além dos princípios geográficos anteriormente definidos. A geografia escolar, nesta perspectiva, oferece possibilidades de interpretação da realidade por meio do estudo da espacialidade dos fenômenos e auxilia os alunos a solucionarem os problemas da vida cotidiana com base em uma forma de se pensar geograficamente a realidade; com base, portanto, em um raciocínio geográfico.

Considerações finais

Este texto teve por objetivo desenvolver o argumento de que a realidade do aluno é um significante flutuante em disputas por diferentes grupos políticos e concepções de ensino-aprendizagem que atravessam a história da geografia escolar. Inicialmente, situamos o debate em torno da realidade do aluno concebido pela orientação moderna da geografia escolar, no contexto das três primeiras décadas do século XX. Salientamos que o significante realidade é preenchido, nesse primeiro momento, por um sentido racionalista-empirista, por meio da primazia do método científico positivista e da metodologia dos círculos concêntricos, que, por sua vez, se alinham a uma demanda de cientifização dos saberes geográficos no Brasil. Este contexto sinaliza, ainda, o crivo da tradição escolar sobre o processo de institucionalização da geografia acadêmica no Brasil, quando argumentamos que o método regional é, no contexto da geografia brasileira, sistematizado em conjunto ao discurso pedagógico escolanovista.

O segundo momento do trabalho esteve dedicado à temporalidade dos estudos sociais para a construção da ideia de realidade do aluno. Vimos que, de certo modo, os círculos concêntricos como metodologia de ensino e os princípios do método racionalista-empirista permanecem, mas que a demanda hegemonizante é substancialmente diferente daquela prevista pelos reformistas modernizadores do ensino geográfico, visto que, em nosso entendimento, o significante realidade do aluno passa a ser fixado por um hegemonismo proeminentemente pedagógico, o que marca as permanências da temporalidade dos estudos sociais na educação geográfica até a contemporaneidade.

No terceiro momento do artigo discutimos os movimentos de renovação da década de 1980 na geografia, destacando as construções em torno da necessidade de se analisar a realidade em suas contradições em detrimento de uma pretensa neutralidade atribuída ao saber geográfico. Este movimento apresentava como ponto nodal a crítica à uma geografia que não se comprometesse com as questões sociais. No âmbito escolar, tem-se que a criticidade dos alunos é construída quando estes aprendem a questionar a realidade, ou seja, quando se tornam ativos e autônomos o suficiente para analisarem as estruturas socioespaciais e seus arranjos. Sua socialização se dá por meio do entendimento da sua realidade vivida e é justamente nesta postura que se constrói sua cidadania. Neste sentido, a totalidade, ao ser analisada dialeticamente, demarca a relação contraditória entre o todo e a parte e se contrapõem ao modelo de círculos concêntricos adotados em momentos anteriores. É com base na noção de totalidade que se torna possível compreender a realidade como um todo, negando a fragmentação socioespacial.

As teorias cognitivistas compartilham com a geografia crítica o olhar voltado à realidade, concebendo-a como substancial no processo de ensino-aprendizagem em função das interações ativas dos sujeitos com o seu meio. De forma geral, nesse momento a realidade do aluno é significada como ponto de partida e ponto de chegada do processo de ensino-aprendizagem de modo que os estudantes podem transformá-la, ao serem concebidos como sujeitos socialmente ativos.

Por fim, no quarto momento, voltamo-nos à publicação da BNCC, que organiza um modo de se pensar espacialmente por meio do raciocínio geográfico. A realidade do aluno, igualmente significada como espaço de vivência e vida cotidiana, passa a ser interpretada espacialmente a partir de princípios geográficos que, ainda que já fossem discutidos por autores na geografia, no documento ganham sistematização com viés pedagógico em uma base curricular de alcance nacional.

Referências

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1Neste texto, compreende-se como ‘círculos concêntricos’ a metodologia de ensino-aprendizagem na qual as relações entre os fenômenos são mediadas pela dimensão do real em que “[...] se parte do eu, para a família, para a escola, para o bairro, para o município, para o Estado, para o Brasil, e, por fim para o mundo. O professor delimita em cada série o que será ensinado, seguindo a lógica do simples para o complexo e do local para o global” (Kuhn, Callai, & Toso, 2019, p. 472).

2Para Soares (2017, p. 224-229), a reforma Francisco Campos de 1931 configura um dos primeiros esforços, em tempos republicanos, de reorganização dos currículos escolares a partir das comunidades científicas operantes dentro e fora da tradição escolar. Demonstrando o que denomina de “[...] crise do programa institucional do colégio Pedro II [...]” a partir da referida reforma, o autor demonstra o processo de “[...] perda do seu caráter de instituição padrão para o ensino secundário brasileiro”. O discurso científico, o escolanovismo e as demandas políticas do contexto varguista passam, então, a exercer um papel relevante na reformulação dos programas escolares.

3Os principais conceitos trazidos pelo documento são o espaço, de forma mais ampla, a paisagem, o lugar, a região, o território e a natureza como conceitos mais ‘operacionais’ (Brasil, 2017).

4Todos os objetos de conhecimento e habilidades da área de geografia são divididos em cinco unidades temáticas: o sujeito e seu lugar no mundo; mundo do trabalho, formas de representação e pensamento espacial; natureza, ambientes e qualidade de vida e conexões e escalas.

12Nota: Agradecemos as agências de financiamento FAPESP (processo 2018/08542-0) e CAPES (código de financiamento 001) pelo apoio financeiro e institucional às pesquisas das quais este texto resulta.

14Como citar este artigo: Cabral, T. M., Cecim, J. S. R., & Straforini, R. A realidade do aluno como tradição pedagógica em disputa na geografia escolar (1920-2020). (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e184

Recebido: 21 de Setembro de 2020; Aceito: 19 de Janeiro de 2021; Publicado: 22 de Junho de 2021

*Autor para correspondência. E-mail:thiagomanhaescabral@gmail.com

Thiago Manhães Cabral é doutorando em Geografia na Unicamp, com bolsa de doutorado pela FAPESP e estágio doutoral na CY Cergy Paris Université (França). É licenciado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense, com estágio sanduíche na Universidade do Porto (Portugal). Atua nas áreas de História da Geografia Escolar, Ensino de Geografia e Políticas curriculares em Geografia. É membro do grupo de pesquisa APEGEO (Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia), registrado no CNPq. E-mail: thiagomanhaescabral@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-1384-8740

Jéssica da Silva Rodrigues Cecim é doutora em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Participa do Laboratório de Pesquisa Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia (Apegeo) e do Grupo de Pesquisa TEAR. Tem experiência em formação de professores, estudos curriculares, exames vestibulares e ensino de Geografia. Atualmente atua como professora da Educação Básica no Colégio Técnico de Campinas (Cotuca-Unicamp). E-mail: jcecim@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7928-9913

Rafael Straforini é doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia da Unicamp, atuando na área de Educação em Geografia. Líder do Grupo de Pesquisa Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia (Apegeo). E-mail: strafo@unicamp.br https://orcid.org/0000-0002-6122-3297

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra (UERJ) E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

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