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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.21  Maringá  2021  Epub 25-Jun-2021

https://doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e186 

Artigo Original

A institucionalização e o disciplinamento de crianças indígenas nas missões salesianas do Amazonas/Brasil (1923-1965)

Institucionalización y disciplinación de niños indígenas en las misiones salesianas de Amazonas/Brasil (1923-1965)

1Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil.


Resumo:

O texto trata dos internatos salesianos do Amazonas/Brasil (1923-1965), com o objetivo de analisar as estratégias de institucionalização e de disciplinamento de crianças indígenas. A partir da dialética e da abordagem qualitativa, a pesquisa conjuga revisão de literatura e fontes documentais primárias. Os resultados identificam as estratégias do cotidiano dos internatos como a interdição das línguas nativas, a segregação sociocultural e a imposição da língua portuguesa em contexto multilíngue. As conclusões apontam para a assimetria das relações sociais, a hegemonia católica nos contextos educacionais indígenas, o ativismo tático dos internos, as visões conflitantes sobre o regime de internato, o que denota que a interpretação e a compreensão sobre a educação salesiana são controversas.

Palavras-chave: regime disciplinar; internatos;Ordem Salesiana; educação escolar

Resumen:

El texto trata sobre los internados salesianos en Amazonas / Brasil (1923-1965), con el objetivo de analisar las estrategias de institucionalización y disciplina de los niños indígenas. Desde la dialéctica y el enfoque cualitativo, la investigación combina la revisión de literatura y fuentes documentales primarias. Los resultados identifican las estrategias cotidianas de los internos, como la prohibición de lenguas nativas, la segregación sociocultural y la imposición de la lengua portuguesa en un contexto multilingüe. Las conclusiones apuntan a la asimetría de las relaciones sociales, la hegemonía católica en contextos educativos indígenas, el activismo táctico de los reclusos, las opiniones contradictorias sobre el régimen de internación, lo que denota que la interpretación y la comprensión de la educación salesiana son controvertidas.

Palabras clave: régimen disciplinario; internados; Orden salesiana; educación escolar

Abstract:

The text deals with the Salesian boarding schools in Amazonas / Brazil (1923-1965), with the aim of analyzing the institutionalization and disciplining strategies of indigenous children. From the dialectic, the methodology is qualitative and combines literature review and primary documentary sources. The results identify the day-to-day strategies of boarding schools such as the prohibition of native languages, socio-cultural segregation and the imposition of the Portuguese language in a multilingual context. The conclusions point to the asymmetry of social relations, the Catholic hegemony in indigenous educational contexts, the tactical activism of the inmates, the conflicting views on the boarding system, which denotes that the interpretation and understanding of Salesian education are controversial.

Keywords: disciplinary regime; boarding schools; Salesian Order; school education

Introdução

A conversão e a civilização do ‘índio’ eram uma das metas jesuíticas desde os inícios da colonização brasileira. Uma das estratégias utilizadas foi a escolarização de crianças indígenas. Esse protótipo moldou a concepção e as ações colonialistas para as populações indígenas até o século XX. Aprofundar essa história extrapola nossos objetivos, pois implicaria perscrutar a trajetória da constituição e formação política brasileira, uma vez que a institucionalização de crianças no Brasil remonta ao século XVI.

Em termos teóricos, este trabalho é signatário das pesquisas sobre colonização que foca, particularmente, a situação de contato entre os povos indígenas e a sociedade nacional. Uma das facetas do colonialismo é que, ao centrar-se nos critérios dominantes dos conhecimentos das ciências modernas, e, por isso, ao não reconhecer como válido outros tipos de conhecimentos, deu origem ao epistemicídio, ou seja, “[...] à destruição de uma imensa variedade de saberes que prevalecem no outro lado da linha abissal - nas sociedades e sociabilidades coloniais” (Santos, 2019, p. 27). É a partir dessa perspectiva que inserimos o objeto no bojo de uma análise que o conecte com outras determinantes da realidade rionegrina, por meio da contextualização histórica, em busca de compreensões provisórias, pois consideramos que a realidade humano-social é eivada de dinamismos e contradições.

Em se tratando da metodologia, para fins de delimitação, o tema desta pesquisa versa sobre os internatos das missões salesianas do Amazonas/Brasil e tem como objetivo analisar as estratégias de institucionalização e de disciplinamento de crianças indígenas nos referidos estabelecimentos. Em termos espaciais, o objeto da pesquisa delimita-se ao noroeste amazônico, particularmente o município de São Gabriel da Cachoeira (Amazonas), o qual se limita com a Colômbia e a Venezuela, conforme a Figura 1 a seguir.

Fonte: Cabalzar e Ricardo (2006).

Figura 1 Mapa do Brasil e mapa do Alto e Médio Rio Negro (Amazonas). 

O noroeste amazônico é constituído majoritariamente por 23 etnias dos grupos linguísticos Aruak, Tukano Oriental, Maku e Yanomami. Em razão dessa diversidade sociocultural e linguística, São Gabriel da Cachoeira adotou, a partir de 2002, a cooficialização do Nheengatu1, do Tukano e do Baniwa (Cabalzar & Ricardo, 2006).

A justificativa da escolha do período 1923-1965 se baseia no entendimento de que foi nesse período que a atuação da missão salesiana se descentrou da então vila de São Gabriel da Cachoeira e se espraiou para os pontos estratégicos dos rios Negro, Uaupés, Tiquié e Içana, com a implantação de centros missionários onde os internatos eram uma das frentes de atuação.

O que desencadeou o processo de expansão salesiana foi o envio de mais missionários, por parte da direção central (Roma), a partir de 1923, para abrir novas fundações no rio Negro. Além disso, a década de 1960 é marcada pelo reposicionamento oficial da Igreja Católica, via Concílio Vaticano II (1962-1965), o qual recomendou uma reorientação das doutrinas, estruturas, diretrizes e empreendimentos no mundo. O declínio das missões salesianas está associado aos cortes de subvenções federais, à mobilização sociopolítica para a formação do movimento indígena e às críticas das atividades missionárias. Os rios Içana e Uaupés eram estratégicos para as missões salesianas por causa da densidade populacional, sendo que neles habitam ancestralmente duas famílias linguísticas: no rio Içana, os Aruak; e no rio Uaupés, os Tukano Oriental, ambas famílias com diversos grupos étnico/linguísticos.

Trata-se de pesquisa que conjuga revisão de literatura e fontes documentais salesianas escritas. Na revisão da literatura, buscamos a interface com pesquisas sobre a atuação da Ordem Salesiana no Amazonas, (Weigel, 2000; Falcão, 2008; Silva, 2010), no Mato Grosso (Novaes, 1993; Nakata, 2008; Francisco, 2010) e no Pará (Rizzini, 2004). Além dessas, destacamos as pesquisas antropológicas realizadas por indígenas (Fontoura, 2006; Ferreira, 2007; Luciano, 2006; Oliveira, 2007; Rezende, 2007; Sõãliã, 2001), os quais são egressos dos internatos salesianos, pois elas trazem elementos para a compreensão das relações intersocietárias, do ponto de vista indígena, podendo, eventualmente, revelar a ‘assimetria das perspectivas’, de que fala Viveiros de Castro (2002), em relação aos salesianos.

As fontes foram alocadas em duas missões do Rio Negro e na sede da Ordem Salesiana na cidade de Manaus, de modo que são três as instituições que compõem o corpus documental da pesquisa, a saber, as missões de São Gabriel2, a de São Miguel Arcanjo3 e a de Nossa Senhora da Assunção4. Essas fontes, especialmente as crônicas, referem-se às narrativas que explicitam visões e posicionamentos de missionários europeus sobre pessoas e eventos ocorridos no cotidiano do internato (cronistas designados para tal função pelo diretor da missão)5. Por isso, mesmo não possam ser tomadas estritamente como um pensamento institucional coletivamente produzido e consensualmente assumido, mas revelam uma perspectiva eurocêntrica sobre os povos ameríndios cuja base, segundo Santos (2019, p. 27), é o “[...] colonialismo como forma de sociabilidade baseada na inferioridade étnico- cultural e, inclusivamente, ontológica do outro”.

O texto se inicia pela introdução na qual apresentamos uma contextualização geral de acontecimentos que incidem sobre o nosso objeto e os procedimentos metodológicos. Na segunda seção, destacamos o poder disciplinar e a institucionalização do corpo na modernidade. Em terceiro lugar encontram-se as estratégias de institucionalização e de disciplinamento dos internatos das missões salesianas. Por fim, procuramos extrair as conclusões dos dados apresentados.

Iniciando pela contextualização, a conjuntura econômica da chegada dos salesianos à Amazônia (1916) é marcada pelo ciclo da borracha, o qual erradicou as populações indígenas de suas terras, obrigando-as a abandonar as atividades econômicas próprias e a ingressar compulsoriamente na economia extrativa.

Em termos geopolíticos, as questões de fronteira Brasil-Colômbia, da qual o povoado brasileiro de Iauareté é um posto avançado, estavam em pauta. Por esse motivo, nos anos 1930, foi criada uma Comissão Mista de demarcação da fronteira entre Brasil e Colômbia, cujos trabalhos encerraram em 1937. Todavia, essa burocracia era, na prática, ignorada, por um lado, pelas populações indígenas locais, as quais dividem o território a partir das tradições ancestrais; e, por outro, pelos comerciantes (regatões), caucheros e missionários. Essas ‘invasões’ recíprocas do território estrangeiro ocasionaram protestos oficiais dos órgãos estatais, inclusive, envolvendo as missões salesianas.

Em termos políticos, a aliança da igreja com o Estado e com os grupos oligárquicos locais, não obstante as divergências pontuais, como a civilização do índio sem o concurso da religião, defendida pelo Serviço de Proteção aos Índios [SPI], possibilitaram às missões salesianas receber subvenções dos cofres públicos para a manutenção de suas obras (Costa, 2012).

Outro flagelo que assolava as populações indígenas, decorrente do contato, era as ‘doenças de branco’, as quais provocaram grande mortandade e, consequentemente, acarretou depopulação indígena em curto período de tempo. As missões salesianas atuaram nessa frente, abrindo hospitais e postos de saúde, pois o quadro sanitário geral impactava a vida nos internatos.

Em relação à educação e à escola, pode-se afirmar que, a partir das duas primeiras décadas do século XX, as ideias pedagógicas se caracterizavam pelo liberalismo, marcadamente o positivismo e o laicismo, as quais defendiam a extensão universal, por meio do Estado, da escolarização enquanto instrumento de transformação dos indivíduos ignorantes em cidadãos esclarecidos. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica, a partir dos anos 1920, voltou a se rearticular institucionalmente em torno do restabelecimento do ensino religioso e da difusão do seu ideário pedagógico. Com essa retomada, os católicos passaram a resistir ao avanço das ideias novas, disputando com as políticas governamentais e com os renovadores a hegemonia do campo educacional no Brasil, a partir dos anos de 1930.

Em termos gerais, os renovadores advogavam por práticas pedagógicas com base nos métodos ativos e na convivência entre os sexos, ao passo que no âmbito das políticas públicas educacionais eles defendiam o monopólio do Estado em matéria educacional, a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade de matrícula. Por sua vez, os católicos lutavam pela primazia da família e da igreja em questões educacionais, a separação entre os sexos, a obrigatoriedade do ensino religioso calcado nos valores morais e pela família como a primeira responsável pela matrícula dos filhos e não o Estado (Saviani, 2008).

Em relação à União, a educação escolar específica para as sociedades indígenas foi solenemente ignorada nas constituições de 1934, 1937, 1946 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a lei nº 4.024, de 1961. A ação do governo federal, por meio SPI, se concentrou na abertura de postos de atendimento para as populações indígenas do rio Negro, mas, diferente do que ocorrera em outras regiões do Brasil, o órgão indigenista não fundou escolas. Por sua vez, no nível do governo do Estado do Amazonas, não havia escolas públicas em funcionamento em São Gabriel da Cachoeira desde os anos de 1920 (Relatório..., 1923, 1929).

É nesse contexto que a ação missionária salesiana, no século XX, prossegue sob o imperativo da ótica jesuítica, acrescido da geopolítica do Estado republicano de controle das terras e das populações da faixa de fronteira internacional.

Inspirada na tradição católica, a congregação salesiana adotou a institucionalização e o disciplinamento de crianças indígenas como uma das estratégias para converter e civilizar os adultos6. Segundo Novaes (1993, p. 168), os salesianos reconheciam que os adultos não recusavam explicitamente os ensinamentos católicos, mas permaneciam renitentes em seus costumes ‘diabólicos e selvagens’, situação que levou os missionários a apostar todo o seu empenho nas futuras gerações, “[...] o verdadeiro espelho de seus esforços, a prova não apenas da viabilidade, mas, fundamentalmente, da legitimidade de sua missão [...]”, pois acreditavam que era desejável forjar o futuro em novas bases socioculturais através das crianças.

Os salesianos são membros da Sociedade de São Francisco de Sales, a qual foi fundada por São João Bosco (Dom Bosco) na Itália. A obra salesiana no Brasil iniciou, em 1883, no Rio de Janeiro. Os salesianos se estabeleceram no rio Negro, Estado do Amazonas, em 1916 (Costa, 2012). Eles abriram nove postos missionários, dos quais sete com internatos para crianças indígenas do Rio Negro: um em São Gabriel da Cachoeira (1916), um em Taracuá (1923), um em Barcelos (1926), um em Iauareté (1929), um em Pari-Cachoeira (1940), um em Santa Isabel (1947) e um em Içana (1953). Os internatos ofereciam ensino de primeira à quarta série e recebiam subvenções dos governos federal e estadual. O último internato a ser fechado foi o de Iauareté, em 1988, de modo que os internatos tiveram duração de 72 anos.

Perguntamo-nos, portanto, com o que se depararam as crianças indígenas nos internatos salesianos do Amazonas? Elas se confrontaram com o ‘diferente’ mundo do ‘Outro’. Este texto se inicia pelas práticas disciplinares a fim de identificar o modo como o universo da alteridade foi imposto às crianças indígenas.

A institucionalização e o disciplinamento do corpo na modernidade

Com relação à institucionalização disciplinar, Foucault (1979) identifica nos séculos XVII e XVIII a invenção de um mecanismo novo o qual passa a coexistir, a convergir e a se contrapor à teoria jurídico-política do poder sobre a terra e seus produtos. Trata-se do mecanismo do ‘poder disciplinar’ sobre os corpos e seus atos, fundamentado na disciplina. Todavia, a contraposição entre o jurídico-político (Direito) e a disciplina (poder) não é absoluta, pois ocorrem imbricações entre ambos, as quais ajudam a explicar a ‘sociedade da normalização’ na qual o poder disciplinar é composto por métodos que controlam as operações do corpo, assegurando a sujeição de suas forças em vista da docilidade-utilidade (Foucault, 2009).

O poder disciplinar sobre o corpo e seus atos espraiou-se para o âmbito da educação das crianças na família e na escola com a finalidade de disciplinar o espaço doméstico e público, levando a escola a confinar a infância livre num regime disciplinar rigoroso progressivo até culminar no enclausuramento total nos internatos (Àries, 1981). A análise do poder disciplinar no convento, do qual o internato salesiano é tributário, bem como dos manicômios e das prisões, levou Goffman (2005) a classificá-los como ‘instituições totais’, onde existe uma divisão hierárquica rigorosa entre o ‘grupo dos internados’ e o ‘grupo dirigente’, o que garante a distância social entre ambos.

O grupo dos internos era constituído por crianças das famílias linguísticas Tukano Oriental, Aruak e Maku. A estrutura hierárquica do internato comportava o grupo dirigente, o qual era composto por salesianos, oriundos do continente europeu, em sua maioria, nas seguintes funções: o diretor (responsável geral), o prefeito (finanças), o catequista (formação religiosa), o pároco (atendimento ao povo), o itinerante (visitas aos povoados distantes), o conselheiro escolar e o assistente. O internato era organizado pela separação dos sexos, ou seja, havia o internato masculino (dirigido por padres e irmãos) e o feminino (sob a direção das freiras salesianas) e a organização do tempo era controlada pelo horário diário para cada atividade, com algumas modificações para os feriados e os finais de semana.

Uma das frentes de atuação do internato era a escola, onde os professores eram os próprios salesianos e as freiras. Com o passar dos anos, os egressos foram recrutados para a função de professores.

As relações sociais produzidas nas instituições totais refletem o exercício do poder hierarquizado nas sociedades capitalistas. A organização do espaço, do tempo, a vigilância, a sanção, o exame e o registro de informações serão utilizados em nossa análise, pois eles são, segundo Foucault (2009), a materialização das intersecções entre a disciplina e o poder. A esses dispositivos se somam os de natureza específica deste artigo tais como a interdição do uso das línguas indígenas, a imposição da língua portuguesa e a segregação sociocultural.

O controle do corpo e dos atos de crianças indígenas nos ‘núcleos de civilização’

A análise dos internatos será feita levando em consideração a articulação do tema com o projeto de colonização da Amazônia. Para os salesianos, os internatos eram concebidos como ‘centros ou núcleos de civilização’ ao passo que para Weigel (2000), os internatos são instrumentos de conquista geográfica da região e de expansão do capitalismo na Amazônia, pois as instituições religiosas, em aliança com as classes dominantes, têm exercido o papel de aparelho ideológico da política integracionista, pacificando e subordinando os povos indígenas ao trabalho disciplinado nos moldes da produção capitalista.

Quanto ao perfil, as crianças indígenas eram recrutadas a partir dos oito anos de idade. O missionário percorria os povoados distantes da sede da missão (‘itinerâncias’), ocasião na qual defendia as vantagens da educação escolar e pretendia convencer os familiares e os chefes de aldeias a enviar seus filhos à missão a fim de receber educação escolar.

Qual a expectativa dos pais indígenas em relação ao confinamento dos filhos nos internatos salesianos? Embora essa questão seja de difícil resposta, supõe-se que a aquisição dos conhecimentos escolares era encarada pelos pais como uma forma de obter uma parcela do poder dos brancos e, dessa forma, as futuras gerações estariam mais preparadas para estabelecer relações intersocietárias em condições menos desiguais, de modo a minorar o duro sofrimento enfrentado pelos antigos nas mãos dos brancos. Assim, várias crianças foram conduzidas para o internato. Muitas famílias passaram a residir ao redor da missão, constituindo povoados, para estar perto de seus filhos. Isso contribuiu para o esvaziamento das aldeias.

As crianças indígenas desconheciam o funcionamento de um internato, por isso, no início do ano letivo havia a leitura e a explicação dos regulamentos para todos os internos, mas o aprendizado e a introjeção das normas e convenções exigiam um processo mais lento que se efetivava pela reiteração das regras disciplinares, pela cobrança do cumprimento das mesmas, pela aplicação de castigos e pela própria convivência com os alunos antigos no cotidiano da vida institucional.

Quanto aos critérios de seleção para o ingresso no internato, supomos que, além daqueles mencionados por Weigel (2000) para a realidade Baniwa, a saber, (1) ser filho de católicos e (2) dos que ocupavam status hierarquicamente superior na estrutura social tradicional, podemos acrescentar a condição de ser filho(a) dos prepostos dos salesianos (professor, catequista, capitão), em geral, um ex-aluno. Este terceiro critério difere do segundo pelo fato de que a interferência missionária sobre a organização sociopolítica das sociedades indígenas substituiu o critério tradicional de senioridade biológica (o ‘irmão maior’) para a escolha da liderança indígena pelo requisito do alinhamento ideológico com os salesianos, de modo que, para os padrões étnicos, muitos capitães, por exemplo, eram ‘irmãos menores’ na organização social e, portanto, não deviam assumir o posto de líderes frente aos irmãos maiores, o que ensejava situações de conflito.

O confinamento das crianças indígenas acarretava a ruptura radical do convívio familiar, social e cultural. Por um lado, essa segregação familiar e sociocultural visava afastá-los da influência dos grupos de origem e, por outro, inculcar novos conhecimentos, valores e costumes, de modo a apagar as tradições culturais que conformavam a identidade indígena para transformá-los em cristãos e indivíduos civilizados, pois, conforme Sõãliã7 (2001, p. 15),

Os adultos que vivem hoje, tendo passado a sua meninice e adolescência fora de sua aldeia, morando nos internatos missionários para serem educados, moldados pela educação escolar, não tiveram a preocupação de continuar a forma de vida cultural dos Waikhana [...] Privados dos ritos tradicionais, da indumentária, dos conhecimentos mitológicos é que se faz a redução da identidade, e de valores adquiridos através dos antepassados. E os que estão dentro da sua área cultural, não vivem de maneira diferente dos que migraram fora de sua terra, quer dizer, estão por estar, sem festas tradicionais sagradas. Tem interesse de assimilar ao modelo de vida da sociedade global.

Mais do que a ‘falta de preocupação’ dos egressos em dar continuidade às tradições culturais, a ‘redução da identidade’ foi o corolário da quebra da cadeia de transmissão de saberes de uma geração para outra, pois, por um lado, o repasse dos saberes dos anciãos exigia a realização de rituais específicos (o de iniciação, por exemplo), os quais deveriam ocorrer na adolescência, em alguns casos, para destinatários exclusivos (como o primogênito), mas que foi interrompido devido à reclusão das crianças nos internatos; por outro, os rituais foram proibidos pelos salesianos e, ameaçados pelos missionários, os anciãos se recusaram a continuar transmitindo às novas gerações os conhecimentos tradicionais de que eram portadores.

Assim, gerações de moças e rapazes ficaram privadas dos conhecimentos tradicionais, de modo que a transmissão do patrimônio cultural de uma geração para outra foi interrompida, pois tais saberes só podiam ser repassados no próprio cotidiano ou em circunstâncias permeadas de rituais e por especialistas social e culturalmente reconhecidos para tais tarefas.

Com a segregação e o confinamento, os processos educativo-culturais até então vivenciados pela criança indígena eram rompidos. Fontoura (2006)8 oferece parâmetros para o rompimento entre a educação indígena e a escola missionária quando classifica as formas de transmissão dos conhecimentos dos Talyáseri em três categorias: a) oral (narração dos mitos, fórmulas de proteção e cura, histórias de ocupações e migrações, as constelações, as estações do ano, a hierarquia dos clãs etc.); b) oral com demonstração (cultura material) e c) oral com consumo de bebida enteógena (ritos de iniciação pubertária9 e xamanismo). Essa modalidade educacional triádica envolve procedimentos rituais, tempos específicos e espaços diversificados, pois, segundo Fontoura (2006, p. 81),

Na cultura Talyáseri a maloca, as festas e os rituais de iniciação (pubertária à da preparação do futuro Yawi) foram os espaços formais e os momentos cruciais para a transmissão desses conhecimentos, inclusive nos banhos matinais, nas caçadas, nas pescarias, na selva, nos locais de trabalho, quase todos os momentos eram aproveitados.

Os saberes tradicionais envolvidos nos processos educacionais indígenas dizem respeito à totalidade da vida grupal, às relações intersocietárias, à natureza e ao cosmo, de modo que a construção do conhecimento entre os Talyáseri se constitui a partir das intersecções entre a fala-escuta, a observação e o fazer. A referência aos saberes, aos espaços, aos tempos, à metodologia de transmissão e às formas de construção de conhecimentos envolvidos nos processos educativos dos Talyáseri nos possibilita identificar a incompatibilidade entre a educação indígena e a educação salesiana, uma vez que esta era baseada no confinamento e no disciplinamento.

Rizzini (2006, p. 142-143) afirma que, ao ingressar no internato, o aluno era investido de uma “[...] nova identidade, a de aprendiz, uniformizado na farda e no tratamento”. Dentre os símbolos dessa nova condição estava o vestuário, o instrumento de trabalho manual, o material escolar, dentre outros, os quais deveriam ser cuidados como seus. Esse individualismo era contrário às formas de vida indígena, pois, segundo Luciano10 (2013, p. 80), “[...] tudo nele [no internato], ao contrário da solidariedade indígena, era individualizado”.

O interno recebia peças de roupa para os dias comuns e para os eventos festivos (cívicos e religiosos) às quais deveriam ser devolvidas no final do ano. Segundo uma ex-aluna, no internato feminino “[...] havia uma roupa rústica para cada interna a qual devia ser usada obrigatoriamente na hora do banho realizado no rio e em trecho longe da vista dos meninos. As freiras ensinavam às meninas técnicas de trocar roupa sem mostrar o próprio corpo”11. Além do encobrimento do corpo nos banhos, a obrigatoriedade do uso do uniforme trazia subjacente a ideia de que a uniformização na farda devia ser acompanhada pela uniformização do comportamento e pela sujeição aos superiores hierárquicos.

Conforme a idade, o interno era designado para integrar as falanges (maiores, médios e menores) das quais não devia se separar, procedimento que nos remete ao conceito goffmaniano de socialização no qual ocorre a diluição da identidade individual e à qual é sobreposta pela ação conjunta dos membros. Em relação ao trabalho manual, às falanges dos médios e menores cabia o trabalho na lavoura e à dos maiores o aprendizado nas oficinas de carpintaria, marcenaria, alfaiataria. Segundo Blanco (n.d., p. 95), “[...] no próprio dia em que um novo aluno entra para nossa comunidade, recebe a sua enxada e, à hora do trabalho agrícola, dirige-se para o campo. Estuda com atenção os movimentos dos companheiros e imita-os em tudo. [...] Aquilo que mais gostam é de ir para as matas, roçar ou cortar lenha”.

A imitação era tida como uma das características da personalidade indígena utilizada para o aprendizado. Em relação ao aprendizado nas oficinas, segundo Blanco (n.d, p. 96, grifo nosso),

[...] os índios, com ensino metódico, são capazes de aprender qualquer arte, tal como nós, mas não sem grande sacrifício por parte dos missionários [...] [uma vez que eles] estão habituados apenas a ver florestas, canoas, arcos e flechas, ‘torna-se bastante difícil fazer-lhes aprender outras coisas’. Por isso querem ver tudo, não só uma vez mas muitas.

A educação ‘para’ e ‘pelo’ trabalho explicita as crenças sobre as habilidades manuais indígenas em detrimento do intelectual, ao mesmo tempo em que, segundo Lima (1992), acreditava-se que o trabalho contribuiria para operar a ‘transitoriedade do índio’ - de indolentes para cidadãos ‘úteis’ à nação brasileira. Quanto à virtude do trabalho, os salesianos acreditavam que além de prover o bem-estar físico, o trabalho disciplinado era fonte de ‘bem estar [...] moral’ e que a agricultura era a verdadeira vocação econômica do Rio Negro (Às margens do Amazonas, 1941). No bojo do projeto colonizador, a agricultura compunha, assim, um rol de estratégias mobilizadas para combater o nomadismo e assegurar a sedentarização de povos indígenas, de modo a possibilitar atingir os objetivos missionários de conversão e civilização.

Em relação à organização do espaço, ao internado era designado um espaço para a rede no dormitório coletivo, um lugar no estudo e outro na igreja, locais onde era obrigatória a observância do silêncio e cada ambiente exigia modos e posturas diferenciados de se portar e de se comportar. Na perspectiva do ‘processo civilizador’ (Elias, 2011; Gélis, 2008), a inculcação de ‘boas maneiras’ visava conformar a atitude aparente e o próprio interior do homem.

Para Foucault (2009), o poder disciplinar racionaliza o espaço visando anular a deserção, a vadiagem e a aglomeração. O controle do espaço era usado para identificar os indisciplinados, os quais burlavam a vigilância, muitas vezes sob a cumplicidade dos colegas, para, por exemplo, espantar as moças à noite no dormitório feminino. Neste caso, quando o delito era descoberto, o assistente recolhia imediatamente as redes vazias no dormitório a fim de identificar os desordeiros obrigando-os a se entregar e a receber a punição, como a expulsão do internato (Missão Salesiana do Içana, 1964).

Em relação à organização do tempo, a fragmentação temporal, a obrigação de vivenciá-lo com exatidão, aplicação e regularidade visava evitar a ociosidade e, simultaneamente, garantir o adestramento do corpo, a partir da sincronia deste com os gestos e os objetos, a qualidade e a utilidade do tempo (Foucault, 2009). O controle do tempo era viabilizado pelo horário diário o qual abarcava a totalidade das ações e dos interesses dos internos no cotidiano institucional.

Em síntese, o horário diário, compreendido das 06h30 às 21h00, era estruturado a partir de quatro atividades principais, o estudo, as práticas religiosas, o trabalho manual e o lazer. A participação ativa no lazer era obrigatória, de modo que o assistente ficava atento para que ninguém se ausentasse dos jogos e brincadeiras. O lazer, além de benefício físico e mental, auxiliava na disciplina, conforme orientava um salesiano: “[...] recomendo manter sempre os recreios bem animados, jogos organizados, então, o menino entra no estudo cansado e a disciplina torna-se mais suave” (Missão Salesiana São Gabriel da Cachoeira, 1962, p. 1). A maioria das atividades no internato exigia esforço físico ou mental, concentração e seriedade, ou seja, ao ingressar no internato o aluno passava a assumir responsabilidades de pessoa adulta deixando para trás a vida espontânea e livre das aldeias (Ferreira, 2007)12.

O controle do tempo explicitava uma organização complexa e uma articulada estratificação do trabalho educativo na qual a função primordial do ‘assistente’ era a vigilância. O assistente é o inspetor dos internos em todos os momentos e lugares, desde o amanhecer até o anoitecer. No início dos internatos, os missionários eram os assistentes. À medida que os primeiros alunos concluíram o primário (4ª série), alguns deles foram recrutados para atuar como seus ‘auxiliares’, especialmente os que haviam se destacado nos estudos, no comportamento, na piedade e no trabalho durante o tempo de internato. Por isso, o assistente do internato foi comparado ao ‘capataz’ do patrão do extrativismo (Peres, 2013).

Essa estratégia facilitou o trabalho salesiano, pois, por um lado, os missionários se distanciaram do exercício direto do controle transferindo-o para subalternos, a fim de minorar a antipatia dos alunos em razão da aplicação dos castigos e, dessa maneira, se dedicaram ao papel de conselheiros, confessores, guias espirituais, pais e amigos, enfim, funções que os aproximassem amigavelmente dos internos, de modo a granjear-lhes a confiança. Por outro lado, os assistentes nativos, por terem vivenciado o regime do internato e conhecerem a realidade sociocultural e a psicologia indígena, criaram dispositivos pedagógicos eficazes para enquadrar os alunos sob o regime da obediência e da ordem garantindo, dessa forma, a consecução dos objetivos institucionais.

O recrutamento de assistentes nativos aumentou em razão da escassez de salesianos, agravada pela crise de vocações no continente europeu, a partir dos anos 1960, e pelo fato de que a minoria dos missionários falava o Tukano, situação que impossibilitava a comunicação com os alunos novatos, os quais não sabiam falar a língua portuguesa.

A vigilância também era favorecida pela arquitetura dos internatos, baseada no estilo dos claustros monasteriais, os quais eram construídos em traços semicirculares ou retangulares com ambientes coletivos internos e, externamente, projetados com pórticos, espaço recreativo ao centro possibilitando ao assistente ter uma visão completa de qualquer ângulo, nos moldes do ‘Panoptico’, a saber, a centralidade do inspetor e o ‘ver sem ser visto’ (Bentham, 2008). A vigilância dos internos espraiava-se para fora do internato e era confiada aos catequistas dos povoados durante o período de férias dos alunos.

Senhor Catequista de [nome da localidade] na semana 20-27 de junho os meninos do seu povoado podem voltar para suas casas por alguns dias de férias. [...]. Peço-lhe de tomar nota, nesta folha, do comportamento de cada um dos alunos internos de seu povoado nestes dias: trabalhos, festas, frequências das orações etc. (Missão Salesiana de Iauareté 13, 1971).

Associado à vigilância, o exame é, segundo Foucault (2009), um controle normalizante ritualizado que conjuga a cerimônia do poder, a formação da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. Nos internatos, os exames produziam temor e tremor nos internos e eram cercados de rituais de saber e de poder. As autoridades locais eram convidadas para os exames finais e estes constavam da parte escrita e a oral.

Na década de 1950, o exame escrito de português para os alunos do primeiro ao quintoº ano constou de ditado, análise léxica, conjugação de verbos e composição, ao passo que o de aritmética incluiu as quatro operações, frações ordinárias e decimais (Colégio São Gabriel, 1950-1955). Os exames escritos evidenciam que, por um lado, os conteúdos de português e matemática eram pautados exclusivamente pelos conhecimentos da sociedade não indígena e que, portanto, poderiam ser ministrados em qualquer escola da rede nacional de ensino e, por outro, excluíam os conhecimentos culturais das populações indígenas.

Em relação ao registro de informações, as observações sobre o comportamento dos internos eram anotadas em uma ficha individual a qual era atualizada no decorrer do ano. Nessas fichas, as depreciações sobre a pessoa do interno superam os elogios, pois quando estes últimos são registrados aparecem de forma genérica como ‘bom aluno’ e ‘inteligente’ (Colégio São Gabriel, 1952-1965). A maioria das observações refere-se à desobediência aos missionários e às transgressões às regras do internato. O prontuário das informações servia de base para o sistema de premiações anuais, a expulsão de alunos e para a seleção de candidatos à vida religiosa e sacerdotal.

Outro mecanismo do poder disciplinar era a obrigação de aprender o português e abandonar as línguas nativas. Os salesianos implantaram a ideia de que falar a língua indígena era um obstáculo para o aprendizado da língua portuguesa contribuindo para que, ao final dos anos 1980, ocorresse no Rio Negro três situações: [a] o filho sabe falar a língua indígena, mas não a usa; [b] o filho só entende a língua e a fala; [c] o filho desconhece a língua (Renault-Lescure, 1990). A essas situações é razoável supor que a interdição das línguas indígenas em ambientes públicos, ocasionou o refluxo das línguas indígenas para o âmbito doméstico (a casa, o trabalho, as festas), pois estes eram ambientes onde, apesar da vigilância, a ingerência missionária chegava enfraquecida e, dessa forma, se tornavam espaços propícios para o exercício da resistência.

A imposição da língua portuguesa como única língua de comunicação contrastava com a diversidade linguística do Rio Negro e se ancorava na visão etnocêntrica dos missionários, os quais concebiam as próprias línguas como superiores frente às línguas indígenas. Em razão da exogamia linguística, o casal pertence a grupos linguísticos diferentes, o que faz com que, no mínimo, o filho aprenda duas línguas: a do pai e da mãe; a estas se acresce a língua portuguesa e, eventualmente, o Nheengatu e o castelhano. Todavia, não obstante a imposição da tradição monolíngue, as populações indígenas não permitiram que a diversidade linguística submergisse ao monolinguismo da língua nacional (Sorensen & Arthur, 1983).

As consequências deletérias da imposição do monolinguismo se tornam melhor dimensionadas quando consideramos as relações entre a língua e a construção da identidade, ou seja, que a língua é um dos elementos que organiza a percepção de mundo e, no caso dos Tukano Orientais, é um dos “[...] fatores básicos para a construção de sua identidade social, pois marca a condição de membro em grupos nomeados e exogâmicos mais inclusivos [...] é o critério para estabelecer e expressar relações de consanguinidade” (Chernela & Leed, 2002, p. 469). Assim, sendo a língua um indicador de afiliação grupal, e, portanto, de especificidades e diferenças identitárias, ela constituía um obstáculo às metas missionárias, o que implicava despir os internos de suas identidades culturais e sociais, ou seja, a língua não era respeitada como elemento constitutivo da identidade indígena.

No internato o monolinguismo obedecia a prazos, pois, decorrido certo período de tolerância para o uso da língua Tukano, concedido apenas aos alunos novatos, o uso da língua portuguesa era obrigatório. A adoção da língua Tukano pelos salesianos para o desenvolvimento das atividades missionárias, a obrigação dos alunos de outras etnias em aprender o Tukano e o ensino curricular dessa língua nas escolas salesianas, a partir da década de 1970, reforçaram um amplo processo que estava em andamento e que resultou na adoção da língua Tukano pela maioria dos grupos linguísticos (Oliveira, 2007)14.

Em quais situações era tolerado o uso da língua Tukano dentro do internato? Segundo um egresso de Iauareté, os alunos novatos passavam a maior parte do tempo em silêncio, pois não dominavam a língua portuguesa. Durante os anos iniciais, a comunicação dos alunos novatos era drasticamente reduzida ao que era estritamente necessário e, ainda assim, estes se dirigiam em caráter reservado ao assistente ou a um aluno antigo da mesma etnia para comunicar suas necessidades15.

Quando o diretor do internato precisava tratar com algum aluno novato o assistente mediava o encontro: o diretor fazia as repreensões na língua portuguesa e estas eram traduzidas pelo assistente ao aluno ou o diretor escrevia as advertências na língua portuguesa e o assistente traduzia para o infrator. Encerramos esse tópico com a afirmação de um egresso Tukano, segundo a qual “[...] a maneira mais fácil de matar um indígena é acabar com a sua identidade e sua língua. Sem identidade e sem língua, um povo está morto” (Ferreira, 2007, p. 114).

As infrações às normas do regulamento no cotidiano institucional eram punidas com castigos. Estes são, segundo Foucault (2009), constituídos por um sistema de gratificação-sanção os quais funcionam como recursos para o bom adestramento. A ideologia do poder disciplinar era introjetada psicologicamente nos internos de tal modo que a ocorrência de atos infracionais era denunciada pelos próprios colegas. A identificação dos infratores pelos superiores hierárquicos era obtida através de dispositivos institucionais, dentre os quais a delação, a qual, por sua vez, era uma decorrência da coerção institucional que minava a autonomia individual e a autodeterminação coletiva (Douglas, 2007). A crônica da Missão Salesiana de Iauareté (1933b, grifo do autor) registra

[...] o gatuno de ontem [5/7] é colocado hoje, após a Santa Missa, num ângulo externo do refeitório enfeitado com farinha e pedaços de porco moqueado. Em cada mão segura um pedaço de moqueado, nas costas leva um grande letreiro, outro idêntico lhe serve como de couraça a defender-lhe o peito, um par de calças leva com farinha pendurado no pescoço como a servir-lhe de gravata. Os letreiros dizem o motivo de seus enfeites só com uma palavra: ‘ladrão’. Ambos os colégios [masculino e feminino] e algumas pessoas desfilam na frente do seu [Nome] que, devido as suas espertezas, ganha hoje mais um título importante qual o de ladrão.

As sanções incluíam a privação de alimentação, o aumento do trabalho manual, ficar em pé ao lado da rede, no estudo ou no pátio, rachar e carregar lenha, privação da visita dos pais, suspensão das atividades desportivas, teatrais e passeios, pedir perdão em público, copiar repetidamente ‘eu não vou mais falar Tukano, só português’ etc. A indisciplina era tratada com rigor, às vezes com a expulsão, pois se tratava de impor regras e um ritmo de vida que as crianças indígenas desconheciam, mas aos quais deveriam se submeter.

Na missão do rio Içana, provavelmente em razão dos conflitos entre os católicos e os evangélicos, os salesianos enfrentaram resistências maiores para implantar o projeto missionário e mesmo lidar com os Baniwa, de modo que a duração do internato masculino foi efêmera (1962-1967) e o número de internos sempre foi inferior aos estabelecimentos dos rios Uaupés e Tiquié devido à recusa dos pais em matricular seus filhos. Nessa missão, alguns pais decidiram retirar os filhos do internato por discordarem dos castigos aplicados aos alunos e, particularmente, ‘devido mal trato por parte do assistente’, sanções que os salesianos julgavam necessárias por se tratar de alunos desordeiros (Missão Salesiana do Içana, 1965).

Em razão dos castigos, a obediência era obtida por meio da intimidação. O medo de sofrer punições era o móvel que determinava o comportamento das crianças indígenas e uniformizava as ações coletivas - “[...] a gente se comportava por medo [...]”, revelou um egresso da missão de Iauareté. A reiteração dos valores institucionais fazia com que o interno acreditasse que os insucessos na vida de internado (estudo, comportamento, piedade) eram de sua exclusiva responsabilidade, como relata um aluno fugitivo: “Padre Diretor eu vou embora porque me comporto mal” (MI, 1965).

A análise da disciplina no cotidiano institucional permite constatar a inadaptabilidade e a resistência dos internos à sujeição imposta pelas relações hierarquizadas e ao estilo de vida no regime de internato, manifestada de vários modos tais como os atos de indisciplina, a evasão, os ‘passeios’ e as fugas. Em relação à evasão, os alunos faziam chegar aos seus pais ou parentes o seu descontentamento com o internato e sua vontade de voltar para casa no que, em geral, eram atendidos pelos pais. Os passeios, como diziam os salesianos, consistiam no fato de que os internos aproveitavam a visita dos pais para acompanhá-los em suas viagens a outras localidades livrando-se, assim, da rotina por alguns dias - atitudes que desagradavam aos salesianos, os quais repreendiam os pais por não obrigarem os filhos a permanecer no internato: “O pai do interno [Nome] pede licença para levar seu filho a passear em São Gabriel. A licença é-lhe negada. Porém, nestas terras quem manda são os filhos. Portanto, o nosso [Nome] fez a sua vontade indo passear com o pai” (MI, 1933a).

O conceito de autoridade paterna reivindicado pelos salesianos era aquele fundado no poder coercitivo dos pais sobre os filhos, mas, para Overing (1995, p. 131), o princípio hierárquico não é generalizado na Amazônia, pois “[...] o fato de o tempo linear não ocupar uma posição de destaque em suas teorias sobre a realidade faz com que o conceito de tempo não seja considerado naturalmente relevante para a teoria e a prática sociais”. Os etnógrafos indígenas citados têm enfatizado que a educação indígena se fundamenta mais na ‘arte do convencimento’ do que na imposição, ou seja, os pais exercem com cautela o controle direto sobre os filhos. O poder não coercitivo dos pais também se manifestava ao não criar problemas quando os filhos se decidiam por arriscar uma decisão mais drástica contra o regime do internato: a fuga. Os motivos para as fugas (p. ex., o descontentamento com as repreensões, o receio de adoecer, o medo das injeções) podem ser sintetizados no impacto provocado pela contradição entre o regime do internato e a vida nas aldeias.

Muitos dos que fugiam - e alguns o fizeram mais de uma vez - eram trazidos de volta quando capturados pelos alunos veteranos, os quais eram escalados pelos missionários para irem ao encalço dos desertores. Em outras situações, os próprios pais ou parentes traziam o filho de volta para o internato por acreditarem nos benefícios da escolarização e por medo das retaliações dos missionários. Assim, muitos internos abortavam seus planos de fuga por medo de prejudicar seus pais, pois alguns destes ocupavam funções delegadas pelos missionários (capitão, catequista, professor) e, caso não devolvesse o filho fugitivo, poderiam sofrer represálias, como a privação dos bens fornecidos pela Missão por causa do filho fugitivo, conforme relata Rezende (2007)16.

A inadequação do regime de internato, seja para os indivíduos, seja para as populações indígenas em geral, nos dá a possibilidade de tratar o caso dos internos pertencentes à família linguística Maku17, os quais eram mais refratários à vida reclusa do internato.

Dentre os traços ecológicos, linguísticos, culturais, econômicos e sociais dos Maku podem ser destacados a habitação nas áreas interfluviais (índios do mato), a endogamia (casamento entre homem e mulher da mesma língua), a fluidez da organização social, o nomadismo, a caça, a coleta, a residência bilateral com tendência a uxorilocalidade (deslocamento do homem para a tribo da mulher), a distribuição, a composição e a interação entre os grupos (doméstico, local e regional), as regras de parentesco, o sistema de clãs e a cosmologia. (Pozzobon, 1983; Silverwood-Cope, 1990).

Esses aspectos da cultura Maku contrastam com as características das famílias linguísticas Tukano Oriental e Aruak, tais como a habitação nas margens dos rios (índios do rio), a exogamia de língua (casamento entre homem e mulher de línguas diferentes), a tendência ao sedentarismo em razão da residência em grandes malocas, a agricultura, a pesca e a residência patrilocal (deslocamento da mulher para a tribo do homem). As especificidades socioculturais dos Maku, definem, para as outras etnias (os índios do rio), o status Maku, a saber, o de ser uma etnia inferior na hierarquia social, ou mesmo, não humana, próxima à categoria dos animais em razão de sua dependência hierárquica e a organização social interna. (Silverwood-Cope, 1990).

A sumária descrição dos traços da cultura Maku oferece elementos para o entendimento da maior resistência dos Maku em relação à ação missionária. As tentativas de nucleação, catequese e escolarização dos Maku, colocadas em prática pelas Missões Salesianas, não surtiram os mesmos efeitos como os que se verificaram nas famílias linguísticas Tukano Orientale Aruak, especialmente devido à resistência dos Maku ao contato com o branco, a qual se exprimia por meio do isolamento geográfico-social e na recusa de abandonar o nomadismo, de modo que “[...] escaparam ao impacto direto da influência missionária e se tornaram um reservatório de muitos traços da cultura indígena que os Índios do Rio, que se consideram ‘civilizados’, abandonaram” (Silverwood-Cope, 1990, p. 72, grifo do autor).

Por sua vez, a recusa dos Maku à vida reclusa no internato era uma extensão da resistência mais geral de que falamos, pois os alunos dessa etnia raramente completavam o ciclo dos estudos, conforme este relato:

Durante a noite fugiram os três alunos Maku que tínhamos. Eles já tiveram na Missão o ano passado [1959]. Nesse ano tivemos cinco dessa tribu. Em anos anteriores tivemos algunos [sic], porém uns fugiram logo, outros fugiram no 2º ano ou foram às férias e não tornaram. Somente um Maku, já com família, [...] esteve na Missão até terminar a 4ª classe (MI, 1960).

Associado a essas contradições entre o regime de internato e as culturas autóctones havia o fato de que o relacionamento das populações indígenas da região do Uaupés com os Maku são relações hierarquizadas onde estes, em virtude de seus caracteres culturais específicos, são tidos como inferiores, ‘servos’ ou escravos. Por esse motivo, os alunos Maku eram discriminados e desprezados dentro dos internatos pelos alunos das outras etnias contribuindo, assim, para que fugissem (Hohenscherer, n.d., p. 13).

A descrição e a análise de alguns eventos e dispositivos disciplinares ligados ao cotidiano dos internatos salesianos para crianças indígenas levam-nos à constatação de que estes experimentos educacionais reproduzem os processos de institucionalização da vida social no seu conjunto, estratégia disciplinar que é anterior à idade moderna, mas que na modernidade alcança um elevado grau de sofisticação dos mecanismos coercitivos por meio dos quais se pretende alcançar o completo controle da vida do indivíduo e de grupos sociais.

Considerações finais

A retomada do objetivo de nosso estudo, a saber, a descrição e a análise das estratégias institucionais de disciplinamento de crianças indígenas, particularmente, a interdição das línguas indígenas, a segregação sociocultural e a imposição da língua portuguesa, permite-nos postular que a atuação das missões salesianas se perfila com o empreendimento colonizador, pois, essas práticas missionárias desvelam o caráter assimétrico das relações sociais hierárquicas entre os missionários e as populações indígenas.

Em termos de ideias e práticas pedagógicas, os internatos, considerando a separação dos sexos, os castigos, a ênfase no ensino religioso, a vigilância, contrastavam com os princípios educativos da Escola Nova (publicidade, escola única, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, coeducação, liberdade). Por sua vez, a incipiente presença do Estado, limitada à concessão de subvenções à igreja e à atuação do SPI, e a inexistência de legislação sobre a educação escolar indígena, possibilitou a hegemonia da Igreja Católica sobre os contextos educacionais indígenas em relação aos ideais dos renovadores e das políticas públicas do Estado brasileiro.

A educação recebida durante os anos de enclausuramento no regime de internato foi forjando, paulatinamente, nas crianças indígenas, com base na ideologia da nacionalidade como culturalmente homogeneizada pela língua e pelos costumes, portanto, constituída de identidades unificadas, uma nova concepção de si mesmos, uma nova visão sobre o mundo e sobre os padrões de vida, não mais referenciados na cultura de origem, mas na cultura do branco. Estas novas concepções instauraram a dúvida, ou até mesmo a rejeição, em relação ao modo de vida das aldeias, à educação recebida dos pais e lançou muitos egressos dos internatos para o estilo de vida dos ‘civilizados’, pois, como anteriormente destacou Sõãliã, os egressos “[...] tem interesse de assimilar ao modelo de vida da sociedade global”.

Todavia, as estratégias do poder hegemônico salesiano não determinaram a resignação completa das populações indígenas, como parece denotar certa interpretação do poder disciplinar e da instituição total, pois, contraposta a elas articulou-se o ativismo tático dos agentes, seja ele de ordem individual (os atos de indisciplina, as fugas do internato), coletiva (a recusa de muitos pais em devolver os filhos fugitivos, a retirada do internato), e societária (a recusa dos Maku ao aldeamento e à escolarização).

Em relação aos pontos de vistas de egressos e salesianos, estes últimos, em geral, avaliam positivamente o regime de internato, particularmente, a escolarização, a educação pelo trabalho, o aprendizado dos valores morais e religiosos, o valor pedagógico dos castigos, ao passo que os egressos ponderam os benefícios com posicionamentos críticos sobre a institucionalização, pois ela provocou a interrupção das tradições, a substituição da educação indígena pela educação escolar, a perda da vida livre e espontânea nas aldeias e a ênfase no individualismo em detrimento da solidariedade indígena, o que denota que as perspectivas sobre a educação salesiana não são unívocas.

Nesse sentido é que podemos falar do caráter contraditório da educação em regime de internato, o qual evidencia os limites da pedagogia salesiana e revela que, por um lado, a dinâmica educacional salesiana promoveu a subjugação das culturas indígenas, mas, como se depreende dos textos indígenas utilizados neste estudo, este mesmo patrimônio educacional ocidentalizado serviu de base sobre a qual se construiu o pensamento crítico e a ressignificação operada pelos egressos com o fim de romper a tutela e afirmar o direito à cidadania, à autodeterminação, ou seja, com o objetivo de administrar os conflitos de interesses decorrentes do processo civilizatório ocidental e cristão.

Os resultados e as conclusões deste estudo texto não esgotam os sentidos e os significados envolvidos nas relações intersocietárias entre salesianos e sociedades indígenas, mas, postulamos que a ação dos internatos foi a estratégia pela qual os dispositivos de poder e saber da pedagogia salesiana atingiram maior profundidade e durabilidade no imaginário indígena, sendo, a nosso ver, emblemática da construção identitária de gerações de egressos das missões salesianas, objeto que demanda novos estudos e análises.

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1Significa ‘língua ou fala boa’. O Nheengatu resultou da transformação e da expansão da língua dos Tupinambá do Maranhão e do Pará, tornando-se a língua de ocupação portuguesa da Amazônia. A partir de 1757, a Coroa Portuguesa proibiu o uso das línguas indígenas e impôs a obrigatoriedade da língua portuguesa (Rodrigues, 1986). Essa medida não evitou a expansão do Nheengatu. Somente na segunda metade do século XIX é que a língua portuguesa se tornaria hegemônica na região Amazônica (Freire, 2011).

2Foi fundada em 1916. O externato iniciou em 1917 e oferecia ensino primário e agrícola. O internato começou em 1922 e, em 1923, eram 86 internos. A missão também atuou na área da saúde.

3Foi fundada em Iauareté, em 1929, situado na confluência dos rios Uaupés e Papuri, fronteira do Brasil com a Colômbia. Em 1988 o internato foi fechado.

4Foi fundada, em 1951, em Carara-Poço (rio Içana) e, em seguida, transferida para Assunção (médio rio Içana), em 1957, ano no qual iniciou a escola primária e o internato feminino. O internato masculino foi aberto em 1962 e desativado em 1967.

5As fontes estão custodiadas na sede da Inspetoria Salesiana Missionária da Amazônia/ISMA), Manaus, Amazonas, na missão de São Gabriel da Cachoeira e na missão de Iauareté (rio Uaupés).

6“Os selvagens se tornarão evangelizadores dos próprios selvagens”, dizia Dom Bosco (Stella, 1968, p. 174, tradução nossa). “I selvaggi diventerebbero evangelizzatori dei medesimi selvaggi”.

7O autor é Piratapuya da família linguística Tukano Oriental.

8O autor é Tariano da família linguística Tukano Oriental.

9É o caso dos ritos de iniciação de meninos, os quais incluem restrições alimentares e consiste no ensino e aprendizado dos saberes culturais, religiosos e sobre a natureza, o cosmo e a vida social. Ao final, os meninos são recepcionados nas festas de reciprocidade (dabucuris), ocasião em que o rito é concluído com a cerimônia do açoite (Goldman, 1948; Umúsin & Tolamãn, 1980; FOIRN/UNIRT, 2006; Luciano, 2006).

10O autor é Baniwa da família linguística Aruak.

11Informação coletada em Manaus, em 2009, numa conversa com uma ex-interna dos anos 1960 do internato de Santa Isabel do Rio Negro, Amazonas.

12O autor é Tukano da família linguística Tukano Oriental.

13Doravante, MI.

14O autor é Tariano da família linguística Tukano Oriental.

15Informação coletada em Iauareté, em 2010, em conversa com egresso que atuou como professor e catequista nesta missão.

16O autor é Tuyuka da família linguística Tukano Oriental.

17O termo ‘Maku’ denota um sentido discriminatório para referir-se aos grupos Nadöb, Hupda, Yuhupde e Dow.

20Como citar este artigo: Costa, M. G. A institucionalização e o disciplinamento de crianças indígenas nas missões salesianas do Amazonas/Brasil (1923-1965). (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e186

Recebido: 01 de Agosto de 2020; Aceito: 08 de Janeiro de 2021; Publicado: 25 de Junho de 2021

E-mail:mcosta@uea.edu.br

Mauro Gomes da Costa é professor adjunto da Universidade do Estado do Amazonas/UEA com Doutorado em Educação. Atua em mestrados de Educação e de Ensino e nos cursos de licenciatura da Escola Normal Superior/ENS. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Fundamentos da Educação e Ensino de Ciências/GEPFEEC e pesquisa temas de história e filosofia da educação e história e filosofia das ciências. E-mail: mcosta@uea.edu.br https://orcid.org/0000-0002-1216-8412

Editor-associado responsável: Cláudia Engler Cury (UFPB) E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-2540-2949

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