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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.22  Maringá  2022  Epub 17-Dez-2021

https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e200 

Artigo Original

Universidades populares: França (XIX) e Portugal (XX)

Popular universities: France (19th century) and Portugal (20th century)

Universidades populares: Francia (XIX) y Portugal (XX)

Paula Josiane Almeida1  * 
http://orcid.org/0000-0002-6237-7175

Rosa Lydia Teixeira Corrêa1 
http://orcid.org/0000-0002-6416-4990

1Pontifícia Universidade do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.


Resumo:

Discorrer sobre a origem das universidades populares na França do século XIX e em Portugal no XX é a proposta deste artigo. A ideia de uma formação para os operários ganhou proporção após a Revolução Francesa (1789), especificamente, após o projeto de Instrução Pública de Condorcet e os desdobramentos da Comuna de Paris (1871). Porém, enquanto espaço próprio, as universidades surgem a partir de 1896 com George Deherme e com as Bolsas de Trabalho, por Fernand Peloutier. Com base nesses apontamentos o trabalho se debruça para a compreensão da origem dessas instituições, sua expansão na França e influência em terras portuguesas. Esta pesquisa é de natureza histórica, fundamentada na História Cultural e busca demonstrar o surgimento das universidades populares, identificando a forma como elas foram idealizadas, constituídas e representadas.

Palavras-chave: universidades operárias; universidade popular na França; universidade popular em Portugal

Abstract:

Discussing the origin of popular universities in France in the nineteenth century and Portugal in the twentieth is the purpose of this article. The idea of training for workers gained proportion after the French Revolution (1789), specifically, after Condorcet's Public Instruction project and the developments of the Paris Commune (1871). However, as a space of their own, universities were created in 1896 with George Deherme and with the Bolsas de Trabalho, by Fernand Peloutier. Based on these notes, the work focuses on understanding the origin of these institutions, their expansion in France and their influence in Portuguese lands. This research is historical in nature, based on Cultural History and seeks to demonstrate the emergence of Popular Universities, identifying how they were idealized, constituted and represented.

Keywords: working-class universities; popular university in France; popular university in Portugal

Resumen:

Discutir el origen de las universidades populares en Francia en el siglo XIX y Portugal en el XX es el propósito de este artículo. La idea de la formación de los trabajadores ganó proporción después de la Revolución Francesa (1789), específicamente, después del proyecto de Instrucción Pública de Condorcet y los desarrollos de la Comuna de París (1871). Sin embargo, como espacio propio, las universidades se crearon en 1896 con George Deherme y con las Bolsas de Trabalho, de Fernand Peloutier. A partir de estas notas, el trabajo se centra en comprender el origen de estas instituciones, su expansión en Francia y su influencia en tierras portuguesas. Esta investigación es de carácter histórico, basada en la Historia Cultural y busca demostrar el surgimiento de las universidades populares, identificando cómo fueron idealizadas, constituidas y representadas.

Palabras clave: universidades de clase trabajadora; universidad popular en Francia; universidad popular en Portugal

Résumé:

Cet article se penche sur l’origine des universités populaires en France au XIXe siècle et au Portugal au XXe. L’idée d’une formation pour les ouvriers a gagné du terrain après la Révolution française (1789) et, plus particulièrement, après le projet d’instruction publique de Condorcet et les événements de la Commune de Paris (1871). Mais en tant qu’espaces, les universités sont nées en 1896 avec Georges Deherme ainsi qu’avec les bourses du travail et Fernand Pelloutier. L’objectif est de montrer leur développement en France et leur influence sur les terres portugaises. La présente recherche est de nature historique, elle s’appuie sur l’histoire culturelle pour identifier la conception, la constitution et la représentation des universités populaires.

Mots-clés: universités ouvrières; université populaire en France; université populaire au Portugal

Introdução

Este artigo discorre sobre a origem das universidades populares na França, no século XIX, e sua influência na constituição de instituições similares em Portugal no XX. A ideia de uma formação para os operários ganhou proporção após a Revolução Francesa (1789), especificamente após o projeto de instrução pública de Condorcet e a Comuna de Paris (1871).

Dois modelos de instituições operárias, com propósito de facilitar estudos de nível superior, foram encontrados na França naquele período: as universidades populares e as bolsas de trabalho com características específicas, mas voltadas para a formação e a elevação cultural dos trabalhadores.

No intuito de cumprir esta proposta investigativa, o artigo foi dividido em três partes. Na primeira, abordamos a origem da primeira universidade popular francesa, fundada por George Deherme, no ano de 1898. Na segunda parte, o texto apresenta as bolsas de trabalho (em francês bourses de travail) consideradas por seus defensores como as universidades dos operários, destacando as ideias do jornalista e anarquista francês Fernand Pelloutier. Na última parte, discorremos sobre a influência das universidades populares francesas em Portugal, sobretudo nos escritos e na prática do intelectual lusitano Jaime Cortesão, que adaptou essas ideias à realidade portuguesa.

A natureza histórica deste trabalho está pautada na história cultural, que tem como objeto principal “[...] identificar como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (Chartier, 1990, p. 17). O objeto da história cultural possibilitará compreender e identificar o surgimento das universidades populares e a forma como elas foram pensadas e representadas em seu período histórico.

A história cultural tem como categoria importante de análise a interpretação, exigência para procedimento de análise de dados provenientes de diversas fontes documentais, como artigos de periódicos. Com a ampliação do campo historiográfico, facilita-se o processo de compreensão da trajetória, das produções do homem e, sobretudo, sua relação com o tempo e o espaço.

Por sua natureza histórica, a pesquisa terá respaldo na bibliografia produzida no período tanto na França quanto em Portugal; análises acadêmicas posteriores e a pesquisa realizada em periódicos, especificamente em revistas, constituídas e impulsionadas pelos idealizadores das instituições consideradas populares.

Os periódicos constituem, neste trabalho, importante fonte de informação e espaço privilegiado para o conhecimento das ideias e representações das universidades populares. Na França, assim como em Portugal, as revistas foram ferramentas indispensáveis para a divulgação dessas instituições, além de meio de arregimentação de aliados, como o periódico francês La Coopération dês Idées. Em Portugal, Jaime Cortesão criou AVida Portuguesa, que funcionou como boletim da instituição e ferramenta didática para divulgar assuntos de interesse institucional e popular. Os periódicos são vistos não apenas como fonte de informação e de acessibilidade à massa trabalhadora, mas de engajamento intelectual.

Origem das universidades populares: França no século XIX

A França foi o palco de uma revolução que não só derrubou o Ancien Régime, mas inaugurou o período contemporâneo e introduziu transformações políticas, culturais e educacionais que refletiram no restante do mundo ocidental. Os revolucionários não buscaram apenas alterar o funcionamento de uma sociedade, mas propuseram novas formas interpretativas e modelos que rompiam com a inação e o abandono absolutista no campo da educação pública.

Condorcet foi solicitado pelo Comitê de Instrução Pública a elaborar um projeto para a educação francesa, que o levou a redigir o Rapport et projet de décret sur l’organisation générale de l’instruction publique. Segundo Alves (2009), o documento foi submetido à Assembleia Nacional entre os dias 20 e 21 de abril de 1792, tendo por referência as propostas de Condorcet expostas no texto Cinq mémoires sur l’instruction publique. Essas ideias já circulavam na França, pois foram publicadas no periódico La Bibliothéque de l’homme public que o autor fundara em 1790.

Existiam na origem da educação pública francesa, “[...] homens propondo soluções para os problemas humanos de seu tempo pela ótica dos interesses da classe que representam, a burguesia” (Alves, 2009, p. 9). Até então não era visível um embate entre os trabalhadores e a burguesia, pois ‘caminharam juntos’ rumo à Revolução e contra o absolutismo, motivo maior de todas as revoltas.

O proletariado ainda não havia se constituído enquanto classe, por isso não havia uma bandeira nem projeto em defesa de um modelo educacional que o contemplasse, pois “[...] essa classe ainda não havia eleito tal bandeira como essencial aos seus interesses. Assim, a conquista da escola ainda não se lhe apresentava como um valor nem a movia a lutar por sua realização” (Alves, 2009, p. 9).

Casulo (2017) afirma que foi com Condorcet, no relatório apresentado à Assembleia Legislativa da França, em 1792, quem propôs uma educação ampla, com cursos e conferências para adultos trabalhadores, contemplando um setor esquecido da sociedade francesa: o proletariado seria lembrado pelo esforço de promoção social do projeto revolucionário.

É importante mencionar que Auguste Comte, considerado o fundador do positivismo, promoveu cursos aos operários franceses antes do surgimento da primeira universidade popular. A ligação de Comte com os operários iniciou quando este ainda trabalhava, como secretário particular, para Saint Simon (1760-1825).

A instabilidade política, econômica e social, resultante de um contexto pós-revolucionário, fez Comte agir diante da ameaça de anarquia social. Aponta Benoit (2002, p. 62) que “[...] por uma suposta anarquia social, que no século XIX - conforme tantas vezes escreveu - já seria o estado quase normal da sociedade europeia, em particular da francesa”. Defendia Comte que era necessária uma reorganização social, estabelecendo-se uma ordem social baseada na ciência.

Conforme Benoit (2002), as ideias de Comte ganharam força e foram teorizadas após a Revolução Francesa e a consequente desorganização política do período. O momento pós-revolucionário foi propício para a aplicação de sua teoria sobre a organização do Estado francês, dentro dos conceitos de ordem e progresso. É nessa perspectiva que os cursos para operários foram pensados, para que houvesse um ‘convencimento’ sobre os princípios positivistas no movimento popular/operário.

O curso, intitulado de ‘Astronomia’, ofertado aos operários foi fundamentado no livro Tratado filosófico de astronomia popular (1830). Esta seria, para Benoit (2002) uma forma direta de convencer os operários da ‘verdade positiva’.

A astronomia ensina que o universo tem uma ordem, ao mesmo tempo, perfeita, estável, e ‘completamente fora do alcance de modificações que possam ser introduzidas pelo homem’. Ensinada esta verdade científico-positiva, seria fácil, escreve Comte, convencer os operários de que a sociedade, tal como o conjunto dos fenômenos astronômicos, também tem uma ‘ordem natural’ que não se deve desestabilizar, que não se tem o direito de modificar ou reconstruir (Benoit, 2002, p. 27, grifo do autor).

Outro momento de defesa da educação operária ocorreu com a Comuna de Paris, que expôs de forma veemente a insatisfação da classe operária com os rumos da França do século XIX, movida pelo ambiente de exploração e miséria que continuava ignorado mesmo após as conquistas da Revolução de 1789. Para os trabalhadores era o momento de avançar, no intuito de derrubar o Estado burguês, efetivando um governo autogestionário; marcando uma das primeiras experiências socialistas da história.

Dentre as medidas defendidas pela Comuna referente à educação, estava a reorganização do ensino e melhores condições de trabalho aos professores, “[...] a educação passou a ser gratuita, laica e compulsória. Foram criadas escolas noturnas e todas as escolas passaram a ser mistas; o salário dos professores foi duplicado” (Orso, 2020, p. 62). A educação, para os comunardos, representava uma ferramenta de mudanças sociais importantes. O que foi proposto teoricamente no projeto de Condorcet, no modelo socialista foi ampliado e ‘efetivado’ como projeto para os trabalhadores e suas famílias.

A educação deveria oferecer uma formação voltada para o desenvolvimento integral do homem, para o homem completo, uma formação omnilateral, para o desenvolvimento de todas as dimensões e potencialidades humanas, integrando a cultura física com o ensino técnico, que já era uma reivindicação da Primeira Internacional. Além disso, a Comuna procurou pôr em prática aquilo que a burguesia mistificava na teoria, isto é, procurou promover a laicidade e a obrigatoriedade do Estado em oferecer educação de forma gratuita a todos. Ordenou-se a retirada de todos os símbolos religiosos, imagens, dogmas, orações e criaram-se creches e escolas elementares para os filhos dos trabalhadores, bem como, promoveu-se uma verdadeira revolução cultural na vida cotidiana (Orso, 2020, p. 64).

De acordo com Orso (2020), os comunardos procuraram pôr em prática o que a burguesia ‘mistificava’ na teoria, isto é, um Estado laico e uma educação pública, gratuita e universal. Porém, o projeto audacioso de educação dos trabalhadores não pôde se consolidar na história francesa, mas a bandeira levantada ficou registrada e serviu de exemplo para discussões futuras sobre a educação laica, pública, gratuita, universal e integral.

O acordo francês com os prussianos, assinado em 10 de maio de 1871, conhecido como o Tratado de Frankfurt, marcou o fim da guerra entre os dois países. Os soldados franceses foram libertados e, diante do desenvolvimento da Comuna, o exército prussiano enviou seus soldados para acabar com a organização dos comunardos. O resultado dessa batalha passou à história como a ‘Semana Sangrenta’ em que “[...] mais de 30.000 foram fuzilados durante a guerra e aproximadamente outros 100 mil foram presos ou tiveram que fugir, ou foram condenados à pena de morte ou a trabalhos forçados” (Orso, 2020, p. 65).

É importante a observação de Lombardi (2020), que a Comuna não pode ser entendida como um movimento circunstancial, mas deve ser considerada parte de uma tradição de lutas que remete à Revolução de 1789. Além da transformação nas escolas, o autor aponta que a Comuna de Paris designou uma comissão para criar universidades livres. Essa decisão aconteceu após os professores da escola de medicina abandonarem a instituição. Verifica-se, a partir daí, o desejo de fundar universidades próprias aos trabalhadores e que não fossem mais ‘parasitas de Estado’.

As universidades livres no movimento operário significavam a não interferência do Estado e da igreja, mas com o aval de uma corporação científica. O que era defendido não apenas pelos trabalhadores, mas pelos positivistas que influenciaram a criação dessas instituições na França, em Portugal e em outros países como o Brasil.

Como projeto de criação de ‘universidades livres’, encontramos na Comuna de Paris a ideia de instituições superiores para operários, porém, enquanto instituição, a universidade popular foi “[...] implementada por um grupo heterogêneo de católicos, socialistas e sindicalistas, à frente do qual se encontrava o anarquista George Deherme” (Casulo, 2017, p. 633). Para o autor, a primeira universidade surgiu no ano de 1898 com a designação de Universidade Popular (UP), ideia que reporta, embrionariamente, à Revolução Francesa.

A primeira UP foi criada na França pelo anarquista George Deherme, em 1898, e teve por objetivo tornar o conhecimento acessível aos trabalhadores; ela foi pensada como espaço para formação da camada mais vulnerável da sociedade, que detinha características e necessidades específicas.

As UP’s foram idealizadas no contexto de difusão da sociologia positiva; de defesa e fortalecimento crescente do espírito científico e filosófico, em que os trabalhadores franceses reivindicaram, cada vez mais, maior acesso ao conhecimento para superar, nas palavras de Deherme, (1898) la nuit de l'inconscient qui nous enveloppe.

Em texto publicado na revista La Cooperationdês Idées, criada pelo próprio George Deherme, no século XIX, o autor francês divulga considerações de um leitor sobre as UP’s após transcrever trechos da missiva recebida e tecer elogios, passa a expor o seu pensamento sobre o alcance da expressão instrução superior popular. Partindo da firme crença no positivismo, o que decorre não só do contexto da época, mas de produção escrita1 sobre a obra de Auguste Comte. Afirma Deherme (1898, p. 460, tradução nossa2, grifo do autor) sobre a educação popular superior:

Entendo por ‘instrução popular superior’ uma ampla descrição da evolução laboriosa do espírito humano; um resumo imparcial de todas as grandes hipóteses com as quais a humanidade se contentou até o presente momento; um estudo a respeito de todas as vastas sínteses tentadas pelo gênio humano para dominar o absoluto; a difusão do forte método da sociologia positiva; o despertar, em uma palavra, do espírito científico e filosófico.

Seguindo o entendimento sobre o surgimento das UP’s, Casulo (2017) afirma que as suas raízes radicam no cruzamento entre o conceito de educação popular iluminista e o de educação de adultos, advindo da reivindicação da classe trabalhadora francesa ao acesso ao conhecimento. Oriundas dessas reivindicações surgem as primeiras modalidades de ensino informal, denominadas universidades populares.

Lenoir (2014) revela que o projeto das UP’s nasceu de um movimento denominado La Cooppération des Idées, referência ao desejo de associar ideias de homens de origens sociais distantes, ou seja, do encontro de homens ligados ao mundo do trabalho com outros ligados ao mundo intelectual. Desse encontro, foi fundada a primeira universidade popular de Paris por Georges Deherme (ex-escultor de madeira, tipógrafo e anarquista) e Gabriel Séailles, republicano, professor de filosofia da Sorbonne e um dos fundadores da Liga dos Direitos Humanos.

Jaime Cortesão (1912a) detalhou a história dessas instituições francesas em jornais portugueses. Seus escritos, que circularam no periódico A Vida Portuguesa, tratam especificamente da origem e do desenvolvimento das universidades populares francesas e serviram de inspiração para Portugal.

Dentre os artigos escritos por Cortesão, destaca-se ‘Universidades populares: como as universidades populares começaram na França’, de 31 de dezembro de 1912, no qual o autor detalha e destaca que essas instituições representaram uma conquista do povo à educação. Isso se deve ao operário Georges Deherme, que partiu do princípio de que as transformações sociais iniciavam com as próprias transformações pessoais. Para o fundador dessas instituições, a ignorância e a deseducação levariam o operário a péssimos caminhos. Cortesão (1912a) dispõe uma citação do fundador da UP que clarifica o entendimento sobre as mesmas.

Por mim fiz a experiência pessoal. Á falta de direcção e iniciação intelectual, a falta duma pura fonte onde possa mitigar a sêde de saber, o jovem trabalhadôr pode cair nos mais grosseiros erros.

O operário inteligente apenas anda em contacto com os fanáticos e os violentos. Estou dolorosamente convencido de que há rapazes ardentes, cheios de inteligência, de coração e de alma, que estão nas galés, que morreram no cadafalso ou nas barricadas, ou que pouco a pouco caíram na miséria moral não por haverem encontrado o concurso moral que nós lhe queremos oferecer e que deles teria feito homens verdadeiramente úteis à sociedade. Dizer-vos devo que é essa a convicção que me animou sempre na obra que empreendi.

No nosso meio social faz-se uma selecção às avessas. As doutrinas simplistas e dissolventes atraem a si os melhores dentre os operários; e em vez de fazer deles o que deveriam, o que eles poderiam ser, fazem sêresinuteis e pretenciosos, políticos azedos e suspeitos, por vezes mesmo criminosos. Imagina-se que o alcoolismo atinge apenas a peor parte do povo, e eu temo, devido a razões contrárias, que domine também a parte supêrior do proletariado. Em resumo o primeiro congresso resultante da nossa obra será uma economia de almas perdidas (Deherme apud Cortesão, 1912a, p.33).

Conforme o texto do autor português, a primeira UP foi idealizada como um projeto para a salvação intelectual e moral dos operários, para que estes fossem úteis à sociedade tanto pessoal como profissionalmente. Para isso, os trabalhadores precisavam de uma fonte de saber, para salvar ‘almas perdidas’.

A convicção e dedicação de Deherme ao ensino superior do ‘povo’, fê-lo criar uma revista mensal em fevereiro de 1896, com o título La Cooppération des Idées. Cortesão (1912a) apresenta o programa da revista, que, nas palavras do seu fundador:

Regenerar o indivíduo para melhorar o estado social, fortificar as vontades activas, desenvolver o poder de inibição para aumentar a liberdade, alimentar a inteligência, exaltar as faculdades cerebrais, alargar a consciência para que haja mais justiça neste mundo e mais bondade: eis a obra audaciosa que nós empreendemos - fim e meios (Deherme apud Cortesão, 1912a, p. 33-34).

A revista foi criada, redigida e impressa pelo próprio autor, o qual, com a ajuda de outro personagem marcante da história das universidades populares, Gabriel Séailles, divulgavam a revista e os ideais da UP em diversos pontos da cidade de Paris. Afirma Cortesão que, na primavera de 1898, era fixado sobre os muros de Faubourg Saint Antoine o seguinte apelo aos trabalhadores:

Como vós nós somos trabalhadores. Mas crêmos que a vida humana tem alegrias mais intensas, mais duráveis, mais elevadas e menos onerosas que as das tabernas. Com todas as nossas forças, não obstante a nossa ignorância e a nossa pobreza, aspiramos a vida intelectual e moral. Quereis ser dos nossos? Entre nós não encontrareis nem pedantes, nem sectários, nem ambiciosos, mas, quaisquer que sejam as vossas crenças, amigos sinceros. Simplesmente nós queremos ser ‘Homens’, isto é, mais que instintos: consciências, inteligências e vontades. E isto, camaradas, certamente o haveis de querer comnôsco (Deherme apud Cortesão, 1912a, p. 34, grifo do autor).

Essa foi uma das formas de divulgar suas ideias e conseguir aliados. Ao seu apelo, juntaram-se diversos colaboradores e voluntários, como professores, alunos, médicos, engenheiros, entre outros, que comporiam as conferências cotidianas da primeira universidade popular da França. A partir dessas conferencias, denominadas de ‘Cooperação das ideias’, surgiram as universidades populares e, no prazo de um ano de funcionamento, foi criada uma associação, com estatutos e programas.

Em face da taberna e do café - concerto, propomo-nos a edificar as universidades populares. Devem elas compreender: 1.º Uma sala de cursos o conferencias para o ensino superior; 2.º Uma sala de cursos para as diferentes sociedades do ensino secundário; 3.º Cursos profissionais; 4.º Uma sala de espectáculo; 5. º Uma sala de esgrima e de ginastica; 6.º Uma sala de banhos-duchas; 7.º Um salão de conversação; 8.º Uma biblioteca constantemente aberta; 9.º Laboratorios; 10.º Um gabinete de consultas medicas, jurídicas e econômicas; 11.º Uma farmácia; 12.º Um restaurante de temperança; 13.º Alguns quartos mobiliados para alugar a mancebos de todas as condições; 14.º Uma escola normal de educadores populares; 15.º Agencias de colocação, mutualidade, seguros, etc. Organizaremos também excursões scientificas, estéticas, visitas aos museus, ou simplesmente passeios amigáveis. Estas universidades não deixarão fora da sua acçãoas famílias dos seus membros. Não somente hão de procurar melhorar a sua situação por associações de toda a espécie, mas visarão também ao melhoramento e embelezamento do lar. A sua actividade neste sentido poderá ser particularmente exercida pelas damas que fizerem parte dos comités. A nossa educação será cordial. O que há de fazer a sua força, a sua fecundidade e poder de penetração é que nas nossas universidades, o povo estará como em sua casa, em família, com amigos sinceros. Dirigir-nos-hemos á alma. O nosso ensino será vivo. Penetraremos o povo nos seus prazeres, trabalhos e sofrimentos. As novas gerações, daremos por isso um poderoso motivo dacção, uma razão de viver que os ultrapasse. É fazendo mais justiça que nós estabelecemos a concordia social. Mas a nossa associação não esperará poder fazer tudo o que quer, para fazer tudo o que pode. Actuará imediatamente, constantemente e por todas as formas. Será essa a melhor forma de vitalidade e de força (Deherme apud Cortesão, 1912a, p. 34).

Os aspectos pensados e projetados definem as universidades populares francesas, porém, diante do ambicioso programa, a universidade não iniciou seguindo todos os pontos em questão, ela começou pelo ‘essencial’, na visão de Cortesão: a biblioteca constantemente aberta, um salão de conversação, salas de cursos e conferências e uma sala de espetáculo.

O momento da criação da universidade é marcado por um grande desejo por conhecimento da classe trabalhadora e da associação de intelectuais progressistas pela ideia. Também é um momento, conforme Lenoir (2014), em que a educação se encontrava no âmago da reflexão social. Esta relação foi favorável ao sucesso das UP, mas também pelo seu desaparecimento ou escassez, pois houve divergência de objetivos e metas entre dois grupos: os que viam a instituição como uma ferramenta para reconciliação de classes e o outro grupo via como uma alavanca para emancipação social e econômica.

Quanto à expansão das UP, Lenoir (2014) destaca que a ideia ganhou proporções em Paris no período de 1899 a 1914. O público foi composto não apenas de operários, mas de diversas origens sociais como pequenos burgueses, ativistas, mulheres etc. Um dado interessante que o autor revela é que 80% das iniciativas das universidades partiu dos trabalhadores. Na outra porcentagem, inclui os intelectuais que desenvolveram papel preponderante no funcionamento dessas instituições.

Lenoir (2014) ainda destaca que apesar do movimento e perseverança em defesa das universidades houve um enfraquecimento, resultado de diferentes motivos, dentre eles a divergência de ideias e projetos, diferença na expectativa dos frequentadores, os quais apresentavam desejos temáticos diversos; bem como, dois grupos com ambições distintas: os defensores da república radical burguesa e os defensores da república social.

O fechamento das primeiras universidades populares francesas não impediu que novos projetos surgissem e se expandissem, especialmente em um momento (início do século XX) em que o assunto ‘popular’ ganhava proporções na França, período em que houve proliferação de movimentos em prol da educação popular. É relevante destacar a representação das palavras ‘popular’ e ‘universidade’ nesse período, com base em Lenoir (2014): o popular estava relacionado às pessoas; o povo é oposto dos que são privilegiados financeiramente, isto é, os trabalhadores em geral, palavra não limitada apenas aos proletários; e universidade como lugar de reflexão para e pelas pessoas.

Lenoir destaca que no período de 1931 a 1933 foram organizados cursos orais e por correspondência pelo Centro da Confederação para a Educação dos Trabalhadores, centro descentralizado pela Faculdade do Trabalho no ano de 1936. As universidades se firmaram na França, elas ainda funcionam e são espaços para discussão e reflexão sobre assuntos de diversos matizes da sociedade. A bandeira defendida desde a primeira instituição, como um espaço de disseminação do conhecimento e espaço de reflexão, permanece3. Verificamos que o movimento das universidades populares ganhou força e a ideia de ser um espaço de debates, de desenvolvimento do pensamento crítico, de realização de cursos e eventos, enfim, um espaço aberto a todos os públicos interessados em aprender, expandiu-se para demais países, cada um a seu modo e suas necessidades específicas.

Bolsas de trabalho: Pelloutier e as universidades dos operários

Outro exemplo de instituições que tinham por proposta a educação popular foram as Bolsas de Trabalho4 dirigidas por Fernand Pelloutier5 e guardavam similitudes com as universidades populares. Incentivador desse modelo educativo, crítico das instituições republicanas francesas que, na sua visão, eram produtoras de cidadãos submissos, resignados, desinteressados pela vida política e pelo progresso material, para Pelloutier, o ensino deveria ser livre do poder do Estado e dos interesses burgueses.

Ele dirigiu duras críticas à escola pública francesa, de tradição republicana e laica, desde a Revolução, afirmando que ela continuava uma escola de submissão, ao lado e nos moldes de outras instituições (que depois de Foucault podemos chamar de disciplinares) como o exército, a prisão, o sistema jurídico (Gallo, 2006, p. 7).

Pelloutier defendeu uma ‘pedagogia da ação direta’, isto é, uma educação voltada para o desenvolvimento do proletariado, para sua independência e autonomia, para o ‘cultivo de si’. A educação e a cultura eram armas revolucionárias contra a submissão e contra toda forma de exploração dos trabalhadores. Para isso, o sindicalismo revolucionário atuaria no desenvolvimento dos indivíduos com espaços de formação prática e teórica denominados Bolsas de Trabalho.

O pensamento revolucionário de Pelloutier é dialético: “[...] nada de revolução sem educação, nada de educação sem revolução” (Chambat, 2006, p. 18). Para mudar a sociedade era preciso mudar os homens. Refletindo sobre as ideias de Pelloutier, o autor destaca que o sindicalismo francês seria abordado por intermédio de duas dimensões: uma de transformação social e a outra de cunho pedagógico na busca pela melhoria de vida dos trabalhadores e sua emancipação. Aponta, ainda, que as críticas sobre a escola pública francesa surgem a partir das leis de Jules Ferry, em que “[...] a mitologia republicana burguesa quis fazer crer que o Estado se dispunha, enfim, a difundir as Luzes até no proletariado” (Chambat, 2006, p. 25).

Aqui cabe um destaque para a concepção de ‘público’ para Pelloutier, o qual considerava serviço público aquele gerido pelos usuários e a serviço dos seus interesses e da sua emancipação. Assim, nada teria de público na escola enquanto estivesse nas mãos do Estado, o qual a utilizaria como instrumento de dominação.

Seria pueril crer e esperar que o Estado, salvaguarda das altas classes, consentisse, restituindo à coletividade a liberdade de seu ensino, em destruir ele próprio seu melhor instrumento de dominação (Pelloutier apud Chambat, 2006, p. 25-26).

Opondo-se a este modelo de escola pública, mantida pelo Estado, foram criadas novas formas de ensino, próprias aos trabalhadores. “Só o povo pode e deve coletar os elementos de sua instrução” (Pelloutier apud Chambat, 2006, p. 26). Seria dentro desses espaços próprios, de livre reflexão, que os operários alcançariam a emancipação; o que diferia da instrução proporcionada pelas escolas públicas, produtoras de dominação e resignação.

Pelloutier parte do princípio que uma escola fundamentada na submissão não tem outro objetivo, conquanto ela se dedicasse a um outro, senão inculcar a obediência e não a livre reflexão. Modelada, controlada, pelo poder, a escola tem seu lugar ao lado da Igreja, da prisão, da justiça e do exército, todas essas instituições construídas sobre o mesmo credo: arregimentar, doutrinar, manipular e descerebrar o indivíduo. O exército é o arquétipo desse ensino para a submissão (Chambat, 2006, p. 29).

Pelloutier fez duras críticas às escolas públicas republicanas francesas, por serem manipuladas e dirigidas pelo Estado, considerando-as uma falsa educação que negligenciava a participação do público na sua direção e organização. Esta crítica era dirigida até mesmo às universidades populares, vistas com desconfiança e indiferença pelos envolvidos com as bolsas do trabalho.

Chambat (2006) revela que para Charles Guieysse6, as universidades populares teriam êxito se os responsáveis pelas conferências não se posicionassem como ‘mestres’, mas tratassem de temas necessários aos operários em busca do conhecimento. Para Guieysse as “U.P. fundadas por Bolsas do Trabalho, sindicatos, que o autoritarismo político não atingiu, são as melhores” (Charles Guieysse apud Chambat, 2006, p. 31-32). Esta seria a diferença, para Guieysse e Pelloutier, entre as universidades populares e as bolsas de trabalho. Seriam universidades populares aquelas criadas pelo povo e para atender às suas necessidades.

Para Pelloutier era preciso atacar as causas que impediam o desenvolvimento intelectual dos trabalhadores, o seu pequeno interesse pelo estudo, que tributava aos desperdícios nas horas de lazer, quando se deleitavam com divertimentos incultos e manipulados ideologicamente. O operariado, sem acesso a qualquer forma de engrandecimento cultural, não tomava consciência de sua exploração, não reunindo as condições para superar esta situação de submissão e inércia.

Uma vez desmascaradas todas essas instituições - Igrejas, Estados, Partidos - que se afirmam educadoras do povo, mas só devem sua sobrevivência à ignorância que elas alimentam, só resta, em fim de contas, para ‘instruir e revoltar’, essa organização orgulhosa e independente da qual se dotaram os explorados: o sindicato (Chambat, 2006, p. 34, grifo nosso autor).

A ignorância, a condição de explorados, de ‘descerebrados’ seriam superadas a partir de uma ‘cultura de si mesmo’ e busca por emancipação. Para Pelloutier, “[...] toda prática individual ou coletiva, todo esforço para apropriar-se e transformar o real, trazem neles uma dimensão educativa” (Chambat, 2006, p. 35).

Para compreender o pensamento pedagógico de Pelloutier, apontado por Chambat, é necessário desassociar os termos ‘pedagogia’ e ‘escola’ assim como ‘educação’ e ‘instituição’. A educação estava envolta nos esforços para superar a ignorância, não se restringindo aos espaços físicos denominados de escolas ou universidades. A força que a educação assumiu no pensamento de Pelloutier é comparada a uma tarefa revolucionária, visto que, somente por meio da educação, da educação moral e técnica, necessária para formação do trabalhador esclarecido, resultaria em homens orgulhosos e livres de todas as opressões. A educação representava o fermento e a finalidade do sindicalismo revolucionário, vistos como espaços de cooperação, de auto-organização e de formação.

O método de ensino escolhido por Pelloutier, nesses espaços de aprendizagem, foi o método de ensino mútuo. Este seria o ensino mais adequado entre os operários pelos seus princípios de cooperação, do apoio, da troca de saberes, enfim, um método próprio para a mutualização das experiências e dos saberes entre os operários. Pelloutier critica o ensino simultâneo das escolas públicas francesas e o papel dos docentes dessas escolas, onde o professor era visto mais como um funcionário do que professor. Nesse sentido, destaca:

A educação deve ser o modelamento arbitrário de todas as inteligências a um ensino idêntico? É necessário ao desenvolvimento intelectual que todo dia, na mesma hora, milhares de jovens traduzam o mesmo texto em latim ou grego, sob a vigilância de um mestre mais funcionário do que professor, quando tantos entre eles ocupar-se-iam de maneira mais útil da solução de um problema algébrico ou de uma construção mecânica, se a estabilidade do mestre e permitido lhe tivesse permitido estudar há muito tempo as aptidões de cada um de seus alunos?

Em matéria de ensino, estamos penetrados por essa ideia de que a multiplicidade dos conhecimentos exigidos pelos programas oficiais, em vez de interessar os cérebros a abrirem-se, desencoraja-os e fecha-os, e só exerce a memória. Mas a memória não é, de todas as faculdades humanas, aquela que demanda mais amiúde exercício? Que ela cesse de funcionar durante um ano, durante seis meses, e o número de coisas que ela deixará fugir será prodigioso. Ora, o que acontece, com efeito, com o jovem tão logo ele se encontra em luta com as realidades da existência? Que, surpreendido pelas exigências econômicas, absorvido por uma ocupação especial, esquece muito rápido os conhecimentos estranhos, numerosos mas mal digeridos, que ele adquirira por todos os tipos de artifícios imersas técnicas. Se, desde logo, sua ocupação atual vem a faltar-lhe e que precise buscar em sua memória os elementos de uma nova ocupação, ele constatará, provavelmente sem surpresa, que não sabe mais nada (Pelloutier apud Chambat, 2006, p. 51).

As características de uma escola tradicional, com sua estrutura, seus conteúdos e um único professor, não seriam adequadas ao que se desejava para formação dos operários. As Bolsas do Trabalho, projetadas como ‘escolas’, ou melhor, como ‘universidades do operário’, tinham uma finalidade específica: ser um ‘centro de resistência à opressão’, e uma ‘sociedade equitativa’, por aproximar os trabalhadores e permitir-lhes a discussão sobre os problemas semelhantes. Esse sentimento de solidariedade favoreceria a sua emancipação.

Partilhamos a mesma pergunta de Chambat: Por que Pelloutier hoje? Porque a educação popular foi fortalecida com suas ideias e o aperfeiçoamento das Bolsas de Trabalho, que, enquanto meios para formação do proletário, serviu de exemplo para futuras experiências educacionais aos trabalhadores. Embora não tivesse formação na área da educação, Pelloutier mostrou-se um pedagogo revolucionário, imprimiu debates importantes dentro dos movimentos dos trabalhadores sobre educação/revolução/emancipação, sobre os espaços educacionais, sobre a consciência do operário da sua realidade de oprimido, enfim, discussões que intensificaram a luta pela educação de fato popular, um modelo próprio, de acordo com as necessidades do povo. Seu pensamento possibilita a compreensão da luta pela educação popular e um importante debate para a história da educação popular.

Pelloutier é daqueles que consignam o esforço coletivo da classe operária rumo a uma instrução integral no âmbito mais global da luta por um sociedade livre, igualitária e emancipadora. Seduzido, como não sê-lo igualmente, por esse pensamento no qual já se esboçam inúmeros temas recuperados mais tarde pelos ‘continuadores’ (Ferrer, Freinet, Freire etc.). Cooperação, apoio mútuo etc., mas sobretudo vontade de inscrever a pedagogia numa dinâmica social e coletiva para construir uma escola a serviço do povo e não mais dos dominantes (Chambat, 2006, p. 62, grifo do autor).

Os ‘continuadores’ da educação popular, Francisco Ferrer, Celestin Freinet e Paulo Freire, defenderam, cada um a seu modo, modelos de escola e espaços de formação para crianças e adultos diferentes dos modelos tradicionais. Francisco Ferrer (1859-1909) (Ferrer, 2010), educador e criador das Escolas Modernas foi condenado à morte pelas suas ideias revolucionárias, que se espalharam por diversos países, inclusive no Brasil. Célestin Freinet (1896-1966) (Freinet, 2001), com a defesa de escolas populares para crianças e Paulo Freire (1921-1997) (Freire, 1999) criticado e exilado por seu pensamento em defesa de uma educação libertária dos oprimidos. São três exemplos de pensadores que marcaram a defesa de uma escola que atendesse às necessidades da maioria.

A influência das universidades populares francesas em Portugal

Em Portugal, as universidades populares surgiram, entre o final do século XIX e início do século XX, em um momento receptivo para discussões e preocupações que envolvessem a educação popular. O surgimento dessas instituições ocorre em um período turbulento, de transição da Monarquia para a Primeira República Portuguesa (1910), quando os direitos civis ainda não estavam efetivamente definidos: só ocorreria essa delimitação com a promulgação da primeira constituição republicana no ano de 1911.

Porém, Fernandes (2009) ressalta que o surgimento das primeiras iniciativas na área da educação popular coincide com a fase de desenvolvimento industrial que desde 1875 vinha se acentuando. Juntamente com o desenvolvimento industrial, houve a expansão da classe operária para as cidades e, consequentemente, a criação das associações em defesa dos interesses dos trabalhadores. Dentre os interesses estava o acesso à educação e à cultura, algo dificultado pelo excesso de trabalho decorrente de longa jornada nas fábricas, incluindo crianças.

Diante dessa realidade, Pintassilgo (2014) aborda o surgimento das UP, tomando por referência dois vetores de discussão sobre a educação popular no período: uma de influência positivista, com a crença no papel da educação como fonte de progresso e regeneração social; outra de ‘labor cultural’, da vertente iluminista da maçonaria.

Essas duas correntes de pensamento favoreceram as discussões sobre a educação do ‘povo’, nos debates políticos e sociais, que tomaram corpo na sociedade portuguesa, pois surgiram

[...] como peças chave da formação de um cidadão consciente e participativo e da construção de uma sociedade nova, sem lugar para a ignorância e para os preconceitos, crença esta que se tornou uma das grandes referências míticas desse momento histórico e cultural (Pintassilgo, 2014, p. 1).

Com esse propósito, foi criado um conjunto de instituições direcionadas à formação de adultos denominadas de universidades livres ou universidades populares. A primeira foi criada em 1889 em Lisboa, conforme Pintassilgo (2014), foi inicialmente denominada ‘Academia de Estudos Livres’, passando-se a denominar universidade popular, em 1904, e esteve em funcionamento até meados dos anos 1920.

Sobre a Academia de Estudos Livres, Fernandes (2009, p. 86) menciona que eram proibidas manifestações políticas partidárias por estar “[...] vinculada al republicanismo y a la masonería [...]”, ou seja, intelectuais e políticos republicanos. Os objetivos da instituição seriam o gosto pelo estudo, pela arte e pela ciência, por meio de conferências públicas, publicações, aulas, bibliotecas, laboratórios, museus, enfim, espaços diversos para o acesso e aprofundamento ao conhecimento.

Uma segunda e considerada ‘grande experiência’ de universidade popular aconteceu na cidade do Porto, no ano de 1902, por um Comitê Acadêmico-Operário anarquista liderado pelo jornalista Pádua Correia (1873-1913) e pelo estudante João Campos Lima (1887-1956), aponta Fernandes (2009). A partir dessa iniciativa, surge em 1911, outra movimentação organizada por intelectuais progressistas, como Jaime Cortesão (1884-1960), Álvaro Pinto (1889-1856) e Leonardo Coimbra (1883-1936), membros da Renascença Portuguesa7 e republicanos que atraíram os trabalhadores para a instituição.

Pintassilgo (2014) destaca que, dentre as universidades citadas, a que mais teve apoio e sucesso nos meios operários foi a Universidade Popular Portuguesa, inaugurada em Lisboa pelo então presidente da República Almirante Canto e Castro, no dia 27 de abril de 1919. Sua instalação ocorreu no Campo de Ourique, na Cooperativa designada ‘A Padaria do Povo’ e teve como representante António Augusto Ferreira de Macedo (1887-1959), matemático e também um dos fundadores da revista Seara Nova de 1921.

Fernandes (2009) revela que a finalidade da Universidade Popular Portuguesa seria a educação geral do povo e contava com uma biblioteca com cerca de 10 mil obras adquiridas e doadas; um cinematógrafo e um projetor utilizados nas aulas e palestras; excursões culturais; grupos de estudo; concertos sinfônicos; enfim, uma estrutura e um plano pedagógico que colocavam a UP na linha de frente da inovação com o objetivo de proporcionar ao seu público elementos fundamentais para uma cultura completa. A instituição, mesmo diante de dificuldades, funcionou até 1950.

Porém, mesmo com tantas iniciativas, foi com Jaime Cortesão que essas instituições ganharam notoriedade. Ele foi um dos representantes da Renascença Portuguesa e publicou uma série de artigos na revista A Vida Portuguesa, em que descreveu o funcionamento e defendeu a necessidade dessas instituições em seu país. A Renascença surgiu da necessidade sentida por Cortesão de fundar “[...] uma associação de artistas e intelectuais que levasse para diante uma vasta ação educativa” (Casulo, 2017, p. 634).

Cortesão escreveu artigos publicados na revista A Vida Portuguesa que versam sobre a necessidade e a missão das universidades populares em Portugal. O primeiro, datado em 30 de novembro de 1912, o autor esclarece a fragilidade do ensino no país e o significado de Povo, enquanto público-alvo dessas instituições. A realidade educacional portuguesa apresentava necessidades mais profundas e mais complexas que na França, país onde surgiram as universidades destinadas quase que exclusivamente aos operários.

Para Cortesão (1912b), a missão das universidades populares francesas era destinada ao povo em um sentido restrito: o operário. Dessa forma, na sua visão, direcionar em Portugal apenas ao público operário não poderia e nem deveria ocorrer, seria necessário ampliar o sentido de ‘povo’ para atender a um sentido lato e ‘mais verdadeiro’ da palavra. Assim, Cortesão apresenta a representação da palavra ‘povo’ português que seria atendido pelas universidades.

Temos de entender por Povo todos os portugueses a qualquer classe que pertençam, tenham estes frequentado seja que curso fôr e considerar esse Povo, todo o Portugal, como falho de educação.

De duas uma: o nosso Povo é completamente ignorante, o que em muitos casos ainda é o mais desejável, ou sofreu uma educação cheia de taras jesuíticas, o que equivale a dizer que perdeu ainda mesmo certas qualidades de instinto e espontaneidade, as radículas do caracter, que se conservam até no mais denso estado de incultura (Cortesão, 1912b, p. 19).

O povo, para Jaime Cortesão, era caracterizado como todos os portugueses falhos de educação, sem escolaridade definida. O autor faz críticas ao ensino dos letrados, dos formados nas classes cultas, dos bacharéis de então, os quais, muitas vezes, eram os que mais necessitam de educação.

Em Portugal é precisamente o Povo ignorante, o Povo analfabeto, o camponês e o operário que se conserva ainda algumas virtudes e qualidades essenciais, e é propriamente o bacharel, que sendo o mais pretencioso, é, no entanto, o mais legítimo representante da nossa decadência intelectual e moral (Cortesão, 1912b, p. 19).

Ambos os grupos, o inculto e o falsamente culto, nas palavras do autor, sofriam do mesmo defeito, a falta de um ideal coletivo e nacional e o desconhecimento de um patriotismo humanitário. Cortesão reforça suas críticas sobre os defeitos do ensino do seu país, apontando como responsável, consciente ou inconsciente, o ensino jesuítico.

Essas carências justificam e reforçam a necessidade das UP em Portugal, que, diferentemente de países como a França, a Alemanha e a Inglaterra, apresentavam problemas de educação mais profundos, complexos e onde essas instituições assumiriam missão mais abrangente.

Em outro artigo, Cortesão faz uma distinção dos três modelos de ensino: as universidades livres, as extensões universitárias e as universidades populares. O ensino livre teria uma variação de país para país e dependia do objetivo e da organização de cada instituição. Para o autor havia muita diferença entre as universidades livres de Portugal e de Bruxelas8, ambas não poderiam ser comparadas pela organização e pelo fim a que se propuseram; motivos que tornaram a Universidade Livre de Bruxelas única no gênero em toda a Europa. O autor reconheceu as dificuldades em precisar o significado das universidades livres dada a ampla variação de significados e necessidades de cada país.

Sobre o ensino livre na França, estas seriam realizadas em instituições onde não haveria fiscalização do Estado e onde o ensino funcionaria fora das universidades. “Na França tornou-se ensino livre quase sinônimo de ensino clerical, pois é o clero que ao grande número de casos faz concorrência ao ensino do Estado” (Cortesão, 1912c, p. 26). O modelo português também se diferenciava do modelo francês, pois, para Cortesão, não eram clericais e não concorriam com o Estado. A conclusão do autor é de que as universidades livres, na Europa, eram organizações que tinham por fim o ensino superior, o que exigia um público preparado. Assim, universidades livres e universidades populares eram organizações diferentes.

Já as extensões universitárias tinham outras especificações, eram formadas dentro das universidades, pelos seus professores e pagas pelo Estado, com cursos ofertados para todos os públicos, com seus exercícios, exames e diplomas.

Diferentemente as Universidades Populares tal como estão organizados na França, Itália, Austria, Rússia (onde há poucos anos houve um congresso das U.P.) etc. nem se dedicam unicamente ao ensino superior, nem unicamente à difusão do espírito scientífico, pois ministrando sempre o ensino conforme as necessidades do público a que se dirigem pretendem realizar mais que isso uma obra de educação e ação social nacional (Cortesão, 1912c, p. 26).

Diante dessas finalidades, Cortesão assume que em Portugal não houve propriamente uma universidade livre. Para ele, o que ‘há’ e ‘deve haver’ são universidades populares animadas do mesmo espírito de sua origem e acomodando-se às necessidades do ‘nosso Povo’. Assim, Cortesão distingue as UP das universidades livres e extensões universitárias, pela sua finalidade em atender necessidades culturais e educacionais do país, sem ligação ao ensino formal.

Cortesão (1913) utiliza o motivo que levou a fraqueza das universidades populares francesas e utiliza o exemplo para analisar a realidade portuguesa. Após alguns anos de funcionamento e expansão pela França, a instituição foi perdendo força pela falta de uma formação básica e necessária para os alunos antes do ingresso nas universidades. Para o autor, as causas da crise foram publicadas na Revista do Ensino Post-escolarsob autoria de M. Hubert, o qual constata que um dos principais motivos da crise era a falta de adaptação ao vasto programa das universidades populares, bem como a falta de uma instrução primária sólida capaz de despertar a curiosidade, algo que a classe popular não possuía. Esta formação primária seria essencial para receber uma cultura intelectual geral.

A ação educativa das UP cresceu e no final do ano de 1913 uma nova unidade foi aberta, em Vila Real. Iniciativa bem recebida pelos professores e intelectuais da cidade. O autor reforça o objetivo das universidades, ‘criar o homem livre’, e também, dar ao povo a consciência do espírito português, realizar um ideal coletivo, patriótico e humanitário.

Para esses fins educativos, no plano de estudos constavam as seguintes matérias: história da pátria; geografia e administração portuguesa e colonial; língua portuguesa e história da literatura portuguesa; estética e história da arte; história das religiões; filosofia e história da filosofia. Portanto, a execução do plano de estudos exigia larga preparação prévia, algo que marcou a crise das universidades populares da França.

Cortesão cita, como peculiaridade, o novo Código Administrativo de Porto, o qual deu a liberdade de interferência aos municípios na organização da instrução primária, fundamental, na visão do autor, para o exercício da democracia. A instrução primária teria um papel essencial nesse exercício democrático.

É esse de resto o problema que exige mais pronta resolução, para que a Democracia não deixe de ser uma palavra vã, pois não se compreende o exercício dos direitos da liberdade, sem a compreensão deles. Foi esse decerto, o motivo que levou o governo republicano a retirar o direito de voto a todo o cidadão, que não soubesse ler e escrever, o que sendo uma garantia de ordem moral para a pureza do sufrágio, o deixa ainda exposto à perversão dos instruídos, mas deseducados, caso, todavia, inteiramente impossível de prevenir a lei (Cortesão, 1914, p. 1).

Percebe-se aí a necessidade da instrução primária para o exercício democrático por meio do sufrágio e para a participação e atuação nas universidades populares. Assim, as UP atuaram ativamente na resolução dos problemas da instrução primária, necessária para ‘à nacionalização espiritual do povo português’. O público das universidades populares portuguesas foi outro, sobretudo pessoas da classe média que já possuíam alguma formação. Conforme já apontado por Cortesão, as UP de Portugal foram pensadas para um público (povo, trabalhador) mas foi frequentada majoritariamente, por outro (classe média), que também precisava intensificar seus estudos.

Manso (2003) ressalta o empenho de Jaime Cortesão na constituição das UP em Portugal, pela criação e direção da revista A Vida Portuguesa, a qual parecia funcionar como um boletim das universidades; a cultura e a arte popular ganharam novos contornos com essas iniciativas. O povo ganhou destaque, os intelectuais o viram com outros olhos, como essenciais para formação de uma nova sociedade. Os “[...] intelectuais da Renascença Portuguesa, sonhavam com a formação de um homem novo” (Manso, 2003, p. 55).

Os intelectuais da Renascença Portuguesa não aceitavam o modelo de ensino jesuítico, eles condenavam tudo aquilo que estivesse ligado à estrutura da igreja. A educação, para esses intelectuais, necessitava formar um homem novo, com uma nova mentalidade, com novos pressupostos, sem os domínios do Estado e da igreja. Cortesão adota em Portugal a estrutura de ensino semelhante ao modelo da UP. Porém, Cortesão, conhecedor da realidade francesa e portuguesa, compreende as limitações do modelo francês para a realidade portuguesa e adapta o modelo francês às necessidades do seu país.

Considerações finais

Apresentar a origem e o funcionamento das universidades populares na França e em Portugal entre o final do século XIX e início do XX foi a proposta deste artigo. Discorremos sobre o modo como essas instituições educacionais foram desenvolvidas, além de suas representações e alcance na missão de elevar intelectual e culturalmente parcela da população que já sofria com os efeitos do capitalismo daquele tempo.

Enquanto que na França as práticas educacionais das universidades populares e das bolsas de trabalho estavam restritas ao operariado, em Portugal a abrangência foi maior, envolvendo não só o operário, mas pessoas de segmentos sociais diversos. É a partir da noção de ‘representação’, em Chartier (1990), que corresponde a interesses, seja individual ou coletivo, e carregam intencionalidades, é possível perceber que as representações das universidades populares foram formuladas para atender as necessidades educacionais do ‘povo’. Na França, num sentido restrito (operário) e em Portugal num sentido lato (operários e demais pessoas necessitadas de conhecimento).

Ambos os países apresentam experiências que partiram de um movimento similar, dirigido para facilitar o acesso da maioria ao conhecimento não formal, com práticas pedagógicas das universidades populares adequadas às suas respectivas realidades e necessidades.

A partir de um enfoque crítico, não podemos pensar que o projeto de universidade para os operários foi equivocado para o contexto social e econômico do século XIX e início do XX. A defesa pelo acesso ao ensino e à cultura esteve diretamente ligada com as mudanças e necessidades específicas de cada país, neste caso França e Portugal. A França foi o berço não apenas de instituições próprias de formação operária, mas de discussões que se intensificaram em defesa da inserção dos trabalhadores e de suas famílias ao ensino e à cultura. Uma defesa histórica que teve papel fundamental para que outros grupos e intelectuais pudessem conceber novos projetos e reflexões sobre a educação popular.

A partir das experiências francesas e portuguesas podemos inferir que conhecer a história das universidades populares possibilita adentrar em uma seara pouco explorada na historiografia educacional brasileira, que ainda apresenta carências bibliográficas, além de constituir um campo aberto para novas investigações. Este artigo buscou apresentar caminhos teóricos e abrir novas discussões sobre a origem e a trajetória de experiências de educação popular/operária em nível superior, com alternativas que possibilitam pensar e questionar a educação popular no Brasil.

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1Indicamos dois livros escritos por Deherme sobre o positivismo: Auguste Comte Pensés et Preceptes e Auguste Comte et Son Oeuvre le Positivisme.

2" J'entends par ‘instruction superieure populaire’ une largue description de l`evolution laborieuse de l`espirit humain; um impartial résumé de tout eles grandes hypothéses dont l`humanité s`est satisfaite jusques à maintenant; une étude respectueuse de toutes les vastes synthèses tentées par le genie de l'homme pour dominer l'absolu; La difussion de la forte methode de la sociologie positive; l'éveil, en un mot, de l´esprit scientifique et philosophique”.

3Sem a intenção de sair do nosso recorte temporal, mas para certificar o funcionamento dessas instituições atualmente, adentramos na página de uma universidade popular em funcionamento e, com base nas informações da instituição na página inicial do site da ‘Université Populaire des Hauts-De-Seine’, destaca que a universidade popular é uma associação aberta a todos, que organiza conferências e cursos sobre os mais diversos temas que agitam nosso mundo, na defesa da disseminação do conhecimento e desenvolvimento do pensamento crítico. Para mais informações sobre a instituição, está disponível em: https://www.universite-populaire92.org.

4O surgimento das bolsas de trabalho marca um período de proibição de organização dos operários em sindicatos formais. Samis (2018, p. 8) destaca que o “[...] surgimento prende-se em parte à revogação, em 1884, da proibição de organizarem-se os operários em torno de sindicatos formalmente. Realidade restritiva residual do conjunto de medidas repressivas adotadas pela República Francesa após o massacre dos communards, em maio de 1871. Assim, atendendo às demandas das diversas iniciativas espelhadas pela França, em 1892, o Congresso de Saint-Etienne cria a Federação das Bolsas de Trabalho. Dois anos depois podemos encontrar Pelloutier já delegado da Federação, investido do cargo de secretário adjunto, e, no ano seguinte, elevado à condição de secretário titular”.

5Fernand Pelloutier (1867-1901) foi um jornalista francês, anarcossindicalista, secretário da Federação de Bolsas de Trabalho e defensor de uma educação para a revolução cultural e libertária dos trabalhadores. Enquanto personagem de destaque no início do sindicalismo francês, viu nos sindicatos um espaço para a formação dos operários, opondo-se ao modelo escolar público francês. Pelloutier colocou “[...] a questão pedagógica no coração de sua atividade de militante” (Chambat, 2006, p. 12).

6Charles Guieysse (1868-1920) foi um militante socialista francês e um estudioso das universidades populares. Escreveu Universidades populares e o movimento trabalhista, em 1901.

7A Renascença Portuguesa foi um movimento cultural que aconteceu em Porto no ano de 1912. Movimento que tinha como propósito a renovação cultural, filosófica e educacional da então República portuguesa. Com base em Casulo (2017, p. 635), a tarefa da Renascença era de “[...] promover a educação do povo português, caracterizando-a, assim, como um movimento educacional, como uma sociedade cultural cujas diferentes manifestações (artística, literária, política, económica, religiosa e outras) serviam à realização do desiderato último da educação nacional”.

8A Universidade Livre de Bruxelas, conforme aponta Cortesão (1912c, p. 25), foi fundada no ano de 1836, por Teodoro Verhaegen, um dos signatários da maçonaria belga. A universidade foi pensada para opor-se à Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). Verhaegen, em seu discurso inaugural, ressalta que: “Liberdade para a Universidade em relação ao poder religioso, e ao poder político; liberdade para os professores de expor as suas doutrinas unicamente segundo as prescrições da sciência; e liberdade para o conselho de administração de reger a Universidade sem a intervenção dos poderes públicos”. Quanto aos custos da instituição, caberia ao conselho de administração, dos subsídios importantes da cidade de Bruxelas e da província de Brabante, das inscrições dos estudantes e rendimentos particulares. Sobre o regulamento da Universidade Católica de Lovaina, consta: “Todos os estudantes têem que professar a religião católica e observar-lhe as respectivas prescrições”. As despesas ficariam com o auxílio das inscrições dos alunos, receitas angariadas das Igrejas e demais recursos (Cortesão, 1912c, p.1). Um dado interessante que o autor chama a atenção, é que as duas universidades particulares, com objetivos e programas distintos, são igualadas às duas universidades do Estado (de Gand e de Liége). Todas conferem o direito ao diploma e a liberdade de exercer as profissões escolhidas. Outro ponto a destacar da Universidade de Bruxelas é a criação de uma revista e uma União dos Antigos Estudantes que auxiliam os estudantes pobres, e ofereciam a Extensão da Universidade que, do ano de 1894 a 1909, ofertou 378 cursos de ensino superior popular.

23Nota: Este artigo é parte de uma pesquisa em desenvolvimento sobre a origem das universidades populares

25Rodadas de avaliação: R1: três convites; uma avaliação recebida.

26Como citar este artigo: Almeida, P. J., & Corrêa, R; L. T. Universidades populares: França (XIX) e Portugal (XX). (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e200

29Remarque: Ce travail s’inscrit dans une recherche en cours sur l’origine des universités populaires. Soumis le: 15.03.2021 Aprouvé le: 27.07.2021 Publié le: 17.12.2021 (Version portugaise) Publié le: 28.01.2022 (Version française)

31Rondes d'examen par les pairs: R1: trois convocations; deux rapports reçus.

32Comment citer cet article: Almeida, P. J., & Corrêa, R; L. T. Universités populaires: France (XIXe) et Portugal (XXe). (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e200

9Bourses du travail: plus connues ensuite sous le nom de Maisons du peuple.

10Les citations de langue portugaise ont été traduites par nous.

11Autre appellation de l’Association internationale des travailleurs (AIT).

12Citons notamment deux livres de Deherme sur le positivisme : Auguste Comte, Pensées et préceptes et Auguste Comte et son œuvre le Positivisme.

13Titre en français : «Universités populaires: comment les universités populaires ont commencé en France»

14Sans sortir de la période qui nous intéresse, mais pour certifier la présence de ces institutions à l’heure actuelle, nous invitons les lecteurs à consulter le site Internet de l’université populaire des Hauts-de-Seine. Il y est écrit que l’université populaire est une association ouverte à tous, qui organise des conférences et des cours sur les thèmes les plus divers, soutient la diffusion de la connaissance et le développement de la pensée critique. Pour plus d’informations, consulter www.universite-populaire92.org

15L’apparition des bourses du travail marque une période d’interdiction d’organisation des ouvriers en syndicats officiels : « […] l’apparition est en partie due à la révocation, en 1884, de l’interdiction d’organiser officiellement les ouvriers en syndicats. Une réalité restrictive résiduelle de l’ensemble de mesures répressives adoptées par la République française après le massacre des communards en mai 1871. Pour répondre aux demandes des différentes initiatives éparpillées en France en 1892, le Congrès de Saint-Étienne crée la Fédération des bourses du travail. Deux ans plus tard, Pelloutier est nommé secrétaire adjoint, et l’année suivante secrétaire titulaire » (Samis, 2018, p. 8).

16Fernand Pelloutier (1867-1901) fut un journaliste français, anarchiste, syndicaliste, secrétaire de la Fédération des bourses du travail et défenseur d’une éducation pour la révolution culturelle et libertaire des travailleurs. Personnage important au début du syndicalisme français, il a vu dans les syndicats un espace pour la formation des ouvriers, s’opposant au modèle scolaire public français. Il a placé « […] la question pédagogique au cœur de son activité de militant » (Chambat, 2006, p. 12).

17Charles Guieysse (1868-1920) : militant socialiste français et chercheur sur les universités populaires. Auteur de Les universités populaires et le mouvement ouvrier, 1901.

18Francisco Ferrer (1859-1909), Célestin Freinet (1896-1966), Paulo Freire (1920-1997).

19La Renaissance Portugaise fut un mouvement culturel présent à Porto en 1912. Il visait le renouvellement culturel, philosophique et éducatif de la République portugaise. Comme l’écrit Casulo (2017), la tâche de Renaissance était de « […] promouvoir l’éducation du peuple portugais, ce qui en faisait un mouvement éducatif, une société culturelle dont les différentes manifestations (artistique, littéraire, politique, économique, religieuse et autres) servaient à réaliser l’aspiration ultime de l’éducation nationale » (p. 635).

20 L’Université libre de Bruxelles a été fondée en 1836 par Teodoro Verhaegen, un des signataires de la Franc-maçonnerie belge. Elle a été pensée pour s’opposer à l’Université catholique de Louvain. Dans son discours d’inauguration, Verhaegen a dit : « Liberté pour l’université par rapport au pouvoir religieux et au pouvoir politique ; liberté pour les professeurs d’exposer leurs doctrines uniquement selon les prescriptions de la science ; et liberté pour le conseil d’administration de gérer l’université sans l’intervention des pouvoirs publics » (Verhaegen apudCortesão, 1912c, p. 25). Concernant les coûts de l’institution, ils reviendraient au conseil d’administration, à partir des subventions importantes de la ville de Bruxelles et de la province du Brabant, des inscriptions des étudiants et des revenus privés. Le règlement de l’université catholique de Louvain disait que « tous les étudiants doivent professer la religion catholique et en observer les prescriptions ». Les dépenses seraient couvertes par les inscriptions des élèves, les recettes des Églises et d’autres ressources (Cortesão, op.cit., p. 1). À noter que les deux universités privées, aux objectifs et aux programmes différents, sont comparées aux deux universités d’État de Gand et de Liège. Toutes confèrent le droit au diplôme et la liberté d’exercer les professions choisies. D’autre part, l’Université de Bruxelles a créé une revue et une Union des anciens étudiants qui aidaient les étudiants pauvres et proposaient les extensions universitaires. De 1894 à 1909, 378 cours d’enseignement supérieur populaire ont été offerts.

Recebido: 15 de Março de 2021; Aceito: 27 de Julho de 2021; Publicado: 17 de Dezembro de 2021

* Autor para correspondência. E-mail:almeida.paulajs@gmail.com

Paula Josiane Almeida é graduada em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Paraná, especialista em Metodologia da Ação Docente pelo Centro Universitário de União da Vitória, mestra e doutoranda em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail: almeida.paulajs@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-6237-7175

Rosa Lydia Teixeira Corrêa é graduada em Pedagogia, pela Universidade Federal do Pará (1983), mestra em Educação, pela Universidade Estadual de Campinas (1991) e doutora em História Econômica, pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Doutorado pela Universidade de Salamanca/Es. Atualmente é professora titular do Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: rosa.correa@pucpr.br https://orcid.org/0000-0002-6416-4990

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Paula Josiane Almeida: Titulaire d’une licence en pédagogie, d’un master professionnel en méthodologie de l’action enseignante du Centre universitaire de União da Vitória, d’un master recherche en éducation de l’Université catholique pontificale de l’état du Paraná. Doctorante en éducation à l’Université catholique pontificale de l’état du Paraná. E-mail: almeida.paulajs@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-6237-7175

Rosa Lydia Teixeira Corrêa: Titulaire d’une licence en pédagogie de l’Université fédérale du Pará (1983), d’un master en éducation de l’Université d’état de Campinas (1991), d’un doctorat en histoire économique de l’Université de São Paulo (2000) et d’un postdoctorat de l’Université de Salamanque, Espagne. Professeure titulaire du 3e cycle en éducation de l’Université catholique pontificale de l’état du Paraná. E-mail: rosa.correa@pucpr.br https://orcid.org/0000-0002-6416-4990

Éditeur associé responsable: José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

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