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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.22  Maringá  2022  Epub 21-Dez-2021

https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e202 

Artigo Original

Olhar novamente para o Congresso Internacional de Educação para Surdos em Milão (1880): um desafio historiográfico

Mirar nuevamente hacia el Congreso Internacional de Educación para Sordos en Milán (1880): un desafío historiográfico

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado1  * 
http://orcid.org/0000-0002-7385-6243

José Raimundo Rodrigues1 
http://orcid.org/0000-0002-3922-1105

1Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil.


Resumo:

Diante do Congresso Internacional de Educação para Surdos ocorrido em Milão há 141 anos, um desafio histórico nos interpõe: reler o seu corpus documental. Compreendendo Milão como ‘lugar de memória’, no sentido que dá Pierre Nora (1993), temos como objetivo refletir sobre como esse congresso carece de releituras que ousem discutir o evento para além da simples oposição entre oralismo e línguas de sinais. Ponderando a complexidade de seus textos oficiais, consideramos exigente uma proposta de releitura desse ‘documento-monumento’, levando-se em conta seu contexto específico em relação à educação de surdos. Intentamos problematizar como no Brasil há uma narrativa habitual sobre este congresso bem como a saturação dessa memória a fim de que possamos sugerir outros olhares para que escapemos das leituras reducionistas do próprio movimento histórico das lutas surdas. E como resultado trazemos fontes desconhecidas sobre Milão como três reportagens do Corriere Della Sera do final do século XIX e os outros relatórios desconhecidos que nos permitem revisitar e revistar memórias outras sobre este importante congresso para a história da educação dos surdos.

Palavras-chave: educação de surdos; história; lugar de memória; línguas de sinais

Resumen:

Ante el Congreso Internacional de Educación para Sordos, que tuvo lugar en Milán hace 140 años, se nos presenta un desafío histórico: releer su corpus documental. Asumiendo Milán como un ‘lugar de memoria’, en el sentido de Pierre Nora (1993), nuestro objetivo es reflexionar acerca de cómo al dicho Congreso le hacen falta nuevas lecturas que se atrevan a discutir el evento más allá de la simple oposición entre oralismo y lenguas de señas. Considerando la complejidad de sus textos oficiales, se nos hace imprescindible una propuesta para releer ese ‘documento-monumento’, teniendo en cuenta su contexto específico en relación con la educación de los sordos. Pretendemos discutir cómo en Brasil hay una narrativa habitual sobre este congreso, así como la saturación de esta memoria, para que podamos sugerir otras perspectivas para escapar de las lecturas reduccionistas del movimiento histórico de las luchas de los sordos. Y como resultado traemos fuentes desconocidas sobre Milán como tres informes de Corriere Della Sera de finales del siglo XIX y los otros informes desconocidos que nos permiten volver a visitar y revisar otros recuerdos sobre este importante congreso para la historia de la educación de los sordos.

Palabras clave: educación de los sordos; historia; lugar de memoria; lenguas de señas

Abstract:

In the face of the International Congress of Education for the Deaf, occurred in Milan, 141 years ago, a challenge is placed to us: to reexamine its documental corpus. Acknowledging Milan as a ‘place of memory’, as in the sense of Pierre Nora (1993), our goal is to reflect upon in what ways this congress lacks reexaminations which dare to discuss the event beyond the simple opposition between oralism and sign language. Considering the complexity of its official texts, it was of pivotal importance for us to propose a reexamination of this ‘document-monument’, taking into account its specific context in relation to the education of the deaf. Our intention was to problematize in what ways, in Brazil, there is a recurrent narrative of this congress as well as the saturation of that memory in order for us to suggest other views to help us escape reductionist readings of the very historic movement of the deaf fights. As a result, we bring forth unknown sources of Milan, such as three reports of Corriere Della Sera dated from the end of the nineteenth century and other unknown records which allow us to revisit and research other memories of this important congress for the history of the education of the deaf.

Keywords: education of the deaf; history; place of memory; sign language

Introdução

À guisa de introdução, este artigo não intenta discutir se devemos ou não falar sobre o Congresso Internacional de Educação para Surdos que ocorreu em Milão no ano de 1880, doravante Congresso de Milão1, e toda a narrativa construída em torno dele. Partimos do pressuposto que devemos, sim, tornar assunto aquilo de que aparentemente não precisamos falar mais. Principalmente quando começamos a desconfiar de tais narrativas enredadas sobre uma memória. Partimos da premissa de que nada está dado, nada está pronto a ponto de não ser mais interessante retomar.

Assim, compreendemos que chegamos a um ponto de saturação, que aparentemente estamos cheios de tantos baluartes em torno das ‘memórias’ construídas sobre esse congresso; das tantas narrativas entrelaçadas, quase emboladas, estamos fartos e cansados delas. Se acreditamos que Milão não passa de uma memória saturada, acreditamos também que retomá-la é mexer com alguns bastiões que escoram essa memória, criando ilusões e tecendo verdades das quais vale a pena duvidar. Nas palavras de Robin (2016, p. 31-32), “[...] recalques, deformações, transferências e novas ligações com as lendas, tudo se mistura. [...] como as antigas lembranças se amalgamam com lembranças mais recentes desassociadas de seu contexto, readaptadas, reconfiguradas, dando origem ao que poderíamos chamar de quase lendas [...]”.

Portanto, essas ‘quase lendas’ acabam se apoiando apenas parcialmente, segundo a autora, em fatos, mas tornam-se defasadas e constroem narrativas padronizadas e fixadas para fins políticos, econômicos e até religiosos. “Nesse caso, também, presente imediato, passado próximo, lembranças distantes e lendas se tecem, se destecem uns nos outros” (Robin, 2016, p. 32).

Segundo Robin (2016), é necessário fugir da memória como objeto de vigilância, da museificação, sacralização, judicialização, banalização e instrumentalização da memória. Destarte, com a autora fazemos interrogações cruciais

Como desenvolver formas de memória fora da rotina e do ritual desencarnado? Como situar uma estética e uma ética da responsabilidade sem cair na armadilha dos ‘abusos da memória’ ou da dicotomia durante muito tempo predominante entre um dever de memória e um trabalho de memória? (Robin, 2016, p. 21, grifo do autor).

Mesmo que a autora trate sobre a Segunda Guerra Mundial, na leitura de seu texto, muitas de suas interrogações, bem como seus posicionamentos sobre memória e sobre como olhar de outro modo para essa memória, incentivaram-nos a olhar novamente para esse Congresso em busca de tentar respirar a atmosfera dos congressistas a fim de entender as discussões e os movimentos por ele provocados.

Não somos sobreviventes dessa época, todavia, somos atravessados pelas narrativas construídas historicamente e pelas ressonâncias das decisões tomadas nesse Congresso. Por isso sentimo-nos impelidos a buscar o máximo de movimentos a fim de recontá-los por meio do mosaico construído a partir das falas e dos acontecimentos descritos em pelo menos quatro versões escritas sobre esse congresso bem como por quatro reportagens da imprensa da época do jornal Corriere Della Sera. Assim, concordamos quando Robin (2016, p. 31) afirma que “[...] o passado não é livre. Nenhuma sociedade o deixa à mercê da própria sorte. Ele é regido, gerido, preservado, explicado, contado, comemorado ou odiado. Quer seja celebrado ou ocultado, permanece uma questão fundamental do presente”.

A construção de Milão como uma memória saturada se dá a partir de um conjunto enorme de trabalhos da área de educação de surdos principalmente aqui no Brasil que toma este congresso como um marco de uma colonização audista sobre os surdos. A grande maioria dos trabalhos acadêmicos na área como teses, dissertações e artigos, antes de entrar na temática de pesquisa em si, tece pelo menos um capítulo ‘sobre a história da educação de surdos’ traçando como se dão as oposições binárias como surdo versus ouvinte e sinais versus oralidade.

Este texto trata de um ensaio acerca da saturação da memória (Robin, 2016) e, por isso, insistimos que devemos retomar a essa memória, todavia, diferentes. Não mais como defensores do ‘monumento morto’ construído por uma memória saturada, mas como destruidores desses monumentos para chamarmos à vida outras memórias apagadas uma vez que tal congresso se coloca como um ‘lugar de memória’.

Congresso de Milão (1880), um ‘lugar de memória’... Questões teórico-metodológicas.

Façamos uma digressão em nossa catarse traduzida por meio de justificativas infindáveis do porquê retomar este assunto, afinal, precisamos agora mostrar como caminhamos nesta pesquisa e como chegamos a tomar coragem para visitar este porão.

Veiga-Neto (2012) intitula seu texto com um imperativo: ‘É preciso ir aos porões’. O autor parte da metáfora bachelardiana sobre a casa para fazer uma reflexão belíssima sobre nossas posições e atitudes perante o mundo. Para o autor: “Sem o acolhimento da casa e sem as memórias de que ela é a fonte primeira, seríamos seres desenraizados; seres sem imaginação porque sem história, e sem história porque sem memória” (Veiga-Neto, 2012, p. 269).

E o autor segue afirmando que, por sua vez, no acolhimento da casa, corremos o risco de vivermos bloqueados, alheios do mundo, no mundo. Principalmente se habitamos apenas as partes intermediárias da casa que correspondem ao que denominamos de experiências imediatas ou mesmo de realidade ou vida concreta.

Assim, concordamos com o autor que, sem dúvidas, uma ida constante aos porões da casa, onde se encontra a sustentação dessa mesma casa, é “[...] o caminho mais seguro para compreendermos as origens e os possíveis desdobramentos e consequências dos muito atuais e variados fenômenos sociais e educacionais” (Veiga-Neto, 2012, p. 268). Afinal, essas idas aos porões nos potencializam nas tomadas de atitudes em relação àquilo que defendemos ou mesmo nos constituem de outros modos até mesmo quando resolvemos subir ao sótão.

Em se tratando da educação de surdos, essa imersão nos porões, por parte de nosso grupo de pesquisa, nasceu da necessidade de nos aproximarmos dos documentos dos Congressos de Milão (1880) e de Paris (1900 - Seção dos Ouvintes). O INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), em sua Série Histórica, publicou as atas de Milão em 2011, tornando possível o contato com o relatório de Kinsey sobre o evento, e, em 2013, publicou as atas da Seção dos Ouvintes do Congresso de Paris.

Baseados em Le Goff (1990), consideramos os documentos analisados como um ‘documento-monumento’. No texto se expressa uma compreensão de história, de sociedade, de realidade. Nele, aparecem de forma intencional ou não uma série de elementos que nos permitem investigar uma imagem que se escolheu como aquela a ser usada e conhecida pelas gerações futuras. Na sua relação com jogos de poder, o documento é ‘monumento’ à medida em que apresenta também como foram utilizados por determinados grupos, especificamente, aquele dos surdos, proposições que tinham por fim instituir também uma dada verdade. Le Goff (1990) ainda nos aponta para o fato de o documento trazer em si inúmeras marcas, não se constituindo numa fonte asséptica ou passível de uma compreensão positivista da história:

O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro - voluntária ou involuntariamente - determinada imagem de si próprias (Le Goff, 1990, p. 547-548).

As decisões de Milão são constantemente recordadas em trabalhos2 que abordam a educação de surdos, contudo, devido, principalmente, ao fato de não se ter ainda uma tradução na língua portuguesa do texto oficial elaborado por Fornari, acreditamos que há muitas repetições de ‘verdades’ sem a devida consulta ao que os ‘documentos-monumentos’ nos permitem problematizar.

Tais verdades assim repetidas sem acesso a outros documentos, que relatam Milão, podem trazer como consequência principal o apagamento de toda a memória sobre outros fatos que também compõem a história da educação de surdos. Esse apagamento produz uma narrativa muitas vezes distorcida e até mesmo o esquecimento das personagens que foram fundamentais para a luta dos surdos enquanto resistência aos métodos educacionais e para a defesa do uso dos sinais no processo educacional dos surdos.

De forma bem suscinta, Strobel (2008, p. 90) traz em sua tese os marcos que sustentam a narrativa linear que permeiam e permanecem no imaginário dos sujeitos surdos: “O ano de 1880 foi uma ‘marca’ de toda a história dos surdos, que adicionou a força de muitos períodos de duelos polêmicos de opostos educacionais: a língua de sinais e o oralismo”.

Ainda segundo a autora, o material didático do curso de letras libras da UFSC (a distância), na disciplina de história da educação dos surdos ilustra que na história dos surdos havia três fases:

1- ‘Revelação cultural’: Nesta fase os povos surdos não tinham problemas com a educação. A maioria dos sujeitos surdos dominava a arte da escrita e há evidência de que antes do congresso do Milão havia muitos escritores surdos, artistas surdos, professores surdos e outros sujeitos surdos bem-sucedidos. 2. ‘Isolamento cultural’: ocorre uma fase de isolamento da comunidade surda em consequência do congresso de Milão de 1880 que proíbe o acesso da língua de sinais na educação dos surdos, nesta fase as comunidades surdas resistem à imposição da língua oral. 3. ‘O despertar cultural’: a partir dos anos 60 inicia uma nova fase para o re-nascimento na aceitação da língua de sinais e cultura surda após de muitos anos de opressão ouvintista para com os povos surdos (Strobel, 2008, p. 56, grifo do autor).

A narrativa que compreende essas três fases, é ponto de partida de inúmeros trabalhos sobre os surdos e sobre a educação de surdos. Percebe-se que entre o suposto ‘isolamento cultural’ e o ‘despertar cultural’ há um hiato de 80 anos em que os surdos, em tese, seriam reféns do obscurantismo audista até que em 1960, William Stokoe, linguística estadunidense, tece a tese de que as línguas de sinais são sistemas linguísticos completamente mapeados e traça uma estrutura para essa língua, considerado o ‘pai da linguística das Línguas de sinais’.

Dentre tantos autores que tratam dessa mesma narrativa, destacamos Strobel (2008) porque a mesma sistematiza as três fases e partir deste trabalho, a autora passa a ser referência para outros posteriores, principalmente de acadêmicos surdos quando este congresso vinha a ser tratado3.

A tradição histórica se desenvolve como um exercício regulado da memória e por isso ela tenta representar o passado sem lacunas e sem falhas. Vivemos hoje, segundo o autor, o tempo dos lugares que “[...] é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital do que nós vivíamos na intimidade de uma memória para viver somente sob olhar da história reconstituída” (Nora, 1993, p. 12).

Assim, o autor define que

Os ‘lugares de memória’ são, antes de tudo, restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora. É a desritualização de nosso mundo que faz aparecer a noção. [...] nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notoriar atas, porque essas operações não são naturais (Nora, 1993, p. 13, grifo nosso).

Os ‘lugares de memória’ são bastiões onde a história se escora e, se a memória fosse ainda existente, não seriam necessários. A grande problemática desses lugares está justamente no apagamento de todo o curso e movimento da história uma vez que são momentos desse período, recortados do movimento da história e entregues de volta. Se esse campo não tomasse posse das memórias para deformá-las, transformá-las, fixá-las, os ‘lugares de memória’ não seriam necessários (Nora, 1993).

Olhando para essa noção, o Congresso de Milão (1880) se torna um ‘lugar de memória’ quando cristaliza e fixa memórias e narrativas (de)formadas acerca da oposição binária entre línguas de sinais e língua oral. A narrativa pautada nestas três etapas que sustenta este hiato obscurantista, a partir das leituras das fontes primárias, não se sustenta. Ao contrário, cria invisibilidades. Não é objetivo deste artigo resgatar os outros congressos de surdos e ouvintes após Milão, ainda no final do século XIX. Mas podemos deduzir que em decorrência da escassez de publicações sobre os congressos que antecederam e sucederam a Milão (1880), em ambiente brasileiro, notávamos certo vácuo em relação à história da educação de surdos. Esses outros congressos, que inclusive destroem a ideia de Milão como consenso, são invisibilizados tal a cristalização erigida por esse acontecimento4.

Se, segundo Nora (1993), só é ‘lugar de memória’ se estiver revestido de uma aura simbólica, uma imaginação, uma leitura parcial do Congresso de Milão (1880) materializado nas suas atas e suas lápides, construiu-se, então, uma narrativa de vitimização dos surdos na história como se os próprios surdos não tivessem resistido bravamente às deliberações supostamente consensuais sobre o método oral puro. É possível, ainda seguindo as afirmações do autor, que há uma coerção de memória quando se é exigida a constante rememoração desse acontecimento como marca fundacional da oposição entre surdos e ouvintes. Com a narrativa da vitimização carregada pela afirmação da oposição entre os grupos, criam-se hostilidades na afirmação da identidade.

Atomização de uma memória geral em uma memória privada dá à lei da lembrança um intenso poder de coerção interior. Ela obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento, princípio, segredo da identidade. Esse pertencimento, em troca, o engaja inteiramente (Nora, 1993, p. 18).

A destruição desse ‘lugar de memória’ a partir da retomada dos ‘documentos-monumentos’ deste próprio congresso permitirá outra narrativa sobre os impactos das decisões tomadas em Milão (1880) na educação dos sujeitos surdos. Muito diferente da narrativa habitual que sugere, dentre tantas outras verdades, três que vamos destacar neste momento: a) a extinção das línguas de sinais com a sua suposta proibição do uso dela na educação dos surdos; b) que o método oral puro foi votado com um consenso unânime e c) que os surdos só foram retomar seus movimentos de resistência a estas decisões apenas no século XX. Com a leitura das fontes primárias, tais verdades não se sustentam.

A cada página aberta, com a ascensão de personagens e suas falas, fomos perpassados pela angústia de que estávamos diante de uma riqueza documental pouco explorada, o que nos permite questionar muito do que se tem ouvido e ensinado sobre a história da educação de surdos. Isso também desencadeou no grupo de pesquisa o sentimento de que não estávamos mais de posse de algumas verdades e que se fazia necessário abrirmo-nos a novas possibilidades que as leituras nos sugeriam.

Descobrimo-nos diante de ‘monumentos’, como o sugere Le Goff (1990), e, por eles, homens de um passado dialogam conosco, interpelam-nos e se deixam também interpelar. A pesquisa histórica abandona o ranço de algo estático, positivista e começa a perceber as positividades de um tempo (Foucault, 2000).

Paris (1878) e Lyon (1879): dois congressos que preparam Milão (1880)

A reaproximação com o corpus docu-monumental dos seguintes congressos: Congresso Universal de Paris (1878) e o Congresso Nacional de Lyon (1879)5 nos possibilita perceber como a estratégia dos defensores do método oral puro se organiza para ter sua vitória definitiva nas deliberações do Congresso de Milão (1880).

De 23 a 30 de setembro de 1878 aconteceu em Paris o Congresso Universal para o Melhoramento do Destino dos Cegos e dos Surdos-mudos. Um grupo de 52 professores de surdos e dois surdos participaram do evento e realizaram uma sessão-particular que tinha como objetivo discutir o seguinte programa:

1ª jornada: 1º - Sobre a necessidade de uma estatística geral; 2º - Psicologia do surdo-mudo;

2ª jornada: 3º - Sobre o papel da família no cuidado do jovem surdo-mudo; 4º - O jovem surdo-mudo pode ser admitido nas escolas de estudantes-ouvintes?;

3ª jornada: 1º - Métodos e procedimentos, sua unificação; 2º - Plano de estudos; 3º - livros escolares;

4ª jornada: 4º - Admissão dos dois sexos no mesmo estabelecimento; 5º -Recrutamento de professores; 6º -Estado atual do ensinamento; 7º - Quais são as causas que até agora têm impedido de alcançar resultados satisfatórios no ensino surdos-mudos?;

5ª jornada: 1º - Como preparar e garantir a independência e manutenção dos surdos-mudos após a saída das instituições?; 2º - Qual a proporção de surdos-mudos que, pelo seu trabalho, conseguiriam suprir suas necessidades?; 3º - Como fazer desaparecer os mendicantes e vagabundos? (La Rochelle, 1878, p. 27-28, tradução nossa)6.

Como se nota no primeiro ponto da 3ª jornada, havia a preocupação em relação à unificação de métodos. Tal temática se articula com o sétimo ponto da 4ª jornada em que os insucessos na educação de surdos-mudos seriam refletidos.

Por ocasião da Exposição Universal de Paris (1878) e ciente de uma querela entre o Ministério do Interior e o Ministério da Instrução Pública, a família Pereire, mantenedora do colégio fundado por Jacob Rodrigues Pereire - que preconizava a articulação, embora aceitasse o uso do alfabeto manual -, propõe a participação dos professores de surdos no evento.

Há uma junção de estatística e medicina que será determinante para o futuro da educação de surdos. Procurando rastrear as origens da surdez pela estatística e consertar o corpo surdo pela medicina, no evento de Paris (1878), os congressistas votam 12 deliberações: sobre necessidade de uma estatística a respeito dos surdos; análise médica sobre os casamentos entre surdos; acesso dos surdos-mudos à educação; papel das famílias, particularmente, em relação à higiene e aprendizado dos sinais naturais; admissão dos surdos em escolas comuns; preferência por estabelecimentos distintos para surdos e surdas; necessária iniciativa dos poderes públicos para desenvolver meios adequados à educação dos surdos; transferência da educação de surdos para o Ministério da Instrução Pública; adequação dos estudos de acordo com o nível intelectual; necessidade de formação de professores de surdos; periodicidade dos congressos internacionais, a cada três anos, e nacionais, a cada dois anos (La Rochelle, 1878).

Uma das deliberações exige nossa atenção:

O Congresso, depois de ter amadurecido deliberou (embora preservando o uso da mímica natural, como auxiliar ao ensino, como o primeiro meio de comunicação entre o professor e o aluno), considera que o método conhecido como articulação, envolvendo a leitura da palavra nos lábios, que visa tornar o surdo-mudo mais completo para a vida social, deve ser decididamente preferido a todos os outros, preferência que também justifica o uso cada vez mais geral deste método em todas as nações da Europa, e até mesmo na América. No entanto, é da opinião de que o ensino preconizado como aplicável à generalidade das crianças surdas-mudas, uma vez que não pode ser adequado para sujeitos cuja cultura intelectual tenha sido negligenciada ou completamente negligenciada, é necessário aplicar-lhes um ensinamento que, por meio de canais rápidos, por meio dos sinais comuns a todos os surdos-mudos, torna possível desenvolver suas faculdades tanto quanto possível (La Rochelle, 1878, p. 275-276, tradução nossa)7.

Conforme a resolução acima, manifesta-se o desejo de que o método baseado na articulação se expanda pelo mundo. Todavia, reserva-se um lugar para a mímica como necessária para a relação professor-aluno. Há também o reconhecimento de que o método articulatório não seria eficaz com todos, portanto, preserva-se a possibilidade de que se fizesse uso dos sinais. Ou seja, o que se propunha era um método misto. O que nos leva a perceber que a tendência não pendia para a proibição dos sinais (denominado mímica).

Paris (1878) parece-nos ter sido ocasião de uma primeira organização em prol do método oral, mas que nas suas deliberações não atingiu de imediato este fim. Torna-se um evento imprescindível para a compreensão de Milão (1880) também pelo fato de nele se definir a estratégia de reunião em congressos. Diante das deliberações, o grupo defensor da articulação, na pessoa de Abade Balestra, se servirá dessa ideia para antecipar o congresso internacional - que deveria ocorrer a cada três anos - para o ano de 1880 na cidade de Côme, na Itália.

Entre Paris (1878) e Milão (1880) acontece um congresso nacional francês que também contribui para a compreensão do que se dará no evento em solo italiano. De 22 a 24 de setembro de 1879, na cidade de Lyon, aconteceu o 1º Congresso Nacional para O Melhoramento do Destino dos Surdos-Mudos (Rodrigues & Vieira-Machado, 2019). O registro documental do evento foi publicado seis anos depois na Revue Internacionale de l’Enseignament des Sourds-muets. Nesse congresso há a predominância do pensamento de Hugentobler, fundador de uma instituição de educação de surdos e usuário do método de articulação. Apesar disso, ao longo do evento, há várias reivindicações para que o uso da mímica seja mantido e opte-se pelo método misto.

Os congressistas votam a favor de uma reserva de grande parte do ensino para a mímica e desejam que os métodos de sinais e articulação “[...] sempre se apoiem e trabalhem juntos para o mesmo fim, a saber: a instrução e a educação do surdo-mudo” (Hugentobler & La Rochelle, 1885, p. 223, tradução nossa)8. A mímica natural é sugerida como base do ensino para os surdos. Talvez, em função dessa deliberação do congresso, ao final do evento, há uma escolha dos representantes franceses para o Congresso de Milão. A delegação francesa teria a participação dos Srs. Vaïsse, Houdin, E. Grosselin, Abade Bourse, E. La Rochelle, J. Hugentobler e Padre Goyatton. Uma análise das biografias desse grupo permite perceber que são simpatizantes do método de articulação. Opositores ao método, como Guérin, embora participe de Milão, não o fará na qualidade de representante oficial.

Acreditamos que, mais uma vez, certa frustração diante da decisão do congresso de Lyon conduz para uma estratégia que vise Milão (1880) determinar o método oral puro como uma ideologia a ser seguida e assumida pelas instituições públicas. Possivelmente, será em função de Paris (1878) e Lyon (1879) que se escolherá a cidade de Milão (1880) (onde havia 02institutos com práticas de oralização) e não Côme (como votado em 1878) e que se reservem momentos para os congressistas acompanharem os exames dos surdos-falantes, bem como que se convide a Sociedade de Difusão do Sistema Alemão para apresentar trabalhos no evento.

O que Milão (1880) nos reserva: um monumento com muitos documentos

Um monumento se nos dá a conhecer por diversas formas. Milão (1880) tornou-se referência tradicional da dominação audista sobre os surdos ao se deliberar que o método oral seria o ideal para a educação de surdos, sugerindo um abandono do uso de sinais. Mas um evento que decide tal ação pode ser reduzido apenas a ela? O que mais podemos encontrar em Milão? Cabe-nos reler Milão enquanto tarefa exigida pela própria história da educação de surdos. Não se pretende reabilitá-lo, mas escapar da polarização que o coloca como vilão e de maneira isolada como o evento que extermina o uso dos sinais na educação dos surdos sem compreender a trama que envolve seu acontecimento.

O monumento Milão (1880) pode ser lido a partir de, ao menos, sete documentos, o que nos aponta para um corpus docu-monumental. No Brasil, temos acesso livre para a única versão traduzida para o português pelo INES, o relatório em língua inglesa elaborado por Alfred Kinsey. Trata-se de um texto que traz as deliberações de Milão, uma síntese das discussões das sessões do evento e reserva grande parte do relatório para os textos apresentados no congresso pelos membros da Sociedade de Difusão do Sistema Alemão, da qual Kinsey também faz parte.

Para este artigo, além das atas oficiais, destacamos alguns pontos de mais dois relatórios: um endereçado ao ministro do interior da França e outro endereçado àfamília Pereire, grande financiadora do evento. São os relatórios de Adolphe Franck e Ernest La Rochelle. Para além desses quatro documentos (Kinsey, Franck, La Rochelle e Fornari), ainda temos um relatório elaborado pelo Dr. Peyron e publicado nos Annales des Maladies de l’oreille; o relatório alemão elaborado por Treibel e o relatório ao presidente do Conselho de Instrução Pública e Belas Artes, elaborado por A. Houdin. Estes três documentos têm características similares pois em relatórios concisos, os autores retomam o que era praticado na educação de surdos, as discussões feitas durante o congresso e apresentam as deliberações de Milão.

Adolphe Franck apresenta seu ‘Relatório ao Ministro do Interior e de assuntos religiosos’ de França, cujo subtítulo aponta sua percepção de Milão: “Sobre o congresso internacional reunido em Milão de 06 a 12 de setembro para o melhoramento do destino dos surdos-mudos, e sobre o estado da instrução dos surdos-mudos nos principais estabelecimentos a eles consagrados na Itália” (Franck, 1880).

Franck fora enviado pelo Ministério do Interior com o objetivo de que, após verificar os posicionamentos italianos sobre educação de surdos e participar do congresso, pudesse oferecer um parecer acerca da definição da oralização como método a ser praticado nos estabelecimentos públicos franceses. Recorde-se que Adolphe Franck já havia realizado missão similar em 1861, a pedido do mesmo Ministério, quando avaliou os métodos utilizados nos institutos franceses e escreveu um parecer colocando em ‘quarentena’ o método oral. Trata-se de um texto conciso, de aproximadamente 20 páginas, publicado no Journal Officiel, nº 346 de 18 de dezembro de 1880.

Todavia, há indícios que Franck se declara convertido a partir das exibições públicas de surdos oralizados preparadas pelos organizadores do congresso por meio dos exames descritos detalhadamente no relatório oficial escrito por Pasquale Fornari, secretário geral do evento. Os ‘surdos’ aos quais Franck teria assistido como prova evidente da eficácia do método oral não seriam totalmente surdos ou se tornaram surdos após domínio da fala, portanto, os ‘surdos-falantes’ expostos nas visitas dos institutos não falavam em função apenas de terem sido oralizados.

A ‘conversão’ de Franck ao método oral puro é um fato notório pois é a partir desse momento que há grande reviravolta nas discussões sobre este método bem como no posicionamento dos franceses no Congresso de Milão. Também destacamos aqui que tal posicionamento do Franck é citado em quase todos os relatórios mostrando assim algumas similitudes entre eles. O próprio Franck em seu relatório ao ministro do interior da França denota este momento.

La Rochelle reproduz a fala de Franck:

‘Se assim for, eu gostaria que esse processo fosse introduzido na França, começando pela Instituição Nacional, porque afinal, a palavra é o meio de comunicação mais universal’; e lembrando a opinião desfavorável que ele tinha em 1861, ele acrescentou: ‘Estou bastante pronto para mudar de idéia diante de esforços coroados de um sucesso duradouro e geral’. Bem, a promessa que ele fez em Paris, em 1875, o Sr. Franck a manteve em Milão em 1880, e nós o ouviremos, na última sessão do Congresso, explicar eloquentemente sua adesão leal e preciosa ao método da palavra (La Rochelle, 1880, p. 16, grifo do autor, tradução nossa)9.

O próprio Franck encerra seu relatório recordando o momento passado em que objetara acerca do uso do método de articulação:

Senhor Ministro, não esqueço que as propostas que tenho a honra de apresentar ao senhor são muito diferentes daquelas que apresentei no meu relatório de 1861. Elas se afastam, mas não as contradizem. A palavra, como era então ensinada aos surdos-mudos, não era o que é hoje. Apenas me foram apresentados exemplos informais e achei prudente não proibi-lo, mas colocá-lo em quarentena. Agora, faço questão de chamá-la de meus desejos os mais ardentes. Além disso, é permitido mudar de opinião quando se trata de fazer o bem e servir a verdade (Franck, 1880, p. 26, tradução nossa)10.

Fornari, nas atas oficiais do evento, registra a conversão de Franck por uma linguagem metafórica e, a um só tempo, claramente proselitista:

Quanto ao método oral, o estado em que o encontrei há vinte e um anos inspirou-me dúvidas e reservas. Era tão imperfeito nas escolas francesas que visitei naquela época, e dava aos pobres surdos-mudos um aspecto tão pouco humano, que não hesitei em declarar que deveria ser usado apenas com alunos excepcionais, mas que para o maior número a língua escrita, ensinada de acordo com o método intuitivo, era muito preferível. Nunca bani o método oral das escolas, especialmente das escolas que não conhecia; nunca provoquei contra ele uma sentença de morte, nem um exílio perpétuo. Eu apenas o pus em quarentena até me ser dada prova da sua salubridade. Hoje, depois de ter examinado várias vezes as admiráveis escolas de Milão; hoje, depois de ver seus professores e professoras trabalhando, [...] depois de ter visto e observado tudo isto e de ter escutado atentamente as conversas aprendidas que aqui tiveram lugar entre tantos professores experientes, resta-me apenas repetir, do fundo do meu coração e com inabalável convicção, o grito que aqui ressoou há dois dias: Vive la parole! Vamos banir os métodos incompletos, os métodos ilusórios, que durante tanto tempo fingiram tomar o lugar ou servir de complemento a ele! Cavalheiros! Cavalheiros! Diz-se que Maomé, ao pregar a adoração de um só Deus em Meca, foi com um martelo na mão através do templo cheio de ídolos e, parando na frente de cada um deles, bateu-lhes na cabeça e gritou: desapareçam, seus fingidores enganosos! O verdadeiro Deus revelou-se. Nós dizemos o mesmo aos sinais: ‘Deem lugar à palavra!’ (Fornari, 1881, p. 176-177, grifo do autor, tradução nossa)11.

A relevância de Franck no evento também é manifesta pelo relatório de Treibel:

O relator, por outro lado, cita, com justificativa detalhada, a exigência de que seja dada instrução gramatical especial nas duas classes superiores de um curso de oito anos, embora, é claro, esteja previsto um tratamento científico, puramente metódico. Essa visão é particularmente apoiada por Franck (Treibel, 1881, p. 16, tradução nossa)12.

Ernest La Rochelle, enviado ao Congresso de Milão pelo Colégio Pereire, estabelecido na França, também elabora um relatório sobre evento. Em quase 40 páginas, o autor retoma alguns debates de Milão e registra as deliberações.

Eugèene Pereire, tataraneto de Jacob Pereire, administrava um instituto de surdos em Paris que fazia uso do método articulatório e foi um dos organizadores do Congresso de Milão, inclusive patrocinando a viagem de uma delegação dos Irmãos de São Gabriel, grupo que também simpatizava com a proposta oralista.

Nesse relatório, também não traduzido para o português, parecem se evidenciar as reações de satisfação diante das decisões de Milão, apontando para o fato de que todo o conjunto do Congresso esteve orquestrado para a decisão em favor da oralização.

A delegação dos Irmãos de São Gabriel também é identificada em outros relatórios pois o posicionamento da delegação em favor do método oral puro denota a importância do financiamento da família Pereire nas decisões de Milão. Edward Gallaudet em seu relatório menciona que

A maioria dos delegados franceses era membro de uma ordem eclesiástica chamada Irmandade de São Gabriel. Muitos desses irmãos expressaram livremente a opinião em conversas particulares de que sinais não poderiam ser dispensados na instrução de surdos-mudos e também de que nem todos os surdos-mudos poderiam ter sucesso sob o método oral. Eles não participaram do debate até o final, quando Frei Hubert, inspetor das escolas sob a direção dos Irmãos, levantou-se e anunciou sua conversão ao ‘método oral puro’, encerrando seu pequeno discurso agradecendo a Eugene Pereire, por cuja liberalidade os membros de sua irmandade foram autorizados a visitar Milão e participar da Convenção. E nem um irmão de São Gabriel votou contra o método de Pereire (Gallaudet, 1881, p. 8, grifo do autor, tradução nossa)13.

Também James Denison, um dos surdos participantes do evento, indica como a presença do grupo religioso de São Gabriel teve fator preponderante na decisão, mas que não deixava de manifestar uma contradição interna posto que muitos dos religiosos teriam afirmado a importância do uso dos sinais.

Foi com grande surpresa, no entanto, quando compreendi que seu discurso consistia em uma reformulação dos erros do método francês, e um reconhecimento incondicional da superioridade do método italiano. Percebi que não havia unanimidade de apoio ao seu discurso entre os demais irmãos de São Gabriel, mas ninguém se pronunciou. Pode ser que o rito os tenha induzido ao silêncio por se tratar de um irmão mais velho e de posto possivelmente mais alto. A retórica dos articulacionistas e os resultados que eles apresentaram, devem ter sido mais surpreendentes e convincentes para ele do que para nós transatlânticos. Não há outra explicação para uma mudança tão radical e inesperada de opinião considerando sua longa experiência de vida e observação (Denison, 1881, p. 48, tradução nossa)14.

Apesar de todos esses relatórios, o texto oficial das atas de Milão foi elaborado pelo italiano Pasquale Fornari e pode ser acessado em sua versão italiana ou em francês. Sem dúvidas, é o relatório mais completo, ultrapassando 450 páginas, que permite compreender as discussões de cada uma das questões propostas no congresso e traz nos apêndices vários textos que foram apresentados durante as sessões ou que as subsidiaram.

Não acreditamos que se trate de um relatório isento das influências oralistas que também Fornari compartilhava, mas é um texto que permite compreender não só a organização do evento, mas também como se desenrolou passo a passo cada debate. Isso nos permite conhecer as personagens que atuaram em Milão, quais os seus posicionamentos, como argumentam, de que forma reagem às críticas tanto ao método oral quanto ao uso de sinais. Delineia-se ali uma arena de debates fecundos que, por mais que tivesse como decisão prévia assumir a oralização, expõe diversas questões relacionadas à educação de surdos.

E a imprensa? Olhando para Milão para além dos relatórios...

E a cada vez que rodeamos os entornos de Milão, encontramos outros indicativos da importância desse ‘documento-monumento’ e como ele se constitui como ‘lugar de memória’.

As fontes sobre as quais aqui nos debruçaremos são de quatro artigos do jornal do Corrielle Della Sera publicados não apenas na época do congresso, mas também após o congresso. A primeira é datada em 04 de setembro de 1880, a segunda em 07 de setembro de 1880, a terceira em 07 de agosto de 1885 e, por fim, a quarta datada em 10 de novembro de 1890.

Por que procuramos informações nos periódicos? Considerando a magnitude dada a Milão, questionávamo-nos se a imprensa da época teria feito registros sobre o evento. O disparador da pesquisa foi conhecer quais jornais da época poderiam ter noticiado o Congresso. Dois periódicos se destacaram: La civiltà Cattolica e Corriere Della Sera. O acervo do primeiro não está disponível para consulta on-line, não nos possibilitando averiguar a incidência de notícias sobre Milão.

O Corriere Della Sera disponibiliza o seu acervo histórico, permitindo-nos aprofundar a pesquisa e, assim, deparamo-nos com os quatro artigos que, especificamente, nos colocam em contato com a maneira como a sociedade foi informada sobre Milão. Inicialmente, optamos por pesquisar notícias do ano de 1880, utilizando o descritor ‘congresso de professores de surdos-mudos’, e, posteriormente, mantendo o descritor, mas ampliando ano a ano a busca. Assim, nesse processo investigativo chegamos aos textos do jornal.

O movimento inicial, motivado mais por curiosidade que por evidências de que encontraríamos algo publicado, presenteou-nos com o contato com outros textos também desconhecidos do público brasileiro. A leitura dos textos em italiano e sua posterior tradução para torná-los objeto de trabalho mostraram-nos que um artigo se interliga ao outro não só pela temática do Congresso, mas porque é possível perceber neles o desejo de dar visibilidade ao que iria acontecer em Milão, ao que estava acontecendo, ao seu retrospecto cinco anos mais tarde e, também, exaltar um dos personagens mais importantes para a concretização dos objetivos de Milão, o abade Tarra.

O primeiro artigo tem como objetivo relatar sobre os eventos anteriores ao congresso em si. O artigo anuncia a importância das exibições públicas do sucesso dos alunos surdos dos institutos milaneses a fim de direcionar as discussões do evento.

Dois trabalhos dos nossos institutos precedem a abertura. Um deles ocorreu esta manhã, às 10h12, pelos estudantes do internato masculino dos pobres surdos-mudos do interior de Milão. Foi um evento brilhantíssimo, comovente. Outra atividade ocorrerá amanhã, dia 5, meio-dia, para estudantes de ambos os sexos do Instituto Real, que acolhe surdos-mudos civis em toda a Itália. No final do congresso, no dia 13, na mesma sala do Internato Masculino, os surdos-mudos carentes do país dependentes da mesma administração serão examinados e instruídos pelo mesmo método oral pelas filhas da caridade na pensão de São Miguel na Clausura (Congresso de Maestri dei Sordo-muti, 1880, tradução nossa)15.

Fazendo o cruzamento dos relatórios com esse anúncio do jornal, percebemos a importância dos exames exibidos publicamente pelos alunos dos institutos no direcionamento das discussões para que a aprovação do método oral fosse garantida.

No relatório de Louis-Ernest Peyron, fica claro que várias das opiniões foram moldadas por esses testes e o autor relata particularmente sobre a ‘conversão’ de Adolphe Franck ao método oral a partir das exibições públicas dos surdos desses institutos demonstrando o sucesso do método articulado.

Portanto, nos contentamos em dizer neste lugar o que o Sr. Franck observou nessas escolas: pela leitura labial dos resultados maravilhosos e, pela articulação, os resultados tão satisfatórios que ele se declarou partidário convencido do método oral puro; tanto assim, e esse não foi um dos aspectos menos singulares do Congresso, que ele elaborou e adotou, na forma que lhe fora dada, a segunda resolução votada pelo Congresso, que declara que o método oral puro deve ser preferido (Peyron, 1880, p. 305, tradução nossa)16.

No relatório oficial do secretário geral do evento, Pasquale Fornari (1881) relata os testes e como foram conduzidos, bem como seus conteúdos. Podemos reafirmar a importância desses testes para garantir que os votos fossem a favor do método oral. Para a primeira turma do curso preparatório, primeiro ano do ensino, por exemplo, segue o conteúdo:

Exercícios práticos para o exame. - Repita as sílabas e as palavras lidas nos lábios; - em seguida, escreva-as na lousa ou as componha na mesa alfabética. - Conte um por um, dois por dois, etc. - Nomeie um objeto mostrado; ou designe-o se ele for nomeado. - Realize ações simples comandadas pela fala. - Faça o sinal do cristão dizendo: em nome do Pai, etc. - e recite a saudação angélica (Fornari, 1881, p. 60, tradução nossa)17.

O artigo deixou claro a importância e grandiosidade de uma espécie de ‘pré-congresso’ e a importância desse evento.

Essa tríplice prova é extremamente importante para os mestres estrangeiros, a fim de estabelecer suas discussões sobre o eloquente assunto dos fatos ou, em conjunto, para reconhecer o estado próspero de nossas instituições desse tipo, cujo bom nome fez com que Milão fosse escolhida como sede do congresso, entre, aproximadamente, trezentas cidades que possuem um instituto para surdos-mudos (Congresso de Maestri dei Sordo-muti, 1880, tradução nossa)18.

Já o segundo artigo do Corrielle Della Sera, datado em 07/09/1880, trata justamente de comentar a abertura oficial do congresso, bem como de saudar a comissão que o organizou. A matéria intitulada ‘Inauguração do Congresso dos mestres de surdos-mudos’ nos diz:

Ontem, no vasto salão do Instituto Técnico de Santa Marta, foi inaugurado o congresso internacional dos mestres de surdos-mudos. Foi uma solenidade. O salão estava lotado de congressistas, a maioria franceses, alemães, ingleses e americanos. O diretor e o prefeito presidiram a inauguração, além de vários senadores e deputados, vereadores provinciais e municipais. Entre os oradores, notamos Cesare Cantu, o Exmo. Fano, Correnti, Gorla, Visconti Venosta, Giulio Bianchi. A banda tocou o hino real. Após o hino, o presidente do comitê preparatório, Augusto Zucchi, fez um discurso que para nós e para todos pareceu esplêndido (Inaugurazione del Congresso dei Maestri dei Sordo-muti, 1880, tradução nossa)19.

A matéria continua descrevendo de forma sucinta e resumida o Congresso exaltando a Itália por ser anfitriã de tal evento grandioso e majestoso. A matéria traz uma estatística sobre o número de surdos que são educados pelos institutos.

Os surdos-mudos (segundo as estatísticas mencionadas acima), os surdos-mudos que hoje estão nos 36 institutos italianos a serem educados, são ao todo 1.500; mas vocês sabem quantos de nossos surdos-mudos têm entre 5 e 21 anos, idade que, em termos gerais, é a mais propícia à educação? São 15.000 (Inaugurazione del Congresso dei Maestri dei Sordo-muti, 1880, tradução nossa)20.

E, por fim, a matéria além de publicizar as falas de alguns participantes mais importantes, mostra como o evento foi conduzido de forma brilhante e exalta as decisões tomadas.

A terceira matéria, datada de 07 de agosto de 1885, intitulada ‘A educação dos surdos-mudos em Milão: a respeito de uma lápide’ trata sobre a instituição de uma placa distintiva do lugar onde ocorreu o Congresso.

No outro dia, no exame final dos surdos-mudos carentes da zona rural, foi proposto e solicitada permissão ao prefeito Negri para colocar uma lápide onde é o Instituto destinado a ser demolido para a continuação das obras viárias do distrito de Porta Genova (L'istruzione dei sordo-muti a Milano, 1885, tradução nossa)21.

A “[...] placa comemorativa, que deve servir como documento histórico, deve antes de tudo relatar exatamente a verdade histórica” (L'istruzione dei sordo-muti a Milano, 1885, tradução nossa)22. O texto da inscrição da lápide diz, segundo a matéria:

Aqui, os mestres dos surdos-mudos dos dois mundos - a primeira vez que se reuniram em congresso - aos 04 de setembro de 1880 - no exemplo das escolas milanesas - votaram para ensinar a seus alunos - a palavra e tão somente a palavra (L'istruzione dei sordo-muti a Milano, 1885, tradução nossa)23.

A matéria exalta o evento e descreve algumas das decisões, sendo a principal o ensino da palavra ao surdo-mudo: “O voto - a palavra e com somente a palavra - foi pronunciado na sala do congresso em Santa Marta” (L'istruzione dei sordo-muti a Milano, 1885, tradução nossa)24.

Portanto, uma placa semelhante à proposta deveria ser colocada, ao invés, na fachada do Instituto Técnico, e certamente vale a pena lembrar de um evento de grande importância para a história da humanidade solidária e dos progressos da filantropia iluminada (L'istruzione dei sordo-muti a Milano, 1885, tradução nossa)25.

O Congresso de Milão como ‘lugar de memória’ é erigido não apenas com suas atas, mas também por meio das lápides e inscrições que estabelecem Milão com sua aura e com sua grandiosidade construída discursivamente.

Ao retomarmos brevemente essa atmosfera do final do século XIX, apontamos para o quanto Milão (1880), um evento com pretensões universalistas em relação à educação de surdos, também se insere nesse contexto mais amplo. Milão também traz consigo, para além das discussões relacionadas aos métodos de educação de surdos, uma compreensão de humano marcada pela possibilidade da verificação estatística, da veridicção dada pela ciência, da crescente insistência em unificações linguísticas e dos apelos missionários baseados na fala.

Dessa forma, sugerimos que reler Milão (1880) é também reler aquele tempo, compreendendo sua complexidade de mudança nas diversas áreas, entrelaçamento de questões e problematizações. Em meio a esse universo, pode-se ir ao encontro de Milão, na disposição de ultrapassar aquele limiar aberto a um diálogo com o mundo no qual o monumento se deu e na forma como hoje o encontramos e interpretamos.

E, por fim, o quarto artigo do jornal, datado de 1890, trata de um monumento ao abade Giulio Tarra, anfitrião dos congressistas em Milão e há 34 anos na direção do Instituto de surdos de Milão. Em decorrência do falecimento do abade, foi erigido um monumento em sua homenagem e à sua memória.

Hoje, no instituto de surdo-mudo do país, será inaugurado o monumento erigido a Dom Giulio Tarra pela Comissão para a educação de surdos-mudos pobres. Hoje é exatamente o ano em que o pobre Tarra morreu após 34 anos de reitoria do Instituto, o que ele atendia com verdadeira paixão de filantropo. Tarra trouxe inovações importantes para o ensino de surdos-mudos. Ele entendeu desde o início de sua carreira como a orientação desse ensinamento estava errada, uma vez que começou não pelo conhecido, mas pelo desconhecido (Il monumento a Giulio Tarra, 1890, tradução nossa)26.

Vale ressaltar que o abade Tarra, além de ter sido o presidente do congresso de Milão é citado em todos os documentos como um professor e defensor ferrenho e entusiasmado do método oral puro. Não nos surpreende o monumento a essa figura tão importante na condução do congresso para que fossem garantidos os votos em favor do método oral puro que defendia ardentemente.

O abade Tarra, diretor do Instituto de Surdos-Mudos Pobres de Milão, foi nomeado presidente. Todos os membros do Congresso manterão a memória desse tipo caracterizado de graça italiana, cuja fisionomia expressiva sublinhou cada aspecto de uma palavra, que, sempre abundante, sempre natural, se levantava com eloquência, sem esforço. O abade Tarra, obteve todos os votos com sua boa razão, suas ideias engenhosas e sua alta eloquência (Peyron, 1880, p. 302, tradução nossa)27.

Tais monumentos erigidos nos permitem perceber que o Congresso de Milão foi construído com muito entusiasmo para que fosse grandioso e potente. Após a derrota no congresso de Lyon, em 1879, em que o método combinado foi o escolhido, Milão (1880) foi fundamental para que houvesse a garantia de que o método oral fosse vitorioso.

Com a suntuosidade com que foi construído e arquitetado, o Congresso de Milão se erige como lugar de memória, e a repercussão de suas decisões, sem a devida leitura das fontes e sem o cuidado a partir de uma pesquisa documental rigorosa, ao longo dos anos, foi produzindo verdades segundo as quais se criaram dicotomias como surdo versus ouvinte; língua de sinais versus língua oral, por exemplo, como única discussão o que empobrece a leitura desse ‘documento-monumento’ a partir de um mosaico de fontes. E consequentemente apaga o processo histórico, bem como suas personagens.

Considerações finais

O Congresso de Milão (1880) não foi consenso e a tomada dessa consciência pode trazer outra narrativa com relação às discussões preconizadas nesse espaço, pois foi preciso toda uma articulação política dos interessados pelo método oral puro para que o congresso não ocorresse em Côme, como definido em Paris (1878), mas sim em Milão onde poderiam contornar diversos percalços e votarem, enfim, pelo método oral puro o que era de total interesse de um grupo.

Por mais que Milão se caracterize como uma memória saturada e, ao fim e ao cabo, um ‘lugar de memória’, olhar para outros aspectos, outros documentos a fim de produzir outra narrativa da história da educação dos surdos fugindo da oposição língua de sinais e língua oral permite compreender os aspectos políticos para a escolha do método oral como o método mais adequado.

Este texto teve como desafio abrir outras narrativas por meio dos relatórios dedicados a relatar este congresso e por meio da narrativa da imprensa da época. Olhar para estes documentos não traduzidos para o português, causou-nos angústia a cada página aberta pois iam se descortinando possiblidades outras de escaparmos da narrativa reducionista de Milão.

Certamente, as decisões tomadas em Milão como a escolha de um método único para a educação dos surdos causaram um impacto profundo na educação dos surdos até nossos dias. Contudo, as narrativas reducionistas baseadas apenas nas oposições surdo x ouvinte ou língua de sinais x língua oral, por exemplo, impede-nos de pensar em outros detalhes acerca das metodologias de ensino de línguas para os surdos.

A criação de monumentos como uma ode a Milão (como as placas, monumento ao Abade Tarra, por exemplo), apresenta-nos como a construção de uma suntuosidade em relação a esse congresso e que sua consolidação como um marco foi bem-sucedida. Assim, Milão se constitui como um ‘lugar de memória’ em nossos tempos, pois se torna um recorte da história e, por isso, apaga o movimento da história e depois é colocado ali como marco.

Fugir da oposição binária entre as línguas produz uma memória mais ampla e traz de volta as tramas e as personagens ao centro da discussão. A história reduzida acaba com a potência da perspectiva mais ampla do movimento da história. Compreender, por exemplo, que nos congressos anteriores a perspectiva não se dava para o método oral é perceber que pelo fato de Milão não ter sido consenso faz muita diferença quando olhamos para os debates da época. Destruir a memória (de)formada de Milão nos possibilita ‘trans-formar’ a própria história da educação de surdos.

Entendemos que a falta de documentos dos outros congressos e até mesmo do próprio Congresso de Milão (1880), traduzidos para a língua portuguesa, contribui substancialmente para que Milão continue ocupando esse lugar central que deforma a memória da educação dos surdos. Por isso, vale ressaltar que todos os documentos aqui utilizados para sustentar nossa argumentação são inéditos em português e traduzidos por nós para possibilitar outras leituras sobre esse evento.

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1Durante o texto denominaremos como comumente é denominado: Congresso de Milão ou mesmo apenas Milão.

2Conforme apontamos na introdução, há uma infinidade de trabalhos que tocam sobre o Congresso de Milão 1880 como um grande marco negativo e de opressão para a área da educação dos surdos. Em outro artigo, tratamos de algumas ‘des-verdades’ repetidas diuturnamente sobre este congresso, mas que não se confirmam nos documentos não conhecidos. Vale ressaltar que em geral, ao tratar do congresso, os trabalhos não referenciam fontes primárias pois além de desconhecidas, não estão traduzidas para a língua portuguesa. É impossível citar uma infinidade deles pois não são poucos e não há um que se destaque.

3Outro texto muito citado por estes autores, incluindo a Strobel, é o livro A máscara da benevolência: a comunidade surda amordaçada de Harlan Lane (1992). O autor também coloca o congresso de Milão como marco do amordaçamento da comunidade surda em sua educação.

4O artigo intitulado: ‘Congresso de Paris (1900): a seção de surdos e sua atualidade em relação à educação de surdos’ vai tratar justamente de como este hiato pode ser preenchido com pelo menos (entre 1880 e 1900), cinco congressos de surdos que resistiam às decisões de Milão além de discutir outras questões do interesse das comunidades surdas. Nestes congressos é possível conhecer surdos que foram militantes, mas completamente desconhecidos no nosso contexto acadêmico brasileiro. Recuperado de: https://www.scielo.br/j/rbhe/a/tWRy9qH9RHS3mdk7FhjNzdJ/?lang=pt.

5Podemos encontrar a tradução para o português do relatório deste congresso em: https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/93873.

6“Première journée. — 1° De la nécessité d'une statistique générale ; 2° Psychologie du sourd-muet.Deuxième journée. — 3° Rôle de la famille dans les soins à donner au jeune sourd-muet ; 4° le jeune sourd-muet peut-il être admis dans les écoles publiques des entendants-parlants? Troisième journée. —1° Méthodes et procédés ; leur unification ; 2° plan d'études ; 3° livres scolaires. Quatrième journée. — 4° Admission des deux sexes dans le même établissement; 5° recrutement des maîtres ; 6° état actuel de l'enseignement ; 7° quelles sont les causes qui, jusqu'ici, ont empêché d'obtenir des résultats satisfaisants dans l'enseignement des sourds-muets? Cinquième journée. — 1°. Comment préparer et assurer l'indépendance et l'entretien des sourds-muets à leur sortie des institutions ? 2° quelle est la proportion des sourds-muets qui, par leur travail, suffisent à leurs besoins ? 3° mendicité, vagabondage ; comment les faire disparaître?”.

7“Le Congrès, après en avoir mûrement délibéré (tout en conser-vant l’emploi de la mimique naturelle, comme auxiliaire de l’enseignement, en tant que premier moyen de communication entrele maître et l’élève), estime que la méthode dite d’articulation et comportant la lecture de la parole sur les lèvres, qui a pour but de rendre plus complètement le sourd-muet à la société, doit être résolument préférée à toutes les autres, préférence que justifie d’ailleurs l’usage de plus en plus général de cette méthode chez toutes les nations de l’Europe et môme en Amérique. Toutefois il émet l’avis que l’enseignement par lui préconisé comme applicable à la généralité des enfants sourds-muets, ne pouvant convenir aux sujets dont la culture intellectuelle a été négligée ou complètement délaissée, il y a lieu d’appliquer à ceux-ci un enseignement qui, par des voies rapides, au moyen des signes communs à tous les sourds-muets, permette de développer leurs facultés dans la me”.sure du possible”.

8“Se soutiennent toujours mutuellement et concourent ensemble au mt!me but, savoir : l'instruction et l'éducation du sourd-muet”.

9“‘S’il en est ainsi, je désire que ce procédé soit introduit en France, à commencer par l’Institution Nationale, car la parole est, après tout, le moyen de communication le plus universel’ ; et rappelant l’opinion défavorable mise par lui en 1861, il ajoutait : ‘Jesuis tout prêt à changer d’avis devant des efforts couronnés d’um succès durable et général’. Eh bien, la promesse qu’il avait faite Paris en 1875, M. Franck l’a tenue à Milan en 1880, et nous l’entendrons, dans la dernière séance du Congrès, expliquer éloquemment sa loyale et précieuse adhésion à la méthode de la parole”.

10“Je n’oublie pas, monsieur le ministre, que les propositions que j’ai l’honneur de vous soumettre s’écartent beaucoup de celles que j’ai présentées dans mon rapport de 1861. Elles s’en écartent, mais ne les contredisent pas. La parole, telle qu’on l’enseignait alors aux sourds-muets n’était pas ce qu’elle est aujourd’hui. Il ne m’en avait été présenté que des exemples informes, et j’ai cru qu’il était prudent, non pas de la proscrire, mais de la mettre en quarantaine. À présent, je me fais un devoir de l’appeler de mes vœux les plus ardents. Au reste, il est permis de changer d’opinion quand c’est pour faire le bien et pour servir la vérité”.

11“Aujourd’hui, après avoir examiné à plusieurs reprises les admirables écoles de Milan ; aujourd’hui, après avoir vu à l’œuvre vos instituteurs et vos institutrices, non moins dignes d’admiration par leur zèle, par leur caractère et par leur patience angélique que par leur habileté dans l’enseignement; aujourd’hui, après avoir entendu ici notre vénérable Président, un maître dans l’art, non seulement de faire parler, mais de parler; après avoir entendu l’éloquent et lumineux commentaire que nous a donné de son discours mon compatriote, l’abbé Guérin ; après avoir vu exalté votre zèle par tant d’hommes que le leu divin de la charité a embrasés, entre autres par l’abbé Balestra, qui est venu généreusement offrir à la France le concours de son zèle, de sa fougue apostolique et de ses vigoureuses espérances; après avoir vu et observé tout cela et avoir prêté une oreille attentive aux savantes discussions qui se sont engagées ici entre tant de maîtres expérimentés, il ne me reste qu’à répéter, du fond du cœur et avec une conviction inébranlable, le cri qui retentissait ici il y a deux jours:Vive la parole! Bannissons les méthodes incomplètes, les méthodes illusoires, qui pendant si longtemps eurent la prétention de tenir la place ou de lui servir de complément! Messieurs! On raconte que Mahomet, lorsqu’il prêcha à la Mecque, le culte d’un Dieu unique, parcourut, un marteau à la main, le temple peuplé d’idoles, et s’arrêtant devant chacune d’elles, il la frappait à la tête en s’écriant:Disparaissez, simulacres trompeurs! le vrai Dieu s est révélé. Nous en disons autant aux signes:hors d’ici, et place à la parole! ”.

12“Dagegen tritt der Berichterstatter auf und stellt unter ausführlicher Begründung die Forderung auf, dass bei einem achtjährigen Kursus in den beiden oberen Klassen auch besonderer grammatikalischer Unterricht ertheilt werden müsse, wobei jedoch selbstverständlich von einer wissenschaftlichen, rein methodischen Behandlungsweise ganz abzusehen sei. Diese Ansicht wird noch besonders durch Franck unterstützt”.

13“A majority of the French delegates were members of an ecclesiastical order called the Brotherhood of St. Gabriel. Many of these brothers expressed the opinion freely in private conversation that signs could not be dispensed with in the instruction of deaf-mutes, and also that not all deaf-mutes could succeed under the oral method. They took no part, however, in the debate until towards the close, when Frère Hubert, inspector of the schools under the direction of the Brothers, rose and announced his conversion to the ‘pure oral method’, closing his little speech by giving thanks to M. Eugène Pereire, through whose liberality the members of his brotherhood had been enabled to visit Milan and attend the Convention. And not a brother of St. Gabriel voted against the method of Pereire”.

14“My surprise, however, was extreme when I understood that his speech was a recantation of the errors of the French system, and an unreserved acknowledgment of the superiority of the Italian. I could see that he was not accorded the unanimous concurrence of the others of the St. Gabriel brothers; but no one spoke. It is possible that their etiquette enjoined silence on account of his superior age and his possibly higher rank. The eloquence of the articulationists, and the results they exhibited, must have seemed more astonishing and convincing to him than they seemed to us transatlantics. I cannot otherwise account for so radical and unexpected a change of opinion in the face of life-long experience and observation”.

15“L'uno ebbe luogo già questa mattina, alle ore 10112 dagli allievi del convitto maschile dei sordo-muti poveri della campagna milanese, Riusci brilhantissimo, commovente. Un altro avrà luogo domani giorno 5, al mezzodí per quelli d’ ambo i sessi del regio instituto, che provvêde pei sordo-mutti civili di tutta italia. A chiusura del congresso. il giorno 13 nello stesso locale del Convitto Maschile, daranno il loro esame le sorde mute povere di campagna dipendenti dalla stessa amministrazione e istruite collo stesso metodo orale dalle figlie di caritá nel convitto di San Michele alla Chiusa”.

16“Contentons-nous donc de dire à cette place que M. Franck a constaté dans ces écoles : pour la lecture sur les lèvres des résultats merveilleux, et, pour l’articulation, des résultatssi satisfaisants qu’il s’est déclaré partisan convaincu de la méthode orale pure ; si bien même, et cela n’a pas été une des moindres singulaintés du Congrès, qu’il a rédigé et fait adopter, sous la forme qu’il lui avait donnée, la deuxième résolution votée par le Congrès, qui déclare que la méthode orale pure doit être préférée”.

17“Exercices pratiques pour l’examen. — Répéter les syllabes et les mots lus sur les lèvres ; — ensuite les écrire sur l’ardoise, ou les composer sur le tableau alphabétique. — Compter un à un, deux à deux, etc. — Nommer un objet montré ; ou bien le designer s’il est nommé. — Faire des actions simples commandées par la parole. — Faire le signe du chrétien en disant: au nom du Père, etc. — et réciter la Salutation Angélique”.

18“Questa triplice prova torna importantissima ai maestri stranieri per istabilire le loro disussioni sull'argomento eloquente dei fatti o insieme per riconoscere il florido stato delle nostre istituzioni di tal genere, il cui buon nome meritò che milano avesse l'alto oncre déssere la prescelta a sede del congresso fra forse trecento cittá ch'hanno un'istituto per sordo-muti”.

19“Nella vasta sala dell' istituto tecnico a santa Marta s'inaugurò ieri a mezzodi il congresso internazionale dei maestri dei sordo-muti. Fu una solennità. La sala era affollatissima di congressisti, la piú parte, francesi, tedeschi, inglesi, americani. Presiedevano all'inaugurazione il Prefetto e il Sindaco, oltre a vari senatori e deputati, consiglieri provinciali e comunali. Fra gli intervenuti abbiamo notato Cesare Cantu, gli on. Fano, Correnti, Gorla, Visconti Venosta, Giulio Bianchi. La banda suonô l'inno reale. Dopo l'inno, il presidente del comitato preparatore, Augusto Zucchi, pronunciò un discorso che a noi, e a tutti parve splendido”.

20“I sordo-muti (cel lo apprende la citata statistica) i sordo-muti che oggi si trovano nei 36 istituti italiani per esservi educati, sono in tutto 1500; ma sapete voi quanti sono i nostri sordo-muti fra i 5 e i 21 anni, età, che presa largamente, è la più propizia per l'istruzione? Sono 15,000”.

21“L'altro giorno, all'exame finale dei sordo-muti povori de campagna, fu proposto, e fu chiesta l'autorizzazione al sindaco Negri, di collocare una lapide dove ora sorge l'Istituto destinato ad essesre demolito per la continuazione dei lavori stradali del rione di porta Genova”.

22“[...] lapide commemorativa, dovendo servire di documento storico, deve prima di tutte riportare esattamente la veritá storica”.

23“Qui i maestri dei sordo-muti dei due mondi - la prima volta adunati in congresso - il 04 settembre 1880 - sull'exemplo delle scuole milanensi - votarono d'insegnare ai loro allievi - la parola e cella sola parola”.

24“Il voto - la parola e colla sola parola - fu pronunzito nell'aula del congresso a santa marta”.

25“Una lapide simile a quella proposta dovrabbe dunque essere collocata invece sulla facciata dell istituto tecnico, e certo merita che si conservi memoria di un avvenimento di grande importanza per la storia dell'umanitá soliereute e dei progressi della filantropia iluminata”.

26“Oggi nell' Istituto dei sordomuti di campagna verrà scoperto il monumento eretto a don Giulio Tarra, dalla Commissione per l'educazione dei sordomuti poveri. Compie com oggi appunto l'anno da che il povero Tarra moriva dopo 34 anni di rettorato di quell'Istituto, a ui egli attendeva com vera passione di filantropo. Il Tarra portò nell'insegnamento dei sordomuti delle innovazioni importanti. Egli comprese dal principio della sua carriera come l'indireizzo di tale insegnamento fosse sbagliato giacchè partiva no dal noto ma dall'ignoto”.

27“L’abbé Tarra, directeur de l’Insttitution des Sourds-Muets pauvres de Milan, a été nommé président. Tous les membres du Congrès garderont le souvenir de ce type accompli de la grâce italienne, dont la physionomie expressive soulignait chaque trait d’une parole qui, toujours abondante, qui, tourjours naturelle, montait souvent et sans effort à l’éloquence”.

58Rodadas de avaliação: R1: quatro convites; três avaliações recebidas.

59Como citar este artigo: Vieira-Machado, L. M. C., & Rodrigues, J. R. Olhar novamente para o Congresso Internacional de Educação para Surdos em Milão (1880): um desafio historiográfico. (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e202

62Received on: 25.04.2021 Approved on: 19.09.2021 Published on: 21.12.2021 (Portuguese version) Published on: 01.28.2022 (English version)

63Responsible associate editor: José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

64Peer review rounds: R1: four invitations; three reports received.

65How to cite this article: Vieira-Machado, L. M. C., & Rodrigues, J. R. Olhar novamente para o Congresso Internacional de Educação para Surdos em Milão (1880): um desafio historiográfico. (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e202

28During the text, we will name it as it is commonly called: Milan Congress or even just Milan.

29As we pointed out in the introduction, many works address the 1880 Milan Congress as a significant harmful and oppressive landmark for deaf education. In another article, we deal with some ‘un-truths’ repeated constantly about this congress, but which are not confirmed in the unknown documents. It is noteworthy that, in general, when dealing with the congress, the works do not refer to primary sources. In addition to being unknown, they are not translated into Portuguese. It is impossible to cite many of them because there are not a few, and there is no one that stands out.

30Another text often cited by these authors, including Strobel, is The Mask of Benevolence: Disabling the Deaf Community by Harlan Lane (1992). The author also places the Milan Congress as a landmark in gagging the deaf community in their education.

31The article entitled: ‘Congress of Paris (1900): the section of deaf and its update on the education of deaf’ will address precisely how this gap can be filled with at least (between 1880 and 1900) five deaf congresses who resisted the Milan decisions and discuss other issues of interest to deaf communities. It is possible to meet deaf people who were activists but utterly unknown in our Brazilian academic context in these congresses. Retrieved from: https://www.scielo.br/j/rbhe/a/tWRy9qH9RHS3mdk7FhjNzdJ/?lang=pt.

32The Portuguese translation of the report of this congress can be found at: https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/93873.

33“Première journée. — 1° De la nécessité d'une statistique générale ; 2° Psychologie du sourd-muet.Deuxième journée. — 3° Rôle de la famille dans les soins à donner au jeune sourd-muet ; 4° le jeune sourd-muet peut-il être admis dans les écoles publiques des entendants-parlants? Troisième journée. —1° Méthodes et procédés ; leur unification ; 2° plan d'études ; 3° livres scolaires. Quatrième journée. — 4° Admission des deux sexes dans le même établissement; 5° recrutement des maîtres ; 6° état actuel de l'enseignement ; 7° quelles sont les causes qui, jusqu'ici, ont empêché d'obtenir des résultats satisfaisants dans l'enseignement des sourds-muets? Cinquième journée. — 1°. Comment préparer et assurer l'indépendance et l'entretien des sourds-muets à leur sortie des institutions ? 2° quelle est la proportion des sourds-muets qui, par leur travail, suffisent à leurs besoins ? 3° mendicité, vagabondage ; comment les faire disparaître?”.

34“Le Congrès, après en avoir mûrement délibéré (tout en conser-vant l’emploi de la mimique naturelle, comme auxiliaire de l’enseignement, en tant que premier moyen de communication entrele maître et l’élève), estime que la méthode dite d’articulation et comportant la lecture de la parole sur les lèvres, qui a pour but de rendre plus complètement le sourd-muet à la société, doit être résolument préférée à toutes les autres, préférence que justifie d’ailleurs l’usage de plus en plus général de cette méthode chez toutes les nations de l’Europe et môme en Amérique. Toutefois il émet l’avis que l’enseignement par lui préconisé comme applicable à la généralité des enfants sourds-muets, ne pouvant convenir aux sujets dont la culture intellectuelle a été négligée ou complètement délaissée, il y a lieu d’appliquer à ceux-ci un enseignement qui, par des voies rapides, au moyen des signes communs à tous les sourds-muets, permette de développer leurs facultés dans la me”.sure du possible”.

35“Se soutiennent toujours mutuellement et concourent ensemble au mt!me but, savoir : l'instruction et l'éducation du sourd-muet ”.

36“‘S’il en est ainsi, je désire que ce procédé soit introduit en France, à commencer par l’Institution Nationale, car la parole est, après tout, le moyen de communication le plus universel’ ; et rappelant l’opinion défavorable mise par lui en 1861, il ajoutait : ‘Jesuis tout prêt à changer d’avis devant des efforts couronnés d’um succès durable et général’. Eh bien, la promesse qu’il avait faite Paris en 1875, M. Franck l’a tenue à Milan en 1880, et nous l’entendrons, dans la dernière séance du Congrès, expliquer éloquemment sa loyale et précieuse adhésion à la méthode de la parole”.

37“Je n’oublie pas, monsieur le ministre, que les propositions que j’ai l’honneur de vous soumettre s’écartent beaucoup de celles que j’ai présentées dans mon rapport de 1861. Elles s’en écartent, mais ne les contredisent pas. La parole, telle qu’on l’enseignait alors aux sourds-muets n’était pas ce qu’elle est aujourd’hui. Il ne m’en avait été présenté que des exemples informes, et j’ai cru qu’il était prudent, non pas de la proscrire, mais de la mettre en quarantaine. À présent, je me fais un devoir de l’appeler de mes vœux les plus ardents. Au reste, il est permis de changer d’opinion quand c’est pour faire le bien et pour servir la vérité”.

38“Aujourd’hui, après avoir examiné à plusieurs reprises les admirables écoles de Milan ; aujourd’hui, après avoir vu à l’œuvre vos instituteurs et vos institutrices, non moins dignes d’admiration par leur zèle, par leur caractère et par leur patience angélique que par leur habileté dans l’enseignement; aujourd’hui, après avoir entendu ici notre vénérable Président, un maître dans l’art, non seulement de faire parler, mais de parler; après avoir entendu l’éloquent et lumineux commentaire que nous a donné de son discours mon compatriote, l’abbé Guérin ; après avoir vu exalté votre zèle par tant d’hommes que le leu divin de la charité a embrasés, entre autres par l’abbé Balestra, qui est venu généreusement offrir à la France le concours de son zèle, de sa fougue apostolique et de ses vigoureuses espérances; après avoir vu et observé tout cela et avoir prêté une oreille attentive aux savantes discussions qui se sont engagées ici entre tant de maîtres expérimentés, il ne me reste qu’à répéter, du fond du cœur et avec une conviction inébranlable, le cri qui retentissait ici il y a deux jours:Vive la parole! Bannissons les méthodes incomplètes, les méthodes illusoires, qui pendant si longtemps eurent la prétention de tenir la place ou de lui servir de complément! Messieurs! On raconte que Mahomet, lorsqu’il prêcha à la Mecque, le culte d’un Dieu unique, parcourut, un marteau à la main, le temple peuplé d’idoles, et s’arrêtant devant chacune d’elles, il la frappait à la tête en s’écriant:Disparaissez, simulacres trompeurs! le vrai Dieu s est révélé. Nous en disons autant aux signes:hors d’ici, et place à la parole! ”.

39“Dagegen tritt der Berichterstatter auf und stellt unter ausführlicher Begründung die Forderung auf, dass bei einem achtjährigen Kursus in den beiden oberen Klassen auch besonderer grammatikalischer Unterricht ertheilt werden müsse, wobei jedoch selbstverständlich von einer wissenschaftlichen, rein methodischen Behandlungsweise ganz abzusehen sei. Diese Ansicht wird noch besonders durch Franck unterstützt”.

40“A majority of the French delegates were members of an ecclesiastical order called the Brotherhood of St. Gabriel. Many of these brothers expressed the opinion freely in private conversation that signs could not be dispensed with in the instruction of deaf-mutes, and also that not all deaf-mutes could succeed under the oral method. They took no part, however, in the debate until towards the close, when Frère Hubert, inspector of the schools under the direction of the Brothers, rose and announced his conversion to the ‘pure oral method’, closing his little speech by giving thanks to M. Eugène Pereire, through whose liberality the members of his brotherhood had been enabled to visit Milan and attend the Convention. And not a brother of St. Gabriel voted against the method of Pereire”.

41“My surprise, however, was extreme when I understood that his speech was a recantation of the errors of the French system, and an unreserved acknowledgment of the superiority of the Italian. I could see that he was not accorded the unanimous concurrence of the others of the St. Gabriel brothers; but no one spoke. It is possible that their etiquette enjoined silence on account of his superior age and his possibly higher rank. The eloquence of the articulationists, and the results they exhibited, must have seemed more astonishing and convincing to him than they seemed to us transatlantics. I cannot otherwise account for so radical and unexpected a change of opinion in the face of life-long experience and observation”.

42“L'uno ebbe luogo già questa mattina, alle ore 10112 dagli allievi del convitto maschile dei sordo-muti poveri della campagna milanese, Riusci brilhantissimo, commovente. Un altro avrà luogo domani giorno 5, al mezzodí per quelli d’ ambo i sessi del regio instituto, che provvêde pei sordo-mutti civili di tutta italia. A chiusura del congresso. il giorno 13 nello stesso locale del Convitto Maschile, daranno il loro esame le sorde mute povere di campagna dipendenti dalla stessa amministrazione e istruite collo stesso metodo orale dalle figlie di caritá nel convitto di San Michele alla Chiusa”.

43“Contentons-nous donc de dire à cette place que M. Franck a constaté dans ces écoles : pour la lecture sur les lèvres des résultats merveilleux, et, pour l’articulation, des résultatssi satisfaisants qu’il s’est déclaré partisan convaincu de la méthode orale pure ; si bien même, et cela n’a pas été une des moindres singulaintés du Congrès, qu’il a rédigé et fait adopter, sous la forme qu’il lui avait donnée, la deuxième résolution votée par le Congrès, qui déclare que la méthode orale pure doit être préférée”.

44“Exercices pratiques pour l’examen. — Répéter les syllabes et les mots lus sur les lèvres ; — ensuite les écrire sur l’ardoise, ou les composer sur le tableau alphabétique. — Compter un à un, deux à deux, etc. — Nommer un objet montré ; ou bien le designer s’il est nommé. — Faire des actions simples commandées par la parole. — Faire le signe du chrétien en disant: au nom du Père, etc. — et réciter la Salutation Angélique ”.

45“Questa triplice prova torna importantissima ai maestri stranieri per istabilire le loro disussioni sull'argomento eloquente dei fatti o insieme per riconoscere il florido stato delle nostre istituzioni di tal genere, il cui buon nome meritò che milano avesse l'alto oncre déssere la prescelta a sede del congresso fra forse trecento cittá ch'hanno un'istituto per sordo-muti”.

46“Nella vasta sala dell' istituto tecnico a santa Marta s'inaugurò ieri a mezzodi il congresso internazionale dei maestri dei sordo-muti. Fu una solennità. La sala era affollatissima di congressisti, la piú parte, francesi, tedeschi, inglesi, americani. Presiedevano all'inaugurazione il Prefetto e il Sindaco, oltre a vari senatori e deputati, consiglieri provinciali e comunali. Fra gli intervenuti abbiamo notato Cesare Cantu, gli on. Fano, Correnti, Gorla, Visconti Venosta, Giulio Bianchi. La banda suonô l'inno reale. Dopo l'inno, il presidente del comitato preparatore, Augusto Zucchi, pronunciò un discorso che a noi, e a tutti parve splendido”.

47“I sordo-muti (cel lo apprende la citata statistica) i sordo-muti che oggi si trovano nei 36 istituti italiani per esservi educati, sono in tutto 1500; ma sapete voi quanti sono i nostri sordo-muti fra i 5 e i 21 anni, età, che presa largamente, è la più propizia per l'istruzione? Sono 15,000”.

48“L'altro giorno, all'exame finale dei sordo-muti povori de campagna, fu proposto, e fu chiesta l'autorizzazione al sindaco Negri, di collocare una lapide dove ora sorge l'Istituto destinato ad essesre demolito per la continuazione dei lavori stradali del rione di porta Genova”.

49“[…] lapide commemorativa, dovendo servire di documento storico, deve prima di tutte riportare esattamente la veritá storica”.

50“Qui i maestri dei sordo-muti dei due mondi - la prima volta adunati in congresso - il 04 settembre 1880 - sull'exemplo delle scuole milanensi - votarono d'insegnare ai loro allievi - la parola e cella sola parola”.

51“Il voto - la parola e colla sola parola - fu pronunzito nell'aula del congresso a santa marta”.

52“Una lapide simile a quella proposta dovrabbe dunque essere collocata invece sulla facciata dell istituto tecnico, e certo merita che si conservi memoria di un avvenimento di grande importanza per la storia dell'umanitá soliereute e dei progressi della filantropia iluminata”.

53“Oggi nell' Istituto dei sordomuti di campagna verrà scoperto il monumento eretto a don Giulio Tarra, dalla Commissione per l'educazione dei sordomuti poveri. Compie com oggi appunto l'anno da che il povero Tarra moriva dopo 34 anni di rettorato di quell'Istituto, a ui egli attendeva com vera passione di filantropo. Il Tarra portò nell'insegnamento dei sordomuti delle innovazioni importanti. Egli comprese dal principio della sua carriera come l'indireizzo di tale insegnamento fosse sbagliato giacchè partiva no dal noto ma dall'ignoto”.

54“L’abbé Tarra, directeur de l’Insttitution des Sourds-Muets pauvres de Milan, a été nommé président. Tous les membres du Congrès garderont le souvenir de ce type accompli de la grâce italienne, dont la physionomie expressive soulignait chaque trait d’une parole qui, toujours abondante, qui, tourjours naturelle, montait souvent et sans effort à l’éloquence”.

Recebido: 25 de Abril de 2021; Aceito: 19 de Setembro de 2021; Publicado: 21 de Dezembro de 2021

* Autora para correspondência. E-mail:profaluvieiramachado@gmail.com

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado é Doutora (2012) e Mestre (2007) em Educação, pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE- UFES). Fez estágio pós-doutoral, em Educação (2015), pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) financiada pela Capes. Atualmente é professora Associada I do curso Letras Libras, lotada no Departamento de Línguas e Letras (DLL), no Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN) da Universidade Federal do Espírito Santo. Professora e orientadora de mestrado e doutorado do curso de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFES) e professora colaboradora no programa de Pós-graduação em Linguística (PPGEL). Líder do Grupo de Pesquisa em Libras e Educação de Surdos (GIPLES/CNPq-UFES) E-mail: profaluvieiramachado@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7385-6243

José Raimundo Rodrigues é graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1993), curso livre de Teologia pelo Instituto Teológico São José (1999); graduado em Serviço Social pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (2013); mestre (2006) e doutor (2011) em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte; graduado em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior FABRA. Mestre em Educação pelo PPGE - UFES. Atualmente é doutorando em Educação pelo PPGE- UFES; Coordenador de Turno da Prefeitura Municipal de Vitória. Tem experiência na área de educação, gestão escolar. Nos últimos anos pesquisa sobre educação de surdos em documentos históricos. E-mail: educandor@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-3922-1105

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado: Ph.D. (2012) and Master (2007) in Education, by the Postgraduate Program in Education at the Federal University of Espírito Santo (PPGE- UFES). She did a postdoctoral internship, in Education (2015), by the Postgraduate Program in Education at the University Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), financed by Capes. Currently, she is Associate Professor I of the Libras Language course, working at the Department of Languages and Letters (DLL) at the Center for Human and Natural Sciences (CCHN) at the Federal University of Espírito Santo. Professor and advisor for the Master’s and Doctorate courses in the Postgraduate Course in Education (PPGE/UFES) and collaborating professor in the Postgraduate Program in Linguistics PPGEL). Leader of the Research Group on Libras and Deaf Education (GIPLES/CNPq-UFES). E-mail: profaluvieiramachado@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7385-6243

José Raimundo Rodrigues: graduated in Philosophy at the Pontifical Catholic University of Minas Gerais (1993), free course in Theology at the São José Theological Institute (1999); graduated in Social Work at the Leonardo da Vinci University Center (2013); Master (2006) and Ph.D. (2011) in Theology from the Jesuit School of Philosophy and Theology of Belo Horizonte; graduated in Pedagogy at the FABRA Higher Education Center. Master in Education at the PPGE - UFES. He is currently a doctoral candidate in Education at PPGE- UFES; Shift Coordinator at the Municipality of Vitória. He has experience in education and school management and has researched deaf education in historical documents. E-mail: educandor@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-3922-1105

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