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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.22  Maringá  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e235 

Artigo Original

Mariana Coelho e sua gênese feminista: do domínio do alfabeto e da escrita ao ofício da leitura

Mariana Coelho and her feminist genesis: from the domain of the alphabet and writing to the craft of reading

Mariana Coelho y su génesis feminista: del dominio del alfabeto y la escritura al oficio de la lectura

Dyeinne Cristina Tomé1  * 
http://orcid.org/0000-0002-9637-8061

Névio de Campos1 
http://orcid.org/0000-0003-1850-316X

1Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil.


Resumo:

O objetivo deste artigo é mostrar a relação de Mariana Coelho (1857-1954) com o universo da leitura e da escrita, assim como o significado e simbolismo que envolvem essa prática expressa desde o período em que viveu em Portugal, na segunda metade do século XIX, até o período em que passou a viver no Brasil, durante a primeira metade do século XX. Para tanto, apoia-se em algumas reflexões de Roger Chartier e Robert Darnton, assim como de Pierre Bourdieu e Jean-François Sirinelli, autores que nos permitem melhor compreender os espaços sociais, culturais e simbólicos nos quais Mariana Coelho transitou. Assim, ao tratar dos aspectos fundantes da trajetória dessa personagem, ressalta-se a importância desta análise ao revelar características e especificidades de um cenário mais amplo.

Palavras-chave: trajetória intelectual; leitura e escrita; educação das mulheres

Abstract:

The aim of this article is to show the relationship of Mariana Coelho (1857-1954) with the universe of reading and writing, as well as the meaning and symbology surrounding this practice expressed during the period in which she lived in Portugal, until the period in which it begins to live in Brazil. For that, it draws on some reflections by Roger Chartier and Robert Darnton, as well as Pierre Bourdieu and Jean-François Sirinelli, authors that allow us to understand the social, cultural and symbolic spaces in which Mariana Coelho transited. Thus, when dealing with the fundamental aspects of the trajectory of this character, the importance of this analysis is highlighted, as it reveals characteristics and specificities of a broader scenario.

Keywords: intellectual trajectory; reading and writing; women's education

Resumen:

El objetivo de este artículo es mostrar la relación de Mariana Coelho (1857-1954) con el universo de la lectura y de la escritura, y el significado y simbolismo que implica esta práctica expresada durante el período en el que vivió en Portugal, en la segunda mitad del siglo XIX, hasta el período en que comenzó a vivir en Brasil, durante la primera mitad del siglo XX. Para ello, se apoya en algunas reflexiones de Roger Chartier y Robert Darnton, así como de Pierre Bourdieu y Jean-François Sirinelli, autores que nos permiten comprender mejor los espacios sociales, culturales y simbólicos en que Mariana Coelho transitó. Así, al tratar de los aspectos fundantes de la trayectoria de este personaje, se resalta la importancia de este análisis al revelar características y especificidades de un escenario más amplio.

Palabras clave: trayectoria intelectual; lectura y escritura; educación de las mujeres

Introdução

Intentamos, neste artigo, apresentar e discutir alguns aspectos da trajetória de Mariana Coelho (1857-1954)1, considerando o ambiente cultural da leitura feminina do período por ela vivido em Portugal, na segunda metade do século XIX, assim como sua relação com o universo da leitura e da escrita no período em que passou a residir no Brasil, na primeira metade do século XX. Buscamos apurar como as representações e as leituras que ela realizou se mostraram presentes, posteriormente, nos seus escritos e como se converteram em capital simbólico para que fosse reconhecida e ocupasse uma posição de destaque nos restritos espaços literário e intelectual paranaense e brasileiro.

Assim, concentra-se na atuação de Mariana Coelho pelo no universo letrado, bem como na compreensão de como essa prática foi se configurando ao longo de seu itinerário de escritora. Identificar as pistas deixadas por meio das leituras que realizou possibilita a análise e a compreensão de um cenário mais amplo: o da relação das mulheres com as práticas e os simbolismos que orbitavam o universo letrado durante aquele período.

Dessa maneira, considerar Mariana Coelho em um espaço de leitura mais amplo possibilitaria indicar como vivenciou e participou desse universo ao acessar desde as leituras autorizadas e indicadas a qualquer moça lusitana do século XIX - temas amenos recomendados às mulheres - até as leituras de cunho científico, filosófico e histórico que passou a realizar, em especial, quando se mudou para o Brasil. Esse percurso dotou-a de certa fundamentação para a sua visão feminista, bem como possibilitou sua inserção nos meios literários e intelectuais.

Esse empreendimento analítico far-se-á em diálogo com Roger Chartier e Robert Darnton, notadamente no que se refere à história do universo da leitura. Além disso, apoia-se nas reflexões de Pierre Bourdieu e Jean-François Sirinelli, em particular naqueles aspectos que remetem ao problema dos intelectuais e dos espaços ou meios culturais. Ao lado desses autores, mobiliza-se um conjunto de obras acadêmicas a fim de problematizar os escritos de Mariana Coelho, sobretudo os que dão pistas de como ela convivia com o mundo letrado.

A leitura no século XIX português

Ao voltarmos nossa atenção para o ambiente cultural da leitura vivenciado por Mariana Coelho, é possível identificarmos os simbolismos ligados à tal prática e como ela os expressava em seus espaços de relações. Para essa afirmação, apoiamo-nos nas pistas e impressões deixadas em sua produção escrita, notadamente em seu livro Cambiantes: contos e fantasias, de 1940, que, além de trazer informações sobre a sua relação com o meio letrado, indica alguns sentidos da leitura e da escrita para ela. Cotejamos, ainda, outros escritos, em particular no próximo item deste artigo.

Para lidarmos com tais sinais, contamos com o que preconiza Darnton (1992) quando afirma que, para recuperar o universo das leituras realizadas por uma personagem, é necessária a apreensão das ideias e das suposições subjacentes à leitura de seu passado, isto é, de tudo que possa oferecer alguma noção daquilo que as pessoas elaboravam quando liam. Valendo-nos de tais observações, as produções de Mariana Coelho são igualmente eleitas como fontes desse texto, muito embora grande parte do que escreveu se origine da fase posterior à chegada ao Brasil. Como pondera Darnton, além de a leitura significar um processo interno, no qual os leitores decodificam, compreendem e estabelecem significados às palavras, tudo aquilo que é produzido pode oferecer uma compreensão do ‘como’ e dos ‘porquês’ da leitura. Ao examinarmos a maneira como essa personagem estava inserida no universo da leitura, é possível entender as especificidades de seu pensamento expresso em seus escritos e em sua atuação na vida pública em defesa da emancipação das mulheres, seja ao nos referirmos ao livro Cambiantes, escrito em Portugal (mas o último a ser publicado), seja ao mencionarmos os que foram concebidos e publicados no Brasil.

Mariana Coelho inseriu-se no universo da leitura desde muito cedo, como ela própria registra: “[...] desde muito mocinha” (Coelho, 1936, p. 2). Embora não seja uma informação precisa do seu início no mundo do alfabeto, indica pertencer a um grupo social que já convivia com as divisões de idade, sendo presente a expectativa de que uma das tarefas das crianças e jovens consistia na iniciação ao universo da leitura e da escrita. Naquela época, a instrução em Portugal, incluindo a feminina, era encarada, cada vez mais, como uma necessidade social, garantidora de certa noção de desenvolvimento e modernização. Devido à preocupação com a educação ofertada à população, segundo Rafael (2011), o século XIX marcou o início do hábito de ler no país, contribuindo para a industrialização da imprensa e o crescimento do mercado editorial.

O projeto social, que pretendia elevar o nível educacional da população de modo geral, compreendia que isso não poderia ser feito sem considerar a coletividade feminina. Dessa forma, a defesa por uma educação feminina passou a ser considerada um dos apanágios responsáveis pelo avanço da sociedade (Rafael, 2011). Esse autor relata ainda que, embora existissem alguns avanços no desenvolvimento do sistema público de instrução, parece que não havia uma forma normatizada, voltada à população, para ascender às letras. A educação, muitas vezes, iniciava-se na própria família, ainda mais com o papel atribuído às mães como primeiras educadoras dos filhos.

Mariana Coelho nasceu em Portugal, no dia 10 do mês de setembro de 1857. Conforme nos conta Ribeiro (2015), dividia sua vida, durante o tempo em que viveu em terras lusitanas, entre a Vila de Sabrosa e Quinta de Valcovo, na Povoação de Ermida. Ela cresceu nesse espaço, com marcas deixadas por uma longa tradição familiar, que se estendeu até o modelo de educação ofertado a ela e aos seus irmãos. Ao que tudo indica, foi instruída no meio familiar pelo próprio pai, que tinha formação na área farmacêutica, e por seus tios-padres de quem recebera uma educação bastante rígida.

Dito isso, podemos considerar que Mariana Coelho foi alfabetizada, porém não temos dados que comprovem sua escolarização. Provavelmente, a ausência dessas informações se deve ao fato de que, quando estava em idade escolar, as instituições que ofertavam instrução para as meninas ainda eram escassas. Assim, muitas vezes, conforme Outeirinho (1992), a educação familiar e religiosa era apresentada como fator único de uma educação ofertada às meninas naquele período. Com base em tais informações, podemos supor que Mariana Coelho, devido à carência de escolas destinadas à instrução feminina em sua região, foi iniciada seguindo os moldes de uma educação realizada em âmbito familiar.

Apesar dos empecilhos, Mariana Coelho pôde ser educada por ter nascido em uma família com condição cultural, social e econômica capaz de proporcionar uma educação que lhe garantisse a possibilidade de tornar-se uma mulher culta. Seguindo os apontamentos de Bourdieu (2007), podemos inferir que Mariana Coelho incorporou esse capital cultural no seio familiar, porque viveu em um ambiente que lhe possibilitou o acesso ao mundo letrado e a uma educação que naquele momento poucos conseguiam.

Apesar de Mariana Coelho não ter frequentado um espaço educacional formal, as escolas destinadas à instrução feminina passaram a ser cada vez mais frequentes, já que se tornava premente o reconhecimento da educação das mulheres como um contributo para o projeto de modernização do país. Com isso, passou-se a demandar a inclusão das mulheres na perspectiva de melhoria educacional da população, tendo em vista a tão sonhada ideia de progresso da sociedade portuguesa. A mudança no pensamento em relação à população feminina, segundo Chartier (1998), pode ser considerada uma verdadeira revolução no campo da leitura, já que as mulheres passaram a compor a nova categoria de leitoras e leitores do século XIX, representando uma parte crescente e significativa do novo público consumidor. A instrução feminina, pautada pelo novo cenário social, possibilitou a emergência de uma nova figura oitocentista: a leitora, que passou a ser socialmente aceita, reconhecida e valorizada. Foi em meio a esse contexto de transformação, sobretudo em relação às mulheres, que Mariana Coelho cresceu envolvida por um universo de leitura criado especial e especificamente para o uso feminino. Tanto que, na observação de Lyons (1999), muitos foram os investimentos para seu emprego e sua manutenção.

Mariana Coelho, como uma típica menina de seu tempo, ao que tudo indica, foi leitora do que estava em voga como leitura caracteristicamente feminina. Prática essa referida por ela em seu livro Cambiantes: Contos e fantasias (1940), última obra sua a ser publicada, porém, segundo a autora, a primeira a ser escrita, ainda no período em que vivia em terras lusitanas. O fato de ter sido publicado a posteriori mostra alguma relação com o momento da maturidade da autora, apesar de toda preocupação em controlar os efeitos de sentidos. Apesar de tais características, a obra Cambiantes é utilizada por nós para aproximarmos a experiência dessa personagem ao universo cultural da leitura. A fim de reduzir o descompasso com o período em que ela passou a viver no Brasil, cujo tempo é marcado pela escrita e publicação de muitos textos e livros, a pretensão é indicar um ambiente mais geral da leitura em Portugal, notadamente do universo próprio das leituras femininas. Apesar de se tratar de uma obra de ficção, esse livro nos fornece indícios sobre a relação da autora com o mundo letrado, porque, conforme declara, apesar de a obra estar “[...] adornada pelos caprichosos devaneios da fantasia [...]”, el[a] não deixa de ter “[...] um grande fundo de compreensível verdade [...]” (Coelho, 1940, p. 14). Ela advertia que, ao ser lida aquela publicação tardia, deveria ser considerada sua falta de habilidade no exercício com a pena pela imaturidade juvenil e abstrações por ela causadas.

A falta de riqueza literária que provavelmente ressalta ao leitor numa grande parte do presente livro, é, pois, devida, principalmente, ao facto de ser ela urdida na idade agitada e ao mesmo tempo dominada por puerilidades verdadeiramente infantis e por emoções exageradas, o que é próprio do natural esperançoso alvoroço juvenil - idade que, em regra, não dá margens para estudo profundo, preciso e rigoroso (Coelho, 1940, p. 15).

Ela deixa sinais das leituras que provavelmente realizou em sua juventude. Aquelas que, segundo Rafael (2011), eram indicações de leituras femininas e que estavam relacionadas à sua natureza frágil, sonhadora, aprisionada pela imaginação e emoções, provenientes de romances, de contos ou de poesias. Essa forma de leitura, evidenciada por sua escrita, era considerada a antítese das leituras de domínio público e, por isso, reservada ao universo masculino. Supomos que Mariana Coelho teve um repertório de leitura bastante amplo, e os romances que pode ter lido, assim como qualquer moça lusitana oitocentista alfabetizada, consistiam em apenas mais um dos gêneros que ela teria acessado.

A leitura se dá por meio de uma diversidade de elementos que a caracterizam, como o tipo de leitura oferecido, locais em que ela se realiza e a sua finalidade, ou seja, as práticas e os simbolismos que a envolvem. Conforme Chartier (2002, p. 16-17), a história da leitura “[...] tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”.

O livro Cambiantes pode ser considerado um retrato das paisagens, das vivências e das relações com o mundo letrado, quando ela ainda vivia em Vila de Sabrosa e Quinta de Valcovo. Sobre tais experiências, tão recorrentes em seu livro, a autora justifica já no prólogo que: “[...] são as ideias, que esses assuntos românticos despertam, filhas de inapagáveis recordações do passado, de um passado que não volta pois não podemos retroceder á idade primaveril [...]” (Coelho, 1940, p. 14). Nota-se uma visão reflexiva da autora a respeito de sua mocidade, daquele momento inicial de sua formação. Seu olhar retrospectivo combina certa imagem apregoada aos intelectuais, em que a racionalidade deve predominar sobre os aspectos afetivos. De qualquer modo, essa distinção fortemente pregada pela condição de sua maturidade revela algo incorporado pela própria experiência de seu engajamento em defesa das mulheres, como indicam seus escritos feministas (Tomé, 2020; Bueno, 2010; Kamita, 2004). Essa diferenciação tão precisa entre sentimento e razão é mais uma força moral que move a atuação de intelectuais do que algo que se constata recorrentemente nos seus itinerários. Como observa Jean-François Sirinelli (1996, p. 260), “[...] a ingenuidade é grave quando se supõe que o engajamento político procede da lucidez, ela própria alimentada pela Razão. E forçoso é constatar que, nesse engajamento, o sentimento e a afetividade algumas vezes prevaleceram sobre a Razão”. É possível identificar um pouco disso na autoimagem de Mariana Coelho, o que expressa alguma ambivalência, como sublinha Sirinelli (1996, p. 260):

Mas surge assim mesmo uma contradição, é preciso insistir nisso, quando, ao mesmo tempo, é precisamente em nome da Razão que se faz a intervenção, e quando é esta referência que legitima, aos seus próprios olhos e nas representações coletivas, a ação dos intelectuais.

Em alguns contos de Cambiantes, conseguimos perceber Mariana Coelho envolta nessa teia de sentimentos, figurando como a própria protagonista de sua narrativa, como no conto ‘Um urso’, em que afirma: “[...] a experiéncia me tem feito concluir que existem realmente tipos excepcionais que se gabam com o mais curioso desplante, da sua falta de coragem para ligar o seu destino ao de uma mulher de espírito culto [...]” (Coelho, 1940, p. 59). E termina sua sentença de modo resoluto: “[...] as almas feitas de trevas não compreendem a luz” (Coelho, 1940, p. 59). Ela associa a imagem de um animal selvagem, no caso um urso, à de um homem incapaz de amar uma mulher sábia e instruída. A escritora poderia estar se referindo a qualquer mulher que apresentasse tais características, porém, no último parágrafo da narrativa, deixa pistas de que a ‘mulher de espírito culto’ tratava-se de si: “[...] a mulher que, ingénua e imprudente o havia correspondido, usava pince-nez. Daí os agonizantes suores que lhe causava - não a minha pessoa, mas [...] a minha luneta” (Coelho, 1940, p. 60). Trata-se de uma reflexão sobre a própria Mariana Coelho, mas podemos estender às demais mulheres. São reflexões a respeito do processo de formação feminina, o que remete ao sentido de trajetória exposto por Pierre Bourdieu.

A trajetória descreve a série de posições sucessivamente ocupadas pelo mesmo escritor em estados sucessivos do campo literário, tendo ficado claro que é apenas na estrutura de um campo, isto é, repetindo, relacionalmente, que se define o sentido dessas posições sucessivas, publicação em tal ou qual revista, ou por tal ou qual editor, participação em tal ou qual grupo etc. (Bourdieu, 1996, p. 71-72).

Para uma melhor compreensão dessa prática, recuperamos Darnton (1992) ao afirmar que a leitura se liga intimamente aos aspectos físicos e intelectuais. Era comum que os aspectos físicos da leitura se projetassem nas páginas dos livros, oferecendo rastros do modo como as pessoas realizavam suas leituras e dos sentimentos e sentidos empregados a elas. A compreensão da escrita de Mariana Coelho e suas representações de mundo, da mesma forma como as empregava, permitiu-nos traçar uma visão aproximada das condições de produção das leituras do século XIX. Assim sendo, é possível sustentar que as mulheres desse período desenvolveram seus espaços e suas práticas de leitura em um clima mediado por relações de controle e desconfiança, caracterizado pelas ideias expressas desde o século XVIII, quando as mulheres debutavam como leitoras. Apesar de a mulher oitocentista já ter conquistado sua independência em relação à leitura, é importante ponderar sobre as indicações de Chartier (1998), de que a leitura pressupõe, a princípio, a liberdade da leitora e do leitor. Porém, essa liberdade não é jamais ilimitada e absoluta. Dentre as exigências dispostas sobre as leituras femininas, estavam as determinações de uma leitura amena, delicada, de aspirações religiosas e voltada à família. Dentre os gêneros mais indicados, figuravam os romances. A feminização do leitorado de romances parecia ratificar os princípios dominantes sobre a função da mulher e sua inteligência, já que “[...] estas eram vistas como seres frágeis e sonhadores, aprisionadas nas suas emoções, logo eram limitadas nas suas capacidades intelectuais” (Rafael, 2011, p. 41).

Apesar de ter vivido as ilusões e os sonhos típicos das leituras românticas da mocidade, Mariana Coelho parece ter seguido outros caminhos, que se diferenciavam daqueles trilhados por grande parte das mulheres. Ao que tudo indica, o contato com esse tipo de leitura despertou as marcas daquilo que viria a tornar-se a gênese de seu pensamento feminista. Tais vestígios podem ser identificados em uma passagem presente no conto ‘Nas malhas do destino’, quando denuncia a situação de padecimento vivida por uma mãe que se casou pela segunda vez: “[...] como um homem cujo tipo moral representa a ínfima classe dos que, tratando-se de casamento, tem por único escopo achar na aquisição da mulher a posse de um animal doméstico, ou antes um animal de carga [...]” (Coelho, 1940, p. 103). Assim, Mariana Coelho percebia a situação de dominação masculina.

No contexto de formação da jovem Mariana Coelho, nem todos os romances eram considerados adequados e nem todas as leitoras estavam habilitadas para perceber algumas das suas intenções. A solução pensada pelos defensores dos romances, segundo Leite (2005), foi criar inúmeras imagens de mulheres vivenciando incontáveis situações que dependiam do sentido que o escritor desejava atribuir ao papel feminino. Dessa maneira, a imagem associada à leitora esteve presente nas personagens dos romances que, muitas vezes, exerciam um papel fundamental na educação das jovens. As heroínas das histórias, representantes de uma feminilidade desejada, defendiam um conjunto de normas que, frequentemente, visavam a reforçar princípios e atitudes consideradas femininas. Segundo Sales (2003, p. 65), a “[...] reprodução das cenas de leitura feminina na prosa de ficção ajuda a desenhar o caminho da mulher ao lado dos livros como parte do cotidiano [...]” e de uma educação desejada.

As leituras dos romances ocorreram na ‘idade de ouro das ilusões’ de Mariana Coelho. Em seus contos, expressam-se os fortes pensamentos desse período, pois as personagens criadas por ela, longe de indicar o modelo da heroína ou da boa moça, mostram certo ceticismo e, em alguns momentos, contrariam os papéis estabelecidos como femininos. De modo geral, suas histórias não apresentam finais felizes. Diferentes da maioria dos romances daquela época, a moral quase sempre continha uma ideia velada de manifesto ou denúncia revestida por um tom de lição a ser observada. Isso justifica a publicação tardia daqueles escritos da mocidade, pois apresentavam aspectos que se associavam ao seu engajamento feminista da maturidade, como se percebe no conto ‘Nas malhas do destino’.

Além dos romances, supomos que Mariana Coelho fez uso, assim como outras moças alfabetizadas de seu tempo, de outro tipo de leitura em voga entre o público feminino: as crônicas, que passaram a ser especialmente veiculadas em jornais e revistas da época. Nossa hipótese parte da observação de que, poucos anos após sua chegada ao Brasil, passou a assinar uma coluna mensal sobre moda, primeiro para o jornal Gazeta do Povo e depois para o Diário da Tarde. Em suas crônicas, aconselhava e dava sugestões às suas leitoras sobre moda e elegância, demonstrando certo conhecimento acerca do assunto. Acreditamos que esse tipo de leitura tenha se dado, inicialmente, durante o período que vivia em Portugal, já que, quando passou a residir no Brasil a partir de 1892, começou a dedicar-se intensamente às leituras de cunho mais científico e reflexivo, mudança que é revelada pelas impressões que deixou em seus escritos posteriores.

Tanto as crônicas como os tratados e os manuais sobre civilidade, etiqueta e moda passaram a ser difundidos amplamente como leitura de cunho feminino, a datar do século XIX. Enquanto os homens, segundo Lyons (1999), discutiam assuntos públicos, pautados por notícias de jornais, já a ficção, as crônicas e os manuais de boas maneiras eram debatidos e intercambiados por uma ampla rede de mulheres que pretendiam, de preferência, estabelecer uma aproximação com o modelo feminino das personagens dos romances que liam.

Lyons (1999) observa que a burguesia passou a criar e a incorporar um estilo próprio e distintivo no convívio social. Tomé (2013) reforça que, para se ter uma perfeita atuação nos espaços prestigiados de sociabilidade, sem correr o risco de ser identificada negativamente como deselegante, era necessário ter conhecimento sobre os segredos da vida em sociedade, uma vez que, além das normas do bem agir, deveriam conhecer e respeitar as regras e hierarquias que separavam o mundo feminino do masculino. As diferenças entre homens e mulheres, declaradas pelo modo de ser, eram expressas nas leituras destinadas e realizadas por cada gênero. Ao público masculino, eram reservadas as leituras de cunho político, econômico, filosófico e mundano. A leitura destinada ao gênero feminino deveria ser amena e de entretenimento, assim como o seu comportamento nos espaços públicos.

Não temos como afirmar que Mariana Coelho foi frequentadora dos espaços em que a vida social ocorria, posto que, onde vivia em Portugal, de acordo com Diniz (2015), não passava de uma pequena vila que, provavelmente, não apresentava muitos espaços para pôr em exercício as práticas de sociabilidade. Entretanto, ela deixa pegadas das leituras sobre moda que realizou, segundo seu próprio escrito:

- Entre os múltiplos e variados preceitos da moda e da boa educação, que Paris nos envia por intermédio das suas respectivas publicações, encontram-se ás vezes, a par de regras imprescindíveis de polidez [...] quem tem de seguir rigorosamente todas as impertinentes exigencias do bon ton, tudo precisa saber (Coelho, 1901, p. 1).

Ela relevava acompanhar as orientações de moda e elegância que vinham de Paris por meio de periódicos, os quais provavelmente recebia, já que, de acordo com Silvestre (2009, p. 35), muitas “[...] senhoras consideradas elegantes eram assinantes destes periódicos, recebendo-os em casa, principalmente, aquelas que residiam fora [...]” dos grandes centros. Em Cambiantes, no conto intitulado ‘Um espelho falso’, Mariana Coelho dá a entender que frequentava espaços sociais ligados ao refinamento dos costumes e da aparência, como um ateliê de moda. No conto, a personagem é convidada, pela amiga estilista, a conhecer o seu estabelecimento.

Convidada por uma gentil modista francesa - a quem me ligava mútua e antiga simpatia - para visitar o seu gracioso atelier, no qual se havia operado uma transformação de bom gosto, gastei os poucos minutos de espera a observar e a apreciar toda a artística disposição dos mil objetos infalíveis num elegante salão de modas preparado por hábil mão feminina e [...] principalmente, parisiense (Coelho, 1940, p. 75).

Ante seu relato, supomos que possa ter frequentado alguns dos espaços de sociabilidade franceses, já que era fluente na língua daquele país quando passou a viver na capital paranaense, lecionando a disciplina de francês na escola que fundara. Além disso, ao que tudo indica, frequentou tais espaços nos centros urbanos de Portugal, como Vila Real, as cidades do Porto ou Coimbra, que ficavam mais próximo de onde vivia. Isso pode ser confirmado na própria obra Aevolução do feminismo: subsídios para sua história (1933), em que diz ter colaborado com alguns jornais editados nessas cidades, como O Comercio de Vila Real, Jornal da Manhã e A Voz Pública.

O século XIX foi o século dos periódicos. A implementação da imprensa em Portugal só ocorreu efetivamente após a Revolução Liberal do Porto, de 1820, que anulou a censura no país, que até então impedia a liberdade tipográfica. A partir de então, segundo Ribeiro (1999), a imprensa se tornou um dos veículos culturais fundamentais para os cidadãos ascenderem ao mundo letrado, garantindo-lhes uma nova dimensão dessa prática, antes ocupada pela cultura livresca. Assim, ora distraindo, ora instruindo, a imprensa, que tinha como objetivo cativar cada vez mais leitores das diferentes camadas da população, passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, inclusive do público feminino.

Com a popularização dos periódicos junto ao público feminino, as mulheres adquiriram o hábito de ler jornais. Nessa ambiência foram criados periódicos destinados tão somente à leitura desse grupo. Na Europa, segundo Perrot (2012), a imprensa destinada ao público feminino foi criada no século XVIII, tendo como conteúdo principal orientações sobre moda. Mas, de acordo com a autora, foi no século XIX que a imprensa teve o seu grande desenvolvimento, precipuamente em razão do sucesso alcançado entre as mulheres que passaram, em muitos casos, a redigi-la. Entretanto, conforme Rafael (2011), diversas foram as críticas recebidas acerca dessa atuação, pois muitos consideravam a imprensa feminina periférica, supérflua e imprópria. Apesar das incertezas em relação à competência intelectual das mulheres, a imprensa passou a representar o principal veículo de circulação e manifestação do pensamento feminino. A expressão dessa nova atuação possibilitou a intervenção e afirmação das mulheres não só na imprensa mas também fora dela.

O cenário de leituras vivenciado por Mariana Coelho revela que ela compartilhou das práticas autorizadas e indicadas às mulheres portuguesas de seu período. Porém, em seus escritos, se vislumbra a realização de leituras distintas, as quais, por muito tempo, ficaram fora do repertório do público feminino. Mediante os vestígios deixados posteriormente por sua escrita, conseguimos perceber a relação próxima de Mariana Coelho com o universo das leituras, possibilitando-nos observar que exerceram papel importante na formação das bases de seu pensamento feminista. Leituras que se estenderam ao longo de sua vida. Ela parecia começar a despontar na esfera pública portuguesa no momento em que a instrução, a leitura e a imprensa feminina já tinham se estabelecido. Foi quando que, por dificuldades financeiras sofridas pela família após a morte do pai, Mariana Coelho, juntamente com a mãe e a irmã mais nova, foram levadas, no ano de 1892, a emigrar para o Brasil, tendo a capital do Paraná como destino.

Uma escritora lusitana em Curitiba

Mariana Coelho pisou em terras brasileiras no dia 21 de agosto de 1892, passando a residir em Curitiba2. A escolha de viver na capital do Paraná se deu, segundo informa Ribeiro (2015), pelo fato de seu tio, José Natividade Teixeira de Meirelles, já estar estabelecido na cidade há muitos anos e ter se tornado um “[...] próspero comerciante, capitalista, ‘sócio chefe’ da empresa T. de Meirelles & Companhia, maçom, sócio do ‘Club Curitybano’ [...]” (Ribeiro, 2015, p. 20, grifo do autor).

Mariana Coelho vivenciou uma Curitiba que começava a delinear uma esfera pública com ares de vida moderna. Na avaliação de Andrade (2002), a concepção de cidade moderna e desenvolvida era percebida tanto na atuação objetiva de transformação do ambiente quanto na disseminação de ideias que conduziam a organização de seu espaço urbano. Nessa atmosfera alguns espaços difusores da cultura foram criados, como indicam diversos autores, dentre os quais destacamos Cláudio Denipoti (1998) e Elizabete Berberi (1996). A própria Mariana Coelho registrou suas impressões da Curitiba de outrora:

Como se vê, todos os ramos da atividade humana aqui se desenvolvem dum modo animador: instrução, letras, artes e indústria se acham, relativamente, num lisonjeiro grau de progresso, atendendo a que é um povo que conta apenas meio século de existência (Coelho, 2002b, p. 109)3.

Mariana Coelho considerou Curitiba existente a partir da criação da Província do Paraná (1853). Em grande medida, foi esse processo político que acelerou um considerável investimento público no desenvolvimento da capital e do Paraná, notadamente na criação de espaços de difusão cultural. Com a ampliação e valorização dos locais em que as práticas de leituras se manifestavam, as livrarias e as bibliotecas se tornavam espaços expressivos. O processo de ampliação da leitura estava associado ao aumento dos investimentos nesse universo, pois propagandas de livrarias e de livros editados começaram a aparecer com frequência nas revistas e nos jornais da capital (Denipoti, 1998).

Esses espaços culturais e de sociabilidade, como o Club Curitybano, livrarias, centros culturais, jornais, revistas, cafés, foram criados, frequentados e dinamizados por pequenos grupos. Ao se criar e manter tais espaços, eles estabeleciam-se como precursores da cultura, das letras, de certo clima de erudição. Mariana Coelho, já ávida leitora, quando passou a viver na capital, foi uma frequentadora desses lugares. Em textos escritos para a coluna Chronica da Moda, que assinava no jornal Diário da Tarde, no início do século, ela fazia menção à Livraria Econômica, fundada em 1894, que era a responsável pela publicação do popular anuário Almanack do Paraná que, em sua descrição, tratava-se de uma leitura imprescindível, “[...] pois que fulguram nas suas paginas preciosas bellas producções de escriptores e pintores, que abrilhantam o meio artistico [...]” (Coelho, 1900, p. 1). Nesse período ela já se mostrava inserida nos espaços da imprensa e dos círculos intelectuais, sob o patrocínio de seu tio, que era sócio do Club Curitybano. Ela dominava aqueles aspectos próprios do meio intelectual, como podemos perceber no tom elogioso ao referir-se ao literato Leoncio Correia (sobrinho do político e industrial de erva-mate Ildefonso Pereira Correia) e à Livraria Impressora, que ousavam promover o progresso artístico e literário na capital. Por intermédio de sua apreciação, percebemos a importância que tais lugares foram adquirindo no entresséculo, preferencialmente para os cultores do que se entendia por boa leitura.

De acordo com Denipoti (1998), na Curitiba do final do século XIX e início do século XX, foram criados muitos estabelecimentos dedicados à produção e ao comércio de livros. Fundada em 1913, a Livraria Mundial destacou-se junto ao público curitibano, pois, além de liderar a distribuição de livros, tornou-se reduto de intelectuais, escritores e artistas, que se reuniam no fim das tardes para discutir as novidades literárias em voga, chegando a ser comparada à Livraria Garnier do Rio de Janeiro. Ao que tudo indica, Mariana Coelho foi uma frequentadora dessa livraria, em especial porque, recorrentemente, fazia encomendas de livros, conforme assume ela própria em cartas escritas à amiga e líder feminista Bertha Lutz. Em uma das cartas, confirma ter recebido o livro que encomendara na livraria: “Hoje preciso dizer-lhe que a Livraria Mundial de Curitiba recebeu, finalmente, o ‘Perfil da Mulher Brasileira’” (Coelho, 1924c, p. 1, grifo do autor). Diante de tal informação, consideramos que, além de confirmar que frequentava espaços como esses, deixava pistas das leituras que realizava.

Apesar dos novos padrões culturais de comportamentos adequados ao recente modelo de convívio social caracterizado pelo processo de modernização, Mariana Coelho sentiu as dificuldades e as resistências enfrentadas por aquelas que - assim como ela - pretendiam frequentar espaços públicos. Esses ambientes eram considerados, por muitos, como redutos masculinos. Em caráter de protesto, ela denuncia em seu livro O Paraná mental (1908) o que chama de ‘opinião retrógrada’, apresentada por um comportamento social de ‘segunda classe’ demonstrado por alguns homens. Segundo ela, quando uma mulher aparecia em tais lugares públicos, para essa categoria constituía

[...] motivo de sorrisos alvarmente ‘inteligentes’, de frases saturadas de ridículo, acontecendo muitas vezes que, quando ela atravessa uma rua, atrai a curiosidade de espectadores trocistas... impagáveis, mirando-a com uma curiosidade de quem vai ver o ‘urso’! Porque há escritores que em tudo admitem o progresso, menos no desenvolvimento intelectual e social do sexo feminino! (Coelho, 2002b, p. 93, grifo do autor).

Embora integrada nos espaços curitibanos de sociabilidade, ela manifestava a existência de certa diferenciação entre as posições das mulheres e dos homens. Nesse sentido, aqueles microcosmos reproduziam a própria formação simbólica da época, pois as ideias dos intelectuais não estão dissociadas dos ambientes sociais e culturais, como sublinham Sirinelli (1996) e Bourdieu (1989). No fragmento Mariana Coelho chama a atenção para o modo como se sentia ao frequentar lugares públicos, onde a presença feminina não era bem-vista. Referia-se à maneira como era percebida: “[...] é verdade que, um urso em plena zona tropical, contrastava com os tons da paisagem, era exótico no meio ambiente [...]” (Coelho, 1940, p. 54). É possível perceber que a ‘segunda classe’ à qual se referia realmente achava que essas mulheres estavam fora de seu ambiente natural, da esfera privada. Nesse sentido, Perrot (2005) nos ajuda a problematizar a situação descrita por Mariana Coelho, ao afirmar que as mulheres que se inscreviam nos espaços públicos - universo masculino -, sem a presença de um marido, de um pai ou irmão, eram tratadas como verdadeiros ornamentos. A conjuntura denunciada por Coelho pode ser compreendida, a partir de Bourdieu (2016), como uma máquina simbólica que tende a julgar naturais as arbitrárias divisões constituídas entre os gêneros. A considerar o quase completo domínio masculino dos espaços culturais curitibanos, o estranhamento de Mariana Coelho indica como os microcosmos (meios intelectuais) não estavam imunes à ‘mentalidade coletiva’ (imaginário, representação, habitus).

De acordo com as análises de Perrot (1998), no espaço público, mulheres e homens se encontravam em duas extremidades na escala de juízos, traduzindo-se em uma divisão social dos papéis. O homem público desempenhava um papel importante e reconhecido, o espaço público representava o seu santuário. Já o público, para as mulheres, durante muito tempo, foi considerado um local problemático e de deslocamento. “Prende-se à percepção da mulher uma ideia de desordem. Selvagem, instintiva, mais sensível do que racional, ela incomoda, ameaça [...]” (Perrot, 1998, p. 8).

Apesar dos novos modelos de sociabilidade, pautados por um universo de leitura, a ideia que predominava naquele período era de que as mulheres tinham sido criadas para a família e as tarefas domésticas. “Mãe e dona de casa, esta é a sua vocação, e nesse caso ela é benéfica para a sociedade” (Perrot, 1998, p. 9). Devido às características atribuídas às mulheres, Mariana Coelho se sentia um urso ao ingressar nos lugares públicos, porém, apesar dos olhares intimidadores, não deixou de frequentá-los. Ao se opor a tais designações, observamos que abdicou de normas e valores ao opor-se às maneiras de ser consideradas desejáveis. Tendo em vista seus ideais feministas, Mariana Coelho, não obstante a desconfiança e a rejeição de muitos, participou do espaço público, sobretudo para satisfazer suas necessidades intelectuais.

Outro lugar público destinado a essa prática, ao que tudo indica, foi a biblioteca. A partir de 1892, quando ela se instalou em Curitiba, existiam duas bibliotecas na cidade que poderiam lhe ter suprido, mesmo que modestamente, suas necessidades: a Biblioteca Pública do Paraná (BPPR) e a Biblioteca do Club Curitybano. De acordo com Denipoti (2018), a BPPR, fundada em 1859, correspondia ao primeiro estabelecimento do gênero criado no Paraná. No livro O Paraná no centenário, publicado em 1900, Rocha Pombo (1980) descreve que sua fundação representou para os “[...] paranaenses uma grande tendência para alargamento dos horizontes intelectuais da população [...]” (Denipoti, 2018, p. 124).

Na tentativa de trilhar os caminhos da leitura percorridos por Mariana Coelho, assim que chegou a Curitiba, buscamos indícios nos registros de obras retiradas ou consultadas pelos usuários da BPPR durante o período em que viveu na capital. Com base na observação, foi possível compreender o cenário de leitura em que Mariana Coelho estava posta e em que medida se aquinhoou desse acervo. Entretanto, não encontramos registros de que tenha emprestado livros desse estabelecimento. Inferimos que, possivelmente, as leituras disponibilizadas pela Biblioteca não saciassem seu desejo de conhecimento. Em carta escrita à Bertha Lutz, ela confirma essa suspeita ao afirmar ter ido até a Biblioteca Pública em busca da obra jurídica Menores e loucos, de Tobias Barreto, porém, sem sucesso em seu empreendimento (Coelho, 1924b).

Além disso, é possível inferir que Mariana Coelho, como ávida leitora que era, provavelmente já possuísse sua própria biblioteca. Hipótese confirmada em cartas que escreveu para Bertha Lutz, numa das quais afirmando que chegara para ela um livro que havia encomendado de Londres “[...] por indicação de Mrs. Katherine Bompas, intitulado: ‘Woman in Science’ [...]” (Coelho, 1926, p. 3). Demonstrava, com sua informação, que costumava comprar livros de seu interesse com o intuito de integrá-los à biblioteca particular.

Além do mais, de modo diverso da maioria das leitoras paranaenses, que tinham como preferência as ficções românticas, Mariana Coelho indicava, em seus escritos, o interesse essencialmente por leituras de caráter crítico. Dessa maneira, para satisfazer suas necessidades de leitura, outra biblioteca que Mariana Coelho provavelmente teria frequentado terá sido a do Club Curitybano, que podia ser utilizada somente por seus membros. De acordo com os apontamentos de Denipoti (1998), inaugurada em 1871, juntamente com a agremiação, essa biblioteca funcionava como um dos grandes atrativos para seus associados, ou para aqueles que pretendiam associar-se, além de representar um importante ponto cultural de encontro de leitores e escritores que consultavam seu acervo. Esse lugar de livros e leitura desempenhou um importante papel dentro do cenário paranaense, mormente por divulgar as ideias expressas por sua rede de letrados, como é possível observar em declaração feita por um jornal local que afirmava ser o clube: “[...] a mais util sociedade litteraria de todas as que entre nós existe” (Club Curitybano, 1889, p. 2). Em razão da importância cultural desse lugar, é possível dizer que Mariana Coelho o frequentou, o qual, além de proporcionar-lhe boas leituras, permitiu-lhe o contato e a relação com os homens de letras do Paraná.

Mesmo longe dos centros de efervescência cultural do país, como Rio de Janeiro e São Paulo, as leituras que Mariana Coelho realizou no decorrer de sua trajetória no Paraná foram se tornando cada vez mais impulsionadas por “[...] sua tenacidade e sua abnegação no espinhoso posto que abraçou pela divina causa [...]” em defesa do sexo feminino (Coelho, 1935, p. 2). Suas leituras tinham como objetivo principal fundamentar seus pressupostos para a escrita de seu livro Aevolução do feminismo: subsídios para sua história (1933). Não eram leituras ‘desinteressadas’. Ao contrário, estavam envoltas do desafio de sistematização de ideias que produzissem uma interpretação do espaço de experiência das mulheres, e que também sinalizassem um horizonte de expectativa.

Com base em tal interesse, Mariana Coelho se dedicou ferrenhamente à leitura, em especial daquelas obras que pudessem fundamentar seus ideais feministas. Em conformidade com essa visão, foi leitora de um importante elenco de autores que a ajudavam a justificar e a encontrar as raízes de suas concepções. No entanto, suas preferências de leitura estavam nas escritoras. Essas aparecem como importantes orientadoras de seu pensamento. Na sua obra, fez questão de demonstrar a história do feminismo, levando em consideração as primeiras mulheres que escreveram em defesa de seus direitos. Com base histórica, apresentou um amplo panorama de leituras acerca das obras femininas publicadas até mesmo em séculos bem anteriores ao seu. Dentre algumas estava Cristine de Pisan (1363-1430), com suas obras Epístola ao deus e Livro das três virtudes. Segundo Muzart (2003), a obra dessa autora é considerada, por muitos teóricos, a formulação do primeiro protesto em objeção aos preceitos discriminadores contra as mulheres. Mariana Coelho já a conhecia e a citou em seu livro. Outra autora mencionada por ela foi Mary Wollstonecraft (1759-1797), escritora e defensora dos direitos das mulheres. Escreveu o livro Uma reivindicação pelos direitos da mulher, “[...] que foi aceito como o evangelho do sufragismo feminino da época” (Coelho, 2002a, p. 44). Outra referência de leitura mencionada por ela foi Nísia Floresta (1810-1885), apontada como uma das primeiras feministas brasileiras, autora de várias obras sobre a emancipação feminina. Além de muitas outras, cita Julia da Costa (1844-1911), que, conforme Mariana Coelho, foi a “[...] primeira e única literata paranaense; distinta poetisa e prosadora. Publicou dois volumes de verso: o primeiro intitulado Flores dispersas; e o segundo, Bouquet de violetas” (Coelho, 2002b, p. 39, grifo do autor). Também não deixamos de mencionar Bertha Lutz (1894-1976), que era considerada por Mariana - apesar da relação difícil estabelecida entre elas - uma grande amiga e orientadora de seu pensamento. Dentre as muitas cartas que trocaram, Bertha Lutz sempre lhe fazia indicações de leituras, ou, em alguns casos, emprestava-lhe livros. Mariana Coelho costumava enviar seus escritos para que a amiga os lesse e avaliasse. Ou seja, havia um grande intercâmbio de leitura envolvido na relação entre as duas, conforme se observa, por exemplo, nesta carta escrita à Bertha Lutz:

Relativamente aos livros indicados por V.Exa. - que muito auxiliariam as minhas respectivas intenções na laboração do meu livro, nem os achei nas livrarias daqui, nem nas do Rio e nem na bibliotheca publica! O livro de Tobias Barreto ‘Menores e Loucos’ nem nos advogados encontrei, infelizmente! Hoje escrevo ao distincto escritor Austregesilo, [...], pedindo-lhe em exemplar do ‘Perfil da Mulher Brasileira’. O Livro que V. Exa. me enviou, sobre o sufrágio feminino tambem muito me convém (Coelho, 1924b, p. 2-3, grifo do autor).

Desse modo, boa parte das leituras realizadas por Mariana Coelho eram provenientes de livros que emprestava de amigas e amigos, de bibliotecas, ou que encomendava por meio das livrarias ou editoras. Em outra carta para Bertha Lutz, conta que havia escrito para a feminista inglesa Katherine Bompas, de quem recebeu a indicação do livro Women in science. Ela encomendou o livro, porém, conforme seu relato:

[...] o director da Livraria Mundial fez para Londres o pedido aos respectivos editores, por intermedio de uma de Casa onde êle é freguês; porém, nunca obtivemos resposta! Em vista disto escrevi a Mrs. Katherine Bompas pedindo-lhe a remessa do livro e enviando-lhe, por intermédio de Banco de Londres a respectiva importancia: 13 shielings e 6 pence (Coelho, 1927, p. 3).

As redes dessa personagem não estavam reduzidas ao âmbito cultural curitibano e aos seus confrades. Em seus escritos, fica evidente que Mariana Coelho mantinha intercâmbio com feministas de outros países. Dentre eles, Portugal: ela trocava correspondência com a organização feminista Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em especial com Ana de Castro Osório4, com quem estabeleceu uma relação de amizade, como podemos observar em uma de suas cartas: “[...] A distincta escritora e minha amiga Anna de Castro Osorio disse-me de S. Paulo que D. Bertha me ia escrever” (Coelho, 1924a, p. 2).

A trajetória de Mariana Coelho está marcada por outros tipos de iniciativa, como as leituras de escritos sobre a doutrina espírita. Dois anos após a sua chegada a Curitiba, ela publica o artigo intitulado ‘Paraná’ no jornal Diario do Commercio (Coelho, 1894). Dentre os assuntos tratados no texto, referia-se ao fundador e propagador da doutrina no mundo. Além da indicação de livros, ela fazia alusão aos nomes de alguns cientistas adeptos dessa doutrina, permitindo-nos apreender outras leituras que ela realizava (Coelho, 1894).

O grupo a que ela se ligou estava associado a um conjunto de ideias. Certa acepção de pluralidade de crenças e filiação filosófica movimentava aqueles homens e algumas mulheres que compartilhavam amizades, visões de mundo, representações e práticas. Esse grupo orbitava em torno de vários meios intelectuais e alguns personagens, sendo Dario Vellozo uma das principais referências. O conjunto dessas redes de sociabilidade, como destaca Sirinelli (1996, p. 249), confere

[...] uma estrutura ao campo intelectual por meio de forças antagônicas de adesão - pelas amizades que as subintendem, as fidelidades que arrebanham e a influência que exercem - e de exclusão - pelas posições tomadas, os debates suscitados, e as cisões advindas.

É claro que existiam divergências entre os componentes dessas redes, como bem assinalam Dyeinne Tomé (2020) e Alexandra Bueno (2010). No entanto, o sentimento de pertencimento, de amizade, de fraternidade era muito forte, como mostra a deferência de Mariana Coelho a Leôncio Correia, já mencionada neste artigo.

Ao tratar do tema de livros no jornal, compartilhava com o público suas próprias impressões e indicações de leituras. Mais do que uma simples leitora, Mariana Coelho procurava, de forma assertiva, solidificar sua inserção nos meios culturais e intelectuais curitibanos e, simultaneamente, tomar posição em nome dessas redes. Esse tipo de prática, conhecida como resenha ou comentário elogioso, na interpretação de Denipoti (2018), funcionava como espaço privilegiado de fazer a leitura. Muitas dessas resenhas, presentes nos jornais da época, eram redigidas por literatos de reconhecida importância na esfera pública, dentre os quais figuravam nomes como Dario Vellozo, Julio Pernetta, Silveira Neto, Nestor Victor, Rocha Pombo, Leôncio Correia. Era um grupo interessado em leitura e responsável por grande parte das publicações nos jornais e da atividade editorial em Curitiba, engajado ativamente na edição e redação de periódicos. Comprometido com a divulgação de um conjunto específico de ideias, esse núcleo procurava orientar os leitores em suas leituras, compartilhando com eles suas impressões e opiniões. Denipoti (1998, p. 147) ajuda a sustentar essa ideia quando afirma que “[...] as resenhas buscavam recomendar as leituras que seus autores realizavam. Eram recomendadas aos leitores não somente as obras, mas também a forma como essas leituras foram feitas”. Dessa forma, ler o que escreviam essas figuras de destaque dos meios intelectuais curitibanos significava, também, aproximar-se da esfera literária criada por eles.

Mariana Coelho, como boa e atenta leitora das obras recomendadas por aqueles de quem gostaria de se aproximar, passou a estabelecer relações com esse grupo de literatos. Em sua obra O Paraná mental (1908), alude a eles e recomenda as inferências que fez sobre esse ilustrado grupo. Ao basear-se nas características inerentes à obra e ao autor, indica a leitura daquele que viria a ser um grande e querido amigo, Rocha Pombo. Em sua conjectura, ele representava um

[...] consciencioso historiador e ilustrado jornalista e romancista. Obras publicadas: Supremacia do ideal, Dadá, A honra do barão, Visões, Petrucello, Marietta, No hospício, História da América, O Paraná no Centenário, O grande problema, e a monumental História do Brasil etc. Como se vê, e atendendo ao valor intrínseco de suas obras, é uma mentalidade verdadeiramente prodigiosa que sobremodo honra a sua Pátria [...]. (Coelho, 2002b, p. 32, grifo do autor).

Tão logo Mariana Coelho chegou a Curitiba, Rocha Pombo se tornou, conforme registro no livro O Paraná mental (1908), um grande amigo e companheiro desse universo dos letrados. No proêmio da obra, escrito por ele, o literato revelava: “[...] fui eu, se não dos primeiros, ao menos dos mais solícitos em aplaudir a inteligência e o coração de D. Mariana Coelho, no momento em que, com sua aparição, ela surpreendeu os intelectuais do Paraná” (Pombo, 2002, p. 11).

Além de Rocha Pombo, dentre os muitos autores recomendados por Mariana Coelho, estavam Dario Vellozo, Nestor Victor, Leôncio Correia, Emiliano Pernetta, Silveira Netto, Emílio de Menezes, Antônio Braga, Júlio Pernetta (Coelho, 2002b). Essa rede representava a própria confraria paranaense na qual estava imersa Mariana Coelho. É possível dizer que os nominados por ela constituíam uma parte das principais lideranças culturais e políticas do Paraná de então. Definitivamente, ela integrava essa rede, ela se associava àquela geração. Ela se definia “[...] por referência a uma herança” (Sirinelli, 1996, p. 255). Não obstante, ela produzia singularidade intelectual à medida que se posicionava em torno da questão feminina como nenhum outro ou outra dessas confrarias. Essa marca ganharia maior relevo a partir do momento em que suas ideias passassem, assim como a escrita daqueles que admirava, a servir de referência de leitura ao seu público.

A mobilização de um conjunto de obras e autores permitiu à Mariana Coelho a ampliação de seu capital cultural, passando a relacionar-se e a vincular-se com um espaço e com um grupo de literatos já reconhecidos no cenário paranaense. Com base em Bourdieu (2007), é possível sustentar que o recurso utilizado por ela gerou “[...] uma ‘rede durável de relações’ mais ou menos institucionalizadas, [...] em outros termos, ‘à vinculação a um grupo’, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns, mas também são unidos por ligações permanentes e úteis” (Bourdieu, 2007, p. 67, grifo do autor). Em outras palavras, a extensão da rede de relações pode efetivamente mobilizar um volume de capital, que é posse exclusiva de cada um a quem está ligado, estando apto a proporcionar benefícios materiais ou simbólicos. Desse modo, a ampliação de seu capital foi fundamental para sua iniciação e participação na vida pública curitibana. A princípio, sua atuação se deu como leitora e como divulgadora de algumas leituras acessadas. Devido ao notável aparato de leitura que foi acumulando no decorrer de sua trajetória, Mariana Coelho deixou de ser apenas uma leitora e passou a ser reconhecida como escritora e intelectual, sobretudo por sua defesa da emancipação feminina, aspecto que poderá ser objeto de outros textos mais específicos.

Considerações finais

Leitora e escritora diligente, Mariana Coelho deixou, em suas obras, incontáveis indícios não somente em relação ao que leu mas também sobre os próprios modos de aprendizados intrínsecos à sua leitura. Desse modo, o estudo do ambiente de leitura foi, de fato, o ponto de partida para a compreensão das vertentes do pensamento e das ações de Mariana Coelho, o qual se transformou em referência emblemática à escritora e intelectual feminista.

Podemos afirmar que o estudo das práticas coletivas e individuais de leitura é capaz de auxiliar na transcrição de informações sobre diferentes agentes, diferentes épocas e diferentes sociedades, por meio da reconstrução das apropriações e dos diversos usos que dela eram feitos. Com base nessas considerações, foi possível aproximar Mariana Coelho do ambiente letrado de Portugal, das possibilidades e dos significados da leitura feminina. A compreensão dessa via foi de substancial importância para entendermos como as práticas de leitura e de escrita, desenvolvidas por Mariana Coelho ao longo de sua trajetória, tiveram um papel fundamental e se constituíram em condição determinante para sua formação e, posteriormente, seu reconhecimento como escritora e intelectual em defesa da emancipação feminina.

A pretensão deste texto não foi explorar os sentidos políticos das ideias feministas de Mariana Coelho. Adotando outra abordagem, utilizamos seus escritos para compreender um pouco do ambiente de sua formação, seja em Portugal, seja no Brasil. A partir das pistas de seus escritos, investigamos alguns indícios do que integrava o universo da leitura no contexto da segunda metade do século XIX português. Procuramos capturar algo do clima das leituras permitidas às mulheres em Portugal. Igualmente, aludimos aos possíveis ventos que sopravam para leituras não autorizadas, notadamente os escritos produzidos por mulheres na imprensa feminina. Assim, foi nessa atmosfera ambivalente que se deu o processo de formação de Mariana Coelho, que, ao emigrar para o Brasil, aos 35 anos de idade, já trazia essa herança intelectual.

Ao cotejarmos seus escritos com aquele processo de transmissão cultural da segunda metade do Oitocentos, foi possível identificar como se referia àquele patrimônio, ora como intermediação, ora como ruptura. A chegada ao Brasil coincidiu com sua própria maturidade, momento em que viu ampliado e intensificado seu universo letrado, principalmente marcado pelas leituras de caráter ‘científico’ e pelos interesses políticos (engajamento feminista). Embora o ambiente cultural e social estivesse fortemente marcado pela divisão de gênero, Mariana Coelho dava mostras precisas de seu rompimento com a distinção entre leituras masculinas (chamadas ‘leituras sérias’, como as de natureza política) e leituras femininas (denominadas ‘frívolas’ ou ‘leituras de diversão’, o romance de folhetim).

Assim sendo, a partir do itinerário dessa personagem, esperamos ter tensionado o universo letrado das mulheres, o qual, de prisioneiro de uma acepção de ‘leitura de diversão’, precipitou, por meio de forças centrípetas e centrífugas, um espaço de experiência também marcado por ‘leituras sérias’.

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Tomé, D. C. (2020). Mariana Coelho e a educação das mulheres: uma escritora feminista no campo intelectual (1893-1940) (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa. [ Links ]

1 Mariana Teixeira Coelho nasceu em Portugal, no distrito de Vila Real, em 10 de setembro de 1857, e faleceu no Brasil, na cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná, em 29 de novembro de 1954. Chegou ao Brasil no dia 21 de agosto de 1892. É importante assinalar que este artigo se inscreve no conjunto de produção acadêmica que trata dessa personagem, notadamente uma dissertação e duas teses: (Tomé, 2020; Bueno, 2010; Kamita, 2004).

2Mariana Coelho naturalizou-se brasileira por volta de 1939.

3Em 1908, Mariana Coelho publicou, pela Typographia da Livraria Econômica, a obra O Paraná mental, um livro de crítica literária produzido em comemoração ao centenário de abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Tal publicação foi a primeira a elaborar uma reflexão sobre a literatura no Paraná, além de representar o primeiro trabalho de catalogação crítica feito por uma mulher. Em seu livro, prefaciado por Rocha Pombo, analisou três gerações no domínio da vida intelectual, cultural, artística e literária paranaense. Além de uma homenagem pessoal, o livro representou um dos meios de participação do Estado na Exposição Nacional de 1908, realizada no Rio de Janeiro, onde foi premiado com a medalha de prata pelo Júri do Distrito Federal, em comemoração ao centenário da chegada da Família Real ao Brasil. O livro O Paraná mental, juntamente com sua outra obra A evolução do feminismo: subsídios para sua história (1933), foram reimpressos em 2002 por iniciativa de Zahidé L. Muzart, pesquisadora responsável por trazer ao reconhecimento do público livros e artigos publicados por escritoras do final do século XIX e início do século XX (Tomé, 2020).

4Ana de Castro Osório, junto com António José de Almeida, foi a fundadora da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas: uma associação política e feminista criada em 1909, com o apoio do Partido Republicano Português (Neves & Catarino, 2015).

8Rodadas de avaliação: R1: três convites; uma avaliação recebida. R2: dois convites; uma avaliação recebida.

9Como citar este artigo: Tomé, D. C., & Campos, N. Mariana Coelho e sua gênese feminista: do domínio do alfabeto e da escrita ao ofício da leitura. (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e235

Recebido: 24 de Setembro de 2021; Aceito: 17 de Maio de 2022; Publicado: 02 de Outubro de 2022

* Autora para correspondência. E-mail: dyeinnetome@gmail.com.

Dyeinne Cristina Tomé é Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Ciências Sociais e Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Integrante do Grupo de Pesquisa História, intelectuais e educação no Brasil e no Paraná de oitocentos e de novecentos - GEPHIED. Professora do Quadro Próprio do Magistério da SEED PR. E-mail: dyeinnetome@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-9637-8061

Névio de Campos é Pós-doutor em sociologia dos intelectuais (EHESS-Paris), pós-doutor em história intelectual (UFPR), doutor em educação (UFPR), Pesquisador Produtividade CNPq 2, Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação e no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: ndoutorado@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0003-1850-316X

Editor-associado responsável: Ana Clara Bortoleto Nery (UNESP -Marília) E-mail: ana-clara.nery@unesp.br https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

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