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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.22  Maringá  2022  Epub 01-Out-2022

https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e238 

Artigo Original

A Escola Nova autoritária proposta nos primórdios do Estado Novo em Portugal1

The authoritarian New School proposed in the early days of the Estado Novo in Portugal

La Escuela Nueva autoritaria propuesta al inicio del Estado Novo en Portugal

Macioniro Celeste Filho1 
http://orcid.org/0000-0001-8798-9891

1Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru, SP, Brasil.


Resumo:

Em 1934, no começo do Estado Novo em Portugal, foi proposta a implantação da Escola Nova nas escolas portuguesas. A concepção dessa Escola Nova foi então instrumentalizada para se adaptar a um regime autoritário, em processo de consolidação nesse país. Concebia-se, então, uma Escola Nova autoritária. É propósito deste artigo apresentar contextualizadamente a campanha pela Escola Nova divulgada pelo jornal Diário da Manhã, órgão do regime salazarista. A metodologia utilizada foi a de pesquisa e análise documental, tendo como fonte privilegiada os editoriais sobre o tema publicados no Diário da Manhã. É objetivo deste trabalho compreender e elucidar os processos de ressignificação autoritária que as ideias da Escola Nova tiveram no início do Estado Novo em Portugal.

Palavras-chave: história da educação; educação e autoritarismo; Escola Nova em Portugal

Abstract:

In 1934, at the beginning of the Estado Novo in Portugal, it was proposed to implement the New School in Portuguese schools. The concept of this New School was then instrumentalized to adapt to an authoritarian regime, in a process of consolidation in that country. An authoritarian New School was then conceived. The purpose of this article is to contextually present the campaign for New School published by the newspaper Diário da Manhã, an organ of the Salazar regime. The methodology used was that of research and document analysis, having as a privileged source the editorials on the subject published in the Diário da Manhã. The aim of this work is to understand and elucidate the authoritarian resignification processes that the ideas of New School had at the beginning of the Estado Novo in Portugal.

Keywords: history of education; education and authoritarianism; New School in Portugal

Resumen:

En 1934, al comienzo del Estado Novo en Portugal, se propuso implementar la Escuela Nueva en las escuelas portuguesas. El concepto de esta Escuela Nueva se instrumentalizó para adaptarse a un régimen autoritario, en proceso de consolidación en ese país. Entonces se concibió una Escuela Nueva autoritaria. El propósito de este artículo es presentar contextualmente la campaña por la Escuela Nueva publicada por el periódico Diário da Manhã, órgano del régimen de Salazar. La metodología utilizada fue la de investigación y análisis documental, teniendo como fuente privilegiada los editoriales sobre el tema publicados en el Diário da Manhã. El objetivo de este trabajo es comprender y aclarar los procesos autoritarios de resignificación que tuvieron las ideas de la Escuela Nueva al inicio del Estado Novo en Portugal.

Palabras clave: historia de la educación; educación y autoritarismo; Escuela Nueva en Portugal

Introdução

Em momentos tenebrosos de desprezo à democracia, as disputas políticas no campo educacional se tornam ainda mais acirradas. Foi o que ocorreu em Portugal no início de seu Estado Novo. É propósito deste trabalho apresentar a ‘Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova’, ocorrida em 1934, nas páginas do Diário da Manhã, órgão do regime autoritário em processo de institucionalização. Naquele ano, foi divulgada uma desqualificação pública do professorado português numa sequência relevante de editoriais deste jornal. Simultaneamente, o Diário da Manhã tornava-se o porta-voz efetivo da União Nacional, representação política do regime em consolidação. A Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova foi executada às vésperas do 1º Congresso da União Nacional. Assim, os esforços de ressignificação autoritária de um termo tido então como sinônimo de modernidade educacional, a Escola Nova, foi também a tentativa de encaminhamento prévio dos debates educacionais no 1º Congresso da União Nacional, com repercussões importantes nas reformas educacionais do início do Estado Novo.

O objetivo deste trabalho é esclarecer como a disputa pelo que seria uma Escola Nova, a ser implantada nas escolas em meados da década de 1930, foi estratégica na apresentação, ao professorado português, do Estado Novo como representante da modernidade educacional. Isso contribuiu para os propósitos explícitos de convencimento desse professorado para a sua adesão à nova ordem institucional em processo de consolidação. A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho foi a de análise documental, utilizando como fonte prioritária a pesquisa do jornal Diário da Manhã. A pesquisa bibliográfica acompanhou a análise dessa fonte documental, com a finalidade de compreensão histórica desse período conturbado em Portugal, época da ascensão de regimes autoritários no Ocidente.

A República portuguesa foi derrubada por um golpe em 1926. Na ditadura que se seguiu, nos anos finais da década de 1920 e início dos anos 1930, gradativamente, António de Oliveira Salazar se tornou o principal mandatário do regime. Os anos de 1933 e 1934 foram decisivos no processo de consolidação desse poder. Em abril de 1933, entrou em vigor a nova Constituição de Portugal, texto legal que deu as bases institucionais do que foi chamado de Estado Novo. Em maio de 1934, ocorreu o 1º Congresso da União Nacional, representação política que, na prática, se tornou o partido único do regime autoritário a institucionalizar-se. Autor de obras de referência sobre o assunto, Fernando Rosas (1998, p. 141) sintetizou aquele momento:

É hoje pacífico na historiografia portuguesa (e não só) considerar o período que medeia entre o movimento militar de 28 de Maio de 1926 e o advento do Estado Novo e das suas instituições, em 1933-1934 - isto é, o processo de transição da ditadura militar instaurada em 1926 para o regime salazarista - como um dos mais agitados e politicamente complexos da nossa história do século XX. Ou não correspondesse a uma esquina decisiva da sua mudança de rumo: a liquidação de mais de um século, quase ininterrupto, de experiência liberal (sob a forma monárquica e republicana) e o parturejamento de um novo regime autoritário, corporativo, antiparlamentar e anticomunista, destinado a durar 41 anos.

É nessa encruzilhada histórica que se situa o atual trabalho. Pretende-se apresentar contextualizadamente como em 1934, nos primórdios da institucionalização do Estado Novo, com reflexos duradouros nos anos seguintes, a defesa governamental de uma Escola Nova peculiar - prepotente e tirânica - foi ponto de inflexão na guinada autoritária no campo educacional em Portugal.

O Diário da Manhã

A Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova foi apresentada em editoriais de capa do Diário da Manhã no primeiro semestre de 1934. Áurea Adão (2011, p. 30) é objetiva ao caracterizar o Diário da Manhã: “[...] era o órgão oficial da União Nacional, o único partido político autorizado e, por isso, também o porta-voz do regime”. Até 1934, isso ainda não estava muito claro. É precisamente nesse ano que o Diário da Manhã se constituiu efetivamente como porta-voz da recém-criada União Nacional e, portanto, do regime em processo de institucionalização. A identificação inequívoca do jornal com o regime pode ser notada quando esse periódico assim se define no ano seguinte:

Na imprensa portuguesa, o Diário da Manhã ocupa um lugar de destaque inconfundível, mercê da sua função especial de órgão da União Nacional, das suas tradições de bem servir e orientar o público e da sua cuidada apresentação de jornal moderno. [...] O Diário da Manhã, felizmente, não é órgão de quem o dirige, mas duma causa. Como tal, serve uma doutrina que, pela melhor forma, quer de apresentação gráfica, quer de expansão, procura divulgar e defender. [...] Tem uma doutrina a que subordina tudo, inclusive os interesses considerados de pura administração. Doutrinará e informará; mas informará doutrinando (Diário da Manhã, 1935b, p. 1).

Nos dois anos anteriores à Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova, o Diário da Manhã dedicava-se às questões educacionais preferencialmente na parte interna de suas edições, especificamente em sua Página Escolar, seção de uma página inteira, com assuntos educacionais e de administração escolar, publicada quinzenalmente de maio de 1932 a novembro de 1933, como pode ser exemplificado pela Figura 1.

Fonte: Diário da Manhã (1933a, p. 11).

Figura 1 Edição de primeiro aniversário da Página Escolar. 

Nesse período, o primeiro pronunciamento de Salazar que resvalou na temática educacional ocorreu em 1º de dezembro de 1933. Nesse comunicado, Salazar se posicionou sobre a prisão de Sarmento de Beires2. O aviador capturado foi acusado de subversivo. Os papéis apreendidos com ele foram utilizados por Salazar como demonstração de suas ideias comunistas. Alguns desses documentos tratavam da educação. Seriam o exemplo acabado do que não se deveria fazer sob a ótica do Estado Novo:

No ensino estabelecer-se-ia o monopólio do Estado: escola única, obrigatória e laica. Segundo estranhos modelos, o Estado seria o educador que procuraria criar o tipo uniforme de ‘homem livre’. Conhece-se o que são na vasta região submetida ao despotismo das construções soviéticas, esses inúmeros seres, sem vontade e sem alma, que se movem sob implacáveis diretrizes e cujo destino consiste na anulação integral da personalidade. Prosseguindo na sua tarefa de nivelamento forçado e decapitação espiritual, o Plano prevê: ‘emancipação sexual’ (Diário da Manhã, 1933c, p. 1, grifo do autor).

É possível que o texto educacional transportado por Sarmento de Beires fosse o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado no Brasil no ano anterior. Ou algum outro estudo sobre a Escola Nova, pois as ideias apresentadas como comunistas por Salazar eram corriqueiras nos debates escolanovistas do período3. A preocupação contra a emancipação sexual, ação atribuída a professores subversivos, será abordada mais à frente.

É apropriado ressaltar que, por todo o ano de 1933, com a rara exceção aqui apresentada, os assuntos educacionais, no Diário da Manhã, eram tratados de maneira pacata. Havia uma abordagem que privilegiava questões administrativas envolvendo o cotidiano escolar. Às vezes, comentavam comemorações em escolas específicas ou dicas genéricas sobre a educação, mas nada polêmico. Isso mudou drasticamente em março de 1934.

Propósitos da Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova

Em 11 de março de 1934, o Diário da Manhã publicou o primeiro dos nove editoriais do que denominou como “Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova” (Diário da Manhã, 1934n, p. 1). Todos os nove editoriais foram apresentados com destaque na capa do jornal, com o termo EDITORIAL grafado acima de seus títulos individuais.

Em seu estudo sobre o Diário da Manhã, Vítor Neto (2019) abordou os editoriais sobre educação do período aqui tratado. No entanto, cabe maior atenção ao que esse conjunto de textos sobre a educação em Portugal significava no então recente processo de institucionalização do Estado Novo.

Há três possíveis explicações para a campanha pela Escola Nova ter ocorrido nas páginas do Diário da Manhã especificamente nos meses de março e abril de 1934. Os três motivos são complementares.

A primeira hipótese é a de um possível acordo entre o jornal e o regime salazarista, envolvendo maiores verbas governamentais para a viabilização do Diário da Manhã se tornar inequivocadamente o porta-voz do regime. No histórico do jornal, de Mário Matos e Lemos (2006, p. 234, grifo do autor), é narrado que:

Em 7 de agosto de 1933, Júlio E. de Mesquita, administrador do jornal, expõe, num relatório a Salazar, a situação difícil em que o periódico se encontrava, agravada pela insuficiência e irregularidade do subsídio governamental recebido. [...] Em 24 de janeiro de 1934, o jornal anuncia que vai suspender a publicação por alguns dias e que reaparecerá ‘com maior formato, algumas novas seções e valorizado por uma plêiade de colaboradores ilustres’. [...] Reaparece no dia 4 de fevereiro de 1934. [...] No cabeçalho do jornal, a partir de 14 de outubro de 1935, passou a figurar a indicação de que era órgão da União Nacional.

Não é coincidência que, no mês seguinte ao seu reaparecimento, depois de quase fechar as portas, o Diário da Manhã tenha se tornado mais radical. É certamente do grupo que compôs a nova ‘plêiade de colaboradores ilustres’ que se encontrou o redator dos editoriais da campanha pela Escola Nova. Posteriormente será apresentada aqui uma possibilidade de quem era esse editorialista. Resumindo, a sobrevivência, em 1934, do Diário da Manhã teve um preço. O primeiro pagamento foi a Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova.

O segundo possível motivo foi usar a campanha pela Escola Nova com a intenção de radicalizar os debates políticos às vésperas do 1º Congresso da União Nacional, ocorrido de 26 a 28 de maio de 1934. Fernando Rosas (2008, p. 36-37) analisou como a “[...] pressão social e política de base [...]”, da direita radical portuguesa, tentava ocupar os espaços possíveis e radicalizar o regime salazarista em direção aos postulados fascistas. No primeiro semestre de 1934, essa direita radical organizava-se no Movimento do Nacional-Sindicalismo4. A pressão para uma guinada ultradireitista vinha de dentro do próprio regime. Poucas semanas antes do 1º Congresso da União Nacional, a campanha pela Escola Nova foi uma das maneiras dessa direita radical demarcar terreno e pressionar os congressistas em direção à extrema direita. A tolerância de Salazar com a extrema direita fazia parte de sua estratégia política. Dava-se espaço aos radicais, para que se sentissem contemplados dentro do regime. Depois, aparava-se o seu radicalismo. Fernando Rosas (2015, p. 133 e 138, grifo do autor) interpretou detalhadamente essa política de compromisso salazarista:

O compromisso, ao acabar de firmar-se no inverno de 1934, já se transformara em rendição generalizada ao novo regime da direita republicana civil e militar. Como repetirá noutras ocasiões, durante a longa vida do Estado Novo, Salazar atrai os seus adversários para dentro do regime com concessões, e depois ‘esvazia-os’ politicamente, bem como às concessões e compromissos. A alteração da relação de forças com a neutralidade da outra força revelava o caráter artificial e transitório dos acordos.

[...]

O ‘Chefe’ [Salazar] cumprirá a sua parte: a elite intelectual do nacional-sindicalismo, sempre muito crítica do conservadorismo da União Nacional, irá pôr o seu radicalismo essencialmente ao serviço do aparelho de propaganda do regime (no Diário da Manhã, na futura Emissora Nacional, no Secretariado de Propaganda Nacional, em órgãos próprios que lhe são temporariamente ‘oferecidos’).

A elite intelectual do Nacional-Sindicalismo compôs a nova plêiade de colaboradores ilustres a promover no Diário da Manhã a campanha pela Escola Nova. A alteração da relação de forças se deu no 1º Congresso da União Nacional. O esvaziamento e a neutralização do Movimento do Nacional-Sindicalismo ocorreram nas semanas seguintes a esse congresso.

A terceira hipótese explicativa seria a tentativa de influir incisivamente nos rumos educacionais portugueses, apresentando a campanha pela Escola Nova durante a Reunião Anual dos Inspetores Escolares de Portugal, realizada entre 20 e 22 de março de 1934. Esse encontro será abordado posteriormente no atual trabalho. Porém, pode-se antecipar que o Diário da Manhã (1934g) noticiou que esse evento reuniu em Lisboa cerca de 800 professores primários de todo o país.

Os envenenadores da pátria

Os editoriais da campanha pela criação da Escola Nova geralmente começavam com uma exortação aos seus propósitos políticos. Na sua parte intermediária, havia um diagnóstico do tema tratado. Por último, como fechamento, retomavam-se os objetivos políticos da campanha pela Escola Nova. Neste atual trabalho, na montagem interpretativa desses textos, essa ordem não será obedecida. É mais elucidativo acompanhar inicialmente o diagnóstico apresentado sobre o tema tratado e só então apontar as finalidades políticas que os organizadores da campanha almejavam5.

O primeiro editorial da campanha pela Escola Nova tinha por título ‘Os envenenadores’. Os trechos selecionados possibilitam uma ideia do teor desses editoriais:

Alguém chamou, aos apóstolos desta cruzada satânica [contra o Estado Novo], aos realizadores deste plano tenebroso, OS ENVENENADORES DE NASCENTES. Imagem perfeita: é na mocidade que estão, sem dúvida, as nascentes das Pátrias - as nascentes do grande fluido humano que as representa e as perpetua [...] Envenenadas as nascentes, não tardará que o fluido se transforme, de corrente de vida, em corrente de morte. E as maiores Pátrias não poderão resistir por muito tempo [...] ENVENENADORES DE NASCENTES! [...] Acima de todos - aqueles que, do alto das cátedras, atraiçoam a mais nobre e isenta das missões e, em vez de ensinarem a viver, ensinam a matar! (Diário da Manhã, 1934b, p. 1).

O editorial recupera uma narrativa historicamente já antiga na cultura europeia. É a que trata dos ataques de conspiradores contra as nascentes e poços d’água. Seu objetivo, desde a Idade Média, era compartilhar o medo contra o diferente, o outro, o envenenador das águas comunitárias. Séculos antes, usou-se esse temor coletivo contra os leprosos, judeus, loucos e mulheres, vistas como bruxas. Carlo Ginzburg (1991) e Michel Foucault (1978) trataram com maestria a construção histórica desses medos sociais. O editorialista trabalhou com uma narrativa sedimentada nos temores ancestrais portugueses. A modernização dada foi a de substituir o leproso ou o judeu pelos professores.

O editorial joga com a palavra ‘nascente’ em vários sentidos. Pode ser interpretada como nascente d’água, como se usou tradicionalmente. Mas, concomitantemente, em outras duas concepções: nascente como criança, que nasceu recentemente; mas também como sociedade nascente, isto é, o Estado Novo. Entrelaçando esses três sentidos, assim como os judeus ou leprosos de outrora, os professores envenenariam as crianças, o Estado Novo e, portanto, o futuro do país. Os professores seriam assassinos. Premeditadamente envenenavam o passado - o ensino de História por parte dos ‘envenenadores’ será abordado posteriormente -; o presente - os alunos -; e o futuro - a consolidação do Estado Novo -. O termo ‘envenenadores’ será utilizado frequentemente nos editoriais seguintes.

A mocidade era vista como as nascentes da pátria. Tais nascentes, grande fluido humano, era apresentado como seiva da nação. As nascentes envenenadas, sementeiras do sangue, transformariam os fluidos de vida em fluidos de morte. Tem-se aqui um bom exemplo da analogia orgânica aplicada à ordem social. Essa visão é patente na simbologia apresentada por esse editorial. A analogia orgânica propiciava conceber a sociedade à semelhança de organismos biológicos. A sociedade era considerada um organismo vivo, no qual seus órgãos têm funcionalidade interdependente. A visão orgânica de sociedade era oposta às concepções que tivessem como referência a luta de classes. Era contrária a abordagens em que as dinâmicas sociais considerassem conflitos de interesses econômicos ou políticos entre os membros de uma mesma sociedade. Como órgãos interdependentes, os diversos setores sociais eram apresentados como complementares, naturalmente não conflituosos. Embora, para tanto, o ‘pé’ tivesse que saber o seu lugar em relação ao ‘cérebro’ ou ao ‘pulmão’ social.

Não cabe aqui detalhar a vulgarização das concepções organicistas de sociedade na virada do século XIX para o XX. Uma trajetória útil pode acompanhar como Émile Durkheim incorporou algumas analogias orgânicas em sua concepção sociológica6. Kazumi Munakata (1984) tratou do uso de aspectos da sociologia de Durkheim pelos ideólogos do corporativismo. Dentre outros estudos, a trajetória do corporativismo em Portugal nas primeiras décadas do século XX foi analisada por Ernesto Castro Leal (2015) e Paula Borges Santos (2015).

O que se pretende destacar é que essa visão organicista da sociedade se tornara senso comum na retórica dos editoriais da campanha pela Escola Nova. Conceber a vida social como uma simbiose orgânica entre a natureza, o corpo humano e a sociedade possibilita a compreensão de algumas posturas defendidas nesses editoriais. Além disso, há algo intrigante informado por essa simbologia. Quem, no início dos anos 1930, era um dos intelectuais portugueses que tinha a visão corporativa e orgânica de sociedade melhor articulada? Quem atrelava sua perspectiva orgânica de sociedade a uma ação decisiva da Igreja Católica no âmbito social, como será exemplificado em editorial tratado mais à frente? Quem, em 1934, era suficientemente influente no regime para ter condições de liderar uma campanha de impacto nas páginas do Diário da Manhã? Quem fazia a ponte entre o regime salazarista e os intelectuais radicais do Nacional-Sindicalismo antes da supressão desses últimos como força política autônoma? Quem seria o responsável pela campanha em prol da Escola Nova? Uma resposta que satisfaz a todos esses quesitos é o nome de Marcello Caetano7.

Frequentemente esquece-se do Marcello Caetano radical, ligado à extrema direita durante a ditadura militar, como destacou Luís Reis Torgal (2007). No primeiro semestre de 1934, Marcello Caetano fazia anos que não estava sob a influência política de Francisco Rolão Preto, em processo acelerado de isolamento. Embora admirasse a pujança do Nacional-Sindicalismo (Antunes, 1994). Como narra Parreira, Caldeira, Maurício, Cabral e Pisco (1982, p. 210), era exatamente nesse semestre que Marcello Caetano tinha dificuldades em convencer Salazar da importância do 1º Congresso da União Nacional, do qual ele fora um dos organizadores, até se afastar em janeiro de 1934 (Antunes, 1994). Marcello Caetano, redigindo ele próprio ou utilizando como editorialista um de seus aliados próximos ao Nacional-Sindicalismo, preservando para o público em geral o anonimato, pode ter usado a campanha pela Escola Nova para lembrar a Salazar do que era capaz o radicalismo da extrema direita. Tal pressão indicaria a Salazar a alternativa possivelmente desejada por Marcello Caetano: convidá-lo novamente como liderança da União Nacional e dar substância ao seu 1º Congresso, no qual Marcello Caetano pretendia se destacar. O 1º Congresso da União Nacional acabou ocorrendo, mas não da maneira que almejava Marcello Caetano (Parreira et al., 1982, p. 216). No Diário da Manhã, a campanha pela Escola Nova foi o ‘canto do cisne’ do extremismo típico de antigos membros do Nacional-Sindicalismo, radicalismo ultradireitista combatido a partir da segunda metade de 1934. Pode-se cogitar que tenha sido também a despedida do jovem Marcello Caetano, então com 27 anos, de sua fase mais radical, mais próxima aos postulados fascistas em relação ao novo regime que se estabelecia.

A hipótese aqui proposta é de comprovação documental improvável. Marcello Caetano (1977, p. 60) descreveu sua relação com Salazar no primeiro semestre de 1934 como muito conflituosa: “Houve um arrufo entre nós que iria durar anos”. José Freire Antunes (1994, p. 31) afirma que, a partir dos primeiros meses de 1934, por muitos anos, Salazar tratou Marcello Caetano “[...] como um fabricante de sarilhos, um incontrolável transgressor que precisava de ser rodado”. Contudo, infelizmente, a correspondência entre Salazar e Marcello Caetano organizada por Antunes (1994) não trata da campanha pela Escola Nova. As biografias de ambos, elaboradas por Filipe Ribeiro de Meneses (2011), por José Manuel Tavares Castilho (2012) e por Francisco Carlos Palomanes Martinho (2016), não mencionam nada próximo ao tema aqui tratado.

Voltando ao editorial ‘Os envenenadores’, nele foram abordadas questões denominadas ‘instintos em liberdade’. Quando tratava de questões sexuais, nos editoriais da campanha pela Escola Nova, havia uma mistura de analogias orgânicas e aversão às recentes abordagens psicanalíticas, propostas por Freud. O grande fluido humano, a corrente de vida, os fluidos sociais não deveriam ser desperdiçados de maneira desregrada. Daí o combate ao amor-livre, que supostamente era ensinado nas escolas por professores subversivos:

Cria-se um estranho snobismo à volta duma filosofia, duma psicologia e, sobretudo, duma sexologia que se apoiam no repúdio de todas as leis essenciais da ética e da vida, na apoteose dos instintos em liberdade, na franca exaltação da animalidade sem freios. [...] Roubam-se às crianças todas as bases do seu equilíbrio e da sua estabilidade no mundo. [...] Ensinasse-lhes, então, a viver só para o seu corpo (Diário da Manhã, 1934b, p. 1).

[...]

Não é servir a humanidade permitir que entre os adolescentes se vá insinuando a moral repugnante do amor-livre, do ódio à religião e à família, da promiscuidade dos sexos! (Diário da Manhã, 1934d, p. 1).

Viver para o prazer somente de seu próprio corpo traria a ruptura da organicidade social. Na visão organicista, o corpo social suplantaria as prioridades do corpo individual. Como em outros aspectos, o corporativismo via-se como oposição ao liberalismo individualista. Servir à humanidade não era algo que deveria ser visto como uma ação individual. O corpo social produzia fluidos de vida, fluidos seminais, mas a cópula social não poderia ser orgiástica. A reprodução social deveria ser regulada pelos deveres de servir à humanidade. Os interesses sociais suplantavam os prazeres corporais individuais.

No editorial ‘Os envenenadores’, abordou-se também o tema de jovens estudantes sendo instruídos nas escolas a se tornarem terroristas:

A campanha de agitação e perversão da juventude foi sempre, e em todos os tempos, uma das grandes armas da política revolucionária. Mas hoje essa campanha é executada com rigoroso método, com um critério, por assim dizer, ‘científico’. Existe um centro universal donde irradia a terrível e nefasta propaganda: MOSCOU. De lá vêm os mil agentes que se insinuam entre as camadas acadêmicas, os mil tribunos de esquina ou de café, as ondas mefíticas de folhetos, de brochuras, de proclamações, e, até, se for possível uma ou outra bomba - explosivos colocados nas mãos inábeis de adolescentes e por meio dos quais se espera fazer saltar, em estilhaços, as últimas colunas do edifício socia (Diário da Manhã, 1934b, p. 1, grifo do autor).

Em 1934, duas charges na primeira página do Diário da Manhã reforçaram tal caracterização da escola como local de aprendizado de como fazer bombas a serem usadas contra o regime, como ilustra a Figura 2 a seguir.

Fonte: Diário da Manhã (1934a, p. 1).

Figura 2 Escola de pais. 

Na charge, a criança demonstra que aprendeu com a família como fabricar bombas. Os pais sendo influenciados por Moscou, como demonstra o slogan ‘Viva a revolução social’, ao lado de uma imagem de Lenin, com a foice e o martelo, na parede ao fundo. O conluio entre escola, comunismo, violência e terrorismo era reforçado pelos textos escritos na mesma época, nos quais se afirmava que tal postura se imiscuiu nas escolas de então. De Moscou, passando pela escola de pais comunistas, insinuava-se entre as camadas acadêmicas e se irradiava para a sociedade.

A Figura 3, com temática semelhante, foi publicada em plena campanha pela Escola Nova. Nela, não há a figura da criança, mas persiste a representação de que a escola ‘deles’ era o local de fomento ao terrorismo armado. A escola deles, a de antigamente, ironicamente chamada de risonha e franca, podia ser associada simultaneamente à escola de outrora, a da República, mas também à escola recente, imediatamente anterior à repressão promovida pelo Estado Novo contra os subversivos retratados na charge.

Fonte: Diário da Manhã (1934m, p. 1).

Figura 3 A escola deles.  

Nesse período, existiu uma narrativa contraditória no Diário da Manhã ao abordar a violência e a juventude. Condenava-se o uso da violência se ela tivesse como causa a revolução social. Entretanto, combatia-se simultaneamente a construção de um ideário pacifista entre os estudantes:

Antes de mais nada, os professores são homens e são portugueses. Como homens, como portugueses, compete-lhes servir a humanidade e servir Portugal. [...] Não é servir Portugal descer até o ponto de espalhar, entre os rapazes que são a garantia e a promessa da nossa força de amanhã, os mais torpes conceitos anti-militaristas! (Diário da Manhã, 1934d, p. 1).

No ano anterior à campanha pela Escola Nova, o Diretor Geral do Ensino Primário, Victor Manuel Braga Paixão, havia se manifestado de maneira semelhante sobre o pacifismo:

Dir-me-ão que o ideal das instituições escolares deve ser a paz. Convenho que só a paz deve contentar o homem culto, mas volto a afirmar que a Escola é para a Nação, que a intangibilidade do patrimônio desta tem de ser assegurada em todas as circunstâncias - mesmo as da guerra - e que se condenam a si mesmas as Nações que se deslumbram na contemplação do ideal pacifista (Diário da Manhã, 1933b, p. 10).

Embora seja de 1936, quando do início da Guerra Civil Espanhola, a Figura 4, de uma propaganda de máscaras antigás, ilustra bem essa postura ambígua em relação ao belicismo:

Fonte: Diário da Manhã (1936, p. 8).8

Figura 4 Ensinemos à mocidade a ser previdente. 

Nessa propaganda, há duas escolas e duas temporalidades distintas, mas sobrepostas. Há a escola que prepara os alunos, os jovens, coloquialmente chamados de ‘nossos filhos’, para os tempos de paz, para a vida. Contudo, essa mesma escola, que ensina a mocidade a ser previdente, tem que prepará-los para os tempos de guerra, para a morte. Ou, algo semelhante, para o mundo do trabalho, para a oficina. A Protéctus apresenta-se como a síntese dessa simultaneidade comportamental. Com suas máscaras antigás, os jovens formados numa sociedade previdente estavam precavidos. Isto é, podiam viver em paz, preparados para os riscos de uma morte iminente. Ou, em caso menos drástico, preparados para o trabalho no mundo fabril. O pacifismo realmente não era um tema fácil nos anos 1930. Como não podia deixar de ser, a escola foi perpassada por tal situação.

Como síntese do primeiro editorial da campanha pela Escola Nova, pode-se ressaltar que a ambiência política vivenciada a partir da leitura do Diário da Manhã era de elogio à violência. Contudo, qualquer Estado que se preze, novo ou não, tenta estabelecer o monopólio da violência justa. Nesse sentido, buscou-se, nos editoriais da campanha pela Escola Nova, legitimar uma violência específica: a que acrescentava poder ao jovem Estado Novo. Bombas, máscaras antigás ou preparação das novas gerações para a guerra? Eram apresentadas como legítimas, contanto que beneficiassem a consolidação do Estado Novo. Bombas pela revolução social ou, o seu oposto, postura pacifista? Terrorismo e traição à pátria! Como caracterizar a quem se opunha à legitimação da violência do Estado Novo? Envenenadores de nascentes! Assim como os adeptos do absolutismo monárquico, finado com o Antigo Regime, os intelectuais da extrema direita, defensores do autoritarismo do Estado Novo, se orientavam pela ‘razão de Estado’ como sua bússola política. Em 1934, dominar o monopólio da violência justa era a ‘razão de Estado’ dos autoritários portugueses. Estava em jogo, nos editoriais do Diário da Manhã de então, legitimar determinados tipos de violência e suprimir outros. Era cruel, mas tinha lógica.

Os professores e os estudantes nos editoriais da campanha pela Escola Nova

Em dois editoriais sobre os professores universitários portugueses, executou-se uma difamação pública dessa categoria docente. Nos editoriais, o termo ‘Senhor Professor’ foi usado sarcasticamente como sinônimo de professor universitário. Segundo os editoriais, o que devia ser combatido no professor universitário? A sua neutralidade diante das ações e propostas de Estado Novo. Cobrava-se dele a adesão, e não a neutralidade. A sua indiferença era tratada como traição à Pátria:

Onde está a escola? Perguntou na sua voz serena de justiceiro, Salazar. [...] Evidentemente, a escola está, na sua melhor parte, com o Estado Novo. Mas isso não nos impedirá de acusar o Senhor Professor - essa entidade balofa, solene e equívoca, anichada nas tribunas do ensino e que delas se serve para tolerar ou ajudar a pior sementeira que até hoje foi lançada entre as novas gerações de todo o mundo. O Senhor Professor é uma figura que nos inspira antipatia e desconfiança. [...] Ele, o Senhor Professor, tem sempre essa atitude - estratagema, essa atitude - boia de salvação: a neutralidade. [...] Como deve chamar-se esta neutralidade? [...] Temos de a chamar pelo seu nome: DESERÇÃO, CUMPLICIDADE COM O INIMIGO, TRAIÇÃO À PÁTRIA. E porque ele é o melhor aliado da ofensiva comunista nas escolas, porque ele é o melhor trunfo no jogo dos ENVENENADORES - nós pedimos, clamamos em nome do país, que o Senhor Professor seja desalojado, apeado de sua cátedra que desonrou, impedido de continuar a exercer a sua tremenda ação parasitária e desorientadora (Diário da Manhã, 1934c, p. 1).

Diante da abordagem cética do professorado universitário português quanto aos rumos do Estado Novo, foi proposto pelo Diário da Manhã que tal professor fosse destituído de sua cátedra. A cátedra lhe dava o direito de liberdade de pensamento e de expressão. Embora esses professores não fossem comunistas, ao exercerem o seu direito de cátedra de não se posicionar nem contra nem a favor do regime, eles foram apresentados como aliados do comunismo, mesmo que involuntariamente. A visão fascista de mundo joga costumeiramente com o ‘nós’ ou os ‘outros’. Quem não está do ‘nosso’ lado automaticamente é classificado como aliado do ‘outro’. Qual a solução básica para isso? A destituição das cátedras dos professores universitários que não aderissem explicitamente ao Estado Novo e o seu silenciamento.

O professor universitário era apresentado como alguém com despeito, inveja do triunfo dos novos donos do poder. Aliás, a inveja foi comentada como algo intrínseco às democracias. A solução repetida muitas vezes para essa situação era a de cassar seu direito de cátedra, expulsá-lo das universidades e silenciar tal docente:

O Senhor Professor - esse cúmplice de todos os ENVENENADORES das inteligências moças, esse aliado solene, hipócrita, criminoso das más propagandas que hoje invadem as escolas portuguesas. Reclamamos que, para o bem da Ordem, da Moral e da Justiça, o Senhor Professor não tarde a ser expulso das cátedras que é indigno de ocupar. Em nome do País, que nos escuta e nos incita, pedimos que se reduza, quanto antes, ao silêncio esse perigoso agente da anti-Nação! (Diário da Manhã, 1934d, p. 1).

Os dois editoriais sobre o professor universitário português são exemplares do tom de desprezo aos intelectuais demonstrado na campanha pela Escola Nova. Os editoriais seguintes continuaram na mesma linha argumentativa. Pedindo perdão pelo comentário anacrônico, é plausível imaginar que um ideólogo da Revolução Cultural, na China dos anos 1960, ficaria satisfeito ao se deparar com esse tipo de manifesto estampado na capa do jornal do partido único português, no início de seu Estado Novo.

É ao final do segundo editorial sobre o professor universitário que, pela primeira vez, apareceu o slogan recorrente nos editoriais seguintes: “É preciso que, junto ao Estado Novo, exista a Escola Nova!” (Diário da Manhã, 1934d, p. 1). Daí em diante, o fecho dos demais editoriais trouxe versões variadas dessa palavra de ordem, como “Que o Estado Novo crie a Escola Nova!” (Diário da Manhã, 1934e, p. 1 e 1934f, p. 1), ou “Escola Nova! Escola Nova! A Escola Nova do Estado Novo!” (Diário da Manhã, 1934i, p. 1), e “O Estado Novo começa a poder apoiar-se e confiar na ‘Escola Nova’!” (Diário da Manhã, 1934o, p. 1, grifo do autor).

Em outras edições desse período, mesmo que a capa do jornal não contivesse nenhum texto sobre o assunto, algumas vezes, aparecia como destaque o slogan referente à Escola Nova, como ilustra a Figura 5:

Fonte: Diário da Manhã (1934L, p. 1).

Figura 5 Para o Estado Novo, Escola Nova. 

Após combater o professor universitário, o editorial seguinte se dedicou a difamar o professor do ensino secundário. Ele foi apresentado, privilegiadamente, como o agente político primordial da extinta democracia partidária:

Temos que lançar os nossos olhos para o professorado de ensino secundário. Dentro dessa classe, encontram-se, em maior número, os inimigos do Estado Novo e dos princípios nacionalistas. É uma vasta rede, misteriosa e astuta, que se estende pelo país afora e que procura, nas suas malhas pérfidas, envolver e contaminar a mocidade portuguesa. [...] Era ele, no tempo dos partidos, [...] um dos elementos essenciais da engrenagem eleiçoeira e parlamentar. Os chefes dos grupos - demagogos supremos! - chamavam-no para todas as tarefas, atribuindo-lhe todas as missões. Encarregavam-no, em geral, de formar as comissões locais do partido. Entregavam-lhe a organização dessas indispensáveis sucursais das grandes empresas de voracidade política. Industriavam-no, enfim, para que, na sua aula, fornecesse, à juventude, as ideias feitas do evangelho liberal-democrata, os lugares-comuns dum pseudo-humanitarismo de essência maçónica, e os rudimentos de noções políticas, morais e históricas necessárias ao fabrico da mentalidade passiva (Diário da Manhã, 1934e, p. 1).

Na campanha pela Escola Nova, havia um linguajar com propósito desqualificador, desmoralizador e ofensivo em todos os editoriais sobre os professores portugueses. Mesmo assim, informa algo que provavelmente caracterizava até então a atuação desses docentes. No caso dos professores do ensino secundário, tratava-se de suas imbricações com o funcionamento das instituições políticas de representação democrática da antiga República. Os professores do ensino secundário eram, segundo o Diário da Manhã, peças essenciais no funcionamento da democracia partidária. Eram tidos como os formadores de consciência política e de opinião no período democrático, anterior à ditadura e ao Estado Novo. Daí a sua periculosidade aos olhos dos políticos autoritários. Os professores do ensino secundário eram o elo entre o antigo centro do poder político da democracia liberal e os poderes locais. Nessa concepção, os professores eram os responsáveis pela resistência latente e desaprovação dos postulados autoritários do Estado Novo entre os jovens portugueses que chegavam ao ensino secundário. Portanto, impediam a adesão ao novo regime das elites em formação.

O editorial seguinte incumbiu-se em desqualificar o professor primário, chamado, de maneira jocosa, de ‘camarada primário’. Isto é, tratava-se de um ‘camarada’, como então se chamavam entre si os comunistas. Nesse editorial, apresentou-se a importância da Igreja Católica no enraizamento da visão orgânica de sociedade, principalmente no mundo rural português. O anticlericalismo, típico da República, tinha no professor primário o seu principal bastião. Nos editoriais, quando se usava o termo ‘Reviralho’, era uma referência às tentativas armadas de sublevação contra a ditadura, ainda em curso no início do Estado Novo. Para compreendê-las, é essencial a leitura da principal obra sobre o tema, de Luís Farinha (1998).

No Diário da Manhã, era assim apresentado, em 1934, o professor primário:

Desçamos ainda mais um degrau - o último - na hierarquia do ensino. [...] Eis que chegamos ao ‘camarada primário’, essa figura inquietante e grotesca, tirada em milhares de exemplares pelo país afora e que, podemos dizê-lo, constitui a imensa legião secreta do ‘Reviralho-Comunismo’. Se o professor secundário servia já de instrumento habitual aos dirigentes das quadrilhas partidárias - este, o primário, era o seu soldado favorito, aquele que, de norte a sul, na ofensiva repugnante contra a moral e a disciplina cristãs, se opunha ao pastor das almas, ao pároco de aldeia. Todos se lembram do quadro ignóbil que nos ofereciam, então, sob este aspecto, as mais belas terras portuguesas: junto ao padre, que mantinha o prestígio e o apostolado da Igreja, e falava em nome de Deus às populações rústicas - surgia o ‘camarada primário’, insolente e petulante, representando a vasta rede subterrânea das ‘lojas’ [maçônicas], conspirador perpétuo contra todas as leis, todas as autoridades - e todos os evangelhos (Diário da Manhã, 1934f, p. 1, grifo do autor).

O professor primário era caracterizado como alguém que diferenciava em áreas distintas as atribuições sociais do Estado e da Igreja. Entre esse professor e a atuação orgânica do clero português em favor do Estado Novo, a opção exposta no Diário da Manhã era bem clara: a Igreja Católica deveria ter sua primazia educacional reconstruída. Os professores primários e os docentes do ensino secundário, nesses dois editoriais sequenciais, foram apresentados como categorias sociais essenciais à constituição do regime democrático. Foram as bases do funcionamento da política partidária da extinta República. Eram os elementos sociais de capilaridade entre o antigo poder central, os partidos políticos e os poderes regionais e locais. Os novos donos do poder tinham nitidez dessa importância, daí a sua atenção ao professorado. Esse diagnóstico, de clareza solar, deveria servir de alicerce às reformas educacionais que se avizinhavam no horizonte do Estado Novo.

Como último foco da campanha pela Escola Nova, encontrava-se o estudante. No editorial intitulado ‘Os Galuchos [recrutas] de Lenine’, os estudantes portugueses foram descritos como produto doentio das influências estrangeiras, principalmente russas:

Não há nada tão doloroso [...] como observar essa juventude envenenada, corrompida, precocemente cínica. [...] Pequenos monstros sociais, cujo fim essencial é erguer-se contra tudo o que represente ordem, estabilidade, harmonia, criação, disciplina. [...] Como se fabricou, entre nós, esse lamentável e grotesco estudante russo? Primeiro, à custa dum sem número de brochuras, de jornais estrangeiros, de folhetos pseudo-científicos, onde se exalta a ‘libertação dos instintos, a emancipação sexual’ e outras aberrações idênticas (Diário da Manhã, 1934i, p. 1, grifo do autor).

A contraposição entre a emancipação sexual e a manutenção da ordem era recorrente na campanha pela Escola Nova. A libertação dos instintos causava mais temor do que a revolução social. Ou, melhor, a emancipação sexual era identificada como a revolução social.

No segundo editorial, os estudantes foram divididos em dois grupos. Existiam os inocentes, mas momentaneamente seduzidos pelo pensamento utópico, e os culpados pela má condução das atividades estudantis:

Na campanha que empreendemos, pelo saneamento da escola atual, pela criação progressiva duma Escola Nova, [...] distinguimos [...] entre os nossos estudantes, aqueles que sofrem más influências e aqueles que se deixam seduzir por loucas utopias. Os primeiros, ainda são até certo ponto - réus. Os segundos, merecem apenas ser chamados - vítimas (Diário da Manhã, 1934j, p. 1).

Quanto aos culpados pelas atividades estudantis conflituosas com o novo regime, o editorial apresentava desprezo. Tais estudantes, filhos mimados da burguesia decadente, não requeriam maiores cuidados do Estado Novo. Seriam estudantes oportunistas. Quando percebessem que o Estado Novo viera para ficar, tais estudantes arrivistas adeririam prazerosamente aos novos mandatários. Seriam em breve os mais fervorosos adeptos do Estado Novo, pois, cínicos, mudariam de posição conforme a maré dos acontecimentos:

Antes de mais nada, encontramos, no panorama político da nossa escola, o estudante ‘reviralho-comunista’, pronto sempre a todas as desordens, a todas as manifestações contrárias ao Governo, a todas as atitudes de premeditada indisciplina. É fácil reconhecê-lo e classificá-lo. Segue os exemplos e as instruções do pai, que foi um dos gozadores da velha Democracia de 1926. O seu perfil cabe numa fórmula breve e nítida: ‘é o filho do papá’. Educado para príncipe herdeiro numa dessas muitas ‘dinastias de parasita’s em que são férteis os regimes parlamentares. Contempla, hoje, desapontadíssimo, os restos da fortuna e da onipotência de outrora, e desola-se ao ver o pai reduzido a um ostracismo justo. E o pai, despeitado e enfurecido por ter sido expulso do poder, impele-o às piores aventuras, incita-o a semear conflitos nas massas acadêmicas. [...] O seu destino não nos inquieta. Jovem oportunista, no dia em que se convencer de que o ‘Reviralho’ é uma empresa falida, mudará, imediatamente, de posição. [...] Já sabemos que o iremos descobrir entre os mais fervorosos adesistas de amanhã (Diário da Manhã, 1934j, p. 1, grifo do autor).

O segundo tipo de estudante, apresentado no editorial como vítima dos professores ‘envenenadores’ e de seus colegas arrivistas, era julgado de maneira menos negativa pelos idealizadores da campanha pela Escola Nova:

Há, porém, o outro, a autêntica ‘vítima’, aquele que se deixou arrastar de boa-fé pelos sonhos dum paraíso longínquo. Aquele que se entrega ao ‘grande desvairo’ das utopias moscovitas. [...] Vítimas, ainda, duma sociedade que as vertigens do ‘depois-da-guerra’ atiraram para todas as aberrações, todos os desregramentos e todos os vícios. Duma sociedade que repudiou as regras essenciais e eternas da moral cristã - e se confiou ao torpe e desatinado império dos instintos. Duma sociedade em que os elos familiares se quebraram ou se relaxaram a tal ponto que esses rapazes não têm uma proteção, um ponto de apoio, uma orientação educativa a defendê-los e guiá-los na vida (Diário da Manhã, 1934j, p. 1, grifo do autor).

Esse tipo de estudante era tratado como vítima das circunstâncias históricas do período complexo após a 1ª Guerra Mundial. Os anos 1920 seriam os do império dos sentidos, das aberrações, dos vícios desregrados, sem proteção da família ou de uma apropriada orientação educativa. Enfim, foi o tempo da democracia e da decadente República. Em 1934, os alunos do ensino secundário ou os estudantes universitários haviam crescido nessa balbúrdia. Mas ainda tinham salvação:

A uns e outros, mas especialmente a estes últimos, dirigimos um apelo afetuoso e simples: é preciso que reconsiderem, que vejam bem, ao fundo da estrada que pisam, os abismos que os esperam! E que compreendam a bela tarefa a cumprir: o serviço e o culto duma Pátria engrandecida por uma era de renascimento, sob o comando de um Chefe que toda a Europa saúda e admira: Salazar. [...] Assim lhes falamos - ‘por agora!’ Se persistissem no seu erro, se continuassem a trabalhar na sombra contra a Ordem, contra a Justiça e contra a Pátria, seríamos os primeiros a pedir, para os desvairados que teimem no seu ‘grande desvairo’9 - os castigos exemplares! (Diário da Manhã, 1934j, p. 1, grifo do autor).

No editorial sobre os estudantes portugueses, havia uma tentativa de jogar uns contra os outros. De criar uma visão conflituosa entre as ‘vítimas’ e os ‘culpados’. Incitava-se que os alunos mais humildes desconfiassem dos alunos abastados. Havia um estímulo para que o aluno proveniente das camadas médias criasse aversão ao aluno burguês. O Estado Novo era apresentado como antiburguês e, em última instância, até mesmo como apto a pensar alternativas ao capitalismo. Houve uma tentativa de convencimento para que os estudantes não endinheirados entrassem para movimentos estudantis ligados ao novo regime. No entanto, era um convite com prazo de validade. Senão, que aguardassem o castigo certeiro das forças repressivas à subversão da ordem.

Os editoriais sobre o professorado e os estudantes portugueses pretendiam coagir os indecisos, os indiferentes, os neutros em relação aos postulados do Estado Novo. Serviram como uma espécie de aviso de urgência, de última chance para que aderissem claramente, publicamente, sem reticências, ao novo regime autoritário. Não bastava mais apenas consentir e silenciar em relação ao Estado em construção. Os professores e os estudantes deveriam criar a escola ativa, vista como sinônimo de Escola Nova. Atuar no Estado em consonância com a nova ordem tinha que ser o objetivo da Escola Nova. Agir, e não apenas consentir. Protagonizar, e não apenas contemplar. Aderir com fervor, de maneira explícita, deveria ser o alvo do homem novo, no Estado Novo, com a Escola Nova. Senão, punição e exclusão.

A Escola Nova como alicerce da ordem autoritária do Estado Novo

Alguns intelectuais ligados à União Nacional e ao Estado Novo compreendiam bem quais eram os debates no Ocidente sobre a trajetória da Escola Nova. Como exemplo, pode-se citar o literato António Correia de Oliveira. Na cerimônia de encerramento do 1º Congresso da União Nacional, na noite de 28/05/1934, ele declamou o longuíssimo poema intitulado ‘Pátria Nostra’. Segundo Anabela Parreira et al. (1982, p. 225), a participação do poeta foi percebida como bastante enfadonha entre os presentes. Em artigo do ano seguinte, após mencionar as escolas novas rurais, criadas por Adolfo Ferrière, Correia de Oliveira (1935, p. 3, grifo do autor) apresentou, no Diário da Manhã, um histórico da Escola Nova. Entre outros educadores, mencionou que:

Seguindo o critério de Ferrière, apareceram vários métodos, como o de Mademoiselle Montessori, e dos ‘centros de interesse’, de Ovidio Decroly, o projecto method, de John Dewey, o plano de Dalton, de Miss Parkhurts, e de Kerschensteiner etc.

Segundo Correia de Oliveira (1935, p. 3), havia chegado a hora do ensino secundário português adotar a Escola Nova como referência de pedagogia moderna:

Aos nossos liceus chegou a vez de serem reformados segundo o espírito da moderna pedagogia. Política de realidades, que tem como centro de irradiação a obra, a vida e a palavra de Salazar - o educador por excelência - postula uma escola assente sobre realidades.

O que esse artigo sinaliza? Ele indica que alguns intelectuais ligados ao Estado Novo conheciam as discussões contemporâneas sobre a Escola Nova. No entanto, na visão de Correia de Oliveira (1935, p. 3, grifo do autor), as escolas portuguesas ainda não estavam preparadas para a sua implantação como então se debatia internacionalmente:

É evidente a impossibilidade de fazer, de um momento para o outro, nos nossos estabelecimentos oficiais, largas aplicações das doutrinas da ‘escola nova’. Nem temos, em número suficiente, educadores preparados para a ação imediata, nem condições de ordem material.

Mas, se ainda não havia capacidade de implantar em Portugal a Escola Nova nos moldes idealizados pelos seus defensores ocidentais, o que era possível fazer com as condições de então? Durante a campanha pela Escola Nova, em 1934, a resposta fora dada na Reunião Anual dos Inspetores Escolares.

De 20 a 22 de março de 1934, aconteceu a Reunião Anual dos Inspetores Escolares10. Ela ocorreu no Conselho Superior da Instrução Pública, no Ministério da Instrução, em Lisboa. Em seu encerramento, no Liceu Normal de Lisboa, o Diretor Geral do Ensino Primário, Victor Manuel Braga Paixão, fez conferência para cerca de 800 professores, segundo o Diário da Manhã (1934g, p. 1). Além dos assuntos administrativos, em 21 de março, foram debatidos:

Concepção da escola no Estado Novo, em contradição dos preconceitos sobre que assentava a escola velha;

Relações entre a ideologia da Escola Nova e a metódica que a pode assegurar;

Exame das realidades atuais, herdadas da escola velha;

Função dos serviços centrais de orientação pedagógica;

Uniformidade de pensamento e de atitudes dos agentes de orientação e de direção;

Exame dos métodos de orientação preconizados pela rotina;

Definição dos métodos convenientes:

De sugestão;

De ação individual, para correção dos vícios pessoais;

De ação coletiva, para esclarecimentos ou para correção de defeitos vulgarizados;

Apresentação pública dos serviços do Ensino Primário, em termos convenientes a uma política de verdade (Diário da Manhã, 1934k, p. 8).

O que era a Escola Nova que se pretendia instalar em Portugal? O Diretor Geral do Ensino Primário, Victor Manuel Braga Paixão, na conferência intitulada ‘Orientação do ensino primário’11, expôs o que seria a Escola Nova viável no país. Não é possível confirmar se estavam presentes à conferência os cerca de 800 professores noticiados, mas, provavelmente, havia muitos docentes.

A principal argumentação explicativa do que seria a Escola Nova consistia em, basicamente, associá-la à escola ativa. E, importante, atribuir à escola politicamente neutra as características da escola passiva; isto é, antiga, tradicional e ultrapassada. A escola ativa, politicamente engajada nas propostas do Estado Novo, representaria a modernidade. Portanto, essa escola politizada seria a Escola Nova. A escola tradicional era denominada ora escola velha, ora escola passiva.

Joaquim Pintassilgo tratou dessa associação entre os princípios da Escola Nova e a chamada escola ativa no início do Estado Novo. Para o autor, foi uma tentativa de conciliar aspectos inovadores do escolanovismo com a visão ideológica conservadora do regime salazarista:

Em termos gerais, continuam a ser aceitas muitas das propostas metodológicas desenvolvidas no quadro da modernidade pedagógica, designadamente por via da Escola Nova, mas esvaziadas do projeto de transformação social que lhes estavam subjacentes. A ‘escola ativa’ decorrente dessa reinterpretação surge como perfeitamente conciliável com as tradições católica e patriótica e, em particular, passível de ser concretizada no quadro de um regime autoritário (o Estado Novo) e de uma ideologia conservadora (o salazarismo) (Pintassilgo, 2016, p. 170, grifo do autor)12.

Na apresentação do Diretor Geral do Ensino Primário, Braga Paixão, era na escola passiva que as práticas pedagógicas estavam calcadas na memorização de conteúdos sem grande significação:

Os programas atuais, o espírito da lei em vigor não prescrevem que se decore, sem interesse e sem utilidade, se memorizem ingloriamente listas infindas das produções de cada um de nossos domínios coloniais. [...] Não impõem as normas oficiais que se retenham as listas dos advérbios e se saia da escola confundindo a ortografia de ‘inventa-se’ com a de ‘inventasse’, nem que se detenha o ensino na frívola, se não inconveniente, pormenorização das circunstâncias que determinaram o drama de Inês de Castro ou o escândalo dado ao povo por D. Fernando I (Diário da Manhã, 1934h, p. 5, grifo do autor).

Em contraposição à escola tradicional, a Escola Nova seria ativa. As atividades pedagógicas modernas favoreceriam a aquisição de novos conhecimentos e o desenvolvimento de novas aptidões. O processo educacional, portanto, propiciaria o prazer do aluno em se apropriar ele mesmo dos conhecimentos e em adquirir novas capacidades:

Queremos uma escola ‘mais ativa’ - dizíamos. A escola aspira à utilidade nacional, antes de tudo, pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento das faculdades dos indivíduos. Sob este aspecto, reside nele o principal órgão fomentador da riqueza pública, dado que a primeira riqueza da Nação consiste nas aptidões e nas qualidades morais dos seus filhos. As faculdades afirmam-se, desenvolvem-se, aperfeiçoam-se pelo exercício regrado e metódico. Só, portanto, pela ‘atividade’ a escola desempenha esta parcela das suas obrigações. [...] Quando vos convidamos a ativar as nossas classes, não vos sugerimos o exclusivo ou o predomínio das aptidões manuais. Nem só estas caracterizam uma escola digna de se chamar ‘ativa’. Escola ‘passiva’ é toda aquela em que os alunos recebem as lições que lhes são ‘dadas’. Ativas, toda aquela em que os alunos exercem as suas faculdades para enriquecerem o espírito de novos conhecimentos e adquirirem novas aptidões. Observe a cada momento o professor as atitudes de seus alunos e interrogue-se sobre o que tem de fazer para que a aula seja deles, ‘deles’ a satisfação moral do trabalho realizado, o prazer de ter adquirido novas capacidades. Nesta satisfação e neste prazer reside o interesse. Quando houver regulado pelo interesse a condução do serviço escolar, reconhecerá que assumiu o domínio da disciplina e atingiu as condições de melhor rendimento com economia dos seus nervos - e terá vindo até nós, na consecução da pretendida ‘atividade’ na escola. [...] Uma atitude ‘ativa’, para o exercício das faculdades, levar-nos-á logicamente a uma atitude ‘verdadeira’ na aquisição dos conceitos. O professor só se contentará quando vir o seu educando chegar aos conhecimentos que são seus, que o educando adquiriu pela comparação dos nossos assuntos oferecidos ao seu exame com os que já anteriormente examinara (Diário da Manhã, 1934h, p. 5, grifo do autor).

Foi retomada nessa conferência uma abordagem recorrente no Diário da Manhã, no mínimo, há dois anos: a da impossibilidade de a educação ser vista como neutra. A educação era tida sempre como uma ação política. Portanto, não poderia ser concebida como neutra. Essa abordagem estava, evidentemente, em consonância com os editoriais da Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova.

A Escola Nova foi concebida como uma instituição politicamente engajada; isto é, uma escola ativa, cujas finalidades projetavam-se na vida social. A Escola Nova consolidaria os sentimentos e os hábitos adequados à nova ordem social. Um dos principais propósitos da Escola Nova era a adesão à ordem. Nessa visão, o organismo social tinha como condição essencial de existência a manutenção da ordem:

A realidade dentro da escola não é o indivíduo, não é o aluno. O professor não tem diante de si uma soma de indivíduos, mas um organismo social. [...] E como a condição essencial da vida social é a ‘ordem’, meus senhores, temos ordem, melhor: ponhamos ordem na escola. Eu ia quase dizer que ela é a primeira, quase a única necessidade da escola - ‘a ordem’, que resulta da atividade, da verdade, da animação e da alegria sã; da cultura dos sentimentos morais, do interesse da vida social. Façamos a ordem, e o resto... dela resultará (Diário da Manhã, 1934h, p. 5, grifo do autor).

‘Façamos a ordem, e o resto dela resultará’ era uma boa síntese dos propósitos políticos da Escola Nova autoritária, concebida em Portugal nos primórdios de seu Estado Novo.

Com a finalidade de divulgar as ideias da escola ativa, foi criado o periódico Escola Portuguesa: Boletim de Acção Educativa. Esse periódico foi idealizado nesse evento envolvendo inspetores escolares e professores primários. Foi publicado de 1934 a 1946 pela Direção Geral do Ensino Primário. Sobre esse boletim, dentre outros estudos, é apropriado consultar o texto de Maria Paula Pereira (2014).

Os propósitos educacionais de adesão à ordem pretendiam a apresentação dela como desejável às novas gerações escolarizadas. No entanto, em meados da década de 1930, quem resistia à ordem instaurada pelo Estado Novo? Em 1935, em editorial intitulado ‘O rebanho’, afirmava-se que a mais perigosa divergência à ordem instituída recentemente não vinha mais do Reviralho (lobos), mas dos conservadores (ovelhas ranhosas), os quais ainda teimavam em apresentar alternativas de direita ao regime estabelecido:

E já que estão na moda os apólogos, diremos que no rebanho dos homens como no dos carneiros, são mais de temer as ovelhas ranhosas do que os próprios lobos. Estes atacam o rebanho, mas não o dividem; aquelas tresmalham-no. A ovelha ranhosa perde o rebanho que inconscientemente confia na sua falsa e desvairada superioridade. Eis porque o rebanho precisa de pastor que o vigie e guie por sendas de verdade, o liberte das ovelhas ranhosas e o resguarde dos dentes dos lobos ferozes. A vara do pastor, neste caso, é vara da autoridade que guarda a vida e faz justiça. No rebanho dos homens, a ovelha ranhosa é, por exemplo, o conservador despeitado, descontente ou insatisfeito. [...] É um agente de desordem mais perigoso do que o agitador ou desordeiro profissional. [...] O conservador que, em face do Estado Novo, confessa a sua independência, a sua discordância ou a sua rebeldia, é em regra, ou desorientado ou despeitado. A verdade é que não se pode estar com a Ordem, pensando e procedendo com espírito de desordem. Chegou-se a um tempo em que as sociedades têm de ser como os melhores rebanhos - bem dirigidas e fortemente disciplinadas. E não se tema que os homens se pareçam com carneiros, porque pior para o rebanho e, neste caso, para as nações, é eles se comportarem como ovelhas ranhosas (Diário da Manhã, 1935d, p. 1).

No ano anterior, os editorais sobre a Escola Nova combatiam o que se identificou então como ‘neutralidade’ da elite intelectual portuguesa diante do Estado Novo. Agora, o ajuste social pretendido era mais exigente. Além de adesão voluntária à ordem recém-estabelecida, não deveria haver ‘independência’ em relação à nova ordem. A analogia é bastante explícita. Estabeleceu-se como parâmetro de conduta social adequada ao Estado Novo o comportamento de um rebanho.

Retornando ao contexto da campanha pela Escola Nova, entre 26 e 28 de maio de 1934, ocorreu o 1º Congresso da União Nacional. É adequado recordar a hipótese de que a campanha pela Escola Nova tenha sido destinada a equacionar as definições educacionais durante o Encontro dos Inspetores e professores primários. Mas, também, concomitantemente, para radicalizar os temas referentes à educação no 1º Congresso da União Nacional. Existem alguns estudos sobre esse congresso. No entanto, a principal referência sobre o tema continua sendo o texto de Anabela B. Parreira et al. (1982). Não é propósito do atual trabalho analisar esse congresso. Anabela B. Parreira faz isso competentemente. Pretendeu-se apenas contextualizar a campanha pela Escola Nova como algo que não ocorreu por coincidência às vésperas desse congresso. Havia propósitos políticos a conectar esses dois acontecimentos. É inviável condensar a análise executada no texto de Parreira em poucas linhas. Mas, para ilustrarmos algumas conclusões desse trabalho, pode-se citar:

[Com o 1º Congresso] pretende-se sobretudo, dar a ideia da União Nacional como união de ‘todos’ os portugueses, numa demonstração de força e coesão. Daí o número elevadíssimo dos presentes, as manifestações paralelas aos trabalhos do congresso, e o empolamento que lhe é conferido pelos órgãos de comunicação social. [...] As conclusões do congresso apontam, acima de tudo, para a concessão à União Nacional do monopólio da ação política, a qual ficava expressamente interdita a qualquer outro organismo. Assim se legitimava a próxima extinção do movimento nacional-sindicalista - uma das grandes razões da convocação do congresso. A grande vitória do congresso cabe a Salazar, que metodicamente a preparara. A união Nacional fica, cada vez mais, dócil instrumento do seu poder pessoal: é-lhe entregue o controle absoluto de toda a organização e a própria chefia vitalícia. O 1º Congresso da União Nacional é, acima de tudo, a cerimônia de consagração do comando único (Parreira et al., 1982, p. 228, grifo do autor).

Exatamente dois meses após o encerramento do 1º Congresso da União Nacional, em 29 de julho de 1934, a capa dos principais jornais portugueses apresentava o comunicado de Salazar extinguindo o Movimento do Nacional-Sindicalismo e convidando aos seus membros a aderirem à União Nacional.

Depois do 1º Congresso da União Nacional, foi publicado o último editorial da Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova:

É o momento de recordarmos a célebre pergunta de Salazar, em janeiro deste ano, quando da inauguração solene da Acção Escolar Vanguarda: ‘E a escola, onde está?’ [...] Daí a campanha necessária - em que denunciamos a figura sinistra e perigosíssima do ‘Senhor Professor’ (no plano superior do Ensino) ou do ‘Demagogo dos Liceus’, ou do ‘Camarada Primário’. [...] Felizmente o problema vai melhorando de aspecto, os horizontes esclarecem-se, a escola responde a Salazar. Responderam, através da sua atuação brilhante no 1º Congresso da União Nacional, alguns dos mais prestigiosos valores da Universidade Portuguesa: citemos de cor, ressalvando desde já qualquer omissão involuntária, os nomes dos srs. drs. Abel de Andrade, Carneiro Pacheco, D. António Pereira Forjaz, João Duarte de Oliveira, Bissaia Barreto, Adriano Rodrigues - isto sem falar já, evidentemente, daqueles que fazem parte do Governo, a começar pelo seu Chefe (Diário da Manhã, 1934o, p. 1, grifo do autor).

Dos nomeados pelo Diário da Manhã, que responderam durante o 1º Congresso da União Nacional à questão de Salazar: ‘e a escola, onde está?’, Carneiro Pacheco, em janeiro de 1936, assumirá o Ministério da Instrução Pública, transformando-o em Ministério da Educação Nacional, mas essa é outra história.

A campanha pela Escola Nova e o ensino de História

Durante a Campanha pela Escola Nova e no ano seguinte, a única área de conhecimento debatida explicitamente em editoriais do Diário da Manhã foi a de ensino de História. A crítica ao ensino de História na escola primária o caracterizava como sendo de influência ideológica socialista. Nela, os heróis da pátria eram tratados como infames reacionários. A história de Portugal era ensinada como uma sucessão de crimes, até a instalação da República, no século XX. Isto é, nas escolas primárias, a República era a referência comparativa positiva em contraposição à abordagem negativa de tudo que a precedera. A campanha pela Escola Nova pretendia inverter tal concepção:

[O professor primário demonstrava] o seu horror à História, à nossa História de gloriosos capítulos. Para o ‘camarada primário’, que lia pela cartilha dos tribunos inflamados do velho socialismo - todos os Heróis, santos e Reis, que tinham feito e engrandecido Portugal, não eram mais do que ‘infames reacionários’, ou ‘asquerosos jesuítas’. Do friso épico do nosso passado, apenas conservava algumas imagens deformadas por um sentimentalismo barato e absurdo: os ‘assassinatos’ de D. João II, os terríveis autos de fé do Santo Ofício, a ‘devassidão’ da corte, os ‘libertadores’ do Mindelo13 - e outras mistificações deste gênero [...] Não admira, pois que, nas suas mãos, a nossa História se transformasse numa crônica sombria de desastres, de opressões e de misérias - até chegar o advento do novo apóstolo, do salvador ideal: o orador liberal-democrata, juba ao vento, palavreado incendiário e lírico, maravilhosa irresponsabilidade mental, voz trovejante lançando cascatas de lugares-comuns... Aí começa, para o ‘camarada primário’, a História de Portugal. [...] Este ‘camarada primário’ tem que ser desalojado e emudecido. (Diário da Manhã, 1934f, p. 1, grifo do autor).

No ensino secundário, no qual os jovens chegavam à puberdade, a coisa piorava. O ensino de História, de orientação internacionalista, era caracterizado na campanha pela Escola Nova como formador de consciências taradas e doentias. O internacionalismo, provavelmente concebido como pacifista, impossibilitaria o amadurecimento da virilidade portuguesa. Novamente, numa abordagem organicista de sociedade, agora aplicada ao ensino, as consciências poderiam ser educadas a promover a virilidade, propiciar os fluidos seminais, ou criar consciências taradas, adeptas ao amor livre, doentias:

[O professorado do ensino secundário] recomeçou a ensinar uma História de Portugal que é apenas uma História de Partido - contrária a toda a verdade e a toda a justiça e que, em vez de formar consciências viris, cheias de legítimo orgulho pelas nossas glórias, forma consciências taradas e doentias, aptas a receber o fermento mortal dos apelos internacionalistas (Diário da Manhã, 1934e, p. 1).

No ano seguinte à campanha pela Escola Nova, o Diário da Manhã publicou um editorial específico sobre o tema, intitulado ‘O ensino oficial de História’ (1935c). Nele, estava explicitada qual a concepção desejada pelo Estado Novo para o ensino de História:

Impõe o dever de ensinar às novas gerações a verdade histórica. Por isso há que olhar para as nossas escolas onde o ensino da história precisa de ser inflexivamente orientado no sentido da formação duma consciência nacionalista, forte e esclarecida. Afirma-se - e ninguém disso duvida! - que temos uma doutrina: pois é à luz dessa doutrina que se tem de educar, formar a mentalidade das novas gerações. A história não pode continuar a ser, nas mãos do magistério oficial o que tem sido - o instrumento apologético do anti-nacionalismo. Reformar e atualizar os programas é medida indispensável e urgente. Mas reformar e atualizar de maneira que se mostre o que o liberalismo e a democracia foram nas suas aplicações e consequências, para o que basta respeitar e seguir a objetividade das doutrinas e dos fatos. Depois é também necessário que a História ensinada nas escolas se ocupe do período da Ditadura Nacional, porque é evidente que muitas coisas se fizeram, em Portugal, nestes últimos dez anos, que importa dar a conhecer, de modo muito especial, às novas gerações. É até o que mais importa à sua educação nacionalista, visto estar assente que o Estado não pode ser, como era dantes, pai espiritual de anarquistas! (Diário da Manhã, 1935c, p. 1).

Segundo o órgão da União Nacional, o ensino de História tinha que mudar o foco. A República deveria ser estigmatizada, pois o liberalismo e a democracia tiveram como consequência a anarquia. Simultaneamente, a ditadura militar deveria ser enaltecida, pois feitos positivos não lhe faltaram. A linha mestra no ensino de História seria balizada pelo nacionalismo. Uma abordagem internacionalista deveria ser erradicada no ensino de História em Portugal.

Existe um exemplo patente, em 1935, de cerceamento da abordagem internacionalista no ensino de História. Ocorreu na Escola de Habilitação para o Magistério Primário, em Lisboa. Nessa escola, a aluna Carmina de Santa Clara Pinto Ferreira divulgou um texto com propostas pacifistas e internacionalistas para o ensino de História na instituição. A consequência foi a sua expulsão da escola. Essa ocorrência foi relatada no periódico Avante!, órgão do Partido Comunista Português. Tanto o PCP quanto o seu jornal estavam na clandestinidade durante o Estado Novo:

Vem isto [crítica à doutrinação ideológica salazarista] acerca dum folheto, que nos chegou em mãos, intitulado O Ensino da História. É sua autora Carmina Pinto Ferreira, ex-aluna da Escola de Habilitação para o Magistério Primário, de Lisboa; e ex-aluna porque a matéria do opúsculo foi motivo suficiente para a sua expulsão daquela Escola, sob invocação dum artigo de seu regulamento que determina tal castigo para os que revelem ‘deficiências morais para o exercício do ensino’. [...] No ensino da história (nas escolas do país) - afirma Carmina Pinto Ferreira - não há pedagogia, não há verdade, nem moral porque não se defendem nem respeitam os mais sagrados princípios humanitários. A seguir denuncia os efeitos nefastos do ensino da história na educação social; mostra como é falso o conceito da história ‘que enaltece os feitos dos nossos em detrimento dos feitos dos outros; a história que defende o assassínio e o roubo quando foi cometido pelos nossos’. Propõe antes que se estudem os fatos materiais que condicionem a melhoria de viver dos homens e se deixe a história de reis e batalhas como questão exclusiva do ensino da história, porque assim o ensino da história não forma o caráter, não instrui: porque enaltecer a conquista, defender a guerra e glorificar o guerreiro ‘é um crime de lesa humanidade’. [...] O que pode neste depoimento haver que seja contra a sociedade fascista? - A denúncia implacável dos métodos com que se bestializa a consciência das crianças com uma permanente excitação à ideia da guerra. [...] Não tenha a Carmina Pinto Ferreira ilusões. A honestidade que põe no seu trabalho é incompatível com a sociedade fascista, porque incompatível com a sociedade burguesa de 1935, que não tem soluções diferentes políticas, e não as pode ter culturais (Avante!, 1935, p. 4-5, grifo do autor)14.

O ocorrido com Carmina Ferreira não deve ter sido um caso isolado. Luís Mota (2007) pesquisou uma campanha análoga à aqui estudada. Ela ocorreu nas páginas do Diário de Coimbra, entre julho e setembro de 1934. Essa campanha, denominada ‘Onde está a escola?’15, promoveu a perseguição de Ema Vidal Pinheiro, Celeste da Conceição Teles e Álvaro Viana de Lemos, professores da Escola do Magistério Primário de Coimbra (Mota, 2007). Contudo, estudar as consequências das mudanças de concepção das funções da escola no início do Estado Novo requer um amplo projeto de pesquisa histórica, que se encontra além do alcance do atual trabalho.

Quais os propósitos dessas ações no campo educacional português no início do Estado Novo? Os intelectuais ligados ao novo regime tinham clareza de que um de seus objetivos era a criação de uma nova mentalidade no país. No ano seguinte à campanha pela Escola Nova, o Diário da Manhã publicou o editorial intitulado ‘Mentalidade nova’:

A grande frase, bem conhecida, de Salazar: ‘uma mentalidade nova fará ressurgir Portugal’ vai-se tornando, de dia para dia, com maior evidência, a síntese dinâmica das realizações do Estado Novo. É necessário que exista, se desenvolva e frutifique essa ‘mentalidade nova’, que será a condição básica do nosso ressurgimento. Pode criar-se duma hora para outra? Claro que não; visto que os fenômenos da vida mental coletiva são lentos na sua gestação e ainda mais na sua transformação. Mas pode criar-se a atmosfera propícia ao aparecimento da nova mentalidade? Claro que sim. [...] Portanto, sem ser ‘exclusivamente’ obra do Estado, a ‘mentalidade nova’ a criar e a estimular deve sê-lo em grande parte. Por que método? Por que processos? Só um método oferece garantias de êxito: o do estabelecimento gradual, em dois tempos, dum ambiente espiritual novo. E os processos a adotar são, portanto, de duas ordens: primeiro, o combate progressivo a todos os fatores que determinem a persistência da ‘mentalidade velha’; segundo: a construção, também progressiva, dessa outra arquitetura moral e social, que sirva de apoio ao Portugal de amanhã (Diário da Manhã, 1935a, p. 1, grifo do autor).

A intelectualidade autoritária em Portugal, atuando no Estado Novo, tinha nitidez da importância crucial desempenhada pela cultura no âmbito das transformações sociais. Seu projeto não era imediatista, mas de longo prazo. Concebiam a necessidade de décadas de trabalho sistemático com a finalidade de proporcionar as transformações de percepção da realidade coletiva que almejavam. Encaravam essas mudanças como uma construção progressiva. Nesse sentido, a Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova, em 1934, pode ser vista como uma das etapas iniciais da nascente ‘Política do Espírito’, analisada em obra clássica por Jorge Ramos do Ó (1999). Para aprofundar a compreensão sobre esse tema, recomenda-se também a leitura do capítulo intitulado ‘O projeto totalitário: o salazarismo e o homem novo’, do magistral livro de Fernando Rosas (2015).

Considerações finais

No início do Estado Novo em Portugal, a educação e a execução de projetos políticos estavam imbricadas de maneira indissociável. Aliás, não foi diferente antes e nem é diferente depois do Estado Novo. No entanto, no curto período estudado pelo atual trabalho, essa conexão foi decisiva para a mudança de rumo tomada na então recente institucionalização do Estado português em novos patamares autoritários. Quase tudo era inédito. Criar um novo Estado deve ter sido inebriante para a intelectualidade autoritária portuguesa envolvida com o tal de ‘novo’. Ainda mais um novo imposto, implantado como se fosse inexorável, sem grandes possibilidades de reação ou resistência, ao menos nas mentes dos próceres políticos do período. Salazar se consolidava como mandatário absoluto, embora com um arremedo de constitucionalidade. A União Nacional se transformava na representação única da política como ela era de fato. As forças do Reviralho se exauriam. O contexto internacional jogava água no moinho dos regimes autoritários no mundo. O que impedia a felicidade geral da pátria autoritária? A escola.

Em 1934, em Portugal, temos um exemplo de como um sistema educacional pode ser uma pedra no sapato dos projetos autoritários de poder. Por mais que os políticos autoritários tivessem fé de que seus propósitos eram o melhor para a nação, havia algo que amargurava o seu cotidiano: a escola. Na concepção orgânica e corporativa de sociedade que balizava a ação política estatal, o corpo social deveria ser harmônico, não conflituoso. Mas algo estava em desalinho com o equilíbrio necessário para a concretização de um corpo coeso autoritário: a escola. Quanta frustração o sistema escolar português devia causar aos novos donos do poder! Estava quase tudo lá, para o arremate do novo Estado autoritário, o chamado Estado Novo. Mas uma coisa impedia o fechamento da esfera harmônica da completa escuridão autoritária: a escola. Quanta ira a escola provocava aos autoritários no poder! Quanto ódio nutriram aos professores das escolas portuguesas! Daí a violência contra o professorado explicitada nos editoriais da Campanha pelo saneamento da escola e pela criação da Escola Nova.

Além de frustração e de raiva, a escola de então causava medo. Os autoritários no poder em Portugal tinham medo dos professores. Esse temor não deixava de ser um elogio e uma homenagem ao sofrido professorado português, que resistiu o quanto pode à opressão nos tenebrosos tempos do Estado Novo. Certamente, a caracterização que a campanha pela Escola Nova fez dos professores portugueses era apenas uma idealização com propósito de coagi-los. Nem todos os professores eram democratas fervorosos. Mesmo assim, a homenagem involuntária que os editoriais do Diário da Manhã prestaram aos professores de então foi apresentá-los como cultos, atentos às necessidades de objetividade científica, quando no ensino universitário. Acusá-los de não utilizar a liberdade de cátedra para envolver a universidade no jogo mesquinho da política autoritária contemporânea foi uma homenagem. Não deixa de ser um elogio caracterizar os professores do ensino secundário como formadores de opinião, como defensores da democracia, como articuladores da política entre os centros de poder e as diversas regiões do país. Apresentá-los como uma rede democrática de elos entre o local e o central na cultura e na política é certamente uma homenagem involuntária.

Para os professores primários, a homenagem prestada não foi menor. Mostrá-los como democratas radicais, que lutavam pela separação entre Estado e Igreja, e defensores da laicidade da ação estatal foi um grande elogio. Os professores foram acusados de pacifistas e contrários ao nacionalismo exacerbado que encaminhasse Portugal à guerra. Era um grande elogio. Na visão dos autoritários, além de tudo isso, os professores apreciavam e ensinavam aos seus alunos a importância do amor livre. Idealização eivada de inveja. Parte do professorado português, que resistiu ao autoritarismo do Estado Novo, fez por merecer essas homenagens involuntárias, concebidas originalmente como ofensas. Espera-se que o atual artigo reafirme esse tributo.

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1Este artigo é fruto parcial de pesquisas executadas, em 2017, durante o estágio de pós-doutorado no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, sob orientação de Joaquim Pintassilgo, por quem tenho profunda admiração e gratidão

2Sarmento de Beires, herói nacional português, pela primeira vez, em 1920, voou diretamente de Lisboa à Ilha da Madeira. Em 1924, fez o trajeto aéreo de Lisboa a Macau, possessão portuguesa na China. Foi também o primeiro aviador a realizar a travessia noturna do Atlântico Sul, em 1927.

3Para um panorama do debate internacional sobre a Escola Nova nas décadas de 1920 e 1930, dentre outros estudos, é apropriado consultar os trabalhos recentes de Diana Gonçalves Vidal e Rafaela Silva Rabelo (2021), de Laurent Gutierrez (2021) e de Antón Costa Rico e Luís Alberto Marques Alves (2021).

4Devido ao escopo do atual trabalho, não será viável detalhar aqui o Movimento do Nacional-Sindicalismo, liderado por Francisco Rolão Preto, e suas relações com a União Nacional. Para tanto, recomenda-se a leitura dos estudos consagrados de António Costa Pinto (1992, 2015). No primeiro caso, principalmente seu quinto capítulo.

5Para acessar o texto completo dos editoriais, na ordem temática em que foram originalmente escritos, pode-se consultá-los na íntegra neste link.

6Para uma síntese da sociologia organicista, recomenda-se o texto de Daniela S. Barberis (2004). A sociologia organicista continua viva em pleno século XXI, atualmente denominada sociobiologia (Soares, 2009).

7Marcello Caetano tornou-se o sucessor de Salazar no final do Estado Novo, de 1968 a 1974. Para acompanhar a trajetória de Marcello Caetano, dentre outros textos, é apropriado consultar os trabalhos de José Manuel Tavares Castilho (2012) e de Francisco Carlos Palomanes Martinho (2016).

8Agradeço ao historiador Sérgio Alves de Souza por ter chamado a minha atenção sobre essa propaganda como fonte histórica para a compreensão do tema aqui estudado.

9O ‘grande desvairo’ que dá título ao editorial é uma alusão à morte de Inês de Castro, do famoso bordão ‘agora é tarde, Inês é morta’. Isto é, agora é tarde, a República morreu em 1926. O movimento do Reviralho não conseguirá ressuscitá-la.

10A reunião de trabalho, de três dias, além do Diretor Geral do Ensino Primário, Victor Manuel Braga Paixão, contou com a participação do Inspetor Principal, Albano Ramalho, e dos inspetores dos 18 distritos escolares de Portugal: Joaquim Tomaz - Santarém, Augusto Gomes de Oliveira - Porto, Benjamim de Carvalho e Silva - Guarda, Manuel Bernardo - Viana do Castelo, Manuel Boaventura - Braga, Joaquim Mendes Rodrigues - Viseu, Raul Martins Leite - Aveiro, Antonio Varregoso - Lisboa, Sande Marinha - Évora, Joaquim Sobreira - Castelo Branco, Manuel Alves Martins - Beja, Belmiro Xavier - Vila Real, Ribeiro de Miranda - Bragança, Mario de Sousa e Sá - Coimbra, Abel Viana - Faro, Antonio Barata - Portalegre, Jonatas Matoso - Setubal e Antonio Sousa Bento - Leiria (Diário da Manhã, 1934k).

11Aqui, a sequência dos temas tratados na conferência não foi obedecida como consta no original. Seu texto, assim como os editoriais já abordados, encontra-se disponível na íntegra no link anteriormente informado - https://hospeda.fc.unesp.br/conteudos/diario_manha_editoriais_escola_nova_VF.pdf.

12Para melhor entendimento das conexões entre a Escola Nova e a ‘escola ativa’ propostas em Portugal desde a década de 1930, além do artigo aqui citado, é apropriado consultar outros textos de Joaquim Pintassilgo (2012, 2018) e Pintassilgo e Andrade (2018) dedicados ao tema.

13É a designação dada ao desembarque das tropas liberais ao norte do Porto em 8 de julho de 1832, durante a Guerra Civil Portuguesa (1828-1834).

14No intuito de verificar se a imprensa de oposição ao Estado Novo repercutira a Campanha pela Escola Nova, dentre outros periódicos clandestinos, pesquisou-se o órgão do Partido Comunista Português, Avante!, de 1933 a 1936, no acervo da Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa. O texto original de Carmina de Santa Clara Pinto Ferreira (1935). O ensino da história, encontra-se preservado no Arquivo de História Social, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa - item 0575 - código de referência PT-AHS-ICS-PQ-B-0575. No Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, em Guimarães, está preservada, com data de 13/05/1935, a carta do Diretor da Escola do Magistério Primário de Lisboa, Abílio Meireles, explicando a Alfredo Pimenta o que ocorrera com a aluna Carmina de Santa Clara Pinto Ferreira. Mas isso merece uma pesquisa específica, ficando além do alcance do atual trabalho.

15Pergunta feita em 28/01/1934 por Salazar em seu discurso de inauguração da Acção Escolar Vanguarda.

18Rodadas de avaliação: R1: dois convites; duas avaliações recebidas.

19Como citar este artigo: Celeste Filho, M. A Escola Nova autoritária proposta nos primórdios do Estado Novo em Portugal. (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e238

Recebido: 10 de Novembro de 2021; Aceito: 14 de Fevereiro de 2022; Aceito: 09 de Outubro de 2022

E-mail: macioniro.celeste@unesp.br.

Macioniro Celeste Filho é Historiador graduado pela USP (1989), mestre e doutor em Educação pela PUC-SP (2002 e 2006), com estágio de pós-doutorado na Universidade de Lisboa (2017). Docente do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da UNESP, campus de Bauru/SP. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação, da UNESP de Marília/SP, e de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica, da UNESP de Bauru/SP. Dedica-se à pesquisa na área de História da Educação e de Ensino de História. Membro do GEPCIE, da UNESP de Araraquara/SP. E-mail: macioniro.celeste@unesp.br https://orcid.org/0000-0001-8798-9891

Editor-associado responsável: Alicia Civera Cerecedo (Cinvestav - México) E-mail: malixa44@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-0021-2911

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