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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.22  Maringá  2022  Epub 01-Mayo-2022

https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e208 

Dossiê

Ler, escrever e contar entre mulheres escravizadas: uma história a ser escrita

Leer, escribir y contar entre mujeres esclavizadas: uma historia por escribir

1Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.


Resumo:

O objetivo principal deste artigo é identificar o domínio da leitura e da escrita entre mulheres escravizadas e analisar as circunstâncias desse aprendizado. Discute-se, primeiro, se havia ou não escolas para pessoas escravizadas; em seguida, expõem-se aspectos da formação das escravizadas, especialmente no que tange às habilidades domésticas; por fim, apresentam-se dados que revelam que o espaço da casa, seja dos senhores, seja de mulheres brancas, pobres ou em melhores condições sociais, pretas e pardas, forras ou livres, e algumas aulas e colégios privados femininos foram os lugares possíveis do aprendizado da leitura e da escrita para as escravizadas. Todos os dados da pesquisa foram coletados em jornais disponíveis na Hemeroteca Virtual da Biblioteca Nacional.

Palavras-chave: leitura; escrita; escravidão; instrução

Resumen:

El principal objetivo de este artículo es identificar el dominio de la lectura y de la escritura entre mujeres esclavizadas y analizar las circunstancias de este aprendizaje. En primer lugar, se discute si había o no escuelas para personas esclavizadas; luego, son expuestos aspectos de la formación de las esclavizadas, especialmente en lo que dice respecto a las habilidades domésticas; por fin, se presentan datos que revelan que el espacio de la casa, sea la de los señores, sea la de mujeres blancas, pobres o en mejores condiciones sociales, negras y pardas, libertas o libres, y algunas clases y colegios privados femeninos fueron los lugares posibles del aprendizaje de la lectura y de la escritura para estas esclavizadas. Todos los datos de la pesquisa fueron recogidos en periódicos disponibles en la Hemeroteca Virtual de la Biblioteca Nacional.

Palabras clave: lectura; escritura; esclavitud; instrucción

Abstract:

The main purpose of this article is to identify whether enslaved women knew how to read and to write, as well as to analyze how they learned those skills. First, we discuss the existence of schools for enslaved people. Then, we reveal some aspects involved in the education of enslaved women, especially concerning homemaking skills. Finally, we present data that shows that enslaved women learned how to read and to write in private classes, schools for women, and homes - whether the home of their owners or the homes of white women who were poor or in better economic conditions or of black and mixed-ethnicity women who were free or enfranchised. All data for this research was gathered in newspapers available in the Digital Newspaper Archives maintained by the National Library of Brazil.

Keywords: reading; writing; slavery; education

Introdução

Este artigo trata do aprendizado e domínio da leitura e da escrita entre mulheres escravizadas e justifica-se por inúmeras razões. Não fosse suficiente abordar processos de instrução feminina no século XIX, trata-se de mulheres negras, geralmente, menos estudadas na historiografia da educação. Soma-se a isso o fato de que não apenas são mulheres negras do século XIX, por si só uma temática das mais urgentes, mas daquelas que viviam na condição de escravizadas. Associam-se, assim, gênero (mulheres, muitas delas ainda meninas com, no máximo, 16 anos de idade), pertencimento étnico-racial (negras) e condição de vida (escravizadas). A complexidade, a urgência e a insuficiência de pesquisas sobre essa temática justificam a investigação que resultou neste artigo.

O estudo debruçou-se sobre um difícil tema, tanto da história da educação quanto da história da escravidão, observando as seguintes questões: havia, entre as pessoas escravizadas, aquelas que dominavam a leitura e a escrita? Os estudos mais recentes indicam que sim1. Avançando nos questionamentos, pergunta-se: e, especificamente entre as mulheres escravizadas, havia aquelas que sabiam ler e escrever? Também há evidências de resposta positiva à questão. Contudo, busca-se avançar, elucidar e compreender as circunstâncias desse aprendizado.

Em outro trabalho, analisou-se o acesso e o domínio da leitura e da escrita entre pessoas escravizadas, homens e mulheres (Peres, 2020). Das conclusões do estudo, algumas delas indicam como, onde e com quem escravizados e escravizadas aprendiam a ler e a escrever: identificou-se que padres, mulheres trabalhadoras que se ofereciam à prestação de serviços domésticos e à instrução conjuntamente2 e ‘senhoras’ vindas da Europa, por exemplo, estavam entre as pessoas que ensinavam a leitura e a escrita aos cativos nas próprias residências ou em aulas e colégios particulares.

Ademais, um outro resultado do estudo revelou a relação entre o ensino das primeiras letras e o ensino de tarefas domésticas e de ofícios especializados. No caso desse último, as referências mais significativas são de ofícios desempenhados por homens. Para o caso das mulheres, as chamadas ‘escravas da casa’ e as ‘escravas de ganho’, aquelas que circulavam nos espaços urbanos com certa liberdade maior estão entre as que tinham mais probabilidade de aprender a ler e a escrever. Não sendo uma regra, trata-se de uma possibilidade que os dados indicam, embora não seja desproposital considerar que, também em locais longínquos dos centros urbanos, algumas mulheres escravizadas desenvolvessem tais competências. Como argumenta Bergamini (2017), eram muitas as geografias do aprendizado.

Nesse sentido, retomam-se algumas dessas premissas enfocando, todavia, fundamentalmente, as mulheres escravizadas. Assim sendo, este artigo apresenta e discute dados que revelam a oferta de ensino e, portanto, de possibilidades de aprendizado da leitura e da escrita entre as escravizadas e exemplos que indicam o domínio do ler, do escrever e do contar entre elas, por vezes, com dados indiciários, na esteira da proposição de Ginzburg (2007, p. 157), entendendo que o “[...] conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural”. Tal proposição se pauta em uma “[...] proposta de um método interpretativo centrado sobre os resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores” (Ginzburg, 2007, p. 149).

Além disso, o estudo ancora-se em uma perspectiva que reconhece a necessidade de análise da dinâmica interna da sociedade escravagista, suas contradições, ambiguidades, complexidades, relações e ações cotidianas, para além da dimensão econômica e política3. Associa-se, pois, a uma historiografia que pretende “[...] ampliar a margem de compreensão acerca das formas de ação dos negros escravizados, conferindo o significado de resistência a atitudes que até então não eram vistas dessa forma” (Fonseca, 2002a, p. 15).

Destaca-se que os dados apresentados foram todos localizados em jornais que circularam em diferentes províncias do Brasil e estão disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

O artigo está organizado em três seções: na primeira, faz-se uma breve discussão se havia ou não escola para escravizados. Nessa seção, o argumento principal é de que as poucas experiências escolares para escravizados dirigiam-se aos homens, sendo, portanto, o estudo sobre a educação e a instrução das mulheres escravizadas fundamental e imperativo na historiografia da educação brasileira; na segunda seção, são apresentados exemplos de práticas educativas voltadas, especificamente às meninas escravizadas e conduzidas por mulheres - brancas, pardas e negras, nesse caso, forras ou livres; por fim, na terceira, abordam-se os dados referentes ao aprendizado e ao domínio do ler, escrever e contar entre meninas e mulheres adultas escravizadas. Ao final, são feitas as considerações conclusivas.

Havia, afinal, escolas para escravizados no Brasil?

Em 1877, em sessão permanente que aconteceu entre os dias 3 e 6 de fevereiro, a Assembleia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro discutiu a Reforma Administrativa proposta pelo conselheiro Pinto Lima, que havia sido apresentada no ano anterior, em 1º de agosto de 1876. Tratava-se, pois, de uma proposta de reorganização da administração provincial em todos os setores (Annaes..., 1877).

Nessa longa e extenuante sessão, houve troca de acusações, ofensas, discussões acirradas e fortes embates entre os proponentes da reforma e representantes do Partido Conservador e os deputados da oposição, do Partido Liberal. Os aspectos criticados pelos oponentes, que combatiam veementemente a reforma apresentada, eram muitos. Entre eles, estava a questão do ensino privado. Tratava-se, segundo os opositores, de um “[...] atentado contra a liberdade de ensino, que é lei de longos anos nesta Província” (Annaes..., 1877, p. 597), como afirmou o então deputado provincial Alberto Brandão.

Um dos pontos mais criticados pela oposição era o de que a reforma em debate previa a fiscalização e a inspeção do governo no ensino particular o que, segundo os argumentos, feria o princípio da liberdade do ensino privado. Nessas calorosas discussões, manifestou-se o deputado provincial Joaquim Breves Filho, do Partido Liberal. Ele era um influente político, com sólida base eleitoral na região em que nasceu, a localidade de São João Marcos, no Rio de Janeiro4.

Joaquim Breves Filho era formado pela Faculdade de Direito de São Paulo e defendia ideias progressistas no interior do Partido Liberal5. Da entusiasmada manifestação que fez durante a discussão da Reforma Administrativa na sessão permanente da Assembleia Legislativa, em 1877, destaca-se, aqui, uma pequena, mas expressiva parte, em que afirma:

[...] Eu cito a V. Ex. um facto, e não o faço por ostentação, mas para mostrar os pessimos resultados da reforma do Sr. Conselheiro Pinto Lima.

Meu pai tem em sua fazenda desde muitos annos, uma escola onde ensina a ler, escrever e contar, todas as suas crias, de sorte que a ultima geração de seus escravos sabe ler e escrever. Pergunto: é um acto que merece ou não elogio?

[...] Pois elle tem na sua escola quarenta crianças e longe de ver a sua iniciativa applaudida pelo governo [...]

[...] pelo contrário vê-se hoje sujeito a uma porção de multas por causa da reforma do Sr. Conselheiro Pinto Lima, de tal sorte que eu posso assegurar a esta assembléa que ele fechará a escola, não se sujeitando de maneira alguma a pedir licença para ter um professor, que lhe dá a unica vantagem de fazer um beneficio (Annaes..., 1877, p. 608).

Se o ‘benefício’ de uma escola para as ‘crias’ de fato era efetivo, é difícil constatar. Não há como afirmar se a escola existiu ou não nessa modalidade; se tinha mesmo quarenta alunos frequentando; se atendia às pessoas escravizadas da fazenda ou apenas aos ingênuos, libertos ou livres; se havia algum sistema outro, que não escolar, de instrução aos escravizados; se a última geração dos escravos da fazenda sabia mesmo ler e escrever ou se tudo isso foi apenas um argumento retórico apresentado pelo então deputado provincial. Contudo, para os propósitos deste artigo, tal manifestação não pode ser desconsiderada, especialmente porque ela indica a possibilidade da existência de escola para escravizados, sobretudo fora dos centros urbanos.

Se há lacunas e imprecisões quanto à existência dessa escola, não há dúvidas quanto ao funcionamento, à matrícula e ao desempenho dos alunos da Escola Nocturna para escravos de Belém do Pará, criada em 1871 pelo padre Felix Vicente de Leão6, no colégio que ele dirigia: Collegio Santa Maria de Belem.

Em outubro de 1871, quando as aulas foram abertas, cinco alunos estavam matriculados (O Liberal do Pará, 1871). Um mês depois, havia vinte alunos, como mostra a Figura 1 na página seguinte, com os nomes, as idades, as faltas e os proprietários dos escravizados matriculados até 22 de novembro de 1871:

Fonte: O Liberal do Pará (1871, p. 1).

Figura 1 Mapa de frequência da escola noturna para escravos. 

Como se vê, todos os que frequentavam a Escola Nocturna para escravos eram homens e suas idades variavam, sendo o mais jovem o menino Manoel Joaquim, com oito anos, e o mais velho, Theodoro, com trinta e dois anos de idade. Além disso, identifica-se os proprietários e, entre eles, o próprio padre Felix Vicente de Leão figura como tendo matriculado dois de seus escravos, Jeronimo e Conrado, de 25 e 14 anos respectivamente.

Em dezembro de 1872, o mesmo jornal O Liberal do Paráfaz uma longa matéria sobre a escola, afirmando, dentre outras coisas, que os seus proponentes foram chamados de “[...] maníacos, utopistas, comunistas e incendiários” (p. 1) e discorrendo sobre a realização dos exitosos e festivos exames finais das três classes. Na primeira classe, os alunos aprendiam e deveriam dominar o “[...] 1º livro de leitura do sr. Abílio [César Borges] e escripta de caracteres alfabéticos” (p. 1); na segunda classe, “[...] o 2º livro do mesmo autor, taboada e bastardo” (p. 1); na terceira, “[...] finalmente, lê corretamente, escreve themas e faz as quatro operações” (p. 1). Como se pode ver, tratava-se dos saberes elementares: aprendiam a ler e escrever as letras na 1ª classe, para, na sequência, na 2ª e 3ª, avançar na leitura, escrever de forma livre e dominar a tabuada e as quatro operações.

A matéria jornalística menciona que 55 escravizados estavam matriculados na escola naquele ano de 1872, mas apenas 32 compareceram aos exames, embora, quando apresentados separadamente, por classe, aqueles que prestaram os exames, esse número passa para 34: 13 da 1ª classe; 12 da 2ª; 09 da 3ª. Independentemente do número, para mais ou para menos, o importante aqui é que não se tratava, para o contexto e a situação daqueles homens, de um número insignificante.

Os avisos de abertura de matrículas, de frequência e/ou de exames finais aparecem no jornal paraense até, pelo menos, 1875. Entretanto, foge ao escopo deste trabalho uma análise pormenorizada dessa importante iniciativa da escola do padre Felix Vicente de Leão para escravizados. O que se quer mostrar, com isso, é: primeiro, havia iniciativas de oferta de escolas para esse grupo social, embora localizadas e não em número significativo; segundo, elas eram voltadas aos homens escravizados. Mulheres de qualquer esfera social tinham limites para a instrução no século XIX, isso é ainda mais verdadeiro quando se trata das escravizadas. Os meios e as situações em que algumas delas puderam ascender a algum grau de instrução se deu em outros espaços e experiências, em geral, de caráter mais individual, na relação direta com outra ou outras mulheres.

Considerando o exposto sobre as experiências de escolas para escravizados, tanto aquela mencionada na manifestação do deputado provincial Joaquim Breves Filho quanto a Escola Nocturna de Belém do Pará, cabe ressaltar que, em relação à ideia corrente e genérica da proibição a escravos de frequentar escolas, o argumento de Barros (2016) parece pertinente e precisa ser observado em qualquer estudo sobre a temática, embora nesse caso a menção seja a legislação referente ao ensino público:

Ao contrário de algumas interpretações ainda vigentes na historiografia, não é possível afirmar que negros eram proibidos nas escolas do século XIX. Mesmo a interdição a escravos, presente em grande parte das leis e regulamentos sobre a instrução, deve ser historicizada. Da primeira lei de Minas Gerais (1835) à de São Paulo (1887), é possível verificar uma multiplicidade de textos, tipos de proibições, ausências, e também permissões ao longo do período no que se refere às diversas possibilidades de ser negro no Império brasileiro (Barros, 2016, p. 603).

Os dispositivos legais não eram, pois, homogêneos, monolíticos e universais. Assim, parece pertinente observar que a instrução das pessoas escravizadas, quando possível, resultava de lutas, disputas, negociações, interesses, brechas, ambiguidades e contradições das instituições, do Estado, dos poderes normativos (Chalhoub & Silva, 2010), da complexa e tensionada relação com a classe senhorial e da ação e mediação dos próprios escravizados.

Nesse sentido, a resposta à questão feita - havia escolas para escravos? - é positiva, embora não se possa ter a falsa ideia de que eram experiências correntes. Contudo, os dados revelam que, via de regra, instituições que se propunham a instruir escravizados eram destinadas aos homens, como se destacou. Pode-se afirmar que, no geral, quando se trata de escolas ou de outras instituições (associativas, filantrópicas, literárias etc.) que se propunham a instruir pessoas escravizados, as mulheres eram excluídas, aliás, duplamente excluídas portanto.

Há de se ressaltar, também, que na relação entre o domínio da leitura e da escrita e os ofícios especializados - o argumento mais corrente nos estudos que abordam escravizados ‘letrados’ -, nos quais conhecimentos numéricos e da língua escrita eram requeridos, destacam-se aqueles comumente aprendidos e desempenhados por homens: sapateiro, alfaiate, carpinteiro, ferreiro, pedreiro, impressor, tipógrafo etc. Nesse sentido é que essa relação vai enfatizar, mesmo que de forma indireta, o domínio do ler, escrever e contar, em geral, entre homens escravizados. A questão de gênero, aqui fortemente indicada, não pode ser desconsiderada. Ao estabelecer a relação entre os chamados saberes elementares - ler, escrever e contar - e o aprendizado profissional dos escravizados, se está, pois, trazendo à tona, usualmente, experiências que se referem aos homens. E as mulheres escravizadas? Como se destacou, esse é o foco principal deste artigo: procurar, nas pistas e indícios dos rastros deixados, processos de educação, de instrução (não necessariamente escolares) e de domínio do ler, escrever e contar entre elas. É o que se apresenta a seguir.

Mulheres ensinavam mulheres: o ‘governo da casa’

Em 1835, no Maranhão, sete mulheres protagonizaram uma situação que gerou um Aviso relativamente longo no jornal Echo do Norte. Joana, “[...] cafuza e magra [...]”, de mais ou menos 30 anos e suas cinco filhas: uma “[...]de peito de dois mezes que ainda está por batizar, e parece ser cafuza [...]”; Marcelina, também “[...] cafuza [...]”, de 10 anos de idade; Guilhermina, uma “[...] mulatinha, magra, cabello revolto, idade de 8 annos [...]”; Raimunda, “[...] pretinha, magrinha e feia [...]”, de 7 anos; e a “[...] cafuzinha [...]” Maria, “[...] bonita e embiguda [...]”, de 4 anos, foram todas levadas da casa de seu suposto dono, Joaquim Jozé Cintra, por outra mulher, uma “[...] mulata alva e gorda [...]” de nome Quitéria Rufino Ribeiro, que seria a antiga senhora de Joana (Echos do Norte, 1835, p. 222).

Não há como saber a real relação entre Joana e Quitéria. O certo é que a historiografia tem mostrado que não eram apenas os senhores do café, do engenho de açúcar e da criação de gado aqueles que detinham a posse de escravos7. A complexa e variável situação da escravidão no Brasil leva a crer que Quitéria, a mulata alva e gorda, como caracterizada no aviso, poderia ser uma mulher que nasceu livre ou uma negra forra e, de fato, ter sido dona de Joana e, em consequência, das suas cinco filhas. O que se quer chamar a atenção, contudo, é para as relações, vivências e experiências das mulheres no que tange à escravidão. Assim, o suposto furto de Joana e de suas filhas supõe, no mínimo, atentar para as ações das mulheres no contexto escravagista. No século XIX, as mulheres não eram apenas ‘pacatas’ donas de casa ou escravizadas submissas, que aceitavam passivamente suas condições de vida.

Havia intensas relações - de trabalho, de educação, de ensino, de compadrio, de amizade, de solidariedade, de posse e de intrigas também, por suposto - que aconteciam no cotidiano das mulheres: na relação das escravizadas entre si, das mulheres brancas - pertencentes a diferentes estratos sociais -, das negras e pardas - forras ou livres - e das escravizadas. No que se refere aos processos educativos e instrucionais, essa premissa é fundamental, especialmente para estabelecer relações possíveis que explicam o domínio da leitura e da escrita entre algumas escravizadas.

Das complexas relações das mulheres entre si e das habilidades ensinadas por ‘senhoras’ às moças e às escravizadas (sempre apresentadas separadamente nos anúncios, denotando um estatuto social diferente entre elas), destaca-se um primeiro exemplo:

Uma senhora viúva deseja obter um arranjo para fôra da côrte, a qual tem precisas habilitações para tomar conta de qualquer casa ou fazenda de tratamento, corta perfeitamente e ensina moças ou escravas a coser na machina, ou mesmo para tomar a direção de algum hotel importante; a mesma senhora tem duas escravas que sabem lavar, cozinhar, e engomar, e também faz algum negocio com as mesmas, para irem em sua companhia ou fora dela; quem pretender póde deixar carta neste escriptorio com as iniciais M.G. para ser procurado (Jornal do Commercio, 1874, p. 6).

Pelo anúncio, percebe-se que se tratava de uma viúva que precisava trabalhar - não sendo, portanto, uma ‘grande proprietária de bens’ - e se dispunha a fazê-lo em uma casa, fazenda ou hotel. Além disso, ensinava ‘moças’ e ‘escravas’ a costurar à máquina.

Mulheres que se ofereciam para trabalhar em residências de famílias era bastante comum. Entretanto, o que chama a atenção no caso exposto é que a ‘senhora viúva’ possuía duas escravas e estava disposta a negociá-las ou levá-las com ela, como referido no próprio anúncio.

Na ausência de mulheres na casa - em situações de viuvez ou no caso de homens solteiros, por exemplo -, requisitar mulheres brancas, pardas, crioulas, fossem essas últimas forras ou livres, para o serviço doméstico, era também deveras comum. Esse trabalho supunha, quase sempre, ensinar às ‘negrinhas’, aspecto que interessa sobremaneira no argumento que se quer desenvolver. Para isso, inicialmente, apresenta-se dois anúncios:

Precisa-se alugar huma Sra. branca ou parda, para tomar contar de uma casa de hum homem solteiro, que saiba coser, porque o principal trabalho será ensinar a duas negrinhas; quem quiser pode dirigir-se á rua dos Ourives n. 86 (Diário do Rio de Janeiro, 1830b, p. 34).

Precisa se alugar huma parda forra para governar a família de huma casa decente, e que sobre tudo saiba engommar, e cozinhar perfeitamente, a fim de poder ensinar as escravas da casa; quem estiver nestas circunstancias vá a rua do Lavrario n. 128, ou na rua do Ouvidor casa n. 41 (Diário Mercantil..., 1831, p. 3).

Governar a casa enquanto os homens governavam a nação era prerrogativa feminina. Nessa ‘nobre missão’, estavam envolvidas mulheres estrangeiras chegadas de diferentes lugares, em especial da Europa, que aqui precisavam sobreviver, mulheres brancas, pobres e também aquelas em melhores condições econômicas, e negras e pardas, forras ou livres, como se destacou.

Como nos exemplos anteriores, em que um homem solteiro procurava uma mulher branca ou parda para alugar ou uma família em uma ‘casa decente’ que buscava uma parda forra, vejam-se alguns outros casos indicativos dessa dinâmica realidade, que envolvia, por parte das mulheres, anunciar seus serviços em suas próprias residências ou nas casas das famílias:

Na rua do Snr. dos Paços N. 132, há huma Snra. parda de capacidades, casada, que se propõe a ensinar escravas, pretas e pardas a coser, engomar lizo, e de preguinhas, fazer rendas, crivos, bainhas abertas, recortados, e a lavar meias de seda, e calças de ganga, tudo com muita perfeição, o que se pode afiançar; advertindo que aceita de toda a idade (de 8 annos para cima); quem quiser se utilizar deste préstimo, pode procurar o N. acima, para se ajustar (Diário do Rio de Janeiro, 1826, p. 2).

Quem quiser alugar huma Snra. branca bem capaz de governar huma casa, ou para coser, e todo serviço, assim como servir de enfermeira a algum doente, ensinar escravas a coser, fazer vestidos, e tudo o mais que for deste arranjo, cuja só levará hum filho de idade de três annos, que não lhe serve do mais pequeno embaraço, e estimará achar alguma família, ou algum Snr. que se queira utilizar de seu préstimo; a quem isto convier, queira procurar detraz da Igreja Santa Anna n. 17, ou anuncie a sua morada (Diário do Rio de Janeiro, 1828, p. 36).

Na rua da Conceição N. 35, ha humas Sras. Estrangeiras, que se propõem a ensinar escravas, assim como fazem toda a qualidade de costura para fora, e engomados, tudo debaixo de perfeição; quem se quiser utilizar do seu préstimo, pode-se dirigir ao número acima (Diário do Rio de Janeiro, 1830a, p. 3).

Na rua Nova de S. Bento n. 16, há para se alugar uma crioula fôrra que sabe governar uma casa, cose, lava, e sabe tratar doentes, e obriga-se a ensinar as escravas da casa a engomar, cozinhar e fazer doces, e dá fiança a sua conducta (Correio Mercantil, 1831, p. 188).

Enfermeiras, cozinheiras, arrumadeiras, passadeiras, costureiras, mestras, damas de companhia etc., essas mulheres desempenhavam muitas funções. Elas eram viúvas, casadas, brancas, pardas ‘de capacidade’, crioulas forras, estrangeiras que precisavam sobreviver e que tinham em comum o fato de ensinarem ‘escravas, pretas, pardas, pretinhas, mulatinhas’. Algumas delas, como no segundo anúncio reproduzido, precisavam, ainda, tomar conta de seus próprios filhos, afiançando que eles não causavam qualquer ‘embaraço’. Além disso, o governo da casa supunha ensinar às escravizadas fundamentalmente os serviços domésticos. Tratava-se de um processo educativo no cotidiano do espaço privado das residências. Nesse convívio e nessas relações, outros aprendizados eram possíveis, incluindo o ler e o escrever, como se verá adiante.

Se havia um ‘comércio’ de venda e aluguel de serviços das mulheres escravizadas, livres ou forras que se estendeu ao longo de todo século XIX, igualmente abundava outro, próprio do sistema escravagista: o das ‘pretinhas’ a serem vendidas ou compradas, ou seja, ‘mulheres-meninas’ que eram comercializadas.

Os anúncios de venda, aluguel ou pedidos de compra de ‘pretinhas’, em especial até os 16 anos de idade, são reincidentes nos jornais até os anos 80 do século XIX. Ser ‘mocamba’ era anunciado como o destino da maioria delas. Para isso, além das qualidades físicas que indicavam a possibilidade de serem ‘escravas da roça’ ou ‘escravas da casa’, as habilidades domésticas - feitas, segundo os periódicos, com maior ou menor perfeição - estão entre os predicados mais destacados nos anúncios. Muitas delas ‘não sabiam ruas’: “Aluga-se uma pretinha, por 16$ que lava e cozinha; não sabe ruas; na rua Espírito Santo n. 11” (Correio Mercantil, 1866, p. 4). Isso significava que a ‘pretinha’ desconhecia os meandros da vida urbana, circulando apenas no espaço privado da casa. Não era incomum que os anúncios indicassem à venda meninas ‘de portas adentro’ ou que, para alugá-las, havia condições expressas de que não saíssem às ruas. Os senhores chamavam a atenção, com isso, entre outras coisas, para o fato de que não se tratava de meninas que perambulavam pelas ruas a fazer serviços aos donos ou que fossem ‘escravas de ganho’, com habilidades e conhecimentos de venda ou de outro serviço dessa natureza.

Com relação ao primeiro aspecto, os atributos físicos, veja-se dois anúncios e as possibilidades de ser ‘escrava da casa’ ou ‘da roça’: “Vende-se huma pretinha de 15 a 16 annos, própria para qualquer serviço de casa ou roça, por não ser bonita; na rua de S. José n. 77, 1º andar” (O Despertador, 1840, p. 4). Além do exposto, mais um exemplo:

VENDA

No largo da Sé n. 20, em casa do Sr. Major Andrade, junto á rua da Valla, vende-se huma pretinha de 13 annos de idade, mui linda em todo sentido, tanto pela sua esbelta figura, bom gênio, alegre psysionomia, e boa criação, como pela rara propenção para se fazer prendada; cuja tendo sido aplicada a costura só debaixo da vista de sua Sra., já cosendo mui bem, e nenhuma doença nem vicio tendo, espera-se que mereça a atenção de quem quiser possuir huma boa escrava, a quem se dirá o motivo porque ella se vende (Diário do Rio de Janeiro, 1832, p. 1-2).

Assim como para os homens a força física era um dos principais atributos nos anúncios, para as mulheres - meninas, em especial -, a beleza, ou aquilo que era considerado beleza - pelos homens, nesses casos -, é destacada. Uma menina escravizada valia também como mercadoria de venda, de troca ou de aluguel por qualidades físicas que seus algozes determinavam como ‘belo ou feio’. No primeiro caso mencionado, ‘por não ser bonita’, poderia também trabalhar na roça; no segundo, por tantos atributos e por ter estado sempre ‘sob a vista de sua senhora’, para aprender costura, e ter tido ‘boa criação’, tinha propensão para ‘fazer-se prendada’. A quais outros conhecimentos e aprendizados ‘a pretinha’ de 13 anos que vivia no Rio de Janeiro, na casa do Major Andrade, pode ter tido acesso? Nesse caso, não há como saber. Todavia, considerando o conjunto dos anúncios, pode-se afirmar que as meninas e as mulheres adultas escravizadas dominavam muitos saberes e tinham muitas habilidades, as quais eram recorrentemente destacadas nos anúncios: sabiam coser, bordar, engomar, passar, alinhavar, tingir, fazer flores, chapéus, rendas, pregas e meias, cozinhar, refinar açúcar, fazer doces, arrumar uma mesa, arranjar uma bandeja de chá, ‘preparar uma senhora’, cuidar e entreter crianças, cuidar de enfermos etc. Afora isso, que eram tarefas e saberes necessários ao serviço da ‘casa grande’, há que considerar aqueles não explicitados, não autorizados e não reconhecidos, pelo menos nas fontes documentais trabalhadas, ou seja, os saberes da ancestralidade dessas mulheres: elas sabiam benzer, fazer remédios, curar, rezar, cantar, dançar, cuidar de suas crianças e famílias, dominavam os saberes da natureza - da fauna, da flora, do clima etc.8 Para as meninas cujo destino era ser mucama, estar no espaço privado da casa poderia significar uma oportunidade de aprender, além das habilidades domésticas, a leitura e a escrita, dentre outros.

No esforço de obter dados que indicassem processos educativos e instrucionais das mulheres escravizadas, foram encontrados alguns avisos, nos quais elas eram anunciadas à venda ou aluguel, que referem o domínio de uma língua estrangeira por ‘pretinhas’ ou ‘mulatinhas’. Veja-se duas dessas situações:

No sobrado n. 42, rua da Quitanda, entrada no bêco do Carmo n. 13, vende-se huma recolhida, e bem parecida pretinha de nação, de 15 annos de idade, que cose alinhavado, engoma liso, cozinha o ordinário, lava e veste huma Sra., sabe todo o arranjo de casa, entende, e falla Alemão, a qual he saudável, humilde, e nenhum vício conhecido tem (Diário do Rio de Janeiro, 1833, p. 67).

Vende-se huma mui linda pretinha de 12 para 13 annos d’idade, que falla muito bem francez e portuguez, sabe coser sofrivelmente, e que entende bem do serviço interior de huma casa; para ver dirija-se á ladeira de Santa Tereza, n. 7 ou á rua do Ouvidor, n. 76 (Jornal do Commercio, 1840, p. 4).

Como era possível que ‘pretinhas’ cativas dominassem, além do português, outra língua9? Há várias hipóteses admissíveis para isso: ter sido ensinada pela ‘sua senhora’, mesmo que brasileira, uma vez que era comum entre as famílias de posse o domínio de uma língua estrangeira; ser escravizada ou trabalhar em residências de famílias estrangeiras; ter sido preparada para viajar ao exterior com alguma família etc.

Em 1835, no Rio de Janeiro, no Beco do Carmo, n. 15, era anunciada a venda de “[...] uma mocamba bonita e prendada [...]”, de 17 anos, com uma filha de um ano de idade, dois “[...] pretos de nação [...]”, sendo um lavadeiro e cozinheiro e o outro sapateiro, além de “[...]uma pretinha de 11 annos”. Ao final do anúncio, está indicado que: “Na mesma casa ensinão-se as línguas inglesa e portuguesa” (Jornal do Commercio, 1835, p. 4). A vida dessas mulheres - a mucama prendada e a pretinha de 11 anos - no espaço de uma casa em que se ensinava o português e o inglês pode ser indicativo das circunstâncias em que aprendiam alguma língua estrangeira.

No Diário do Rio de Janeiro, de 1846, chama a atenção o seguinte anúncio:

Precisa-se comprar para se forrar, uma pretinha que tenha ao mais 5 a 6 annos, e seja mui bonita, assim como si a houver forra se pagará os serviços que exigirem; é para ir a um paiz estrangeiro onde não há escravatura; quem á tiver, dirija-se á rua da Quitanda n. 95 (p. 4).

Como se lê, crianças pequenas eram requisitadas para serem alugadas ou compradas para serem alforriadas e acompanharem famílias em viagens ao exterior - ‘onde não havia escravatura’. Mesmo que fossem na condição de alforriadas, não há como saber como viviam essas meninas. Muitos aspectos dessa realidade - esse não foi o único anúncio nesses termos encontrado na pesquisa - poderiam ser analisados. Interessa, aqui, por ora, levantar hipóteses que explicam o domínio de alguma língua estrangeira entre as mulheres e meninas escravizadas. Essa situação poderia ser um espaço e tempo que explicam, por exemplo, o domínio do alemão pela “[...] pretinha de nação, de 15 annos de idade [...]” e da “[...]linda pretinha de 12 para 13 annos d’idade, que falla muito bem francez e portuguez [...]”, dos anúncios anteriormente reproduzidos.

Havia, portanto, uma educação que acontecia no cotidiano da vida das mulheres, como se destacou, na relação das escravizadas entre si e delas com as mulheres brancas - pertencentes a diferentes estratos sociais - e com as negras e pardas, em especial as forras e livres. Nessas relações, aprender a ler, escrever e contar, fosse por necessidade ou por interesse, era possível. A seguir, discute-se esse aspecto.

Mulheres ensinavam mulheres escravizadas a ler e a escrever?

Em 1827, o Diário do Rio de Janeiroanunciou a venda de uma “[...]pardinha de 15 a 16 anos”. Entre seus atributos, estavam saber “[...] ler e escrever, coser, engomar lizo, ensaboar bem, e alguns princípios de cozinha” (p. 14). Esse é apenas um exemplo no qual aparece explicitamente, nos comunicados de venda, compra, aluguel ou fuga de escravizadas, a qualificação ‘sabe ler e escrever’, muito embora não há como depreender, nesse e em outros anúncios, o grau desse domínio: se liam e/ou escreviam apenas os rudimentos da língua escrita ou dos conhecimentos numéricos ou se detinham domínio pleno de tais competências.

Outros avisos, anúncios ou pequenas notícias contribuem para o propósito estabelecido, qual seja, reafirmar que, entre as mulheres escravizadas, havia aquelas que dominavam a leitura, a escrita e os conhecimentos numéricos (cálculos, preços, troco, saber contar, identificar numerais, moeda e cédulas etc.), mas, mais do que isso, procurar os indícios de que tipo de usos faziam dessas competências e quais eram as circunstâncias desses aprendizados. Há, portanto, pistas importantes que permitem apresentar espaços e sujeitos responsáveis por esse aprendizado, bem como usos dessas competências, como se verá a seguir.

Um anúncio do Diário do Rio de Janeiro, de 1838, foi publicado nos seguintes termos: “Vende-se uma mui bonita preta que cozinha, lava, e engoma, muito boa quitandeira de vender fazendas e miudezas, e conhece bem todos os bilhetes do novo padrão, na rua de S. José n. 47”.

Embora nesse caso não haja menção ao saber ler e escrever, trata-se de um dado relevante. Ser ‘muito boa’ de vender e ‘conhecer bem os bilhetes do novo padrão’ indicam que ela dominava competências de leitura e escrita e tinha conhecimentos numéricos (cálculos, numerais, valores, cédulas, moedas, troco etc.). Possivelmente os bilhetes referidos eram os da loteria.

Segundo Loner (2014, p. 200-201), as loterias foram “[...] introduzidas na Colônia pelo Governador da Capitania de Minas Gerais, Luiz da Costa Menezes, com o objetivo de financiar a construção da Casa da Câmara de Vila Rica, em 1784”. Ainda segundo a pesquisadora, “[...] a partir deste início e de seu sucesso junto ao público, as loterias se difundiram pelas províncias, sendo regulamentadas por D. Pedro II em 1844, pelo Decreto 357 (Loner, 2014, p. 200-201)10. Não é incomum encontrar, nos jornais pesquisados, anúncios de oferta da venda de bilhetes de loteria em diferentes locais. Que as chamadas ‘escravas de ganho’ também vendessem esses bilhetes é plausível de se considerar, sabendo-se que para isso era preciso dominar conhecimentos mínimos de leitura, de escrita, de cálculos, dos números, de valores, de dinheiro, de troco etc.

Outro exemplo, de uma ‘pretinha quitandeira’ que não se deixou enganar por um senhor de nome Manoel Antonio Pires, cujo desdobramento acabou sendo a prisão dele, pode ser aqui referido:

Manoel Antonio Pires desejou provar os doces que vendia uma lépida quitandeira e deu lhe em pagamento uma moeda oriental de pequeno valor pretendendo ainda 500 réis de troco; a pretinha não se deixou embahir e solicitou a intervenção do rondante com quem o Sr. Pires ainda por contrapeso levantou a grimpa, lutou, atracou-se, em fim pintou o diabo, de sorte que não houve remédio senão mette lo no xadrez. Que doce amargo (Jornal da Tarde, 1878, p. 3).

As notícias e anúncios do comércio de rua feitos pelas escravizadas, as chamadas ‘escravas de ganho’, dão mostras do domínio do ler, escrever e contar entre elas e das astúcias que as caracterizavam, como no caso da “[...] pretinha [que] não se deixou embahir [...]” pela tentativa de pagamento com moeda estrangeira e, ainda mais, com a exigência de troco11.

Como se afirmou, no espaço da casa, com outras mulheres, aprender a ler e a escrever era possível às escravizadas. Em 1845, no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, uma senhora, dizendo-se viúva e idosa, anuncia seus préstimos para ‘governar uma casa’. Solicitava que os interessados mandassem carta fechada à tipografia do jornal. Tal solicitação era possível, pois ela sabia ler, escrever e contar. Embora não colocasse tais competências no rol do ensino às escravas, apenas cortar, bordar, costurar, fazer doces, não é hipótese infundada considerar que a alguma delas pudesse ensinar também as letras:

SE ALGUM Sr. solteiro, ou viúvo (ainda tendo filhos) precisar de uma Sra. viúva, idosa que sabe ler, escrever e contar, para tomar conta do governo de uma casa, ensinar as escravas a cortar, bordar, marcar e fazer toda qualidade de costura, doces e tudo que pertence ao arranjo domestico, dirija-se por carta fechada, com as letras A.P.V., a esta typographia (Jornal do Commercio, 1845, p. 4).

São recorrentes os anúncios de ‘senhoras’ que se ofereciam aos serviços domésticos em residências familiares e, também, aquelas que anunciavam a prestação de serviços em suas próprias casas - ‘lava-se, engoma-se, costura-se para fora’, como já se destacou. Nesse cenário da vida das mulheres, havia, ainda, a necessidade de que as escravizadas aprendessem os trabalhos da esfera doméstica. A essas relações, estava, por vezes, associado o ensinar a ler e a escrever, embora nem sempre anunciados diretamente às cativas.

Três anúncios, um de 1845, outro de 1848 e o último de 1868, de três jornais diferentes do Rio de Janeiro divulgaram a oferta de serviços de ensino às ‘negrinhas’ e às ‘pardinhas’, conforme se lê:

Rua da Valla N. 176

Ensina-se negrinhas e pardinhas tanto externas como pensionistas, a coser, bordar, marcar, fazer crivo e picados, tudo com perfeição, querendo tambem se ensina a ler; na rua de S. Pedro, da cidade nova n. 72, loja (Diário do Rio de Janeiro, 1845, p. 4).

Ha huma senhora que ensina negrinhas e pardinhas a coser, marcar, bordar, ler e escrever, podem procurar na mesma rua canto da rua das Violas (Correio Mercantil, 1848, p. 4).

Tomao se negrinhas e pardinhas para lhes ensinar tudo o que é preciso a uma mucama e a uma mãe de família, também se ensina a ler, escrever e contar, doutrina christã, tuyauté e coser em machinas, na rua do Hospicio n. 291 (Jornal do Commercio, 1868, p. 4)12.

Nos casos reproduzidos, a referência é exclusiva às ‘pretinhas’ e ‘pardinhas’ e, embora não mencionem a condição de ‘escravas’ ou ‘cativas’, não parece improvável que tais tipos de anúncios fossem a elas dirigidos, uma vez que as meninas escravizadas eram assim referidas. Tal premissa é considerada, entre outras coisas, também pelo anúncio a seguir, em que o ensino da leitura, ao lado da costura, é explicitamente referido às ‘cativas’: “Quem tiver uma pardinha ou pretinha, que seja captiva, e queira dedicar á costura e á leitura, anuncie para ser procurado” (Correio Mercantil, 1853, p. 4).

O referido anúncio de 1853 revela que era possível, então, aceitar meninas escravizadas para o ensino privado da leitura (sem menção à escrita). Nesse caso, as relações entre costurar e ler, saber costurar e saber ler, ensinar costurar e ler, aprender costurar e ler fazem sentido e ambas guardam afinidades entre si e no ideal daquilo que era considerado uma educação feminina adequada no período, mesmo para uma menina escravizada: ao lado da costura, era possível aprender a ler. Agulhas, linhas, panos, máquina de costura, talvez, ao lado do livro indicam uma cena comum às mulheres do século XIX, podendo ser estendida às escravizadas.

Ensinar meninas escravizadas não era uma realidade que se apresentava apenas para o caso do Rio de Janeiro, capital do Império brasileiro. Em 1842, no Recife, uma ‘mestra de meninas’ ofereceu seus préstimos nos seguintes termos:

Na rua de Joaquim José de Veras, defronte do beco, em umas cazas verdes pegada ao muro que vai para a praça, se acha uma mestra de meninas, que ensina a ler, escrever, contar, grammatica portuguesa, coser, bordar, lavarinto13, e marcar com perfeição; a mil reis por mez, sendo escrava a duas patacadas (Diário do Pernambuco, 1842, p. 5).

Embora com preços diferentes, a menção é clara quanto ao aceite de meninas cativas. A ‘mestra de meninas’, da ‘casa verde defronte ao beco’, além do ensino das chamadas prendas domésticas, ensinava a ler, a escrever e gramática portuguesa. Não há menção que fosse um colégio, sendo possível que se tratasse de aulas privadas e, possivelmente, individuais.

No mesmo ano, em 1842, também em Recife, um anúncio refere o ensino às ‘molatinhas’ e às ‘pretas captivas’. A mesma pessoa ensinava as prendas domésticas às escravizadas, ensinando, ainda, a ler, escrever e contar:

A pessoa tanto da praça como de fora, que quiser dar para ensinar molatinhas e pretas captivas a cozer toda qualidade de costuras lavarintos, bordados, e marcar, por preço commodo, pormettendo-se dar promptas em pouco tempo; dirija-se ao sobrado do pátio do Carmo, de varandas de pao, segundo andar que achará com quem tratar; e a mesma pessoa ensina a ler, escrever e contar (Diário do Pernambuco, 1842, p. 5).

Os exemplos apresentados até aqui indicam as possibilidades do aprendizado do ler e do escrever entre meninas escravizadas ao lado das habilidades domésticas com mulheres que ofereciam seus serviços em suas próprias casas ou se disponibilizavam a trabalhar nas residências das famílias, ensinando e instruindo as meninas cativas.

Contudo, a probabilidade de que alguma escravizada tenha ido à escola - entendida como uma instituição formal, organizada e de ensino coletivo, mesmo que se tome o conceito de escola de forma bastante alargada para o período -, parece possível. Em 1836, na seção Compras, do Diário de Pernambuco, lê-se o seguinte anúncio: “Uma pretinha ou pardinha de 6 a 8 annos pouco mais ou menos, que é para ir para escolla: na loja de ferragem ao pé do Corpo Santo n. 69” (Diário do Pernambuco, 1836, p. 4).

Uma hipótese provável é que poderia se tratar de uma ‘pretinha’ ou ‘pardinha’ para acompanhar alguma menina, filha de senhor de escravos, à escola ou que, por alguma necessidade, o anunciante precisasse de uma menina instruída.

Sobre escravizadas que acompanhavam ‘sinhazinhas’ à escola, um aviso do início do século XIX, publicado no jornal Idade d’Ouro, da Bahia, corrobora a existência de tal prática. Inicialmente, a ‘Directora do Collegio de Educação de Meninas’ dá ciência ao público em geral e aos pais que, para não prejudicar as ‘Collegiais’ e para evitar “[...] as emulações e censuras que se hião já seguindo [...]”, estava desfazendo a “[...] 2ª meza [...]” e iria manter apenas a 1ª. Muito provavelmente ela se referia à prática de alguma atividade de classe ou dos exames finais. O que aqui interessa, entretanto, é a segunda parte do aviso, publicada nos seguintes termos: “A mesma Directora participa tambem, que toda Collegial, que quizer levar a sua escrava para a servir, o poderá fazer pagando pela sua sustentação 3200 réis em cada mez, pagos adiantados” (Idade D’Ouro do Brazil, 1813).

É preciso, pois, considerar a possibilidade de que meninas escravizadas fossem à escola, seja acompanhando alguma ‘Collegial’, seja na condição de aprendizes. Em 1824, o Diário do Rio de Janeiro anuncia a venda de uma ‘pretinha’ nas seguintes condições:

Vende-se huma pretinha de 11 a 12 annos de idade, bonita e com anno e meio de casa, e oito mezes de escola, cose sofrivelmente e têm muita abelidade para mocamba; quem dela precisar procure na travessa de S. Joaquim, em frente da rua de Vallongo N. 146. (Diário do Rio de Janeiro, 1824, p. 2).

Embora não se saiba o real significado de a pretinha de 11 ou 12 anos ter ‘oito meses de escola’, a referência é inusitada. Pergunta-se: o que significa escola nesses anúncios? Seriam espaços privados de ensino, instituições públicas de ensino coletivo ou aulas avulsas e individuais? Qualquer uma dessas referências pode ser correta e indica as possibilidades que permitiam às ‘pretinhas’ o domínio da leitura e da escrita.

Ser escrava de uma professora pode igualmente indicar uma probabilidade de que alguma delas pudesse ter aprendido a ler, escrever e contar nessa relação e circulando nesse espaço, de aula e/ou colégio? Uma resposta absoluta não é possível, mas também não é improvável que isso tenha acontecido: “A professora da Boa-Vista precisa de uma escrava que engomme, cozinhe e saia a rua; quem tiver e quizer alugar anuncie sua morada, ou mande-a á rua da Mangueira, n. 7, para tratar” (Diário do Pernambuco, 1857, p. 4).

Alguns outros dados revelam que, especialmente na primeira metade do século XIX, havia espaços, práticas e experiências de ensino nos quais conviviam diferentes sujeitos, muito embora, nos anúncios, os conhecimentos a serem ministrados apareçam, por vezes, de forma separada, como já se destacou. Cabe, no entanto, a pergunta: como seria na prática? Seria possível separar meninos e meninas todo o tempo? Os maiores dos menores? Escravizadas e não escravizadas? Tais questionamentos têm como base, dentre outros, anúncios como o que segue:

Acha-se, na rua de S. Pedro n. 321, hum Collegio em que se ensina a ler, escrever, grammatica portuguesa, calculo ao sexo masculino; e de modista, ler, escrever e contar ao feminino; e se admitem pensionistas e escravas para aprenderem o serviço doméstico de huma casa. A pessoa que quiser utilizar, dirija-se á casa acima para tratar (Jornal do Commercio, 1836a, p. 3).

No mesmo jornal do Rio de Janeiro, e também em 1836, as diretoras de um colégio, situado na rua do Sacramento, publicaram o seguinte anúncio:

AS DIRECTORAS do Collegio da rua Sacramento, a sahir á rua do Sr. dos Passos, n. 59, fazem sciente aos pais de família que neste estabelecimento se ensina a ler, escrever, contar e grammatica portuguesa; coser liso, bordar, marcar de todos os feitios, e tudo o mais que é preciso para a educação de huma menina. Também se cortão e fazem vestidos de senhora, de differentes modelos, e por preço commodo. Na mesma casa recebem se escravas para se ensinar a engomar liso e de pregas, com muita perfeição (Jornal do Commercio, 1836b, p. 4).

No conjunto dos anúncios, a menção a meninos e meninas, pensionistas, escravas, pardinhas, negrinhas, mulatinhas, pretas cativas indica uma multiplicidade de sujeitos que poderiam circular nesses espaços, em especial, nos últimos casos apresentados, ou seja, nos colégios e aulas privadas14. Isso leva a crer que, mesmo que a organização do ensino, dos espaços e dos tempos desses colégios pudessem ser diferentes, algum convívio e algum aprendizado que não era específico para ‘seu sexo’ ou ‘seu pertencimento social’ acontecia. Quiçá, algumas meninas escravizadas aprenderam a ler, a escrever e a contar nesses estabelecimentos, tendo lições diretamente ministradas a elas ou ouvindo lições dadas a outras enquanto elas cortavam panos, alinhavavam, bordavam, costuravam, engomavam, passavam etc. Como indica o subtítulo deste artigo: trata-se, ainda, de uma história a ser escrita. Contudo, o presente trabalho é um esforço de contribuição à escrita dessa história ou, melhor caracterizando, dessas histórias, uma vez que elas são plurais e diferenciadas. Os dados da pesquisa apresentam indícios importantes do ler, escrever e contar entre mulheres escravizadas e devem ser perseguidos, ampliados e problematizados.

Considerações finais

Urge que a ideia genérica da mulher escravizada como sendo analfabeta, incapaz, rude e desinteressada do acesso a outros saberes, além dos seus, das suas culturas de origem, seja desconstruída. No lugar, no entanto, não se pode construir uma perspectiva que as coloque num contexto educativo, instrucional e letrado favorável, também genérico e abstrato, dando a falsa impressão de que era comum que alcançassem facilmente algum grau de instrução ou de que aprendessem as habilidades e competências a elas reservadas com satisfação e prazer, principalmente aquelas referentes ao ‘governo de uma casa’, bastante diferentes dos de suas culturas de pertencimento. O tema é deveras mais complexo e exige precaução no trato: nem a falsa ideia de que domínio da língua escrita e dos conhecimentos numéricos era prerrogativa de muitas delas, até porque se trata de um período em que, pelo Censo de 1872, aproximadamente 85% da população em geral não sabia ler nem escrever, chegando a pouco mais de 99% entre os escravizados (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 1872)15; nem a assertiva de que, proibidos de ir à escola, escravizados não tinham oportunidades, para além do trabalho pesado nas lavouras e nas casas dos senhores e senhoras, de aprendizado, em especial dos chamados saberes elementares. Capturar as especificidades, a pluralidade e as variações dessa realidade - ler, escrever e contar entre mulheres escravizadas - requer, portanto, uma leitura atenta às fontes documentais disponíveis, além do exercício da dúvida com os dados acessíveis, ou, pelo menos, do levantamento de hipóteses plausíveis para compreender esse fenômeno.

Todavia, é preciso reconhecer que fomos privados - como historiadores e historiadoras - de acesso às experiências, às vivências, às práticas e aos saberes das mulheres escravizadas. Primeiro, por se tratar de uma sabedoria ancestral que, na sua maior parte, era própria de uma cultura oral; segundo, porque, aquilo que poderia ter sido escrito e registrado por algumas delas não foi permitido ou não resistiu ao tempo. Barbosa (2017), estudando a oralidade e as práticas letradas das pessoas escravizadas, e com base em reflexões de Agnes Heller, afirma que “[...] o conhecimento é um valor próprio de cada época: sempre houve alguma coisa que não pode ser conhecida, conhecimento considerado maldito, coisa que nenhum mortal deveria saber” (p. 154). Quiçá, as práticas de leitura e escrita de alguma das poucas mulheres escravizadas que tiveram acesso e domínio dessas competências eram consideradas um conhecimento ‘maldito’, algo que ‘nenhum mortal poderia saber’.

Assim, é preciso tentar ‘arrancar’ dos poucos vestígios da história as astúcias e as insubmissões dessas mulheres. Aprender a ler e a escrever insere-se nessa perspectiva, pois, como afirmou Davis (2016), referindo-se especificamente às escravizadas nos Estados Unidos, a resistência delas envolvia, em muitos casos, “[...] ações mais sutis do que revoltas, fugas e sabotagens. Incluía, por exemplo, aprender a ler e a escrever de forma clandestina, bem como a transmissão desse conhecimento aos demais” (p. 34). Nesse cenário, insiste-se na necessidade de os estudos focalizarem as meninas e as mulheres adultas escravizadas. Como se viu, em geral, os dados mais consistentes apontam que as poucas e rarefeitas aulas ou escolas noturnas criadas; especificamente para ensinar escravizados a ler e a escrever eram destinadas aos homens. Assim, não parece demais afirmar que, nos estudos sobre escravizados ‘letrados’, ainda há, em geral, imprecisões e generalizações ou ênfase em práticas e experiências masculinas de educação e de instrução.

Entretanto, se a escrita dessa história no feminino é difícil, não é impraticável, e, do pouco que chegou até nós no presente, no que se refere ao ler, escrever e contar entre as mulheres escravizadas, pode-se concluir que o espaço da casa, seja dos senhores, seja de mulheres brancas, pobres ou em melhores condições sociais, ou pretas e pardas, e algumas aulas e colégios privados mantidos por mulheres - ‘senhoras’ ou ‘mestras de meninas’ - eram por excelência os lugares possíveis do aprendizado da leitura e da escrita para as escravizadas. Nesse sentido, embora pareça redundante, há que enfatizar que se tratava de um ensino de mulheres para mulheres, que acontecia fundamentalmente em âmbito privado e em meio ao aprendizado das tarefas domésticas. Trata-se, assim, de uma história invisibilizada pelos estudos que focalizam apenas a escola e as aulas públicas ou as práticas de ensino institucionais (assistenciais, filantrópicas, associativas, literárias etc.).

Ser mulher, ser negra e ser escravizada não impediu que algumas delas - na relação com outras mulheres - transcendessem aquilo que a elas estava reservado - a servidão, o trabalho forçado, o analfabetismo, a ausência de projetos de instrução, a submissão, a passividade etc. - e se inserissem em um universo que foi tomando força e espaço na sociedade do século XIX: o da cultura escrita. Saber ler, escrever e contar pode ter permitido a algumas delas horizontes de possibilidades que os registros da história jamais poderão recuperar. Nem por isso se deixará de perseguir essas histórias.

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2Trabalha-se com os conceitos de educação - ou processos educativos -, que se referem, de forma mais ampla, à formação das mulheres escravizadas; instrução, que diz respeito ao ensino e ao aprendizado dos chamados saberes elementares, aqui especificamente ler, escrever e contar; escolarização ou experiências escolares, quando as referências são aos processos institucionais, mesmo considerando que escola, no século XIX, abrangia um conjunto de práticas e experiências diferenciado, como as escolas domésticas ou aulas - coletivas, em geral - em espaços privados, filantrópicos, assistenciais ou associativos.

3Para saber mais sobre as tendências dos estudos sobre escravidão no Brasil, ver, dentre outros, Chalhoub e Silva (2010). Os autores caracterizam a produção historiográfica brasileira, especialmente até os anos 1980, na perspectiva do ‘paradigma da ausência’, estudos nos quais os escravizados são os grandes ausentes do processo histórico, em especial de sua própria libertação (teoria do escravo-coisa); a partir de então, dos anos 80 para frente, consideram que as pesquisas se inserem no denominado “paradigma da agência”, que representa os estudos que reconhecem que as ações dos escravizados resultam de negociações, escolhas e decisões frente às instituições e aos poderes normativos (Chalhoub & Silva, 2010).

4Filho do chamado ‘rei do café’, homem de influência social e política, considerado o maior proprietário de terras e de escravos da província do Rio de Janeiro, o comendador Joaquim José de Sousa Breves.

5Conferir Vasconcelos (n.d.).

6Segundo Bezerra Neto (2009, p. 238), trava-se de “[...] um político ligado ao Partido Liberal”.

7Ver, dentre outros, Reis (1986); Matheus (2016).

8A literatura tem sido profícua em demostrar isso. Ver, dentre outros, Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves (2017), para o caso da literatura nacional; e Eu, Tituba. Bruxa negra do Salem, de Maryse Condé (2019), para o caso da literatura estrangeira.

9Possivelmente ainda uma língua ancestral.

10Para saber mais sobre a história das loterias no Brasil e a relação disso com os escravizados, consultar, dentre outros, Loner (2014).

11Sobre as atividades comerciais, as estratégias de sobrevivência e a circulação nas ruas da cidade de São Paulo de mulheres pobres, escravizadas e forras, ver o clássico estudo de Dias (1995).

12Tuyauté - palavra francesa que significa dobras em forma de tubos numa fazenda; babado, prega. Etimologia (origem da palavra tiotê) (Dicio..., 2021a).

13Lavarinto - trabalho de agulha, também conhecido por crivo (Dicio..., 2021b).

14Não é o caso de abordar neste trabalho, mas há anúncios desses colégios que aceitavam crianças muito pequenas, desde os dois anos de idade. Não havia, pois, nesses espaços de ensino do século XIX, rigidez em relação ao convívio de crianças de diferentes idades.

15Para saber mais sobre isso, ver, dentre outros, Ferraro e Kreidlow (2004).

35Rodadas de avaliação: R1: três convites; três avaliações recebidas.

36Como citar este artigo: Peres, E. Ler, escrever e contar entre mulheres escravizadas: uma história a ser escrita. (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e208

Recebido: 11 de Setembro de 2021; Aceito: 10 de Janeiro de 2022; Publicado: 01 de Julho de 2022

E-mail: eteperes@gmail.com.

Eliane Peres é professora titular aposentada da UFPel. Colaboradora do PPGE (FaE/UFPel). Criadora e pesquisadora do centro de memória e pesquisa Hisales (FaE/UFPel). Graduada em Pedagogia (UEL, 1989), Especialista em Educação (UFPel, 1992), Mestre em Educação (UFRGS, 1995), Doutora em Educação (UFMG, 2000). Estágio de pós-doutorado na University of Illinois at Urbana-Champaign (USA, 2011-2012). Fulbright Visiting Professor na University of Texas at San Antonio (USA, 2018). E-mail: eteperes@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0160-1276

Adlene Arantes E-mail: adlene.arantes@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7007-0237

José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Surya Aaronovich Pombo de Barros E-mail: surya.pombo@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7109-0264

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