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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.22  Maringá  2022  Epub 01-Jul-2022

https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e211 

Dossiê

Erudição e racismo na trajetória ascendente de uma família negra do Maranhão

Erudición y racismo en el camino ascendente de una familia negra en Maranhão

Mariléia dos Santos Cruz1  * 
http://orcid.org/0000-0002-2688-7653

1Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz, MA, Brasil.


Resumo:

O presente artigo visou ao resgate da trajetória social de uma família negra, cujo membro mais proeminente foi o professor e jornalista José do Nascimento Moraes. Esta família se destacou pela adesão a um projeto de ascensão firmado na erudição, o qual foi desfrutado por gerações. A metodologia da pesquisa contemplou o resgate indiciário, na imprensa da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, de eventos que envolveram esta família, em um conjunto de jornais disponível na hemeroteca digital da Fundação Biblioteca Nacional e na Biblioteca Pública Estadual Benedito Leite. O estudo demonstrou que, apesar do destaque de membros desta família no campo intelectual, eles não foram eximidos de enfrentamentos ao racismo.

Palavras-chave: educação dos negros; história da educação; mobilidade social; discriminação racial

Resumen:

Este artículo tiene por objeto rescatar la trayectoria social de una familia negra, cuyo miembro más destacado fue el profesor y periodista José do Nascimento Moraes. Esta familia se destacó por su adhesión a un proyecto de ascensión basado en la educación, el cual fue seguido por generaciones. La metodología de investigación contempló el paradigma de los indicios, involucrando análisis de publicaciones periódicas, disponibles en la hemeroteca digital de la Fundación Biblioteca Nacional y en la Biblioteca Pública Estatal Benedito Leite. El estudio mostró que, a pesar del protagonismo de los miembros de esta familia en el campo intelectual, el racismo fue parte de sus trayectorias.

Palabras clave: educación negra; historia de la educación; movilidad social; discriminación racial

Abstract:

The present article aimed to rescue the social trajectory of a black family, whose most prominent member was the professor and journalist José do Nascimento Moraes. This family stood out for its adherence to a project of ascension based on erudition, which was enjoyed by generations. The research methodology contemplated the indiciary paradigm, involving analyses in a set of newspapers, available in the digital newspaper library of the National Library and in the Benedito Leite State Public Library. The study showed that despite the prominence of members of this family in the intellectual field, they were not exempted from facing racism.

Keywords: black education; education history; social mobility; racial discrimination

Introdução

Alforria, liberdade ou ação de ser ou de se tornar independente são significados de emancipação (Ferreira, 2004). Podem ser emancipados os menores de idade, desde que com a concordância de seus responsáveis. Tornaram-se emancipadas as mulheres, à medida que, paulatinamente, conquistaram direitos civis e adentraram a vida pública, política e econômica das sociedades. Foram também emancipados os escravizados, desde que se desagregaram da tutela de um senhor.

Leo Spitzer (2001) explica que a emancipação consiste em um fenômeno coletivo da ‘era da modernização’, relativo à ascensão de grupos subordinados, o qual veio como consequência do ‘afrouxamento das restrições’ impostas a tais grupos. Tal afrouxamento ocorreu como processo complexo, que envolveu vários elementos inerentes ao contexto de afirmação do capitalismo (ideias racionalistas do iluminismo e avanço econômico da era da industrialização), conjugados a valores democráticos, contrários à servidão.

O mesmo autor esclarece que a emancipação não se estabelece fora do raio de ação do sistema dominante, o qual define “[...] os limites admissíveis de mobilidade social e o papel esperado do Estado [...]” para com os grupos subjugados (Spitzer, 2001, p. 34). Dentre as abordagens que explicam os limites da mobilidade social favorecida pela emancipação, a laissez-faire é aquela que se caracteriza por eximir o Estado da responsabilidade de ofertar as condições de integração dos emancipados, restringindo esta ação ao aspecto jurídico.

Outra abordagem relativa aos limites da mobilidade social é a ‘catequética’ ou ‘conversão’, que inclui a intervenção das instâncias de poder no processo de adaptação dos emancipados aos valores e concepções dos grupos dominantes. O objetivo da abordagem ‘catequética’ é a elevação civil e social dos grupos subordinados por meio da educação (Spitzer, 2001).

A análise sobre a emancipação das populações negras no Brasil indica que o sistema laissez-faire caracterizou o processo de extinção da escravidão, com o fim jurídico do trabalho escravo, já que não se constituiu como pauta do poder público o interesse de promover a integração social das populações negras. A mobilidade social destas populações, quando ocorreu, foi de forma não intervencionista, e, muitas vezes, tais populações tiveram que enfrentar diferentes restrições sociais, políticas e econômicas, instituídas como barreiras de controle da ascensão social (Costa, 1998; Luna & Klein, 2010; Russel-Wood, 2005).

Luna e Klein (2010) afirmam que havia uma classe de pessoas de cor livres desde o início do escravismo em todas as sociedades americanas, e todas elas sofreram restrições à liberdade em função da origem ou cor da pele. Acrescentam que, em nenhuma dessas sociedades, “[...] houve a possibilidade de existirem simultaneamente a liberdade e a aceitação” (Luna & Klein, 2010, p. 271).

Almeida (2019) caracteriza a discriminação racial como uma forma de materialização do racismo, na medida em que se atribui “[...] ‘tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados’ [...]”, cuja prática produz “[...] ‘estratificação social’, um fenômeno ‘intergeracional’[...]” afetando “[...] as chances de ascensão social, de reconhecimento e de sustento material” (Almeida, 2019, p. 23, grifo do autor).

Práticas discriminatórias fizeram parte da realidade dos africanos e de seus descendentes, desde o início do escravismo no Brasil, mas o período que demarca a introdução do pensamento científico sobre a inferioridade dos negros é o da segunda metade do século XIX. Com a emergência de uma ciência determinista e poligenista, o pensamento sobre a desigualdade entre as raças foi se consagrando e influenciou amplamente a intelectualidade local (Schwarcz, 1996). Para a ‘pseudociência’ europeia, o Brasil estaria fadado à barbárie, como consequência da mestiçagem (Schwarcz, 1993).

As teorias que explicaram a realidade brasileira, colocando os negros como empecilho para o desenvolvimento do país, bem como culpados por permanecerem nos estratos sociais mais baixos socialmente, desde o período colonial, encontraram reforço na retórica da existência da democracia racial, a partir dos anos de 1930. Segundo preceitos da democracia racial brasileira, devido à miscigenação:

[...] pretos e brancos convivem harmoniosamente desfrutando igual oportunidade de existência, sem nenhuma interferência, nesse jogo de paridade social, das respectivas origens raciais ou étnicas. [...]. A existência dessa pretendida igualdade racial constitui mesmo [...] o maior motivo de orgulho nacional (Nascimento, 2017, p. 48).

A igualdade racial esbarra na carência de oferta de oportunidades iguais aos diferentes grupos, o que demonstra que a democracia racial é um mito, que funciona só como vislumbre. Segundo Schwarcz (2012, p. 48), a mestiçagem, que representa o elemento simbólico da efetivação da democracia racial, “[...] colaria à nossa representação nacional tal qual tatuagem, fazendo da aparência física uma questão de caráter e padrão cultural”.

Ao contrário da democracia racial, o que sempre vigorou no Brasil foi o racismo, servindo de substância impregnada no imaginário individual e coletivo e promovendo a exclusão social na proporção exata das marcas de origem identificadas pela carga fenotípica resistente à mestiçagem. Racismo que, segundo Almeida (2019, p. 32, grifo do autor), pode ser compreendido como “[...] ‘uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam’”.

O presente artigo contempla o resgate indiciário, na imprensa maranhense da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, da trajetória de uma família negra, cujo membro mais proeminente foi o professor e jornalista José do Nascimento Moraes. Os procedimentos metodológicos utilizados incluíram a observação atenta e minuciosa de indícios e pequenas pistas de eventos que envolveram esta família, em um conjunto de jornais que fazem parte do amplo acervo da imprensa maranhense, disponíveis na hemeroteca digital da Fundação Biblioteca Nacional e na Biblioteca Pública Estadual Benedito Leite. De acordo com Ginzburg (2003), o Paradigma Indiciário é adequado quando se observa a necessidade de conhecer determinada realidade da qual não se presenciou o acontecimento, e sobre a qual não se dispõe de testemunhos documentais específicos. Trata-se de um modelo apropriado para contemplar temáticas negligenciadas e sujeitos históricos desprivilegiados em relação ao exercício do poder, a exemplo das populações negras. O estudo da trajetória da família Nascimento Moraes visa a contribuir com conhecimentos que favoreçam a inserção de personalidades negras com perfil intelectual na cena da memória nacional, na qual se tem privilegiado intelectuais de origem abastada e branca.

O artigo está organizado em três partes, a saber: na primeira, analisam-se as estratégias de mobilidade social, destacando a adesão a um projeto de erudição comungado por membros da família Nascimento Moraes, desde a segunda metade do século XIX; na segunda, descreve-se a trajetória ascendente dos mais destacados filhos do professor Nascimento Moraes, membros da terceira geração da família; por último, registram-se situações de enfrentamento do racismo vivenciadas por membros desta família.

O projeto de ascensão

A família Nascimento Moraes se inicia na primeira metade do século XIX, a partir do relacionamento entre a mulher escravizada, Lourença Rosa dos Santos, com o português proprietário de armazém estabelecido na rua do Trapiche1, em São Luís. Deste relacionamento sem o sacramento do matrimônio, nasceram os filhos naturais, Manuel do Nascimento Pereira, em 1833, e José Alípio Moraes, em 1846. Até agora, é desconhecido se os avós do professor Nascimento Moraes, enquanto elementos de uma relação inter-racial, tenham coabitado como casal, agregando os dois filhos em uma unidade familiar, com mãe e pai debaixo do mesmo teto. O fato é que os dois irmãos, filhos deste relacionamento, transitaram na sociedade maranhense da segunda metade do século XIX e primeiras décadas do XX, deixando registros de assimilação ao contexto cultural e econômico do período, com destaque na vida cultural.

José Alípio Moraes foi músico com banda estabelecida e destacado professor de música, com histórico de passagem por cargos públicos no interior do estado (adjunto de promotor público do termo de Guimarães, juiz de paz do primeiro distrito da vila de São Bento e segundo suplente de delegado da vila de São Bento). Foi dele que a família adquiriu o último sobrenome, quando, em 1884, o irmão mais velho (Manoel Nascimento Pereira) renunciou ao último sobrenome, aderindo ao Moraes, já utilizado pelo irmão menor. Por outro lado, Manoel do Nascimento teve uma vida mais modesta que seu irmão, já que trabalhou como sapateiro e como servente do Tesouro Estadual, além de ter sido ex-combatente da Guerra do Paraguai.

O homem liberto Manoel do Nascimento Moraes se uniu, sem o sacramento do matrimônio, com Catarina Maria Vitória, uma mulher escravizada, com a qual teve três filhos: Manoel Filho, Raimundo e José. O primeiro trabalhou no comércio e teve morte precoce, em 1905; o segundo apresentou uma trajetória de sucesso, com atuação no meio literário maranhense, no começo do século XX, destacando-se como professor e servidor público federal em Manaus. Raimundo também morreu muito cedo, em 1915. O terceiro trata-se do principal expoente da família, conhecido como conceituado jornalista e professor do Maranhão, com atuação na primeira metade do século XX.

José do Nascimento Moraes nasceu em 1882 e morreu em 1958. Foi um dos mais ativos jornalistas da imprensa maranhense da primeira metade do século XX, tornou-se catedrático de geografia do Liceu Maranhense e ensinou várias disciplinas na Escola Normal, como: aritmética, álgebra, geometria, português, pedagogia e história da educação. Ele publicou três livros em vida: Vencidos e degenerados (1910); Puxos e repuxos (1910); Neurose do medo (1923); e um quarto, trazido a público como obra póstuma, Contos de Valério Santiago (1972).

O processo de assimilação observado pela trajetória dos primeiros membros da família Nascimento Moraes reúne características do que foi vivenciado por outras famílias da história nacional, a exemplo dos Rebouças. Segundo retratado por Spitzer (2001), a existência de restrições de direitos econômicos, jurídicos e sociais impostas às populações negras, desde o período colonial, não inviabilizaram completamente a ascensão e assimilação de alguns membros destas famílias, sobretudo dos mestiços, como foi o caso dos Rebouças. Oriundos da união entre uma mulata liberta e um alfaiate português que migrou para o Brasil na segunda metade do século XVIII, construíram trajetórias ascendentes em sucessivas gerações, com o destaque de alguns de seus membros em desfechos da história nacional, desde a independência até a libertação da escravidão (Spitzer, 2001).

As discussões colocadas por Leo Spitzer (2001) levam a perceber que o processo de assimilação rumo a trajetórias sociais ascendentes envolve estratégia de embranquecimento, já que a integração social obriga o sujeito em situação subordinada a se aproximar ao máximo do padrão do dominante. O embranquecimento pautado no desaparecimento do negro, por meio da miscigenação com o branco, pelo clareamento da pele, tornou-se o “[...] critério social de aceitação e progresso social pautado na cor” (Spitzer, 2001, p. 123).

O embranquecimento por relações de miscigenação não foi observado no caso do pai do professor Nascimento Moraes, pois ele se uniu com uma mulher mais escura que ele, e ainda cativa. O contrário veio a ocorrer na mesma geração, pelo lado do irmão de Manoel, José Alípio, que se casou com Tereza de Jesus dos Anjos Araújo Porciúncula, uma mulher branca e escolarizada, que foi educanda do Asilo de Santa Teresa2.

Na segunda geração da família, José do Nascimento Moraes, ao contrário do que foi praticado pelos seus pais, que não se casaram formalmente, contraiu matrimônio com Ana Augusta Mendes, uma mulher que “[...] fazia parte da elite branca maranhense, era culta, falava francês fluentemente, e tocava piano” (Carreira, 2015, p. 69).

Ana Augusta era filha natural e órfã de Adelaide Mendes, que morreu um mês antes de sua filha completar 5 anos. Adelaide, por sua vez, era filha legítima de Antônio Raimundo Mendes com Emília Augusta Vidal Mendes. O avô de Ana Augusta, o capitão Antônio Raimundo Mendes, era figura conhecida em São Luís, exerceu vários cargos públicos (subdelegado do chefe de polícia, da freguesia de São João Batista, segundo escriturário e guarda-livros da Caixa Filial do Banco do Brasil e Oficial de Justiça) e morreu em 22 de novembro de 1881, com 61 anos, um ano antes do nascimento da neta.

O pai de Ana Augusta era Pacífico Cunha, um professor de literatura do Liceu e, posteriormente, também da Escola Normal; um dos redatores do jornal O Pensador3. Carreira (2015) atribui a Pacífico Cunha a paternidade de criação de Ana Augusta. Contudo, não descartamos a hipótese de que ela fosse filha natural dele, o que, embora não convencional para um homem com a projeção social que ele possuía, não seria de se estranhar, já que à época era visto também como um liberal convicto. Ele se contrapunha aos dogmas da Igreja Católica, para a qual o casamento era algo indispensável aos ‘homens de bem’ da época, e denunciava práticas condenáveis no meio eclesiástico, conforme se fizera notar nas edições de O Pensador.

A união de José do Nascimento Moraes com Ana Augusta Mendes confirma um elemento comum no padrão de ascensão social dos negros no Brasil, onde não só a educação aparece como elemento de relevo mas também a realização de ‘um bom casamento’, pois, segundo Schwarcz (2012, p. 49, grifo do autor), “[...] ‘casar bem’ em geral significa contrair matrimônio com alguém mais branco, e não necessariamente mais rico”.

A estratégia de ascensão social observada entre os Nascimento Moraes, via adesão ao processo de escolarização, é algo muito forte na trajetória dessa família, uma influência do contexto do sistema de meritocracia que promete aos que atingem maior grau de instrução a premiação com a colocação nos melhores postos ocupacionais. As famílias negras entendem que a inserção em sucessivos níveis e graus de escolarização implicará no desvio do destino da ocupação de funções ligadas ao esforço físico.

O projeto de ascensão social via escolarização abraçado pelos membros dos Nascimento Moraes, em sucessivas gerações, pode ter como marco inicial a fala de Manoel, pai do professor José do Nascimento Moraes, quando, após o retorno da Guerra do Paraguai, ao ser preterido da condecoração por heroísmo, por ser analfabeto, jurou que seus filhos seriam doutores (Carreira, 2015). Provavelmente, Manoel já observava que, com seu irmão mais novo, a vida transcorria diferente, já que José Alípio, na condição de escolarizado, desfrutava de uma vida mais sossegada. Havia se tornado músico profissional e, mais tarde, em 1875, se casaria4 com Tereza Porciúncula, confirmando seu processo pessoal de ascensão.

Por outro lado, Manoel e sua companheira Catarina, ambos analfabetos, esforçaram-se para garantir a educação aos seus dois filhos mais novos. Para isso, foi necessário o custeio em escolas primárias particulares do Maranhão, criando as condições para que eles tivessem acesso ao ensino secundário no Liceu Maranhense.

O capital cultural adquirido no Liceu Maranhense, onde os jovens mantinham contato com destacados literatos e jornalistas que exerciam docência no ginásio, favorecia um trânsito social e uma posterior aceitação nos cargos públicos e no meio literário, questão apontada por Castro, Cabral e Castellanos (2019). Os mesmos autores afirmam que, no início da República, “[...] essa instituição de ensino ainda conservava os foros de centro convergente e formador de mentes cultas e, principalmente, letradas” (Castro et al., 2019, p. 22).

A erudição adquirida na vivência como aluno do secundário é uma marca na trajetória de vida do professor e jornalista negro referido neste estudo e uma porta para a sua manutenção econômica, logo no início do século XX. Era comum que o sustento dos jovens bem-sucedidos nos estudos viesse da prestação de serviços nos jornais da época, em que muitas vezes eram introduzidos por seus professores, conforme ocorreu com o jovem Nascimento Moraes, ao iniciar aos 16 anos na redação do Pacotilha5, pelas mãos Manuel de Béthencourt6.

O ensino secundário no Liceu, única escola pública deste gênero no estado, desde 1838 até o final da primeira metade do século XX, tanto para Nascimento Moraes como para seu irmão Raimundo, funcionou como porta de ascensão social. Não se tratava apenas de um espaço de escolarização mas também era uma vitrine social por onde transitaram os mais bem-sucedidos intelectuais maranhenses do século XIX e primeira metade do século XX (Castro et al., 2019).

O bom desempenho escolar dos dois irmãos desemboca na docência, outro caminho possível para os jovens rapazes obterem o sustento; o que realizaram em aulas particulares na residência dos seus alunos e na própria casa da família. Por duas vezes, a casa do pai de Nascimento Moraes abrigou escolas formalizadas, como o Colégio Gomes de Sousa, dirigido por Raimundo, e o Instituto Nascimento Moraes, dirigido e de propriedade de José Nascimento Moraes.

No campo intelectual, Nascimento Moraes esteve entre os principais fundadores de duas agremiações literárias que se destacaram pelo compromisso com o resgate cultural e literário de São Luís, logo no início do século XX, antes da criação da Academia Maranhense de Letras (1908), as quais foram a Oficina dos Novos, em 1900, e a Renascença Literária, em 1901.

Embora Nascimento Moraes tenha sido aceito tardiamente para Academia Maranhense de Letras, o que só ocorreu em 1934, com a posse concretizada apenas quatro anos depois (1938), sua passagem por esta casa foi marcante, já que se tornou presidente por um grande período: a princípio, de janeiro de 1941 a janeiro de 1946; pela segunda vez, retornou à presidência de 2 de junho de 1946 a 2 de janeiro de 1947; posteriormente, exerceu a função por menor tempo, de 13 a 21 de setembro de 19477.

Na terceira geração da família, enquanto José do Nascimento Moraes escrevia para os jornais e dava suas aulas no ensino secundário, seus filhos, sucessivamente, ocuparam os bancos de escolas particulares do Maranhão, sendo diplomados nas séries do curso primário. Posteriormente, os meninos cursaram o ginásio do Liceu Maranhense e as meninas seguiram para o curso profissional (antiga Escola Normal). A presença pontual dos filhos de Nascimento Moraes em escolas primárias públicas é observada apenas em escolas graduadas de notório destaque à época, como a Escola Modelo Benedito Leite e o Grupo Escolar Almeida Oliveira8. Todos os filhos de Nascimento Moraes trilharam os caminhos abertos pelo pai e absorveram a escolarização como ferramenta para manutenção de uma trajetória ascendente, que a família vinha apresentando havia duas gerações anteriores.

Assim como seu pai, Nascimento Moraes se empenhou pela educação da sua prole e investiu esforços visando ao futuro das crianças; achava importante proporcionar a seus filhos uma educação refinada, calcada nos clássicos da literatura. Queria que estivessem aptos para declamar nos saraus, em palestras ou nas conversações políticas que faziam parte da vida cultural da época. Ele não vislumbrava apenas filhos escolarizados mas também intelectuais, como ele mesmo. A percepção do tipo de educação visualizada para os filhos consta em depoimento registrado no blog de um neto de Nascimento Moraes9, conforme segue:

[...] a figura central era o pai, o velho Nascimento Moraes, jornalista, escritor e professor catedrático do Liceu Maranhense, autor de vários livros, e figura exponencial da história intelectual do Maranhão; e da mãe, Ana Augusta com quem Paulo não aprendeu a tocar piano, por mais que ela quisesse, porque o velho Nascimento, deitado numa rede preferia que seu filho querido ficasse detrás de uma porta a recitar ‘Os Lusíadas’ em voz alta, para amenizar, pelo menos, aquela sua gagueira familiar, marca registrada de todos os filhos de Nascimento, o que nele, Paulo, não ficaria bem, principalmente para tornar convincente a assertiva do velho: Era melhor ser orador que pianista, porque a mágica da palavra é o veículo do pensamento, parafraseando Teilhard de Chardin, dizia Nascimento à Dona Sinhá, como era chamada pelos íntimos, a mãe de Paulo Moraes, também educadora e Senhora das mais distintas e elegantes que conheci. (Saudades..., 2020, grifo do autor).

Observa-se que havia o compromisso de dispensar aos filhos uma educação erudita, alicerçada nos valores partilhados pelas elites. Segundo Souza (2008), a escola secundária do início do século XX tinha um currículo que focava a “[...] arte da expressão, a erudição linguística, o escrever e o falar bem, o domínio das línguas estrangeiras e a atração pela estética literária” (Souza, 2008, p. 89-90). Tais conhecimentos estavam destinados aos filhos de grupos economicamente bem-sucedidos, sem relação com o mundo do trabalho (Souza, 2008).

A prole de Nascimento Moraes em ascendência

Nascimento Moraes se casou com Ana Augusta Mendes, em 1908, e, no ano seguinte, teve o primeiro filho com ela, Ápio Cláudio. Seu primogênito teve o segundo nome (Cláudio) inspirado no principal personagem do enredo de sua obra, Vencidos e degenerados. Além de emprestar ao filho primogênito o primeiro nome do protagonista do seu romance (Cláudio Olivier), nota-se que expectativas elevadas eram nutridas quanto ao destino intelectual da criança que acabara de nascer; o que se infere pelo fato de ele ter recebido, como primeiro nome (Ápio), o mesmo que pertenceu ao primeiro intelectual latino dedicado à atividade literária e à filosofia10.

Não foi identificado em que escola Ápio Cláudio cursou o primário nem qual foi o seu desempenho. Quanto ao ensino secundário, pode-se afirmar com precisão que foi iniciado em 1922, no Liceu Maranhense, após aprovação no exame de admissão, quando tinha 13 anos. O histórico da passagem do primogênito pelo ensino secundário indica uma carreira sem aparente brilhantismo. O 5° ano, esperado para 1926, só vai acontecer em 1927 (Pelas escolas, 1927). Em 1928, ainda cursando o 5° ano, possivelmente por ter sofrido retenção, foi acusado de indisciplina, recebendo suspensão do Liceu por todo ano letivo (Lyceu..., 1928, p. 2).

Em 1929, Ápio obteve o grau de Bacharel em Ciências e Letras, aos 20 anos. Tal título fora concedido como prerrogativa da Reforma do Ensino Secundário de 1925, Rocha Vaz, na qual foi estabelecido o ginásio de 6 anos, com a concessão do título de Bacharel em Ciências e Letras ao final do sexto ano e concessão de certificação do secundário ao final do quinto, com direito a prestar exame vestibular (Moreira, 2017).

Ápio ingressou no curso de Engenharia Civil, da Universidade do Rio de Janeiro, em 1930, embora não tenha concluído o curso. Tornou-se funcionário do Instituto de Identificação e Médico Legal, desempenhando a função de auxiliar de escritório até 1947, quando faleceu com 37 anos (Falecimento, 1947). No campo intelectual, foi membro da Associação Maranhense de Imprensa, em 1936.

Em 23 de novembro de 1910, nasceu o segundo filho do casal, Paulo Augusto, nome dado em homenagem à mãe, Ana Augusta. O primário de Paulo Augusto foi cursado no Instituto Raimundo Cerveira, uma escola privada fundada em 1919, pela normalista Zoé Cerveira11.

Paulo Augusto fez o secundário no Liceu Maranhense, iniciado em 1925, e o ensino superior na Faculdade de Direito do Maranhão, a partir de 1934. No jornalismo, foi redator dos periódicos Notícias, Pacotilha e O Imparcial, durante a década de 1930. No curso de direito, esteve entre os fundadores da ‘União Acadêmica da Faculdade de Direito do Maranhão’, em 1937, a qual se voltava para “[...] o levantamento do nível cultural da mocidade acadêmica” (A União Acadêmica..., 1937, p. 8). A entidade visava à “[...] publicação de uma revista, a promoção de conferências nos salões da Faculdade, o estabelecimento de intercâmbio cultural, por meio de embaixadas, com os seus colegas do resto do país” (A União Acadêmica..., 1937, p. 8).

No serviço público, Paulo foi auxiliar do secretário do Liceu Maranhense, nos anos de 1930, e funcionário do Departamento Estadual de Estatística e Publicidade, contratado a partir de 1938. Seguiu para o Rio de Janeiro, em 1945, onde trabalhou em O Jornal, retornando a São Luís em 1953. Ao chegar a São Luís, passou a colaborar no Jornal do Povo e exerceu a carreira de professor no Instituto Raimundo Cerveira. Em 1965, foi sócio efetivo da Associação Maranhense de Imprensa, sendo contemporâneo de Josué Montello nesta associação. No mesmo período, fez parte da redação do Jornal do Dia. Em 1971, Paulo Augusto publicou o livro Aquarelas de Luz, obra de poesias, que lhe rendeu a cadeira nº 16 da Academia Maranhense de Letras, em 1982.

Nadir Adelaide foi a única filha do casal, e a terceira na ordem de nascimento; veio ao mundo em 1911, em 16 de novembro. Fez o curso primário no Instituto Raimundo Cerveira, destacando-se nos exames quase sempre com nota 10. Concluiu o ensino primário ao final de 1923. Foi batizada e fez primeira comunhão, com 14 anos, em 1924, após sua aprovação no exame de admissão ao curso profissional do Liceu Maranhense, obtendo a nota mais elevada, entre as 17 candidatas que concorriam para entrar no curso Normal. Seu desempenho foi atribuído ao bom aproveitamento escolar no ensino primário, “[à] sua inteligência e [à] sua aplicação aos livros” (Notas mundanas, 1924, p. 4). Ela frequentou o curso profissional (Normal) do Liceu Maranhense, de 1924 a 1928, recebendo diploma de normalista (As novas professoras, 1928, p. 8). Teve destaque no seu desempenho escolar, concluindo tanto o primário como o ginásio em menor tempo do que seus dois irmãos mais velhos.

Em 1933, ela foi professora do Instituto Raimundo Cerveira. Sua boa fama como professora sempre aparece na imprensa, descrita como: “[...] competente educadora maranhense [...]”, “[...] espírito culto, distinta professora normalista, e incontestavelmente, uma das glórias intelectuais maranhenses” (Nadyr Adelaide..., 1933, p. 4).

Em 1935, Nadir figurava como professora auxiliar de história do curso Normal, do Liceu Maranhense, sendo ainda membro da Direção do Instituto Cerveira. Em 1945, foi designada diretora da Biblioteca Pública Estadual e, em 1965, já como diretora do Instituto Cerveira, fundou o Ginásio Zoé Cerveira, em homenagem à sua amiga e professora já falecida.

João José Nascimento Moraes foi o quarto filho de Nascimento Moraes com Ana Augusta. Veio ao mundo no dia 17 de março de 1916, tendo iniciado o curso primário em 1922, no Instituto Raimundo Cerveira. Suas aprovações nos exames anuais eram quase sempre com nota 10. Concluiu o primário em 1925 e iniciou o curso ginasial em 1926, no Liceu Maranhense. Não se destacou no meio jornalístico nem literário, exercendo carreira de Escrivão da Polícia Civil.

Em 1922, nasceu José do Nascimento Morais Filho, seguidos de Talita e Raimundo Nascimento Moraes12, que não foram frutos do casamento com Ana Augusta, embora se saiba que o primeiro foi criado por ela. Segundo Carreira (2015)13, os três últimos filhos de Nascimento Moraes são frutos do seu relacionamento com Francisca da Graça Bogéa, a qual, saída do interior do Maranhão, passou um tempo morando na casa de Nascimento Moraes, a fim de cursar o secundário no Liceu Maranhense. José Nascimento Morais Filho foi entregue à Ana Augusta com um dia de nascido (Carreira, 2015).

Nascimento Morais Filho nasceu em de 15 de julho de 1922, concluiu o ensino primário em 1934, na Escola Modelo Benedito Leite. Ele foi aprovado no exame de admissão para o Ginásio do Liceu Maranhense, em 1935. Da prole do professor Nascimento Moraes, este foi o mais destacado, tornando-se poeta, professor, jornalista, folclorista, ambientalista e um dos precursores do Modernismo no Maranhão.

No dia 9 de agosto do ano de 1945, quando ainda se encontrava como estudante do secundário, no Liceu Maranhense, participou da criação do Centro Cultural Gonçalves Dias (CCGD); uma agremiação responsável pela introdução do Modernismo na literatura maranhense.

Zé Moraes, como ficou conhecido, foi sucessivamente o presidente do CCGD, o qual visava ao “[...] levantamento cultural dos alunos do tradicional estabelecimento de ensino do Maranhão” (Centro..., 1945, p. 4). O CCGD exerceu um papel cultural muito mais amplo, mobilizando alguns intelectuais mais antigos e congregando avultado número de jovens interessados em literatura e comprometidos em ressuscitar o vigor literário que outrora havia sido desfrutado pelo estado. A entidade reunia-se para estudos, restritos aos membros, e para palestras franqueadas para o público em geral (Garrido, 2016). Foi nessa instituição que Ferreira Gullar (José de Ribamar Ferreira) deu os seus primeiros passos como poeta.

Zé Moraes tornou-se membro da Academia Maranhense de Letras, ocupando a cadeira 37. Fundou também o Comitê de Defesa da Ilha de São Luiz, voltado para a defesa do meio ambiente (Garrido, 2016). Ele escreveu vários livros, tais como: Clamor da hora presente (1955), Pé-de-conversa (1957), Um punhado de rima (1959), Azulejos (1963), Esfinge azul (1972), Esperando a missa do galo (1973), Maria Firmina dos Reis: fragmentos de uma vida (1975) e Clamor do presente (1992) (Garrido, 2016). Trabalhou no Jornal do Dia e foi diretor do suplemento de arte do Jornal do Maranhão, em 1969, e faleceu em 21 de fevereiro de 2009.

Enfrentamentos ao racismo na trajetória de membros da família Nascimento Moraes

Para Spitzer (2001), o racismo funciona como uma barreira, fazendo parecer natural a permanência dos negros nos estratos subordinados da sociedade. De acordo com o autor, foi a partir da segunda metade do século XIX que o racismo entra “[...] em moda, para justificar e apoiar a dominação formal e informal europeia sobre os povos de todas as regiões não europeias do globo” (Spitzer, 2001, p. 85), quando africanos assimilados se tornaram foco de insultos, incidentes discriminatórios e segregacionismo, com motivação racial (Spitzer, 2001).

Spitzer (2001) demonstra brilhantemente a relação entre emancipação e racismo ao biografar Joseph Boston May, um pastor metodista de origem iorubá que, quando menino, foi liberto em razão da proibição do tráfico de escravos, sendo encaminhado para uma experiência de assimilação desenvolvida pela Inglaterra em Serra Leoa, em 1827. O menino teve sua introdução em processo de conversão e escolarização que culminou com a sua ascensão social e de sua descendência. O autor demonstra que Joseph Boston May sofreu controle da ascensão aos níveis mais altos da carreira nas décadas de 1860 e 1870, embora não tenha tido consciência da relação entre as “[...] limitações de suas ambições profissionais pessoais e a crescente antipatia de muitos brancos pela possibilidade de um progresso profissional e social africano dentro do sistema colonial” (Spitzer, 2001, p. 86).

O caso de Joseph Boston May, retratado por Leo Spitzer, indica que, apesar de a adesão ao sistema formal de ensino representar, para as famílias negras, uma possibilidade de ascensão social, não há garantias de que a conquista de elevados níveis de escolarização assegure usufruto de completa integração social. Ainda que o autor se reporte ao século XIX, percebe-se que tal realidade acompanha trajetórias de intelectuais negros no decorrer do século XX.

Nesse sentido, o enfrentamento de situações racistas não foi incomum no cotidiano de negros e negras com trajetórias ascendentes, a exemplo do ocorrido em vários momentos na vida de membros da família Nascimento Moraes. Eventos registrados na imprensa demonstram que integrantes desta família, apesar do destaque social conquistado, também enfrentaram situações discriminatórias.

Um evento, ocorrido em maio de 1928, com Ápio, o filho de Nascimento Moraes, no curso do seu 5º ano ginasial, ilustra uma rotina de enfrentamentos não incomuns a crianças negras que, presentes em escolas no século XX, foram afetadas por um clima de hostilidade forjado na crença de que, por natureza, eram indisciplinadas ou avessas aos estudos.

O ocorrido foi estampado em O Imparcial, de 13 de maio de 1928, como nota dada pelo diretor do Liceu, e também Diretor Geral da Instrução Pública, Luiz Vianna. Registrou-se que o rapaz enfrentou, chamando à briga, o sargento Bousson, instrutor militar do Liceu e, por isso, sofreu um processo por indisciplina que culminou com a sua suspensão por um ano letivo (Lyceu..., 1928, p. 2). A justificativa, ou o estopim para a decisão de enfrentar fisicamente seu instrutor militar, definitivamente não consta na explicação registrada quando se relata o ocorrido do ponto de vista do diretor.

No inquérito instaurado por Luiz Vianna, em 7 de maio, e presidido pelo vice-diretor, Gilberto Maya Costa, foi dispensado o depoimento do pai de Ápio, argumentando-se que o Regulamento do Colégio Pedro II, que regia o Liceu, enquanto um Ginásio equiparado, estabelecia serem ouvidos como depoentes apenas quem tivesse presenciado o fato (Lyceu..., 1928, p. 2). Na fala do diretor do Liceu, Ápio era representado como um jovem indisciplinado, nervoso e insubordinado. Claramente se vê a parcialidade da publicação, quando o acusador deixa de fazer referência aos fatos que desencadearam atitude tão extremada por parte do adolescente.

A narrativa sobre o fato, publicada em O Imparcial, demonstrava que o aluno era reincidente e que, em outras oportunidades, já havia sido punido com penalidades mais leves como “[...] admoestação e suspensão” (Lyceu..., 1928, p. 2). Observando o outro lado da história, narrada por Nascimento Moraes no jornal A Hora14, vê-se que outras informações enriquecem a trama.

O inquérito contra Ápio foi encerrado no dia 9 de maio, mas Nascimento Moraes destrinchou vários aspectos relativos ao processo em publicações do A Hora do dia 11 de maio a 11 de junho do mesmo ano. Nestas publicações, iniciadas com o título ‘No Liceu Maranhense. Um caso interessante e curioso - um inquérito sui-generis’, Nascimento Moraes denunciou várias irregularidades. Alegava que, mesmo após o vice-diretor, que presidia o processo, o encerrar, o diretor Luiz Vianna resolveu prosseguir nos trabalhos e realizou pessoalmente a coleta dos depoimentos dos alunos indicados como testemunhas. Nascimento Moraes denunciava outros casos ocorridos na instituição que poderiam merecer instauração de inquéritos por indisciplina cometidos por alunos, demonstrando não ser usual a instauração deste tipo de processo no Liceu. Alegava, outrora, que o Sargento Bousson, que servia de instrutor, era pessoa estranha à instituição e não se adequava ao artigo do Regulamento que determinava a suspensão por um ano letivo de alunos que reincidissem em faltas graves, cometidas contra professores, autoridades instituídas e diretores.

Nascimento Moraes alegava que seu filho não teve direito de defesa e que o crime citado no documento foi o fato de ele “[...] ter altercado na esquina do Liceu com o sargento instrutor” (Moraes, 1928a, p. 1). Para que o processo se iniciasse, segundo o Regulamento utilizado, seria o próprio prejudicado quem deveria redigir o pedido de pena ao discente, o que não houve, já que o instrutor se recusou. Em seu depoimento, o Sargento Bousson declarava apenas que, no dia 5 de maio, Ápio tenha “[...] retirando-se da forma ‘com o intuito de desrespeitá-lo’” (Moraes, 1928b, p. 1, grifo do autor).

Quanto ao transcorrer do processo, o jornalista revelou que o instrutor foi chamado para depor por três vezes antes do acusado, e que este último não teve acesso a nenhum dos depoimentos. Atribuiu aos depoimentos repetidos a intenção do diretor de preparar o instrutor para negar informação que obteve de que Ápio vinha sendo ofendido com insultos pelo Sargento Bousson, que lhe lançava os qualificativos de ‘moleque vagabundo’, ‘anarquizado’ e ‘relapso’. Tais insultos haviam sido presenciados pelo irmão de Ápio, Paulo Augusto, o qual não foi chamado como testemunha no processo (Moraes, 1928b, p. 1).

Nascimento Moraes acusava que a indisciplina era generalizada nas aulas do instrutor Militar, já que ele ‘andava ombro a ombro’ com os alunos do Liceu “[...] ouvindo e narrando anedotas de rapazes, frequentando com eles as disciplinas do curso ginasial, por ordem do diretor” (Moraes, 1928c, p. 1). Argumentava que o sargento, de instrutor militar, passou também a colega dos rapazes, o que teria desencadeado indisciplina generalizada entre os alunos. Ele não defendia que seu filho ficasse impune, mas considerava a penalidade muito pesada, alegando que Ápio foi escolhido para exemplo de correção de atitude indisciplinada comum entre os rapazes da turma (Moraes, 1928c).

Não se pode ignorar que Ápio nasceu 21 anos depois da lei que oficializou a libertação da escravidão no Brasil, tinha tez escura, apesar dos traços finos do nariz, herdados provavelmente de sua mãe15; tratava-se de um adolescente negro cursando o ginásio, em uma época de escassez de vagas no estado. Dados do período indicam que, na capital São Luís, havia apenas três escolas de ensino secundário propedêutico, sendo que somente uma destas escolas era pública, o Liceu Maranhense, onde 90 alunos cursavam o ginásio, e outros 109 jovens frequentavam as outras duas escolas ginasiais particulares, Instituto Viveiros (do professor Gerônimo de Viveiros) e Escola Minerva (do professor Ruben Almeida). Nesse período, o Maranhão possuía 41. 624 pessoas em idade escolar, mas apenas 23,15% encontravam-se matriculados (Almeida, 1929). Tais elementos colocam a experiência de escolarização como um privilégio acessível a poucos.

Por outro lado, não se pode esquecer que inimigos não faltavam a Nascimento Moraes. Não se pode deixar de aventar que ele pudesse despertar antipatia no meio de certo grupo de pessoas influentes e entre alguns dos seus pares no ensino secundário, como era o caso de Luiz Vianna.

Luiz Vianna foi um professor formado pela Escola Normal do Maranhão, nos primeiros anos do século XX. Cursou, a partir de 1916, Medicina no Rio de Janeiro. Em 1920, já se encontrava no Maranhão atuando como clínico. Era diretor da Escola de Farmácia e Odontologia, quando foi concursado como catedrático do Liceu, no início de 1926. Em agosto do mesmo ano, foi nomeado para a direção do Liceu, assumindo também, por decorrência, a Diretoria Geral de Instrução Pública; funções de direção que acumulou com a ocupada anteriormente na escola de Farmácia e Odontologia, até o mês de agosto de 1928, quando passou a residir em São Paulo.

O diretor do Liceu era, sem dúvidas, um desafeto de Nascimento Moraes; tratava-se de um daqueles inimigos reconhecidos pelo professor negro. A rivalidade entre os dois pode ser conferida no âmbito da imprensa, desde 1910, quando da polêmica entre Antônio Lobo e Nascimento Moraes16. Em vários momentos das publicações estampadas em A Hora, Nascimento Moraes atribui a motivação do diretor ao ódio nutrido contra ele e faz menção à inimizade com o diretor, registrando que Luiz Vianna: “[...] usa o cargo para instrumento de vinganças mesquinhas, e que se não peja de fleugmaticamente, sacrificar a vida intelectual de um rapaz, embora seja preciso sacrificar a lei, forçar a letra do Regulamento do Pedro II” (Moraes, 1928d, p. 1).

O primogênito aparece como parte mais fraca e suscetível do professor Nascimento Moraes, questão apontada na penúltima publicação sobre o caso, no dia 30 de maio. Na oportunidade, já se dando por vencido, Nascimento Moraes registrou que:

O sr. Luiz Vianna [...] supondo que o Maranhão é habitado por imbecis, abriu as válvulas de seus ódios suspendendo o aluno Áppio Cláudio por um ano letivo, prejudicando ao mesmo aluno por ser este filho do prof. Nascimento Moraes, de quem o diretor do Liceu é inimigo pessoal.

[...] O aluno acusado acha-se no 5° ano do curso ginasial. O Senhor Luiz Vianna não ignora que o prof. Nascimento Moraes é homem pobre e que tem muitos filhos e luta, como se deve compreender, com dificuldades, para os educar. Teve, portanto, o diretor do Liceu, com este ato, duas intenções:

1º.. ferir o professor Nascimento Moraes no seu coração de pai. [2º].. prejudicá-lo, acarretando-o com maiores despesas para a educação dos seus filhos (Moraes, 1928e, p. 1).

Não se pode deixar de inferir que, naquela ocasião, as práticas discriminatórias se fizessem presentes no Liceu. Em geral, como em outras instituições inseridas em uma sociedade tradicionalmente racista, esperava-se que os negros ficassem restritos a uma posição de conformismo e subalternidade, sem direito a reagir e questionar; comportamentos rejeitados por Nascimento Moraes, desde o início da sua carreira, e provavelmente, também, pelo seu filho. Segundo Almeida (2019, p. 27):

A desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos.

Luiz Vianna, como desafeto do professor Nascimento Moraes, utilizou a sua posição de poder, dentro da instituição de ensino secundário mais importante do Maranhão, para ofender seu oponente, tirando Ápio da escola por um ano, por motivo incompatível com a penalidade. Havia um clima desfavorável ao menino negro, primogênito de um professor e jornalista já conhecido pelos enfrentamentos destemidos contra pessoas posicionadas nos espaços de poder.

Em outras ocasiões, paralelo à construção de sua carreira, Nascimento Moraes enfrentou diversas situações de racismo, como quando termos pejorativos variados lhes foram lançados, sobretudo quando do exercício do jornalismo de polêmicas. Em 1910, foi chamado de ‘alimária de dois sexos’, ‘negro e sujo’, ‘besta’, ‘burro’, ‘cavalo preto’, ‘pretinho pernóstico’, ‘urubu’ (Intervenção pacífica, 1910; Um Moraes imoral, 1910). Em outra destas situações, em 1923, é xingado de ‘animal de montaria’, ‘alimária’, ‘quadrúpede’ e ‘azêmola preta’ (Em torno da instrução, 1923, p. 1).

As práticas de discriminação contra Nascimento Moraes não ficaram restritas ao tom xingatório nos artigos de polêmica estampados nos jornais mas também se materializaram como violência física. Ataques físicos fizeram parte da vida do jornalista por muitas vezes. Declarou ter sofrido onze tentativas de homicídio (Masson, 1954), e quando denunciou, pela imprensa, a injustiça cometida pelo Inspetor dos exames federais que o resolveu excluir da banca de exames de Geografia, no ano de 1919, foi xingado, surrado com um cabo de uma bengala e ameaçado com revólver (Um facto lamentável, 1919). Quatro anos antes de morrer, Nascimento Moraes declarou: “Senti, na carne e na alma, o ódio dos poderosos, combati sempre os tiranos, com a arma de que dispunha: a pena” (Masson, 1954, p. 1).

Outros membros da família também não foram poupados de ataques físicos e ofensas racistas, a exemplo do que se sucedeu a José Alípio de Moraes Filho, primo do professor Nascimento Moraes, em 1938:

José Alípio de Moraes, residente à rua de Santana, 346, compareceu à 1ª Delegacia afim de comunicar que, ante-ontem às 21: 30 horas quando passava pelo prédio 245 à rua Cândido Ribeiro, pelo simples fato de dar boa noite a duas senhoritas, que se encontravam na janelado referido prédio, foi taxado ‘de negro saliente’, sendo agredido a ponta-pés, por dois rapazes que se encontravam na casa citada dos quais ignora os nomes. A autoridade tomou conhecimento da queixa e vai agir conforme o caso (Casos policiais, 1938, p. 3, grifo nosso).

José Alípio de Moraes Filho era da terceira geração da família, descendente do tio de Nascimento Moraes. A exemplo do pai, ele também foi músico com banda estabelecida, além de ter exercido, dentre outras, a carreira de professor de música. José Alípio pai também aparece em um jornal como vítima de violência física, ainda em tenra idade, em 1865, quando declara-se ter sido preso “Camillo Lellis, por ter espancado e ferido a José Alípio Moraes” (Estatística da cidade, 1865, p. 2). Embora não tenhamos identificado outras informações que expliquem o que desencadeou o ato de violência contra José Alípio pai, não seria de se estranhar que houvesse pouca tolerância para com rapazes negros libertos que transitavam nos meios culturais ocupados por outros jovens de ascendência familiar privilegiada. O nome de José Alípio Moraes sempre aparece entre outros de pessoas de poder econômico em festejos, compondo diretorias de irmandades, em listas eleitorais e em homenagem a autoridades políticas do período.

Em 1863, dois anos antes de ser surrado por ‘Camillo Lellis’, ele aparece como um dos membros do Sindicato dos Artistas inserido em um abaixo-assinado cujos assinantes declaravam valores a serem entregues ao presidente da província, o qual deveria repassar ao Imperador D. Pedro II, visando a contribuir com o pagamento da “[...] dívida pública externa do Estado” (Dívida pública externa..., 1863). Todos os indícios sobre o trânsito social de José Alípio Moraes demonstram que ele gozava de determinado nível de integração na sociedade da época e parecia não considerar que merecesse posição inferior, por se tratar de um homem escuro17.

Os atos até aqui descritos, executados contra membros da família Nascimento Moraes, podem ser interpretados como resultantes do racismo. Almeida (2019) considera que as práticas discriminatórias estão, por assim dizer, articuladas, no sentido mais amplo, ao racismo, enquanto processo em que “[...] condições de subalternidade e de privilégios se distribuem entre grupos, se reproduzem no âmbito da política, da economia e das relações cotidianas” (Almeida, 2019, p. 24). As interdições sociais impostas às pessoas negras no Brasil, sobretudo às de pele escura mais acentuada, concretizaram-se em todos os níveis das relações sociais, o que confirma a existência do racismo em dimensões estrutural, institucional e individual (Almeida, 2019).

Considerações finais

O jornalista e professor da Escola Normal e do Liceu Maranhense, José do Nascimento Moraes, foi o principal expoente de uma família negra com marcante participação na história da educação, do jornalismo e da literatura.

Nascimento Moraes sagrou-se no campo intelectual e, ao constituir seu núcleo familiar, legou aos seus filhos e filhas o caminho das letras, com inserção na docência, no jornalismo e na literatura. Todos os filhos de Nascimento Moraes trilharam os caminhos abertos pelo pai e absorveram a escolarização como ferramenta para manutenção de uma trajetória ascendente que a família vinha apresentando há duas gerações anteriores. Dos sete filhos mais conhecidos de Nascimento Moraes, pelo menos seis exerceram a carreira docente e dois tornaram-se destacados jornalistas, ocupando cadeiras da Academia Maranhense de Letras. O estudo demonstrou que, apesar do destaque de membros desta família no campo intelectual, não foram eximidos de enfrentamentos ao racismo.

Todas as situações descritas neste trabalho registram particularidades do processo de ascensão das camadas negras, nas quais se identificam a permanência de estratégias similares, tanto no século XIX quanto na primeira metade do século XX. Estratégias de embranquecimento e a adesão a projeto contínuo de escolarização, por gerações, foram recorrentes na história do Brasil. Contudo, no interior destas experiências, as barreiras impostas pelas práticas racistas se atualizam continuamente, demonstrando que não são suficientes o embranquecimento da pele, a escolarização e a mudança de classe social. Mesmo cumprindo todas as demandas enfocadas como elementos favoráveis à integração social dessas populações, as práticas discriminatórias são recorrentes, posto que se manifestam como rejeição da incidência das marcas de origem africana e como negação dos sujeitos de tal procedência.

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1Primeiro nome recebido pela rua Portugal, local onde se concentrava o mais antigo comércio de São Luís e o mais forte do século XIX (Lima, 2007), reunindo as principais firmas e fazendo parte do “[...] perímetro preferido pelas famílias de comerciantes, fazendeiros e altos funcionários” (Lacroix, 2020, p. 192).

2Escola criada em 1855, cujo objetivo principal da sua fundação era acolher meninas pobres da província e educá-las para o emprego doméstico, desempenhando o papel profissionalizante. Esta escola recebeu, entre suas alunas, tanto meninas negras, filhas de mulheres libertas, como meninas órfãs oriundas de famílias marcadas pelo rebaixamento de um padrão socioeconômico elevado. Tereza foi filha do alfaiate José Francisco Porciúncula e de dona Vitalina Rosa de Araújo Porciúncula, e sua mãe foi herdeira de um fazendeiro e proprietário de escravos.

3O Pensador: órgão dos interesses da sociedade moderna começou a circular em 10 de setembro de 1880, com saída três vezes ao mês, e encerrou em 30 de novembro de 1881. Tinha como editor Antônio Joaquim de Barros Lima e como redatores, além de Pacífico Cunha, Manuel de Béthencourt e Aluísio Azevedo.

4Da união de José Alípio com Tereza foram gerados treze filhos, os quais seguiram os caminhos da escolarização e acessaram diferentes ocupações consideradas bem-sucedidas, como dentista, advogado, músicos, funcionários públicos e professores. Da descendência do casal, José Alípio de Moraes Filho teve uma trajetória semelhante à do pai, e o seu filho, Jomar Moraes, foi membro da Academia de Letras, ocupando a presidência por um longo período, de 1984 a 2006.

5Jornal fundado em 30 de outubro de 1880 por Victor Lobato. Era propagandista da Abolição e da República e parou de circular em janeiro de 1881, voltando em abril do mesmo ano com novo formato. No ano de 1930, o jornal deixava de circular novamente, retornando somente em 1934 (Nascimento, 2007). Entre os redatores fundadores do Pacotilha estavam Aluísio Azevedo e Manuel de Béthencourt.

6Manuel de Béthencourt foi um português naturalizado brasileiro que atuou como jornalista, cronista, crítico literário e professor do Liceu Maranhense. Foi considerado uma importante referência entre a juventude maranhense do Liceu, no final do século XIX (Martins, 2002), do qual Nascimento Moraes foi discípulo e um dos seus últimos escrivães, trabalhando com o registro de texto ditados pelo mestre para serem publicados na imprensa.

7Informações do sítio da Academia Maranhense de Letras. Recuperado de: http://www.academiamaranhense.org.br/presidentes/.

8A escola Modelo Benedito Leite foi criada em 1898, mas só funcionou efetivamente a partir de 1900. Organizada segundo o modelo da graduação escolar, servia como espaço de prática de ensino para as normalistas, com base no método intuitivo. Foi a primeira escola graduada do estado do Maranhão, antes de ser iniciada a política de implantação de grupos escolares, em 1903. Os grupos escolares da capital do Maranhão foram extintos em 1912, depois de uma fase de precário funcionamento iniciada em 1903. Em 1919, por meio do Decreto 182, de 2 junho de 1919, foi estabelecida uma reforma do ensino primário que transformou as escolas isoladas da capital em grupos escolares (A reforma do ensino, 1919). O Grupo Escolar Almeida Oliveira foi uma escola pública estadual formada a partir da reorganização do ensino primário de 1919, na qual as escolas estaduais mistas foram transformadas em grupos escolares.

9Paulo de Tarso Moraes é professor e revisor de língua portuguesa, filho temporão de Paulo Augusto Nascimento Moraes. Em seu blog, faz constantes publicações e depoimentos que remetem à memória da família.

10O grego Ápio Cláudio (307 e 296 a.C.) foi político e cônsul, destacou-se como primeiro intelectual latino dedicado à atividade literária e interessado na filosofia. Recuperado de https://citacoes.in/autores/apio-claudio-cego).

11Destacada professora Normalista, filha também de um conhecido professor do período (Raimundo Cerveira), D. Zoé Cerveira esteve sempre muito próxima da família Nascimento Moraes. Foi aluna de Nascimento Moraes no curso Normal do Liceu Maranhense. Foi diretora da escola fundada por ela, em 1919, cujo nome homenageou seu pai, e aparece em companhia da sua aluna e sucessora na direção do Colégio Zoé Cerveira, a professora Nadir Adelaide, em muitos momentos flagrados pela imprensa da primeira metade do século XX. Morreu em 1957.

12Sobre os últimos filhos de Nascimento Moraes, dispõe-se de poucas informações. Sobre Talita, sabe-se que se tornou professora normalista formada pela Escola Normal Primária Rosa Castro, uma escola privada de São Luís, fundada em 1916; e sobre Raimundo, sabe-se, a partir de poucas citações sobre ele, que foi conhecido como ‘o matemático’.

13A mesma autora atribui o título de segunda esposa à Francisca da Graça Bogéa, em uma relação instituída após uma suposta separação entre Ana Augusta e Nascimento Moraes; contudo, as fontes trabalhadas até aqui indicam que não parece ter havido divórcio entre os dois. Embora não se possa descartar a coabitação de Nascimento Moraes com Francisca Bogéa, deve-se considerar que Ana Augusta foi considerada oficialmente sua esposa até o fim da sua vida, em 1958, conforme se constata entre as referências biográficas publicadas sobre ele no Pacotilha - O Globo (Maranhão..., 1958, p. 4).

14O jornal A Hora circulou de 1926 até o início de 1929. Nascimento Moraes era seu diretor, tornando-se, em 1928, também o seu proprietário. Este jornal não é encontrado digitalizado na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. O acervo físico consultado encontra-se na Biblioteca Pública Estadual Benedito Leite, localizada em São Luís do Maranhão.

15A aparência de Ápio pode ser observada em imagem publicada na época da sua colação de grau de Bacharel em Ciências e Letras, em 1929 (Os novos..., 1929).

16No ano de 1910, Nascimento Moraes participou de uma acirrada disputa via imprensa com o então Inspetor Geral da Instrução Pública, Antônio Lobo. Dentre os discípulos e apoiadores de Antonio Lobo, aparece Luiz Vianna, que também fica na mira de Nascimento Moraes. Os textos resultantes da polêmica, publicados por Nascimento Moraes no jornal Correio da Tarde, originaram o livro Puxos e repuxos (Moraes, 1910).

17Concluo que José Alípio era um homem escuro, tendo em vista sinais da dominância desta característica identificados em dois de seus filhos: José Alípio Filho, foi xingado de ‘negro saliente’ por pessoas desconhecidas dele; Raul Porciúncula de Moraes, formado em Odontologia, teve uma fotografia estampada no A Hora (O gabinete cirúrgico..., 1928), na qual se identifica as marcas carregadas de sua negrura.

Rodadas de avaliação: R1: três convites; duas avaliações recebidas

69Como citar este artigo: Cruz, M. S. Erudição e racismo na trajetória ascendente de uma família negra do Maranhão. (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e211 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 19 de Outubro de 2021; Aceito: 29 de Março de 2022; Publicado: 01 de Julho de 2022

*Autor para correspondência: E-mail:euluena@hotmail.com.

Mariléia dos Santos Cruz cursou Pedagogia na Universidade Federal do Maranhão (1992-1996), Mestrado (1998-2000), Doutorado (2005-2008) e Pós-Doutorado (2013-2014) em Educação na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Leciona história da educação brasileira no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão. É docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Gestão do Ensino na Educação Básica- PPGEEB/UFMA. Pesquisa história da educação das populações negras e história da educação maranhense e coordena o grupo de pesquisa Cultura escolar, práticas curriculares e história da disseminação dos saberes escolares- CEPCHSAE. E-mail: euluena@hotmail.com https://orcid.org/0000-0002-2688-7653

Editores-associados responsáveis: Adlene Arantes E-mail: adlene.arantes@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7007-0237

José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Surya Aaronovich Pombo de Barros E-mail: surya.pombo@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7109-0264

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