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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.22  Maringá  2022  Epub 01-Maio-2022

https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e217 

Dossiê

Escola noturna ‘O Exemplo’: educação e emancipação dos trabalhadores na imprensa negra do pós-abolição (Porto Alegre, Rio Grande do Sul)

Night school ‘O Exemplo’: education and emancipation of workers in the post-abolition black press (Porto Alegre, Rio Grande do Sul)

Escuela nocturna ‘O Exemplo’: educación y emancipación de los trabajadores en la prensa negra post-abolición (Porto Alegre, Rio Grande do Sul)

Melina Kleinert Perussatto1 
http://orcid.org/0000-0001-9356-5956

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.


Resumo:

O artigo analisa o projeto de escola noturna defendido entre 1902 e 1904 pelo O Exemplo para identificar estratégias de efetivação do projeto político do referido jornal da imprensa negra e articulações entre educação e emancipação na construção de lutas políticas no pós-abolição. Especificamente, aborda as críticas ao projeto republicano em implementação, as conexões entre as agendas negras e operárias, os diálogos afrodiaspóricos e a participação feminina. Utiliza a perspectiva da história social, e O Exemplo é a principal fonte de análise. A escola noturna não se materializou, mas seu projeto e debate registram a agência de trabalhadores negros na construção da educação popular e sua valorização histórica nos projetos de emancipação negra.

Palavras-chave: educação popular; projetos negros; racismo; Primeira República

Abstract:

The article analyzes the night school project defended between 1902 and 1904 by O Exemplo to identify strategies to implement the political project of that black newspaper and articulations between education and emancipation in the construction of political struggles in the post-abolition. Specifically, the article focused on criticism of the republican project that was being implemented, the connections between black and working-class agendas, afro-diasporic dialogues, and female participation. It uses the perspective of social history and O Exemplo is the main source of analysis. The night school did not materialize, but its project and discussion record the agency of black workers in the construction of the popular education and its historical valorization in the projects of black emancipation.

Keywords: popular education; black projects; racism; First Republic

Resumen:

El artículo analiza el proyecto de escuela nocturna defendido entre 1902 y 1904 por O Exemplo para identificar estrategias de implementación del proyecto político del mencionado periódico negro y articulaciones entre educación y emancipación en la construcción de luchas políticas en el período post-abolición. Específicamente, aborda las críticas al proyecto republicano que se estaba implementando, las conexiones entre las agendas negras y obreras, los diálogos afrodiaspóricos y la participación femenina. Utiliza la perspectiva de la historia social y O Exemplo es la principal fuente de análisis. La escuela nocturna no se concretó, pero su proyecto y debate registran la agencia de los trabajadores negros en la construcción de la educación popular y su valor histórico en los proyectos de emancipación negra.

Palabras clave: educación popular; proyectos negros; racismo; Primera República

Introdução

Escola Noturna ‘O Exemplo’ - Visando o levantamento intelectual das classes desprotegidas, resolvemos criar nesta capital uma escola noturna que, franqueada à frequência dos trabalhadores, possa servir para melhorar o estado intelectual dos nossos irmãos (Escola..., 1902, p. 4 do autor).

O anúncio apresenta-nos o projeto de escolarização noturna para trabalhadores idealizado pelo grupo de intelectuais do jornal O Exemplo, periódico da imprensa negra de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Os proponentes militavam em associações de classe e/ou raça e, nos diversos escritos sobre o projeto em tela, evidenciavam as articulações entre lutas negras e operárias no alvorecer do novo século, bem como diálogos afrodiaspóricos na busca pela efetiva emancipação. As discussões perduraram por algumas edições, mas o projeto intitulado Escola Noturna O Exemplo foi perdendo o fôlego e não existiu para além das páginas do periódico.

A baixa aderência da audiência e a escassez de recursos e investimentos para a sua materialização foram apontadas como as principais causas de seu fracasso e informam tanto a precariedade das condições de vida da população negra quanto a posição do estado diante das demandas populares. A esse despeito, a intenção de criação da escola noturna torna-se, por si só, um importante registro de um projeto negro e popular crítico ao projeto republicano em implementação e protagonizado por trabalhadores, visando à emancipação de sua classe via educação. Disputavam, pois, sentidos de liberdade, trabalho, educação e cidadania.

Embora o anúncio não grifasse a articulação entre raça e classe, ela fica sugerida na expressão ‘nossos irmãos’ e confirma-se na leitura ampliada das discussões em torno do projeto no jornal. No manifesto de refundação, publicado na mesma edição, reafirmou-se que O Exemplo era ‘um jornal destinado à defesa dos oprimidos’ e que seu título era ‘coerente com a norma de conduta que temos traçado - Educar pelo exemplo’. Por isso, desejavam “[...] reunir toda essa classe de homens de cor preta, de infelizes trabalhadores, alquebrados ao peso do labor e amesquinhados pela ação dos preconceitos” (O Exemplo, 1902, p. 1). Assim, na expressão ‘trabalhadores’, não apenas incluíam a população negra como também demarcavam as especificidades da exploração e opressão por ela vivenciada no mundo do trabalho. Era, ainda, uma forma de afirmar a condição trabalhadora da população negra no pós-abolição.

Assim, analisamos a proposta intitulada Escola Noturna O Exemplo para identificar estratégias de efetivação do projeto político do referido jornal da imprensa negra, bem como articulações entre educação e emancipação na construção de lutas políticas no pós-abolição. Para isso, focamos as críticas ao projeto republicano em implementação, as conexões entre as agendas negras e operárias, os diálogos afrodiaspóricos e a participação feminina. Amparamo-nos na perspectiva da história social e elegemos O Exemplo como fonte e objeto de análise. Secundariamente, utilizamos o jornal A Federação, órgão do partido que governava o estado na época, jornais e estatutos de associações operárias, relatórios governamentais e dados de recenseamentos.

Na primeira parte, situamos o artigo e apresentamos O Exemplo. Na segunda, adentramos nas críticas ao projeto político republicano em implementação no estado e introduzimos o projeto de escolarização noturna. Na terceira, conectamos as lutas negras e operárias e os diálogos afrodiaspóricos na construção de estratégias de mobilização. Por fim, discutimos a presença feminina no debate. Embora não tenha se materializado, dentre outros aspectos, argumentamos que a proposta em tela e seus desdobramentos informam sobre a agência de trabalhadores negros na construção da educação popular e sua valorização histórica nos projetos de emancipação negra.

O Exemplo: educação e emancipação no pós-abolição

Para além de um recorte cronológico, compreendemos o pós-abolição como um campo de estudos centrado nos problemas da liberdade e da cidadania oriundos do racismo e dos processos de racialização, bem como nos protagonismos, lutas e (re)existências da população negra e sociedades saídas da escravidão (Rios & Mattos, 2004). Embora o marco da Abolição registre importantes conquistas e rupturas, o referido campo abriga não apenas o seu contexto, mas também os processos de emancipação protagonizados por sujeitos negros desde a escravidão até a atualidade. Abrange ainda a diáspora negra, ou seja, o conjunto de experiências compartilhadas de desenraizamento e de construção de identidades e culturas negras no Atlântico por africanos e seus descendentes (Gilroy, 2002)1.

Nessa perspectiva, a emancipação não é apenas a saída da escravidão, mas, sobretudo, o resultado das lutas protagonizadas por sujeitos negros em busca da substantivação da liberdade e da cidadania em sociedades racializadas. Vale salientar que, no alvorecer do século XIX, o Brasil possuía o maior contingente populacional negro livre ou liberto nas Américas e que, a partir de meados daquele século, a maioria da população negra do país estava fora da escravidão. As interdições do racismo à liberdade e à cidadania negra eram, pois, questões enfrentadas desde antes da Abolição e ganharam contornos específicos após este marco (Pinto, 2018).

Um dos contornos refere-se ao fato de a população negra ter sido considerada trabalhadora por excelência no mundo do trabalho escravizado, mas não no livre.2 Concorreu para isso a articulação das teorias raciais e do branqueamento com os projetos de imigração europeia na construção do projeto de nação em curso e, por consequência, nas expectativas acerca da identidade e das feições de seu povo. Dessa forma, mobilizamos a categoria racialização para analisar como as ideias de raça foram colocadas em movimento no cotidiano das relações sociais. Ou seja, para além dos sentidos conferidos por autoridades, elites e intelectuais dos grandes círculos científicos, interessa-nos, sobremaneira, aqueles atribuídos pelas pessoas comuns (Albuquerque, 2009; Rosa, 2019).

O vertiginoso crescimento populacional registrado em Porto Alegre entre as décadas de 1870 e 1910 (de 43.998 para 130.227 habitantes) associou-se à modernização econômica industrial fomentada pelo desenvolvimento das regiões coloniais alemãs, sobretudo São Leopoldo, que trouxe consigo um significativo afluxo de imigrantes e seus descendentes para a capital (Fortes, 2004). Em 1890, 69,5% da população sul-rio-grandense foi qualificada como branca, 12,5% como preta, 15,5% como parda e 1,5% cabocla (Brasil, 1898). Em 1900, 88,2% eram nacionais, 11,3% estrangeiras e 0,5% com origem ignorada (Rio Grande do Sul, 1981).

Na capital, cujos dados demográficos se assemelhavam aos do estado, é possível notar a dimensão profundamente racializada e racista dessas transformações. Conforme Marcus Vinícius de Freitas Rosa (2019), elas se mesclaram com os referidos projetos de construção da identidade do povo sul-rio-grandense e impactaram profunda e negativamente as condições de vida, moradia e trabalho da população negra. Ademais, além do poder público e das elites, trabalhadores brancos, imigrantes, também manejavam a racialização na busca por vantagens, contribuindo para que regiões densamente povoadas por pessoas negras, como a extinta Colônia Africana e a Cidade Baixa, fossem embranquecidas (Rosa, 2019). Elas, contudo, não foram passivas. Conforme Liane Müller (2013) e Beatriz Ana Loner (2016), o fato de ser minoria numérica intensificou a necessidade de união em todo o estado, o que se expressa na existência de diversas associações e de dois dos jornais mais longevos da imprensa negra brasileira, a saber, O Exemplo (1892-1930), de Porto Alegre, e A Alvorada (1907-1965), de Pelotas.

O jornal O Exemplo surgiu nessa conjuntura e, com o lema ‘propriedade de uma associação’, colocou-se como órgão de defesa de sua classe na luta por direitos e em oposição aos “[...] doutrinários que julgam o homem pela cor da epiderme” (O Exemplo, 1892, p. 1). Assim, contrariando as teorias raciais em voga, denunciavam práticas racistas e visibilizavam as qualidades e capacidades morais e intelectuais das pessoas negras, convocando-as a credenciarem-se nas cruzadas pela inteligência. Instruir-se e educar-se eram, pois, fundamentais para a contestação das teses sobre a inferioridade racial negra como elemento inato. Para O Exemplo, a situação de inferioridade da população negra era fruto de decisões políticas, bastando-lhe oportunidades educacionais e proteção do estado para mostrar seus talentos e virtudes.

Naquele contexto, a instrução correspondia ao aprendizado das habilidades de leitura, escrita e cálculo, bem como de algum ofício, enquanto a educação a aprendizados morais e religiosos. As fronteiras entre elas, no entanto, se confundiam no cotidiano e, com o avançar dos processos de escolarização, a educação passou a abrigar a instrução (Schueler, 1997). Em 1890, o Rio Grande do Sul (25%) e sua capital (42%) registravam bons índices de alfabetização diante da realidade do país (18%). Os dados não foram discriminados por cor ou raça, mas, conforme sugerido pelas denúncias em O Exemplo, é bastante provável que a população não branca fosse a menos alfabetizada e, por consequência, a mais afetada pelos males da ignorância.

Durante a primeira fase (1892-1897), o foco do periódico recaiu sobre a denúncia da persistência do racismo escolar nos tempos da liberdade e sobre a cobrança do cumprimento da lei perante o estado, visto que a Constituição3 assegurava o acesso à escolarização primária, sem registrar discriminação de cor ou raça. Depois de 194 edições, o periódico encerrou seus trabalhos em janeiro de 1897 diante das precárias condições de manutenção. Seu projeto, contudo, seguiu vivo e, em outubro de 1902, foi refundado. Dentre as mudanças, estava a adoção de uma postura mais propositiva, como é o caso do projeto de escolarização em tela. Em suma, a luta por educação e o combate ao racismo eram centrais no programa de O Exemplo desde sua fundação em 1892 até a sua extinção em 1930. Registrou quase mil números, entre intervalos e renovações, e abrigou diversas pessoas em sua redação (Pinto, 2010; Santos, 2011; Perussatto, 2018; Rosa, 2019; Ribeiro, 2020).

Em comum, há o fato de as pessoas que confluíram para o jornal serem letradas, e não apenas alfabetizadas, e majoritariamente homens negros. Especificamente, o grupo que refundou o periódico em 1902 era encabeçado por Esperidião Calisto (nascido em 1864), cirurgião-barbeiro e integrante do grupo fundador; Tácito Pires (1874-1939), tipógrafo com ampla militância em organizações e jornais socialistas; e Vital Baptista (nascido em 1876), alfaiate e com passagem por ao menos uma organização. Os dois primeiros eram os editores e o último, gerente. Ao contrário dos demais fundadores, Calisto deslocou-se para os arrabaldes da cidade, em regiões densamente povoadas por trabalhadores negros, o que fortaleceu sua aliança com os militantes socialistas Pires e Baptista (Perussatto, 2018, 2021; Rosa, 2019).

Assim, dentre outras coisas, concorreram para a formação do grupo de O Exemplo as experiências do racismo, inclusive no espaço escolar (Perussatto, 2021). Especificamente no período abrangido pelo artigo, o estreitamento do vínculo do jornal com as lutas operárias, expressas ainda na substituição do lema por ‘jornal do povo’ (O Exemplo, 1902), é outra evidência dos interesses comuns entre Calisto, Pires e Baptista. Aproveitamos esse ponto para explicitar a importância da perspectiva da história social, sobretudo amparada em E. P. Thompson, em nossa análise.

O conceito de experiência, por exemplo, auxilia-nos a identificar as relações dos sujeitos com as estruturas. Por isso, a agência, ou seja, a capacidade de intervenção humana em situações aparentemente dadas, não é totalmente livre, pois as pessoas “[...] experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidade e interesses e como antagonismos e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua ‘consciência e cultura’” para, então, agirem (ou não) (Thompson, 1981, p. 189, grifo do autor).

Assim, atentando para as experiências, compreendemos O Exemplo como um jornal negro e operário desde sua gênese, em 1892, visto que jornais da época o adjetivaram como jornal de proletários. Aqui, vale ressaltar que, a despeito de seu grupo contar com funcionários públicos e descreverem-no como um jornal crítico, literário e noticioso, isso não foi suficiente para retirá-los da subalternidade implícita do adjetivo ‘proletário’ (Perussatto, 2018). A proposta de escolarização noturna, dessa forma, torna-se uma expressão da indissociabilidade histórica e analítica dos marcadores de classe e raça na produção de desigualdades e conflitos, bem como de lutas e solidariedades no pós-abolição. Isso também foi notado em jornais da imprensa negra de outras localidades que compartilhavam, ainda, a produção de visibilidades positivas e afirmativas sobre a população negra e sua condição trabalhadora, além da agenda de lutas por liberdade e cidadania na tentativa de disputar e redefinir as regras do jogo republicano (Gomes, 2005; Pinto, 2010; Loner, 2016)4.

O Exemplo já foi fonte e objeto de diversas pesquisas e Liane Müller (2013) foi a primeira a apresentar a escola noturna. Em sua dissertação de mestrado, defendida em 1999, inseriu o jornal em uma longa tradição associativa negra de Porto Alegre, que remonta à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário fundada no final do século XIX, articulando as lutas por educação promovidas pelas sociedades negras com as legislações provinciais. Forneceu, pois, bases para que pesquisas subsequentes aprofundassem a valorização história da educação nas lutas negras pela conquista e qualificação da liberdade, da cidadania e do trabalho5.

Na história da educação, destacamos a pesquisa pioneira de Eliane Peres (2002) sobre o tema da escolarização da população negra no Rio Grande do Sul. Dentre outros aspectos, demonstrou as conexões entre instrução e trabalho na construção do projeto emancipacionista pelas elites pelotenses por meio da criação de aulas noturnas na Biblioteca Pública em 1875, que existiram até 1915. Em específico, a presença de futuros fundadores do jornal A Alvorada em 1907, em seus bancos, exemplifica a mobilização da instrução popular nas agendas negras e operárias. Semelhantemente a O Exemplo, o periódico pelotense lutava por educação e contra o racismo (Loner, 2016).

Ainda nessa área, as pesquisas de mestrado de Norma Corrêa (1987) e de Maria Stephanou (1990) destacaram as lutas operárias e populares por educação, bem como os enfrentamentos ao projeto educacional burguês na instalação da República. Os sentidos políticos atribuídos por trabalhadores à educação, as tensões entre correntes do movimento operário com o estado na oferta de escolas para trabalhadores e a criação de espaços formativos, como era o caso da imprensa, foram discussões ampliadas em pesquisas desenvolvidas na história social do trabalho6.

Além da escola, portanto, o trabalho, a família, a comunidade e a vida associativa concorriam para o aprendizado, para a construção de identidades e para a formação de classe (Bertucci, Faria Filho, & Oliveira, 2010, p. 11-12; Costa, 2019); e a luta pelo direito à educação também integrava o repertório de organizações negras desde antes da Abolição (Fonseca & Barros, 2016; Domingues, 2013).

Escolarização noturna e instrução popular na instalação da república sul-rio-grandense

Na presente seção, adentraremos nas disputas em torno da instrução pública na instalação do sistema republicano no Rio Grande do Sul, sob o comando de Júlio Prates de Castilhos, do Partido Republicano Riograndense (PRR), principalmente no que se refere à instrução popular e à escolarização noturna de trabalhadores. Conforme o editorial ‘Nossa escola’, de 12 de outubro de 1902, a instrução seguia como uma “[...] das principais carências no nosso meio social [...]”, agravada pelo fechamento do único curso noturno existente na capital7. Apesar de ter sido voltado à formação de “[...] soldados dedicados [...]” à defesa do Imperador, ao menos foi útil para que trabalhadores pobres alcançassem “[...] conhecimentos bem úteis, bem adiantados [...]” e conseguissem brilhar “[...] pelos seus conhecimentos [...]” e até mesmo ingressar no funcionalismo público (Nossa escola..., 1902, p. 1).

Um mês depois, reforçaram que, em detrimento da “[...] instrução das classes proletárias [...]”, nenhuma das setecentas escolas mantidas pelo estado oferecia a modalidade noturna (Ateneu popular, 1902, p. 1). Eis aí, portanto, a posição do estado perante a instrução popular e os sentidos atribuídos pelos trabalhadores a ela. Ou seja, embora cientes dos planos das autoridades e elites, os conhecimentos adquiridos nos cursos noturnos fomentavam seus projetos de vida e emancipação.

Calcada no ideário positivista, a ordem castilhista possuía um repertório específico a ser ensinado aos futuros cidadãos, qual seja, a perspectiva científica e os valores ligados ao progresso, à cultura e aos grandes vultos do passado, tornando-se a escola seu espaço de sua disseminação por excelência (Corsetti, 2007). Na reforma de ensino de 1897, ratificou-se a importância da instrução pública na consolidação da hegemonia positivista, estreitando os vínculos entre a moral positivista com a educação (Pesavento, 1990).

A Constituição sul-rio-grandense obrigava o estado a oferecer apenas a instrução primária, franqueando à livre iniciativa os níveis secundário e superior, o que contribuía para que as escolas emulassem as desigualdades sociais. O público atendido pelas escolas estaduais era composto por pessoas das camadas médias e baixas, enquanto os filhos das elites estudavam na Europa com subsídios do estado ou, então, em escolas privadas. O currículo assentava-se nas disciplinas de trabalhos manuais, escrituração mercantil e escrituração agropecuária, visando a prepará-los “[...] para o mundo do trabalho, nos limites das condições sociais que os caracterizavam [...]”, e a incutir-lhes a “[...] valorização da propriedade privada e do capital” (Corsetti, 2007, p. 306-308).

Nesse sentido, abandonar os tempos monárquicos em direção a uma sociedade moderna, progressista e igualitária não significava, para os republicanos, repudiar o racismo. Em 1895, por exemplo, João Abbott, Secretário de Estado dos Negócios do Interior e Exterior, apresentou ao Presidente do Estado uma solução para cessar a continuidade da escravidão através da manutenção da tutela das crianças nascidas de ventre livre pelos antigos senhores de suas mães: tornar o estado tutor dessas crianças. Para tanto, defendia a necessidade de criar-se uma escola correcional para abrigar, ensinar e educar os “[...] menores vadios, vagabundos e desvalidos [...]”, evitando assim males futuros e preparando os futuros cidadãos (Relatório..., 1895). Esse pensamento sintetiza de muitas formas o olhar dirigido sobre a população negra, e era contra ele que O Exemplo também se erguia.

O jornal A Federação, do PRR, argumentou que o fechamento do curso noturno provincial criado no Império não era um descaso do poder público com a instrução popular, conforme acusavam os oposicionistas liberais reunidos no jornal A Reforma. Relacionava-se com justiça, pois, em que pese a importância da causa, o estado não poderia continuar subvencionando apenas os dois cursos existentes no Rio Grande do Sul, a saber, em Porto Alegre e São Gabriel (A Federação, 1890). Ou seja, ao invés de incentivar e subsidiar a ampliação da instrução popular e de cursos noturnos pelo estado, o governo decidiu resolver a questão extinguindo os existentes. Por isso, mais do que um abandono do estado, o fechamento do curso e o corte de investimentos na instrução popular eram partes constitutivas do projeto político republicano em implementação.

As críticas e denúncias também pululavam nos jornais operários, seja em relação à situação das crianças desassistidas, às farsas dos cursos preparatórios ou ao investimento do dinheiro público em atividades culturais da elite em detrimento da instrução popular. Em 1898, o periódico operário A Gazetinha clamava por investimentos na formação de professores e dos filhos dos operários para a cidadania, destacando os efeitos nocivos da ausência de obrigatoriedade e da distinção de saberes entre as escolas públicas e particulares (Pesavento, 1990). Isso ocorria porque, a despeito do registro de um maior investimento na instrução pública, as leis facultavam o emprego dos recursos destinados à educação em outros setores, dissimulando o efetivo valor gasto com esse setor. O recrudescimento da desvalorização do professorado, desse modo, guarda íntima relação com a feição popular da instrução pública (Corsetti, 2007).

A desobrigação da oferta dos outros níveis de ensino pelo estado fortaleceu as iniciativas privadas. Desde o Império, diversas entidades atuavam na instrução popular, como era o caso do curso noturno secundário da Sociedade de Beneficência União, de 1867, e do curso noturno pago da Sociedade Partenon Literário, entre 1872 e 1885. Já no cenário republicano, em 1895, a escola noturna Instrução e Trabalho, vinculada à maçonaria, oferecia aulas noturnas gratuitas. Não temos certeza, mas é bastante provável que guardasse relações com o extinto curso do Partenon Literário, dado que o nome da escola foi grifado na pedra fundamental da entidade lançada em 1884. Havia ainda outros cursos noturnos pagos no final do século XIX e voltados especialmente para a escrituração mercantil e oferecidos por associações comerciais (Perussatto, 2018).

Além da denúncia, organizações da classe trabalhadora se organizaram para oferecer cursos noturnos aos seus. Em julho de 1889, durante as comemorações de seu aniversário, a Sociedade de Beneficência União Operária inaugurou sua escola noturna e em setembro do mesmo ano seus sócios foram publicamente avisados sobre alterações no horário das aulas noturnas de primeiras letras, português, desenho e música (A Federação, 1889a). Ainda naquele ano, promoveram um bazar para subsidiar a manutenção da escola e a criação de uma biblioteca (A Federação, 1889b). Além disso, sociedades negras também criaram espaços instrutivos em suas sedes, sem contar com apoio ou subvenção estatal (Müller, 2013; Pereira, 2007).

Assim, a despeito das expectativas de autoridades e elites expressas na escolarização formal, inclusive na sua precarização, para trabalhadores negros e não negros, a instrução era uma forma de qualificação para o exercício da cidadania e para a inserção no mundo do trabalho. Como ressaltado em O Exemplo, trabalhadores que estudaram no curso noturno provincial inseriram-se no funcionalismo público, um espaço profissional muito almejado porque, dentre outros motivos, oferecia melhores remunerações, dignidade, reconhecimento da capacidade cognitiva, inserção, mobilidade e prestígio social. A inserção no setor público concorria, ainda, para o projeto político do jornal, pois produzia visibilidades negras afirmativas e positivas, além de proporcionar a inserção nas instituições. Dentre os oito fundadores de O Exemplo, aliás, havia dois funcionários públicos, mas, com o passar dos anos, todos eles se inseriram nesse segmento (Santos, 2011; Perussatto, 2018; Rosa, 2019).

O regulamento da Escola Noturna O Exemplo espelhava o projeto político do periódico. No primeiro artigo, por exemplo, estava a concepção de educação democrática, amparada na interpretação de seus autores dos princípios liberais republicanos de igualdade, liberdade e fraternidade: “Serão admitidos à frequência das aulas todos os indivíduos, independentemente de cor, sexo, nacionalidade, princípios religiosos ou profissão” (Nossa escola..., 1902). Ou seja, a escola seria um espaço de repactuação social, livre dos preconceitos e discriminações denunciados em suas páginas e vivenciados cotidianamente por trabalhadores negros e não negros.

O regulamento reforçou, também, outros aspectos importantes para o projeto de O Exemplo, com a defesa de premissas contidas na Constituição castilhista. A laicidade do ensino era, pois, fundamental para o enfrentamento da manutenção do catolicismo no currículo escolar, enquanto a gratuidade era uma forma de garantir a presença do maior número de pessoas em uma escola de qualidade. Ademais, as únicas formas de punição seriam a suspensão e a expulsão, em detrimento dos castigos físicos, e exigia-se seriedade e respeito. Certamente contribuiu para o desejo de rompimento com os resquícios da dominação escravista sobre os corpos negros no ambiente escolar toda a sorte de experiências de violência vivenciadas ou partilhadas pelos autores, dentro e fora dos espaços escolares, e pela população negra em geral.

Sobre a organização do ensino, as aulas funcionariam entre às oito e às onze horas da noite, e o ensino seria dividido em primário, médio e secundário. O primário possuiria três classes, com diferentes conhecimentos sobre leitura, escrita e aritmética, e a gramática seria acrescida à última classe. Já a divisão média seria composta por duas classes, abrangendo português, gramática, aritmética, geometria prática e geografia; com o acréscimo das ciências à segunda classe. Assim, a escola proporcionaria conhecimentos que não lhes eram ofertados nas escolas regulares. Embora o ensino secundário não fosse oferecido imediatamente, proporcionaria o estudo de línguas e matemática, visando à formação para os exames preparatórios e ao ingresso nos cursos superiores.

Em Porto Alegre, já existiam a Faculdade de Medicina, onde também havia o curso de Farmácia e Odontologia, a Faculdade de Engenharia e a Faculdade de Direito. Esta contou com Aurélio Viríssimo de Bittencourt Júnior em seu quadro fundador, formado em Direito pela Faculdade de São Paulo em 1896 e autor do manifesto de fundação de O Exemplo. Em 1902, Arthur Ferreira de Andrade, primeiro editor do periódico, ingressou no curso de Direito da capital (Perussatto, 2018). A existência dos cursos e a presença desses sujeitos em seus bancos seguramente ampliavam o horizonte de possibilidades de inserção profissional, de melhoria nas condições de vida e de conquista de respeitabilidade e outras ferramentas para a emancipação.

Além disso, a alfabetização aumentava as possibilidades de participação política. Cerca de 1% da população brasileira integrava esse seleto grupo, com significativa participação popular e negra em todo o país (Pinto, 2018). Em Porto Alegre, temos uma amostra a partir da presença dos três refundadores do jornal em alistamentos eleitorais: “Esperidião Calisto, 29 anos, filho de C. [Calisto] F. [Felizardo] de Araújo, solteiro, operário8” (A Federação, 1895); “Tácito Pires, 25 anos, filho de C. [Clemência] Pires, solteiro, tipógrafo” (A Federação, 1899); e “Vital Baptista, 24 anos, filho de V. Baptista, solteiro, alfaiate” (A Federação, 1900).

Escola noturna ‘O Exemplo’ e a emancipação dos trabalhadores: educação e trabalho no pós-abolição

Embora as pessoas negras tenham sido trabalhadoras por excelência no contexto escravista, precisaram afirmar-se como tal frente às tentativas de embranquecimento da identidade dos trabalhadores e do mercado de trabalho após 1888 (Nascimento, 2016). A negação de tal condição impactava diretamente o reconhecimento de direitos de cidadania. Assim, considerando O Exemplo um jornal negro e operário, trataremos, nesta seção, das vinculações entre as lutas negras e operárias, bem como dos diálogos afrodiaspóricos na construção de projetos de emancipação, sobretudo diante das articulações entre educação e trabalho.

Como já apontado, se nos primeiros tempos os jornalistas de O Exemplo nutriam esperanças quanto à efetiva democratização do ensino sob a égide do estado, a virada do século marcou o recrudescimento dos tensionamentos. Mais do que denunciar o caráter deficitário da instrução pública e as práticas racistas no cotidiano escolar, foram propositivos e apresentaram um projeto de instrução popular que carregava consigo um projeto de República, de nação, de emancipação dos trabalhadores.

O estreitamento de O Exemplo com as lutas operárias decorreu da aproximação do fundador Esperidião Calisto com Tácito Pires e Vital Baptista, antigos integrantes da Liga Operária Internacional fundada em 1895 em Porto Alegre. Em sua fundação, Pires foi eleito seu vice-presidente e, em 1899, Baptista foi eleito segundo tesoureiro. Como mais um importante indício da presença negra dentre as lideranças do movimento operário da capital, temos o fato de Francisco Xavier da Costa, igualmente negro e tipógrafo, ter sido eleito presidente na mesma gestão de Pires (Schmidt, 2004).

No primeiro artigo do estatuto da Liga, registrou-se o objetivo de os socialistas reunirem os trabalhadores e proteger seus associados, bem como contribuírem com “[...] a educação dos filhos dos trabalhadores, por meio de aulas noturnas que a associação criará”. Estabeleceu-se a ‘Caixa de Propaganda e Instrução’ para a arrecadação de fundos via “subscrições e quermesses operárias, donativos de todos os meios que a sua administração e acordo com a assembleia-geral julgarem convenientes” (Estatutos..., 1992).

Em 1897, o Manifesto do Partido Socialista, subscrito por Xavier da Costa, Tácito Pires e outros homens de sobrenome teuto (Petersen, 2001, p. 100), foi um pouco mais detalhado, sugerindo avanços na discussão sobre a oferta de instrução, que seria “[...] geral e profissional gratuita”. Do estado esperavam apenas o custeio dos materiais de estudo, do vestuário e da alimentação dos “[...] filhos da classe pobre” (Manifesto..., 1992). O documento registrou ainda que o socialismo “[...] é contra o ódio das raças [...] ”, evidenciando não apenas a existência de militantes negros mas também do debate racial no interior das organizações operárias.

Os trânsitos e trocas ficam nítidos nas estratégias de propaganda da Escola Noturna O Exemplo e no desejo de moralizar a classe. O editorial ‘Nossa Escola’ (1902) manifestou a preocupação com a situação do público específico que pretendiam atender:

Os nossos homens, nascendo enfaixados na necessidade, nas privações de todo o confortável, de todo o útil, de todo o indispensável a uma vida regular, são desde muito novos atirados às oficinas, aos braços do trabalho [...]; Noutro [sic] tempo, ao vermos um menino que na noite intelectual da oficina se perdia, restava-nos o consolo de pensar que mais tarde com um pouco de trabalho, um pouco de concentração ao estudo poderia adquirir parte do que poderia ter ganho em uma escola: hoje, porém, dói-nos imenso!... vemo-lo um homem perdido para a instrução e consequentemente para a sociedade, para a ciência para a arte mesmo que cultivar, porque nunca será perfeito artífice.

Os jornais operários também defendiam a necessidade de inserir e manter as crianças nas escolas e denunciavam sua vulnerabilidade e as condições precárias dos pais para sustentá-las e protegê-las da exploração do trabalho ou mesmo do abandono (Pesavento, 1990). Assim, contra o embrutecimento provocado pelo trabalho, e distanciando-se de projetos correcionais defendidos pelo poder público, era urgente proporcionar-lhes aprendizados condizentes com a infância e possibilidades de um futuro melhor.

Dois meses depois, o projeto foi renomeado de ‘Ateneu Popular’ e reafirmou-se a intenção de proporcionar um melhor ‘destino social’ às crianças. Buscava-se, também, promover o ‘levantamento’ intelectual e moral da classe, em especial dos adultos, estancando os males morais de “homens atirados à noite da ignorância, não encontrando melhores diversões que as tavernas e os bordéis”. A ignorância gerava os vícios que geravam a criminalidade. Ou seja, “[...] sem o escudo da instrução para defendê-los dos golpes de desejos imoderados, sem o conhecimento dos deveres que ponham freio aos assomos de sua animalidade, cometem os atentados ao pudor, o lenocínio, o roubo” (Ateneu popular, 1902).

Assim, considerando que a escola exerce “[...] papel fundamental na organização social da cultura [...]” e produz sujeitos (Bertucci et al., 2010, p. 51), havia a intenção de controlar o tempo livre do trabalhador e melhorar seu comportamento e conduta por meio da escolarização noturna. A partir do socialismo difuso de Xavier da Costa e de outros contemporâneos, Benito Schmidt (2004) observou uma forte presença da moralidade no movimento operário. Na prática, a confiança na ciência e na técnica como soluções para os males da humanidade se articulava à necessidade de regenerar moralmente a sociedade, levando a uma condenação maior dos males morais do que propriamente dos efeitos econômicos do capitalismo.

Nessa perspectiva, apesar de o uso genérico do termo ‘trabalhador’ sugerir que o foco estava na totalidade, outros indícios apontam que a escola noturna concorreria para a construção de uma nova imagem do trabalhador negro. Assim, além do conteúdo registrado no manifesto de refundação apresentado na introdução do artigo, a mesma edição publicou a história de vida de Booker Taliaferro Washington (1856-1915). Embora a “[...] circulação de informações na diáspora negra [...]” tenha se ampliado somente nas décadas de 1920 e 1930, com efetivas trocas entre jornais da imprensa negra do Brasil e dos Estados Unidos (Pereira, 2013, p. 149), Booker e suas ideias circularam no alvorecer do século XX (Pinto, 2018)9.

Assinada por Telasco, a coluna, sugestivamente nomeada de ‘Alvejando’, pretendia engajar a audiência no projeto de escolarização noturna. Por isso, mobilizou a história de vida de Booker como um exemplo de abnegação em prol de uma causa coletiva. O colunista anônimo narrou os percalços por ele enfrentados da escravidão à fundação do Instituto Tuskegee no Alabama, em 1881, passando pelo autodidatismo e pela criação de escolas após formar-se no Instituto Hampton. Explicitando os valores compartilhados, Booker foi adjetivado como um “[...] apóstolo do levantamento moral e intelectual dos negros nos Estados Unidos [...]” ou, em outras palavras, do “[...] levantamento da sua raça pela instrução, honradez e trabalho” (Alvejando, 1902, p. 1).

Conforme Frank Guridy (2010), Booker depositava, na formação para o trabalho, sobretudo agrícola e industrial, o principal meio de elevação e integração do negro à nação. A partir do método de ensino de ‘encaixe’, que articulava trabalho manual e o intelectual, pretendia dignificar o trabalho, ensinar ofícios com excelência, atender à necessidade de líderes industriais capacitados e assistir estudantes carentes. Segundo Liana Ribeiro (2020, p. 94), o interesse pelo método de Booker expressa “[...] a ressignificação do trabalho manual e a necessidade do ensino profissionalizante em conjunto com a educação intelectual como uma das formas possível de ascensão social no pós-abolição”.

O principal crítico de Booker foi seu contemporâneo W. E. B. Du Bois (1999), que, desde a realidade do norte do país, depositava, na educação de lideranças negras, denominadas ‘décima parte talentosa’, um caminho para a redenção racial. Aliada à agitação política, essa educação abrangeria conhecimentos mais amplos e eruditos. Para ele, o método de Booker formaria apenas trabalhadores submissos, acríticos, portanto, não emancipados. No entanto, Guridy (2010) trouxe um aspecto pouco mencionado: a dimensão afrodiaspórica do projeto de Booker. Aproveitando-se da estrutura imperialista estadunidense, disseminou-o em Cuba e Porto Rico, e as traduções de sua autobiografia, como vimos, repercutiram inclusive no Brasil.

Outro ponto de confluência dizia respeito à importância de os processos de ensino e moralização serem conduzidos por professores negros. O Instituto Tuskegee investia na sua formação, transformando-os em modelos de conduta moral para a elevação da raça (Guridy, 2010). Nesse sentido, o regulamento da Escola Noturna O Exemplo convocou professores do seu meio para se somarem ao projeto e, com o apoio “[...] de todos os do nosso meio, homens e associações [,] ver gente surgindo dentre nossa gente” (Nossa escola..., 1902). Além disso, professores e representantes das associações mantenedoras constituíram a direção da escola, enquanto os tesoureiros das mantenedoras e um dos membros da redação do jornal compuseram a comissão econômica de gerência da escola (Nossa escola..., 1902). Tendo em vista que as associações negras ou de classe eram importantes espaços educativos e instrutivos, conjecturamos haver ainda a expectativa de que alguma das associações abrigasse as aulas da escola enquanto não fosse possível adquirir uma sede própria.

A adesão ao projeto seguia ínfima e, para os editores, decorria da “falta de cultura da maior parte de seus membros” (Ateneu popular II, 1902). No entanto, devemos considerar as diferentes maneiras de organização da cultura por meio da experiência e, consequentemente, os conflitos decorrentes de projetos distintos (Bertucci et al., 2010). Dessa forma, vejamos como as personagens pouco mencionadas no projeto se posicionaram.

Mulheres indo à frente: limites e possibilidades do projeto de escolarização noturna

O caráter democrático do projeto de escolarização foi expresso no primeiro artigo do regulamento e, apesar de não pretender discriminar as mulheres, o principal alvo era o público masculino, especialmente o adulto. Em um dos últimos editoriais sobre o tema, os redatores manifestaram o desejo de contemplar os ‘filhos dos proletários’; os ‘desprotegidos da fortuna’; os trabalhadores em geral; os ‘rapazes pobres’ aprovados nos exames preparatórios, mas que não podiam “[...] prosseguir seus estudos porque as academias existentes, por seus regulamentos, só facilidades oferecem àqueles que de favores não precisam - os filhos dos ricos, aos que têm todos os recursos para estudarem” (Ateneu popular II, 1902, p. 1).

Tais limites da abrangência decorrem da constante associação dos homens ao espaço público e das mulheres ao doméstico/privado, conforme explicitado por Tácito Pires, com seu pseudônimo Arcanio Cardolino (1903, p. 1), ao dizer em uma crônica que “[...] é imprescindível que ela [a educação] seja saturada de uma instrução prática e doméstica, da qual tanto descuram as nossas mães de família”. Em 1897, Pires já havia manifestado na imprensa operária a necessidade de valorização das mulheres, porém reduzindo-as ao lugar de responsáveis pela formação dos futuros lutadores sociais. Por isso, precisavam saber das fraquezas, sofrimentos e angústias imputadas aos seus maridos pelo capitalismo (Bilhão, 2008).

No entanto, as mulheres não ficaram em silêncio e utilizaram-se de O Exemplo como tribuna, de modo que, na edição de refundação, saudou-se a presença da colaboradora anônima, ocultada sob o pseudônimo ‘Uma democrata’, na redação. No número seguinte, o artigo ‘Coragem’ reforçou a centralidade do desenvolvimento e do cultivo das qualidades morais e intelectuais frente aos mais diversos desafios; e que, apesar da frustração quanto ao baixo acolhimento pela audiência do projeto, nutria esperanças de mobilização em prol da instrução:

Se em todos os corações existisse o fogo crepitante da fé e o riso consolador da esperança, essa Escola Noturna que O Exemplo anuncia seria o ponto para onde convergiriam todas as ideias, todas as atividades. [...] Quão belo seria se todas as vontades convergissem para esse fim útil e preparassem os nossos para as fortes conquistas do futuro. [...] Avante! E que seja nossa resolução traduzida pelo sublime sentimento que inspira os homens em todas as conquistas, que é a chave que abre a porta da realidade a todos os projetos - a vontade (Uma democrata, 1902).

O conteúdo não difere dos demais editoriais e artigos, mas se ressignifica ao atentarmos para a autoria: sua assinatura, por si só, é reveladora da presença de mulheres letradas no meio negro, da sua participação no órgão criado para representar os interesses de sua classe na imprensa da capital e das formas e possibilidades de engajamento feminino na promoção da instrução popular. E ela não foi a única. Quase dois anos depois, a leitora Carmem d’Aguiar (1904) manifestou-se no artigo ‘Por uma ideia’ sobre o fato de o projeto ter se diluído em meio a outras propostas:

A ideia de um estabelecimento popular de ensino atirada ao nosso meio pelos mesmos que hoje redigem O Exemplo quando o publicavam na fase que se contou de outubro de 1902 a janeiro de 1903 assaz seduziu-me e é por ela que hoje venho emergindo de minha obscuridade. [...] Sei perfeitamente que a crítica dos rigoristas do preconceito virá ferir a mulher que exorbitando da ‘grandiosa’ missão de dona de casa, furtando algum tempo ao cuidado das panelas e dos cerzidos, ousa elevar-se a cogitações tais como a de que me ocupo. Que importa, porém, quando me anima a convicção de que é ela uma necessidade? Irei para a frente a despeito de tudo, porque a ideia de instrução dos nossos tem o mel de bondade que oculta todo o amargor da censura, e a realização dela é de tal maneira bela que compensa todos os sacrifícios da luta para alcançá-la. Por isso irei para a frente (d’Aguiar, 1904, grifo do autor).

Carmem d’Aguiar não apenas retomou a ideia de instrução popular que havia caído no esquecimento, mas também manifestou a agência e o alinhamento feminino na consecução do projeto de emancipação traduzido pela escola noturna. Ou seja, mais do que se enfileirar ao projeto, assumiria a dianteira como professora, conciliando habilmente a docência com as demais tarefas domésticas.

O magistério, aliás, tornou-se um espaço de inserção profissional para mulheres negras10. Em 1904, várias delas concorreram a vagas no magistério público estadual, sendo saudadas pelo jornal, entre os concorrentes homens: Miguel Cardoso Alves, Sophia Ferreira Chaves, Noêmia de Menezes Godinho, Iracema Menezes de Oliveira, Anaís Alves da Costa, José Inácio Mineiro e Estanislau de Abreu (Concorrentes..., 1904). Antes de tornar-se professora, Sophia Ferreira Chaves (1883-1908), que assinava com o nada anônimo codinome de Pepita, contribuiu com O Exemplo entre 1904 e 1905 e defendeu formas de atuação feminina na realização do projeto. Portanto, assim como Uma Democrata e Carmem d’Aguiar, disputava sentidos de educação e emancipação. E o uso de codinomes são igualmente reveladores dos limites e possibilidades dessa inserção.

Dentre outras ações, Sophia somou-se aos clamores para que a mocidade abraçasse a causa - “Mocidade! Erguei-vos! Sejais vós a iluminar o livro social, qual sol a iluminar a natureza, mergulhai a vossa fronte no vasto mar da instrução [...]” (Pepita, 1904a, p. 1) - e convocou as mulheres a investirem na instrução e a apoiarem a criação de uma confederação das associações negras (Pepita, 1904b). Tratava-se da Liga das Associações dos Homens de Cor do Rio Grande do Sul, por meio da qual se pretendia fortalecer a recreação, a beneficência e a instrução das entidades abrigadas por ela. No entanto, foi outro projeto que não se materializou (Rosa, 2019).

Sophia Ferreira Chaves era casada com Tácito Pires, idealizador da Escola Noturna O Exemplo. Ele também se tornou professor e, juntos, foram, em 1907, lecionar em escolas públicas da região da fronteira com a Argentina. Sophia faleceu precocemente e Tácito, anos mais tarde, participou da fundação do Instituto São-Borjense voltado à educação popular (Perussatto, 2018, 2019). Ao compartilhar com os amigos de O Exemplo, com o qual mantinha vínculos como representante, foi calorosamente saudado pela boa nova (Instituto... 1918). Enfim, viu um sonho antigo se realizar. Enquanto isso, seu antigo parceiro de editoria, Esperidião Calisto, seguia em Porto Alegre sendo um dos esteios do periódico até seu derradeiro fim, em 1930.

Considerações finais

Desde antes da Abolição, a escolarização era para a população negra uma forma de luta e afirmação da liberdade, bem como de conquista de direitos de cidadania. Em particular, o projeto intitulado Escola Noturna O Exemplo registra como uma coletividade de trabalhadores negros reunidos na imprensa negra e com passagem pelo movimento operário assumiu a tarefa de instruir e educar os seus frente a um projeto de República excludente e racista. Informa ainda uma possibilidade de escolarização popular oposta àquelas delineadas desde o contexto emancipacionista que pretendiam formar trabalhadores disciplinados, submissos e dependentes. Por isso, a despeito de não ter saído das páginas do jornal, o projeto é relevante para compreendermos a participação negra e popular nas disputas em torno da escolarização durante o processo de implementação do sistema republicano.

A educação era compreendida como um direito a ser assegurado, portanto, seu modelo igualmente precisava ser disputado. E o projeto em tela nos mostra uma combinação entre o necessário aprendizado dos conhecimentos advindos do currículo prescrito e as experiências e saberes do meio social. Assim, apesar do caráter moralizante e do foco no público masculino, o projeto assumia um caráter transgressor, se observarmos os efeitos combinados de raça e classe. Isto é, na visão de O Exemplo, era necessário ao negro erguer-se moral e intelectualmente diante dos estereótipos e das imagens negativas produzidas sobre ele, que o desqualificavam como trabalhador, cidadão e humano. Tal necessidade era compartilhada por outros homens e mulheres da diáspora negra. Abrindo espaço no debate, elas não apenas apontaram os limites do projeto, mas foram sobretudo propositivas.

Dessa forma, o projeto em tela explicita “[...] necessidades, expectativas e interesses dos sujeitos em relação a sua e a outras classes” (Bertucci et al., 2010, p. 72). Da sua classe, os proponentes esperavam o subsídio moral e intelectual: queriam mobilizar os conhecimentos acumulados nas experiências associativas para a gerência, manutenção e docência, com vistas à emancipação via educação popular. A falta de apoio não era apenas indiferença ou, como argumentavam, ‘falta de cultura’, mas também resultado da existência de diferentes necessidades, expectativas e interesses. Do estado, esperavam a subvenção, que nunca veio.

Ademais, nas tensões entre o caráter democrático apresentado no regulamento e a condução do projeto de escola noturna pelos homens da redação, mulheres conquistaram espaço de participação, potencializando e somando-se à agenda do jornal e seu projeto de escolarização. A simultaneidade das lutas negras e operárias, bem como de ideias e experiências afrodiaspóricas igualmente concorreram para o fortalecimento e reconfiguração dos enfrentamentos do periódico.

Pouco tempo depois, escolas noturnas e/ou profissionalizantes subvencionadas pelo estado e/ou por associações negras e operárias começaram a surgir. Assim, em que pese a instrução popular ter sido mobilizada nos planos de controle sobre a população, tais experiências de escolarização foram resultados da pressão de trabalhadores negros e não negros. Experiências que, de alguma forma, carregam consigo sonhos depositados na Escola Noturna O Exemplo por sujeitos-coletivos como Carmem d’Aguiar, Esperidião Calisto, Sophia Ferreira Chaves, Tácito Pires e Vital Baptista.

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Uma democrata. Coragem! (1902, 19 de outubro). O Exemplo. [ Links ]

1 Uma amostra da expansão do campo está em: Caderno de programação e resumo (2018).

2A repercussão historiográfica dessa questão está em Nascimento (2016).

3Referimo-nos à Constituição sul-rio-grandense, conhecida como castilhista. Foi outorgada por Júlio de Castilhos em 14 de julho de 1891 e orientada pelo positivismo (Pinto, 2019).

4No contexto específico do artigo inexistiam jornais negros em outras localidades, mas há registros anteriores e posteriores, como O Treze de Maio (1888) no Rio de Janeiro, A Pátria (1889) e O Progresso (1899) em São Paulo e O Baluarte (1903) em Campinas (Gomes, 2005; Pinto, 2010).

5A Escola Noturna O Exemplo foi retomada por Bahia (2017), Perussatto (2018), Sousa (2019) e Ribeiro (2020). A relação com as legislações foi rediscutida por Perussatto (2018, 2021) e por Gil e Antunes (2021).

6São diversas as pesquisas, dentre as quais, Amorim (2006) e Bilhão (2015).

7A Escola Noturna Provincial foi criada em 1876 e seu regulamento registrava a aceitação de libertos e ingênuos em seus bancos (Schneider, 1993). Devido aos limites do presente artigo e seus objetivos, esse tema é objeto de outro artigo em vias de publicação, com outras iniciativas de instrução popular no contexto emancipacionista.

8Calisto era cirurgião-barbeiro e sua inserção nesta categoria reafirma as proximidades das lutas.

9Foi possivelmente por meio da repercussão de sua autobiografia na imprensa do centro do Brasil que sua história chegou às páginas do periódico. Intitulada Up from slavery, foi publicada em 1902 e causou muito rebuliço na sociedade estadunidense e para além dela (Gledhill, 2020).

10Reconhecemos que se trata de um tema em expansão e não o abordaremos diante dos limites do artigo.

15Rodadas de avaliação: R1: três convites; duas avaliações recebidas. R2: dois convites; uma avaliação recebida.

16Como citar este artigo: Perussatto, M. K. Escola noturna ‘O Exemplo’: educação e emancipação dos trabalhadores na imprensa negra do pós-abolição (Porto Alegre, Rio Grande do Sul). (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e217

Recebido: 20 de Novembro de 2021; Aceito: 06 de Abril de 2022; Publicado: 01 de Julho de 2022

E-mail: melinaperussatto@gmail.com.

Melina Kleinert Perussatto é professora adjunta na Faculdade de Educação (UFRGS), atuando no ProfHistória. Doutora em História (PPGH/UFRGS). Coordenadora adjunta do Laboratório de Ensino de História e Educação (LHISTE/FACED/UFRGS) e do respectivo grupo de pesquisa (CNPq). Membro do Portal do Bicentenário, do PoAncestral, da coordenação do GT Ensino de História e Educação (ANPUH/RS), do conselho consultivo e difusor do GT Emancipações e Pós-Abolição (ANPUH/BR) e da equipe editorial da Revista Mundos do Trabalho. Coautora de “Pessoas comuns, histórias incríveis: a construção da liberdade na sociedade sul-rio-grandense” (EST, 2017). E-mail: melinaperussatto@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-9356-5956

Adlene Arantes E-mail: adlene.arantes@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7007-0237

José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Surya Aaronovich Pombo de Barros E-mail: surya.pombo@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-7109-0264

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