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Revista Brasileira de História da Educação

Print version ISSN 1519-5902On-line version ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub June 30, 2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e266 

DOSSIÊ

História da educação e materialidades:recolhas e escolhas em pesquisas

Gizele de Souza1  * 
http://orcid.org/0000-0002-6487-4300

Andréa Bezerra Cordeiro1 
http://orcid.org/0000-0002-6963-5261

Marcus Levy Bencostta1 
http://orcid.org/0000-0003-3387-7901

Ana Clara Bortoleto Nery2 
http://orcid.org/0000-0001-6316-3243

1Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

2Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquista Filho. Marília, SP, Brasil.


No entremeio das pesquisas históricas, a cultura material em apresentação

A proposta deste dossiê temático ‘História da educação e materialidades: recolhas e escolhas em pesquisas’ já nasce com amparo coletivo e fruto dos investimentos de grupos e de universidades dedicadas ao tema. A cultura material escolar e suas múltiplas derivações nominativas ocupam espaço consolidado na historiografia - não somente brasileira, mas em outros países1 - e agrega estudos do norte ao sul do país mobilizando redes investigativas, como a dos ‘Grupos de Pesquisa e Experiências sobre Cultura Material Escolar’, que, desde 2020, faculta a interlocução e parceria entre grupos de pesquisa do Brasil em torno do tema da história da educação e da cultura material2 e enfatiza, tanto o levantamento e análise de documentação empírica, como propõe espaços de formação, divulgação e fortalecimento teórico e técnico dos grupos de pesquisa.

As pesquisas sobre cultura material escolar contribuem sobremaneira com as investigações no campo da cultura escolar na medida em que corroboram com um olhar mais amealhado sobre as formas pelas quais a maquinaria escolar adentra a instituição e as maneiras segundo as quais os sujeitos a utilizam, construindo significados e ressignificando-a em espaços e tempos distintos. Nessa perspectiva, é possível enfrentar a ‘caixa preta’ da escola (Julia, 2001) e analisar e compreender as minúcias dos elementos que constituem a cultura escolar, com ênfase nas práticas diárias da escola (Chartier, 2002). Os artigos apresentados a seguir dão a ver um pouco deste universo.

O dossiê traz consigo movimentos de pesquisadores e pesquisadoras do campo da história da educação e da cultura material escolar, que, nos últimos anos, têm se dedicado a mobilizar fontes - das já consagradas nos estudos historiográficos às novas empreitadas empíricas -, assim como a propor outros olhares investigativos destacando as materialidades educativas e escolares para além das suas nuances e pormenores; bem como a inseri-las como escopo das pesquisas e delas derivar análises que ajudem a compreender os fenômenos histórico-culturais.

Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Figura 1 Propaganda sobre material escolar 

A figura 1 aqui destacada, uma propaganda divulgada na revista O Malho3, em 1912, dá destaque a ‘material escolar’ e objetos disponíveis à venda, que seriam provenientes da casa comercial Volckmar, de Leipzig, na Alemanha e estariam disponíveis, no Rio de Janeiro, pelo importador Louis Hermanny, que veicula a imagem da exposição do Pedagogium4 para representar, tanto a atualidade da dimensão da pedagogia ativa, quanto a capacidade de circulação e comercialização de bens e objetos do ensino considerados, naquele momento histórico, recomendáveis para o processo de escolarização. A imagem da propaganda, aqui convertida em fonte, como um exercício analítico, “[...] classifica o texto, sugere uma leitura, constrói um significado. Ela é protocolo de leitura, indício identificador” (Chartier, 2002, p. 133) e, nesse sentido, possibilita examinar - em conjunto com demais indícios empíricos - desde os objetos que estavam em circulação e eram considerados imprescindíveis para o ensino da pedagogia moderna, como a rede de sociabilidade de comerciantes e importadores desses materiais para o ensino e as estratégias transnacionais, comerciais e pedagógicas lançadas para divulgar e viabilizar o acesso e a aquisição de material escolar no país.

Tal direção marca os esforços da área em contribuir com o debate historiográfico dos processos de escolarização, escavando e examinando, por meio das materialidades, sujeitos, propostas, instituições, materiais de ensino, catálogos, anúncios, livros, revistas, manuais, exposições, conferências, filmes, dando nexos e estabelecendo tramas que articulem enunciados, enunciadores e as práticas culturais. A abundância de artefatos e tecnologias criadas pela e para a escola, e os processos pelos quais essa materialidade ganha espaço, circula, disputa lugares de representação tem proporcionado uma pesquisa em história da educação pujante e que com o refinamento das análises e o crescimento do campo através das trocas entre pesquisadores, que leva a leituras novas acerca dos sentidos do passado educacional, sempre mediado pela relação entre pessoas, coisas e imagens. Como bem indica Roger Chartier (2002, p. 136) “[...] a história das práticas culturais deve considerar necessariamente intricações e reconstruir trajetórias complexas, da palavra proferida ao texto escrito, da escrita lida aos gestos feitos, do livro impresso à palavra leitora”.

Isso significa incluir, nesta composição, a noção de apropriação, porque, ainda com Chartier, se “[...] postula a invenção criadora no próprio cerne dos processos de recepção”. Mas tal assertiva não renuncia às diferenças sociais presentes e enraizadas, pelo contrário, se advoga para a caracterização de “[...] práticas que se apropriam de modo diferente dos materiais que circulam em determinada sociedade” (p. 136). Em sintonia com esse enquadramento teórico, a perspectiva de cultura material escolar aqui se embala aos entendimentos expressos por Castro, Vidal, Peres, Souza e Gapar da Silva (2013, p. 276-277), que apontam para o seguinte:

Dos museus escolares do século XIX à lousa eletrônica do século XXI, uma ampla gama de materiais invadiu a escola e nela passou a ter assento. Testemunham concepções pedagógicas concorrentes e diferentes expectativas sobre o lugar social da escola e da escolarização, partilhada por distintos grupos e construídas a partir de interesses os mais diversos, que se estendem das reivindicações de camadas sociais a demandas estatais e de grandes conglomerados comerciais e industriais. Ao mesmo tempo, essa materialidade é diferentemente apropriada pelos sujeitos escolares em seus vários níveis hierárquicos e posições institucionais, e produz efeitos, por vezes, inesperados. Captar esses movimentos possibilita, no estudo da escola, manifestar a complexidade das relações sociais.

Os investimentos de pesquisas e estudos acerca do tema da cultura material escolar podem ser visualizados em uma produção consistente e alargada, ocupando espaços e veículos diversos5, como livros, periódicos nacionais e internacionais, catálogos de exposições fotográficas6, lives, projetos integrados de pesquisa7, etc.

A Revista Brasileira de História da Educação, por meio deste dossiê, reconhece e divulga os empenhos que têm sido empreendidos por grupos de pesquisa a respeito do tema da história da educação e da sua relação com a materialidade escolar, e o que aqui se mostra é apenas uma parcela de um conjunto muito maior de estudos, que vêm sendo desenvolvidos no Brasil e em outros países. A comunidade de pesquisadoras e pesquisadores cuja sensibilidade historiográfica resulta num olhar demorado sobre os objetos para dali extrair os segredos das práticas e disputas em redor dos fenômenos educativos de um determinado tempo e espaço se encontra representada na diversidade de temas tratados neste dossiê, que é atravessado pelo desejo de discutir uma história da educação que se fez material. Assim, compreende-se que, nos manuscritos que aqui apresentados, há uma “[...] sede de história e [...] luta por compreender as maneiras de viver e pensar do passado” (Davis, 2006, p. 172), uma sede de entender os processos educativos e escolares conduzidos e provocados pelas diversas materialidades que não só interferem, mas constituem a história da educação.

A contribuição inequívoca deste dossiê à RBHE é fruto da proposta feita por Gizele de Souza, Andrea Cordeiro e Marcus Bencostta ao periódico, que foi abraçada pelo conjunto de autores que prontamente submeteram seus textos, e que está ancorada no dedicado e acurado trabalho dos avaliadores ad hoc e ainda do incessante investimento da equipe editorial sob a participação de Ana Clara Nery. Foram 35 artigos enviados ao Dossiê, sendo 2 artigos escritos por 2 autoras estrangeiras e os demais de autoria de 60 investigadores das várias regiões e universidades pelo país.

Investigações sobre cultura escolar encontram, nas primeiras páginas do número inicial da RBHE, sob a tradução de Gizele de Souza - em 2001, ainda uma jovem doutoranda da PUC/SP -, um lugar fértil para o desenvolvimento das inúmeras pesquisas nesta abordagem pelo Brasil. Trata-se do artigo ‘A cultura escolar como objeto histórico’8, de Dominique Julia, exaustivamente citado por vários autores.

Em 2007, foi publicado pela revista o dossiê ‘A cultura material na história da educação: possibilidades de pesquisa’, cuja apresentação foi escrita por Rosa Fátima de Souza e, dentre outros autores, apontamos Gizele de Souza. Em 2017, foi publicado um dossiê que, ainda que não tenha a cultura material escolar como eixo, tem como palavras-chave cultura escolar e cultura material, que permeiam alguns dos artigos ali publicados. Esse dossiê, ‘Palavras viajeiras: circulação do conhecimento pedagógico em manuais escolares (Brasil/Portugal, de meados do século XIX a meados do século XX)’, organizado por Vera Valdemarin e Vera Lúcia Gaspar da Silva (2017), contém também colaboração de outras pesquisadoras, como Rosa Fátima de Souza, uma referência no tema no Brasil, bem como apresenta entrevista realizada por Gladys Teive e Maria Alvarez com um dos expoentes da Cultura Escolar, o investigador espanhol Agustín Escolano Benito. Este último conjunto já apresenta um número maior de artigos que o anterior, o que denota um aumento das pesquisas com essa abordagem.

Do conjunto de participação de pesquisadores nacionais e estrangeiros na RBHE acerca do tema da cultura material escolar, despontam Vera Gaspar da Silva, a francesa Anne-Marie Chartier (2002), com seu texto seminal ‘Um dispositivo sem autor: cadernos e fichários na escola primária’, e a portuguesa Margarida Felgueiras9. Cultura escolar e cultura material escolar têm comparecido nas páginas da RBHE desde o seu lançamento e esteve presente em pouco mais de 25 artigos ao longo de seus 22 anos.

Desta feita, o atual dossiê, distinto dos dois anteriores, demonstra que a pesquisa sobre cultura material escolar avançou sobremaneira no campo da História da Educação e já ocupa um lugar consolidado nos temas e nos investimentos acadêmico-profissionais da pesquisa educacional. Se a ideia surgiu a partir do grupo de investigadores da Universidade Federal do Paraná10, que assinam o dossiê e que há vários anos desenvolvem suas investigações a partir da premissa da cultura material, o conjunto de textos do dossiê expressa a representatividade de outras instituições e de grupos de pesquisa envolvidos e empenhados na temática.

Portanto, a organização desta publicação foi composta pela escrita de doze artigos inéditos, os quais são resultado de pesquisas fortemente identificadas com abordagens e dilemas que problematizam a importância da contribuição da Cultura Material Escolar para os debates contemporâneos da História da Educação. E para abrir esta contribuição à historiografia, o artigo de Francesca Davida Pizzigoni, ‘A Itália também teve seu Museu South Kensigton: a coleção didática do Museu Real Industrial de Turim de 1862’, posiciona a discussão no tema dos museus pedagógicos e em sua importância no cenário dos debates que tratam do patrimônio histórico-educativo e cultural. Ao investigar a materialidade de uma rara coleção de livros e materiais didáticos voltadas ao atendimento das escolas primária e secundária italianas, a investigação não deixou passarem despercebidos os objetivos didáticos e educativos dessa instituição, os quais eram marcados por um profundo caráter positivista Oitocentista e estavam atentos à formação técnica e científica de populações estudantis diversas.

Wiara Alcantara, em seu estudo: ‘Por terras e mares: o lucrativo mercado francês de objetos escolares (Século XIX-XX)’, mostra como o contexto escolar foi alvo dos interesses comerciais da venda de materiais que deveriam atender as práticas para o ensino de ciências naturais. Da análise da autora, depreende-se, a partir da centralidade da experiência das empresas Maison Deyrolle, que atuou em diversos países ocidentais, e a Maison Paul Rousseau & Cie, que teve uma relação comercial bastante próxima no provimento de objetos e materiais para as escolas paulistas, que a circulação de seus produtos é uma das evidências do fenômeno da transnacionalização da cultura material escolar como um elemento da modernidade educativa própria da segunda metade do século XIX e início do século XX.

Em seguida, o artigo de Solange Aparecida de Oliveira Hoeller e de Maria das Dores Daros, ‘Ritos e materialidades nos entornos das conferências educacionais’, como o próprio título sugere, investiga um conjunto de fontes que ajuda o(a)s leitore(a)s compreenderem como as manifestações de sociabilidades festivas e solenes e como os registros dessas materialidades eram parte inerente de conclaves dessa natureza transcorridos na década de 1920, que aconteceram nos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina.

Ainda no tema dos eventos relacionados ao contexto educacional, o(a)s autore(a)s Juarez Jose Tuchinski dos Anjos e Etienne Baldez Louzada Barbosa, em seu artigo ‘Nas conferências efetuadas na exposição pedagógica os vestígios de representações sobre a carteira escolar (1883)’, miram o olhar para as conferências realizadas durante os meses de instalação da Exposição Pedagógica, organizada na cidade do Rio de Janeiro no contexto da segunda metade do século XIX. Uma das preocupações do artigo foi a análise das representações extraídas da imprensa decorrentes desse evento que fizeram referências ao mobiliário recomendado às instituições educacionais, em especial, as carteiras escolares. Dentre elas, destacam-se a questão da higiene pedagógica do mobiliário escolar, a discussão provocada pelos conferencistas sobre a importância de pensar a organização de escolas, de salas de aula e sua materialidade.

Ao retornar ao contexto italiano, o dossiê tem a contribuição de Mirella D´Ascenzo: ‘La contribución de las escuelas al aire libre a la innovación tecnológica del pupitre entre tradición y modernidade’, que centraliza sua argumentação na importância da mesa escolar/carteira para o movimento internacional de escolas ao ar livre, instituições pensadas para o atendimento educacional de crianças e adolescentes acometidos pela tuberculose. Com articulações teóricas decorrentes do uso de fontes e referências balizadas na historiografia recente, a autora não deixa de elaborar uma interessante discussão entre a inovação tecnológica da materialidade de um mobiliário próprio às escolas ao ar livre e as práticas didáticas renovadoras marcadas pelo ativismo pedagógico orientadas pela ciência médica e pela higiene.

Para concluir este bloco sobre a historicidade do mobiliário escolar, apresenta-se, na sequência, o artigo: ‘Carteiras escolares na cultura material escolar da instrução baiana-saber docente, saber médico- hygiênico - 1880/1885’, de Ione Celeste Jesus de Souza. Como sugere o título, o contexto baiano oitocentista foi o eleito para problematizar os saberes docente e médico higienista no que tange às argumentações sobre a eficácia da materialidade das carteiras escolares instaladas nas escolas normais e em algumas aulas públicas, sem descolar a atenção das discussões que estavam ocorrendo em outras realidades educacionais. Na exposição, a autora desperta a atenção para as questões que tratam da composição de sensibilidades estéticas concernentes à classe e ao lugar social em uma sociedade escravocrata.

Os artigos ‘A longa, concreta e imaginária presença dos manuais de história da educação estrangeiros no Brasil (1930-1980)’ e ‘O livro enquanto artefato da cultura material escolar e elemento de profissionalização da docência’ - o primeiro de autoria de Roberlayne de Oliveira Borges Roballo, e o segundo de Raquel Lopes Pires e Sara Raphaela Machado de Amorim - são resultados de investigações que dialogam entre si, em especial, na esfera investigativa da materialidade impressa, em aspectos que envolvem a circulação e a repercussão de livros e manuais no cenário da formação docente. Ao tratarem das obras de renomados educadores, no primeiro artigo, o americano Paul Monroe (História da Educação) e o espanhol Lorenzo Luzuriaga (História da Educação e da Pedagogia), no segundo artigo, o suíço Adolphe Ferrière (A lei biogenetica e a escola activa), suas escritas, além de ressaltarem o valor histórico de tais produções para o pensamento pedagógico brasileiro e a contribuição aos saberes que tratavam da história da educação, também estabelecem pontos de vista acerca das doutrinas pedagógicas e do ensino que circularam no debate educacional de boa parte do século XX.

Para aperfeiçoar o conjunto de ideias sobre os dispositivos impressos, Rodrigo Pereira dos Anjos da Silva e Maria Rita de Almeida Toledo apresentam o artigo intitulado ‘A Revista Escolar como espaço de disputa e legitimação do discurso: convergência na divergência de ideias’. Nele, o(a) autore(a)s analisam a política editorial da Revista Escolar (1925-1927), órgão financiado pela Diretoria Geral de Instrução Pública de São Paulo, que, diante das críticas dos intelectuais ao modelo educacional adotado naquele estado da federação, elaborou uma imprensa escolar que deveria se autocompreender como modelo de leitura recomendado a toda(o)s professora(e)s, tornando-se uma ferramenta discursiva que fazia circular representações que fortaleciam o enaltecimento da escola republicana paulista, de seus preceitos pedagógicos e de modelos educacionais, higiênicos e sanitários.

Na continuidade das análises no campo discursivo da cultura material impressa, Andressa Caroline Francisco Leme e Ana Laura Godinho Lima são as autoras do artigo ‘A materialidade do ambiente adequado à alfabetização: uma análise dos discursos pedagógicos (1930-1990)’. O foco dessa incursão investigativa foram as sugestões para adequação do ambiente escolar à alfabetização infantil, extraídos de livros publicados destinados aos profissionais da educação no Brasil, que tiveram, incialmente, a influência do pensamento escolanovista e, posteriormente, das convenções oriundas do construtivismo. Em ambas as vertentes, as análises das autoras convergem para a compreensão de que o discurso pedagógico sobre os modos de aprendizagem da criança e qual o melhor ambiente para que isso aconteça com qualidade não são dissonantes, pois não deixam de ser atualizações discursivas que admitem concordâncias sobre a realidade educacional da infância escolarizada brasileira.

Para fechar o dossiê, duas discussões inseridas no campo da materialidade imagética que problematizam o registro de práticas escolares são apresentadas. A primeira está presente na contribuição do artigo ‘Querida mamãe, querido papai: a invenção de uma prática escolar’, desenvolvido por Vania Grim Thies e Joseane Cruz Monks. Nesse trabalho, a abordagem do tema é implementada pelas autoras por meio da análise da materialidade estética e discursiva de um conjunto de cartões que fazem menção às datas festivas que lembram o Dia das Mães e o Dia dos Pais, entre os anos de 1964 e 1980, que foram confeccionados por aluno(a)s das escolas da zona rural da cidade de Pelotas (Rio Grande do Sul). O uso surpreendente de uma fonte atípica e pouco usual nas pesquisas em História da Cultura Material Escolar qualifica a responsabilidade de traduzir um universo de sensibilidades que geram sentidos próprios da relação entre os mundos escolar e o do convívio familiar. Quem traz a segunda discussão são Daniele Marques Vieira e Rochele Allgayer, autoras de ‘Pelo Paraná Maior: representações da cultura material escolar exibidas em película nos anos 20’. Nesse artigo, a fonte histórica em destaque é uma produção fílmica de 1927, encomendada pelo Estado do Paraná como peça propagandista do governo a respeito das obras concluídas e, em andamento, como os estabelecimentos de ensino. As análises fílmicas e históricas adotadas pelas investigadoras exploram as trilhas visuais que registraram a imagem de inúmeros vestígios da cultura material escolar paranaense, como o mobiliário, uniformes, arquitetura, ritos e solenidades.

Por isso, nós, a(o)s organizadora(e)s deste dossiê, não poderíamos deixar de agradecer, especialmente, aos autores e autoras que acreditaram em sua proposta ao submeterem os manuscritos para a RBHE. Também a(o)s consultore(a)s ad hoc e a toda a equipe editorial da Revista Brasileira de História da Educação, que, desde o primeiro momento, manifestou interesse acadêmico em nos incentivar a apresentar uma proposta desta envergadura e a participarmos da história deste importante periódico, que esteve sempre presente no processo de consolidação dos estudos e das pesquisas em História da Educação.

Assim, desejamos às leitoras e aos leitores um passeio prazeroso, construtivo e formativo pelos artigos do presente dossiê.

Referências

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1É possível acessar o mapeamento nacional e internacional da temática por meio das seguintes produções: Gaspar da Silva, Souza, Castro (2018). Em 2023, foi publicada, pela Editora da Universidade do Maranhão, a versão e-book deste livro e bilíngue (português e italiano) (Gaspar da Silva, Souza, Castro, 2023). Outra obra relevante é o dossiê ‘The material turn in the history of education (2000-2020)’, organizado por Gaspar da Silva, Meda e Souza (2021), publicado na revista Educació i Història: Revista d'Història de l'Educació.

2O grupo é composto pelas seguintes instituições nacionais: UFPR, UDESC, UFSC, UNICAMP, UFPel, UNB, UFAC, UFMA, UNESP, IFC, UFS; e internacionais: CEINCE/Espanha, UNIMC e UNITO da Itália. O trabalho deste grupo tem sido apoiado por recursos de edital de pesquisa provenientes da PRPPG/UFPR e algumas produções derivam deste movimento investigativo, por exemplo, o livro A teia das coisas: cultura material escolar em rede (Cordeiro, Garcia, Kinchescki, & Kanazawa, 2021) contando com a versão impressa publicada pelo CRV e NEPIE, em 2021 e, no mesmo ano, a versão e-book viabilizada pela coleção do NEPIE/UFPR.

3A revista, de sátira política, começou a ser veiculada em 20 de setembro de 1902 e foi fundada por Luís Bartolomeu de Souza e Silva (Fundação Casa de Rui Barbosa). A propaganda mencionada está publicada na edição do dia 27 de julho de 1912, n. 515, na página 60. Imagem extraída da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

4Para saber mais, recomenda-se o livro organizado por Ana Chrystina Mignot. Pedagogium: símbolo da modernidade educacional republicana, publicado em 2013 e também a tese de doutorado da Camila Marchi da Silva, intitulada História do Museu Pedagógico Nacional: Pedagogium - um museu de grandes novidades (1890-1919).

5O artigo de Gaspar da Silva, Meda e Souza (2021) ‘Material school culture: a look at brazilian production (2000-2020)’, publicado na revista Educació i Història: Revista d'Història de l'Educació, consta um levantamento e análise da presença deste tema em vários dos contextos de produção e formação: artigos, livros, congressos e nos temas vinculados às linhas de pesquisa dos Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil.

6O Prof. Marcus Levy Bencostta é um expoente nesta ação, tendo já organizado um conjunto significativo de exposições fotográficas que, por meio da arquitetura escolar, põe a materialidade como eixo analítico.

7Destaca-se a importância para o tema da cultura material escolar a realização do projeto de pesquisa ‘Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870 - 1950)’, contemplado com recursos no Edital Universal MCT/CNPq nº 15/2007, coordenado por Rosa Fátima de Souza, que agregou pesquisadores de diferentes partes do país e contou com as ações do Grupo Temático G2 - ‘Cultura material escolar: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870 - 1950)’. Integraram o Grupo Temático G2: Diana Gonçalves Vidal, Vera Lúcia Gaspar da Silva, Gizele de Souza, Eliane Peres e Cesar Augusto Castro. Parte dos trabalhos desse Grupo, à época, pode ser conhecida com a leitura do livro Cultura material escolar: a escola e seus artefatos (MA, SP, PR, SC e RS, 1870-1925), organizado por Cesar Augusto Castro (2011); 1ª edição em 2011 e 2ª edição em 2013.

8Este texto é tradução do artigo ‘La culture scolaire comme objet historique’. Paedagogica Historica. International Journal of the History of Education, 1(suppl.), 353-382. Coord. A. Nóvoa, M. Depaepe e E. V. Johanningmeier.

9Deve-se lembrar também a organização do dossiê ‘Arquivos, objetos e memórias educativas: práticas de inventário’, de Vera Lúcia Gaspar da Silva e Margarida Louro Felgueiras (2011).

10Proposta ancorada em projeto de pesquisa coletivo, já mencionado anteriormente, ‘Grupos de Pesquisa e Experiências sobre Cultura Material Escolar’ - ação que contempla universidades e pesquisadores de todas as regiões do Brasil.

34Como citar esta apresentação: Souza, G., Cordeiro, A. B., Bencostta, M. L., & Nery, A. C. B. (2023). História da educação e materialidades: recolhas e escolhas em pesquisas. Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e266

35Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

36Licenciamento: Este texto é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 01 de Junho de 2022; Aceito: 01 de Junho de 2023; Publicado: 30 de Junho de 2023

*Autora para correspondência. E-mail: gizelesouza@ufpr.br.

Gizele de Souza: Professora Titular no Setor de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora do CNPq e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil. E-mail: gizelesouza@ufpr.br. https://orcid.org/0000-0002-6487-4300

Andréa Bezerra Cordeiro: Professora do Setor de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil. E-mail: andreacordeiroufpr@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-6963-5261

Marcus Levy Bencostta: Professor Titular de História da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Pesquisador do CNPq e Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Arquitetura Escolar. E-mail: marcus@ufpr.br. https://orcid.org/0000-0003-3387-7901

Ana Clara Bortoleto Nery: Professora Titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, credenciada no Programa de Pós-graduação em Educação, do campus de Marília. Pesquisadora do CNPq e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração da Educação e Formação de Educadores - GEPAEFE. E-mail: ana-clara.nery@unesp.br. https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

Editores-associados responsáveis: Ana Clara Bortoleto Nery (UNESP) E-mail: ana-clara.nery@unesp.br https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

Andréa Cordeiro (UFPR) E-mail: andreacordeiroufpr@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-6963-5261

Gizele de Souza (UFPR) E-mail gizelesouza@uol.com.br https://orcid.org/0000-0002-6487-4300

Marcus Levy Bencostta (UFPR) E-mail: evelynorlando@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-3387-7901

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