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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e269 

DOSSIÊ

Ritos e materialidades nos entornos das conferências educacionais: Brasil nos anos 1920

Rituals and materialities regarding the educational conferences: Brazilian scenario in the 1920s

Rituales y materialidades en torno a las conferencias educativas: escenario brasileño en la década de 1920

Solange Aparecida De Oliveira Hoeller1  * 
http://orcid.org/0000-0003-3580-8440

Maria Das Dores Daros2 
http://orcid.org/0000-0003-3473-3096

1Instituto Federal Catarinense, Camboriu, SC, Brasil.

2 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil


Resumo:

Trata-se de uma investigação que, à luz da história cultural, busca compreender cinco eventos ocorridos no Brasil nos anos 1920: Conferência Interestadual do Ensino Primário (Brasil, 1922); Congresso de Ensino Primário e Normal (Paraná, 1926); Primeiro Congresso de Instrução Primária (Minas Gerais, 1927a); Primeira Conferência Estadual do Ensino Primário (Santa Catarina, 1927); Primeira Conferência Nacional de Educação (1927), promovida por intermédio da Associação Brasileira de Educação. Como hipótese investigativa, apresenta-se a seguinte questão: que representações são possíveis de serem interpretadas acerca do campo educacional brasileiro nos ritos e nas materialidades das conferências e dos congressos ocorridos nos anos 1920? O percurso teórico-metodológico circundou referenciais da história cultural, considerando os conceitos de cultura material e representação.

Palavras-chave: história da educação; cultura material; representação

Abstract:

This is an investigation that, in the light of cultural history, seeks to understand five events that took place in Brazil in the 1920s: Conferência Interestadual do Ensino Primário (Brasil, 1922); Congresso de Ensino Primário e Normal (Paraná, 1926); Primeiro Congresso de Instrução Primária (Minas Gerais, 1927a); Primeira Conferência Estadual do Ensino Primário (Santa Catarina, 1927); Primeira Conferência Nacional de Educação (1927), promoted by the Associação Brasileira de Educação. As an investigative hypothesis, the following question is presented: what representations can be interpreted regarding the Brazilian educational scenario in the rituals and materialities of Conferences and Congresses during the 1920s? The theoretical-methodological approach took references from cultural history, considering the concepts of material culture and representation.

Keywords: history of education; material culture; representation

Resumen:

Esta es una investigación que, a la luz de la historia cultural, busca comprender cinco hechos que ocurrieron en Brasil en la década de 1920: Conferência Interestadual do Ensino Primário (Brasil, 1922); Congresso de Ensino Primário e Normal (Paraná, 1926); Primeiro Congresso de Instrução Primária (Minas Gerais, 1927a); Primeira Conferência Estadual do Ensino Primário (Santa Catarina, 1927); Primeira Conferência Nacional de Educação (1927), promovida por la Associação Brasileira de Educação. Como hipótesis de investigación se plantea la siguiente pregunta: ¿qué representaciones se pueden interpretar sobre el escenario educativo brasileño en los rituales y materialidades de las Conferencias y congresos durante la década de 1920? El abordaje teórico-metodológico tomó referencias de la historia cultural, considerando los conceptos de cultura material y representación.

Palabras clave: historia de la educación; cultura material; representación

Introdução

Esta investigação se articula em torno de cinco eventos1 presentes nos anos 1920 no Brasil: Conferência Interestadual do Ensino Primário (Brasil, 1922); Congresso de Ensino Primário e Normal (Paraná, 1926); Primeiro Congresso de Instrução Primária (Minas Geraes, 1927a); Primeira Conferência Estadual do Ensino Primário (Santa Catarina, 1927); Primeira Conferência Nacional de Educação (1927), promovida por intermédio da Associação Brasileira de Educação (ABE). A partir desses eventos, são observadas três iniciativas distintas: a primeira, CIEP-RJ, é representada pelas ações do governo; a segunda, CEPN-PR, ICIP-MG, ICEEP-SC, abrange três propostas apresentadas pelos governos estaduais paranaense, mineiro e catarinense, considerando ainda que cada uma possui suas singularidades; a terceira, ICNE-ABE, surge por iniciativa da ABE.

Com base nisso, o trabalho procura responder à seguinte questão: que representações são possíveis de serem interpretadas acerca do campo educacional brasileiro nos ritos e nas materialidades das conferências e dos congressos ocorridos nos anos 1920? O percurso teórico-metodológico utilizado tem como aporte referenciais da história cultural, valendo-se dos conceitos de cultura material e representações, presentes nas obras de autores como Burke (2004, 2010), Chartier (1990, 2004), Vidal e Abdala (2005) e Souza (2007).

A cultura material pode ser entendida como a relação dos homens com os objetos. Souza (2007, p. 169) ressalta que “[...] é preciso ter em vista que os artefatos são produtos do trabalho humano e apresentam duas facetas: eles têm uma função primária (uma utilidade prática) e exercem funções secundárias, isto é, simbólicas”. O conceito de representação, na perspectiva de Chartier (1990, 2004), confirma que “[...] toda história, quer se diga econômica, social ou religiosa, exige o estudo dos sistemas de representação e dos atores que eles geram” (Chartier, 2004, p. 19). Chartier define representações como

[...] esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado. As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (Chartier, 1990, p. 17).

Os registros acerca dos eventos constituem fontes2 privilegiadas e, neles, tem-se uma singularidade demarcada pela própria diversidade da materialidade de suportes empíricos para a interpretação e análise do objeto. Dois dos eventos materializaram suas memórias em Anais produzidos na contemporaneidade da ocorrência (CIEP-RJ; ICEEP-SC). Outrossim, memórias na temporalidade do evento foram registradas pelos responsáveis pelo ICIP-MG, não em formato de Anais, mas em duas edições exclusivas de uma revista3 sobre educação que circulava na época, em Minas Gerais. Sobre o CEPN-PR, foram tomados os registros das atas4. A ICNE-ABE teve a publicação de suas memórias em 19975, o que será entendido como Anais desta conferência. Também foram tomados alguns registros esparsos, a partir de jornais de tempos e contextos geográficos aproximados aos cinco eventos, agregando elementos publicados pela imprensa.

Dessa materialidade de memórias das conferências analisadas, além do texto, de narrativas e de excertos de informações acerca delas, esta investigação trouxe imagens (fotografias) oriundas das fontes como possibilidade para o estudo e interpretação da cultura material. Entretanto, para além dos aspectos observáveis das imagens, é preciso reconhecer, como afirmam Vidal e Abdala (2005, p. 190), que a produção das fotografias pode ocorrer na confluência de diversos fatores, como: “[...] a subjetividade do fotógrafo, as determinações do contratante e o momento social e histórico de sua materialização”. Mesmo com tais considerações, reflete-se, com base em Burke (2004, p. 121-122), que “[...] o testemunho das imagens é ainda mais valioso porque elas revelam não apenas artefatos do passado (que em alguns casos foram preservados e podem ser diretamente examinados), mas também sua organização [...]” e “[...] revelam como os objetos eram usados [...]”.

Quanto às figuras inseridas neste trabalho, parte delas (Figuras 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12 e 13) foi mobilizada para possibilitar o entendimento dos ritos e da materialidade dos eventos, situando ações ocorridas, por meio da representação envolvendo atividades e sujeitos retratados nas fotografias. Em relação às demais fotografias (Figuras 1, 2, 3, 4, 9, 14, 15, 16 e 17), que são publicações, para além da possibilidade de transcrição do conteúdo das fontes, pretende-se compreender a forma desses registros por intermédio da própria materialidade das fontes, a partir do seguinte questionamento: como foram salvaguardadas as memórias desses eventos? Em que suporte foram publicadas e consideradas pelos organizadores dessas memórias? Que conteúdo e de que forma foram preservados os registros dos entornos das conferências: programas, moções, convites, telegramas, registros de jornais e revistas?

As fontes citadas, tomadas como materialidade das memórias dos eventos, com aporte na história cultural e nos estudos da cultura material e das representações, propõem outras possibilidades interpretativas. Em que pesem outras considerações, a história cultural, representada pelo movimento dos Annales (Burke, 2010), revolucionou a historiografia, considerada sua influência nos ditames da ‘nova história cultural’ (NHC), ao rejeitar as perspectivas tidas como tradicionais. Sob a influência de uma ‘história problema’, faz emergir do ‘porão ao sótão’ outros objetos, fontes, perspectivas e narrativas, demarcadas não pelo tempo estanque ou pelos grandes fatos e vultos, mas pelas temporalidades e singularidades dos sujeitos e fatos. Nesse sentido, houve ampliação do campo de trabalho do historiador da cultura, tanto no que diz respeito aos atores quanto aos temas ou objetos, sendo as materialidades e os ritos detentores de significados e possibilitadores de interpretações históricas.

Além desta introdução e das considerações finais, este artigo está organizado em três movimentos articulados: no primeiro, parte-se de uma perspectiva próxima às proposições de Burke (2010), ao propor uma certa inversão acerca dos eventos que investiga, muitas vezes, analisados mais pelo conteúdo das teses debatidas nas conferências educacionais (os ‘grandes fatos’) do que por outros elementos. Essa abordagem procura localizar o objeto central, problematizando outros lugares e outras formas de sociabilidade nos entornos das conferências educacionais.

No segundo engendramento, debruça-se mais sobre os cerimoniais mobilizados em torno das conferências educacionais, centralizando elementos que articulam ritos, atividades e materialidades. Para tanto, recorre-se a fotografias e excertos de fontes escritas acerca de celebrações, visitas a escolas, exposições escolares, formaturas, apresentações literárias, festas cívicas e artísticas, baile e bailado, almoços, jantares, excursões e até uma visita a um túmulo, que ocorreram no desenrolar dos eventos investigados.

Como último quadro de análise, são apresentados recortes de mensagens, moções e honrarias, analisando-se aspectos que ultrapassam o que se pretendia pelas teses propostas e debatidas. Tais pronunciamentos, proferidos por sujeitos que orbitaram as conferências educacionais, foram dirigidos tanto aos presentes quanto aos ausentes; aos vivos e mortos; aos homens do império e republicanos; aos religiosos e laicos; e a outros tantos.

Outros lugares e outras formas de sociabilidade: os entornos das conferências educacionais

As conferências educacionais investigadas, ocorridas entre 1921 e 1927, figuraram como lugares de debates na área em questão e podem ser lidas como representações de possibilidades para discussão de questões ligadas ao campo educacional, pela pretensão de superar os atrasos e problemas apontados e de instaurar o caráter renovador por meio da educação. Independentemente da localização geográfica, ano da sua ocorrência ou da iniciativa de quem partiam, da nomenclatura de ‘congresso’ ou ‘conferência’, da designação relativa à ‘instrução primária’ ou ao ‘ensino primário ou normal’ ou à ‘educação’, os eventos investigados (conferências educacionais) reservam certos contornos que permitem reconhecê-los, ainda que preservadas as singularidades próprias de cada um deles6. Para as conferências educacionais, formavam-se comissões de organização ou preparatórias que estabeleciam pontos regimentais: o envio de circulares a convidados e autoridades; a definição das temáticas a serem tratadas; as datas e os locais em que ocorreriam; os convidados e integrantes, a mesa de honra, o presidente, bem como os secretários do evento; as sessões de instalação, as ordinárias e as de encerramento; a programação interna das sessões que tratariam dos temas; as comissões de análise; o envio e recebimento de convites e telegramas (que aqui se intitulou de ‘os entornos das conferências’); as notícias dos eventos na imprensa jornalística; a publicação de atividades em revistas de destaque na área da educação, considerando a localização geográfica do evento; as festas cívicas ou alusivas aos eventos; as visitas às escolas; as apresentações de números artísticos; as exposições; dentre outros.

As temáticas ou teses a serem tratadas, relativas às cinco conferências, somam, no total, 178 proposições: a comissão de preparação da CIEP-RJ elaborou seis teses7, a partir das quais a conferência se desenvolveu. Para o CEPN-PR, foram elencados onze temas, que se desdobraram em 27 teses a serem debatidas. As memórias do ICIP-MG, registradas na Revista do Ensino (Orgam..., 1927a), trazem as comissões e os responsáveis por relatarem as análises das onze temáticas, as quais se expandiram em um total de 81 teses tratadas no evento. A comissão de organização da ICEEP-SC elencou 14 temáticas, tratadas nos Anais da conferência por Teses Oficiais (Santa Catharina, 1927). Os temas foram propostos pela comissão preparatória, mas foram abordados por outros conferencistas que ampliaram as teses oficiais de 14 para 52 subteses. Em reunião da ABE de 22 de abril de 1927, foram elencadas quatro temáticas para a discussão, que tiveram um desdobramento em 112 teses, debatidas na ICNE-ABE de 1927.

Diante das temáticas propostas pelas comissões de organização ou preparatórias das conferências, os participantes, à luz de argumentos nem sempre convergentes, disputavam ideias, demarcavam lugares e posições que, em algumas ocasiões, ultrapassavam as discussões pontuais das temáticas, deixando transparecer um microclima que revelava tensões. Pode-se propor que a atmosfera intelectual dos anos 1920 seja descrita pela manifestação de ideias em diversas áreas que procuravam dialogar com seu tempo e que implicavam a construção de lugares para suas proposições, como é o caso das conferências educacionais.

Reconhece-se a relevância de investigações que centralizaram seus problemas de pesquisa, em maior ou menor proporção, em temáticas ou teses acerca dos eventos destacados neste texto. Nessa direção, podem ser citados: Carvalho (1998), Costa et al. (1997), Galter (2002), Bona Júnior (2005), Vieira (2007), Bona Junior e Vieira (2007), Melo (2010) e Hoeller (2014). Nessa reflexão, os aspectos dos entornos das conferências, em certas perspectivas de análise, podem ser considerados de menor relevância para a compreensão histórica dos próprios eventos ou como representativas da área educacional de uma determinada temporalidade histórica, o que aqui não se considera. Com essa intenção, menciona-se a pesquisa de Allgayer (2020), que investigou aspectos da cultura material escolar em exposições e eventos que ocorreram no século XX, vinculados às Conferências Nacionais de Educação, entre 1927 e 1956, promovidas pela ABE. Numa inversão de narrativas históricas, até então mais focadas no seu objeto - as conferências da ABE -, a autora trouxe relevância para além ou para o externo das temáticas, das teses e dos próprios eventos, algo aproximado ao que neste texto se tomou como ‘os entornos das conferências’.

A organização das conferências educacionais se projetava e se constituía para além das pretensões centrais que as propunham como palco de discussões de projetos e de propostas de intervenção na realidade educacional e social dos anos 1920. Esses eventos apresentavam, em seus programas e registros posteriores, acontecimentos que, a princípio, aparentam estar à margem quando tais ocorrências são investigadas e analisadas, levando-se em conta somente as temáticas e teses apresentadas ou as sessões oficiais para sua discussão. Porém, se consideradas as conferências educacionais de modo mais amplo, estas permitem ser avaliadas como componentes das ocorrências que, em certa proporção, contribuíram para legitimar os próprios eventos, além de ações e sujeitos que delas participaram. Outrossim, numa perspectiva de que não apenas os temas ou as teses tratadas nas sessões das conferências educacionais se constituíam como lugares e formas de assegurar legitimidade aos eventos, outros ritos e materialidades podem ser interpretados por suas representações em outros espaços, sob outras formas de sociabilidades.

Fonte: Santa Catharina (1927)

Figura 1 Convite endereçado aos diretores escolares - ICEEP-SC (1927). 

Nessa perspectiva, podem ser considerados na análise os convites para os participantes e as demais correspondências e mensagens recebidas e enviadas diretamente ao evento, além daquelas veiculadas na imprensa jornalística, bem como as menções a figuras ou ações consideradas ilustres dentro e fora da ocorrência material e histórica dos episódios. No aspecto dos ‘dentro e fora’ das conferências, estavam elementos que grifavam a pomposidade ou os rituais de homenagens e formalidades, como o cerimonial de abertura, apresentação de números artísticos ou de ginásticas, visitas a exposições e a festas cívicas em escolas - geralmente, grupos escolares e escolas normais -, bailes, almoços, jantares, banquetes, chás e até visita ao cemitério.

Ritos, atividades e materialidades

No sentido emblemático e dos ritos, em termos gerais, as cinco conferências educacionais inventariadas são incorporadas como símbolos comemorativos e representações da história e do campo educacional brasileiros do período desta pesquisa. O CIEP-RJ de 1921 foi citado como parte das celebrações do centenário da Independência do Brasil, que ocorreria em 1922; o CEPN-PR de 1926 foi integrado ao programa das festividades do 73º aniversário da emancipação política do estado do Paraná, assim como a ICNE-ABE de 1927, no ano seguinte, foi anunciada como parte das comemorações do 74º aniversário do Paraná; a ICEEP-SC de 1927 tinha como objetivo marcar o ‘1º centenário de criação da escola primária’ no Brasil, pela promulgação da Lei de 15 de outubro de 1927 por D. Pedro I, a qual indicava a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império; e o ICIP-MG de 1927 teve o propósito de evidenciar o mesmo marco da ICEEP-SC. Entretanto, as conferências, além do caráter celebratório que, a priori, apresentavam, contemplavam suas festividades, comemorações, celebrações e divulgações para marcar de modo próprio suas ocorrências.

Fonte: Santa Catharina (1927)

Figura 2 Demarcação do caráter celebratório da ICEEP-SC (1927) 

As imagens apresentadas acima (Figuras 1 e 2), assim como as outras duas que seguem (Figuras 3 e 4) referem-se a eventos distintos e, de igual modo, apresentam suportes diferentes para seus registros de memórias. Diversas podem ser as hipóteses para tais encaminhamentos, as quais poderiam representar aspectos de ordem financeira quanto aos meios de que se dispunham no momento da publicação, bem como aspectos de ordem de projeção e alcance pretendidos. Em termos de visibilidade (Figuras 3 e 4), é possível supor que a publicação em revistas (Minas Gerais, 1927a) pudesse ser considerada o meio de maior visibilidade e até de pomposidade mais destacada para divulgar os feitos naquele momento histórico e, assim, perpetuar as memórias do ocorrido.

No entanto, em outra via de análise, as duas primeiras figuras (1 e 2) estão inseridas nos Anais (Santa Catarina, 1927) organizados e impressos especialmente para registros das finalidades do evento. Também foi possível apreender que, excluída a iniciativa do governo federal (CIEP-RJ), esta foi a única conferência analisada que elaborou seus Anais e a que tem o maior volume de registros em termos de fontes. Nas suas 581 páginas, tem-se quase uma ‘radiografia’ do evento.

A partir dessas considerações, percebe-se que cada iniciativa citada acima, a seu modo, considerou relevante o modo como foi demarcado e registrado o vivenciado, o que aponta que a escolha pode não ter sido aleatória. Dessa forma, compreende-se as observações de Chartier (2004) de que não existe prática que não se articule com as representações pelas quais os indivíduos constroem o sentido de sua existência, um sentido inscrito nas palavras, nos gestos e nos ritos e, nos casos analisados, nos modos como deixam registradas suas memórias.

A edição de 9 de maio de 1927 do jornal Minas Geraes (1927c) publicou, além das teses e comissões, o ‘Programma Official do Funccionamento do Congresso’, com descrição de atividades distribuídas entre os dias 9 e 14 daquele mês, listando as sessões solenes de instalação e encerramento; conferências que seriam proferidas por professores mineiros; os espaços reservados para as sessões ordinárias; e a previsão de visita ao governador do estado, ao Grupo Escola Barão do Rio Branco, ao Instituto S. Raphael, às escolas infantis Bueno Brandão e Delfim Moreira e à Escola Normal Modelo.

A visita à Escola Normal Modelo foi liderada por um representante do governador, Antonio Carlos, pelo secretário do interior, Noraldino Lima, e Francisco Campos, cuja atividade foi noticiada em jornal (Minas Geraes, 1927c), descrevendo o programa de homenagens aos congressistas, contemplando a recepção do 1º Batalhão da Força Pública, que executou várias músicas. Foram entoados o hino nacional e o hino a Minas Gerais pelas alunas, e hasteadas as bandeiras do Brasil e mineira. As alunas realizaram “[...] exercícios em marcha; [...] gymnastica rythmica, nos quais evidenciaram a perfeição e desenvolvimento [...]” na execução. Além disso, houve demonstração de jogos desportivos ensinados naquela escola (basquete, vôlei, handebol e outros) e, segundo o jornal, quem atirou a primeira bola na arena foi Francisco Campos, dando início aos jogos.

O ICIP-MG publicou suas memórias na Revista de Ensino (Minas Gerais, 1927a, 1927b), compondo, nas afirmações de Melo (2010), uma espécie de Anais, bem como fez uso frequente de jornais mineiros para divulgação de assuntos relativos ao evento.

Fonte: Revista do Ensino (1927a)

Figura 3 Divulgação do ICIP-MG na Revista do Ensino (1927) 

Nessas publicações, além de teses e sessões ordinárias, foram divulgadas outras atividades ocorridas nos entremeios das sessões. A Revista do Ensino (Orgam..., 1927a) dividiu os registros do ICIP-MG em duas seções: uma situando a organização, as sessões (preparatórias, instalação, encerramento, ordinária), a lista de participantes e o Regimento Interno; e outra, sob o título de As festas do Congresso, em que foram narradas e apresentadas em fotografias a recepção ao chefe de Estado aos congressistas, as visitas às instituições elencadas no programa do evento e, ainda, a festa oferecida pelo secretário do interior e justiça, Francisco Campos, a recitação de poemas ao som de violino, dentre outros momentos considerados dignos de marcar a história do ICIP-MG.

Fonte: Revista do Ensino (1927a)

Figura 4 Divulgação das festas do ICIP-MG na Revista do Ensino (1927) 

Fonte: Minas Geraes (1927a)

Figura 5 Congressistas do ICIP-MG (1927). 

Para além do ‘ícone’ ou do ‘congelamento do referente’ (real) (Vidal, 1998) apresentado pelas imagens, é possível considerar que os integrantes das fotos não estão trajados de modo cotidiano ou do que seria usual ao interno das suas vidas privadas. Os trajes e a disposição dos elementos da foto aparentam condizer com um momento de relevância e suntuosidade ao que fora programado. As mulheres posicionadas à frente da imagem, como se fossem resguardadas pelos demais, corroboram o que mencionou o organizador da ICNE-ABE de 1927, Lysimaco Ferreira da Costa, sobre a presença feminina no evento:

A SESSÃO SOLENE DE ENCERRAMENTO

[...] Para esta convicção, tão proclamada na conferência, concorreu a presença da mulher paranaense as sessões ordinárias, como legítima representante da mulher brasileira. E os seus nobres sentimentos e a sua formosura moral dominaram o ambiente das discussões, lembrando a cada congressista a esposa ou a mãe querida, a noiva ou a irmã adorada, que, no recesso íntimo da família, estão a zelar pela causa principal da grandeza da Pátria: ‘A Educação’. Curitiba, 27 de dezembro de 1927. Lysimaco Ferreira da Costa (Costa et al., 1997, p. 685, grifo das autoras grifo do autor).

Nos registros que seguem, as atividades também aparentam pomposidade e caráter de honrarias. As vestimentas, pelos aparentes uniformes escolares ou pelos trajes folclóricos ou de dança, também parecem ter sido reservadas e escolhidas para uma ocasião especial e de destaque. A figura feminina pode ser vista com certo protagonismo nessas atividades, bem como nas próximas três imagens seguintes.

Fonte:Minas Geraes (1927a)

Figura 6 Alunas da Escola Normal em homenagem à bandeira em ocasião da visita dos congressistas ao estabelecimento - ICIP-MG (1927) 

Fonte: Minas Geraes (1927a)

Figura 7 “Bailado clássico” apresentado pelas alunas Grupo Escolar Affonso Penna em ocasião da visita dos congressistas ao estabelecimento - ICIP-MG (1927) 

Fonte: Costa et al. (1997)

Figura 8 Alunas de grupo escolar que participaram da festa em homenagem aos congressistas - ICNE-ABE (1927) 

A ICEEP-SC (Santa Catharina, 1927) também valorizou espaços físicos e temporais diversificados em sua programação. De modo geral, pode-se afirmar que as atividades de visitação ou artístico-culturais foram previstas para o período matutino.

Fonte: Santa Catharina (1927)

Figura 9  Parte do programa da ICEEP-SC (1927) 

Dentre os acontecimentos, foram realizados hasteamento, saudação e arriamento da bandeira; festa escolar organizada pelas alunas da Escola Normal; comemoração do centenário do nascimento do Marechal Deodoro da Fonseca; apresentação de ginástica pelos alunos do Grupo Escolar Lauro Müller; apresentação literária pelos alunos do Grupo Escolar Silveira de Souza; visita ao Quartel do Comando da Força Pública e à Escola de Aprendizes Artífices; almoço oferecido pelo Secretário do Interior e Justiça, Cid Campos; festa organizada pela Escola Archidiocesana São José; formatura geral dos escolares; e sessão solene de encerramento da ICEEP-SC. Ainda, por indicação de Orestes Guimarães, ocorreu a visita ao Túmulo de Hercílio Luz:

Tambem por igual motivo e como homenagem posthuma das mais merecidas, indicamos que a mesa de digne marcar dia e hora a fim de que os membros desta illustre Conferencia, reunidos visitem o tumulo do saudoso estadista dr. Hercilio Luz, dando a mesa sciencia á Viuva do sempre querido morto (Santa Catharina, 1927, p. 49).

A visita ocorreu em 4 de agosto de 1927, no dia da 4ª sessão ordinária da ICEEP-SC, após a solenidade de hasteamento da bandeira, realizada no Grupo Escolar Lauro Müller. Essa proposta aparenta ter sido bem recebida, pois todos os presentes aprovaram a data da visita e houve até quem não estivesse presente e que se pronunciou, posteriormente, lamentando a ausência (Santa Catharina, 1927).

O jornal Gazeta do Povo apresentou a listagem das ‘festas commenorativas’ do 73º anniversario da Antiga Província do Paraná (1926), na qual o CEPN-PR estava no rol, assim como outra edição desse mesmo jornal, aproximadamente um ano após, noticiou a instalação da ICNE-ABE como “[...] a nota culminante entre os festejos que hontem commemeroram o transcurso do 19 de Dezembro - data da magna emancipação política do Paraná”. Registrou-se que foi incontestavelmente uma ocasião de “[...] alto, fino e maravilhoso patriotismo [...]”, em ambiente eletrizado pelo magnetismo e entusiasmo contagiante e forte (Congresso de Educação, 1927).

No transcorrer do CEPN-PR, os jornais registraram tanto aspectos das discussões de teses quanto demais atividades realizadas pelos conferencistas. Em jornal curitibano, tem-se registrados a homenagem e o almoço no salão de banquetes do Hotel Jonscher. Também ficou registrada a visita realizada pelos participantes às “Escolas de Preservação, masculina e feminina das quaes sahiram encantados” (Congresso de Ensino, 1926). O mesmo jornal destacou a sessão solene de encerramento do certame, anunciando que foram submetidas moções a Alcides Munhoz, governador do estado, e a Lysimaco Ferreira da Costa, pelo brilhantismo do evento, e informou que, após esta sessão, cerca de 300 professores foram ao Palácio do Governo levar pessoalmente suas homenagens ao governador. Projetar o convívio nesses espaços e atividades, por meio de signos de distinção social (festas escolares, visitações, apresentação de ginástica, bem como uso da imprensa), era um movimento válido para propagandear e dar visibilidade às conferências, sendo a organização e a programação modos de encenar, representar e legitimar as intenções de ideais pedagógicos modernos, não somente pelas teses ali discutidas, mas por todo o entorno que envolvia esses eventos, sugerindo a promulgação de um caráter ‘espetaculoso’ das conferências.

Fonte: Costa et al. (1997)

Figura 10  Registro da festa no Teatro Guaíra aos congressistas ICNE-ABE (1927) 

A materialidade do espaço, em certas ocasiões, faz compreender o aspecto monumental da proposição pela arquitetura, como é o caso do registro acima do Teatro Guaíra, que permite captar a memória fotográfica, fazendo perceber o grau da suntuosidade e o tom da solenidade da ocasião. Até mesmo o enquadramento da fotografia torna possível interpretar representações de que aquela era uma ocasião de merecido destaque e que a arquitetura merecia um ângulo cuidadosamente estudado para registro da sua memória. No limite do caráter emblemático, pode-se propor um certo ritual para o realizado pelo fotógrafo: a arquitetura; os sujeitos em destaque, mas não menos do que a própria materialidade do ambiente; o ângulo exato para a fotografia.

Fonte: Costa et al. (1997)

Figura 11  A instalação solene no Teatro Guaíra, 19 de dezembro - ICNE-ABE (1927) 

No movimento que procurou inventar uma tradição de urbanidade na cidade do Rio de Janeiro dos anos 1920, Silva (2009, 2011) destaca que, dentre os espetáculos educacionais, figuraram:

[...] saudação à visita do Rei Alberto e da Rainha Elisabeth da Bélgica, organizada na Quinta da Boa Vista; solenidade para o centenário do ‘Dia do Fico’; cerimônia de trasladação dos restos mortais de Estácio de Sá e de relíquias da cidade do Rio de Janeiro; ‘Festa da Bandeira’; frequência a teatros e circos, excursão ao Museu Nacional, visita a cemitério, expedição a matadouro, realização de exercícios ginásticos e jogos diversos em praças e praias, passeio à Quinta da Boa Vista (Silva, 2011, p. 47, grifo do autor).

Em relação ao que Silva (2009, 2011) salienta e Nunes (2003) propõe, é possível reconhecer o destaque para o contexto social mais amplo e compreender que os acontecimentos citados pelos autores e os entornos das conferências educacionais, dada a frequência com que ocorriam em múltiplos espaços sociais, colaboraram para que esse “[...] dentro e fora da escola (nas ruas, nas praças e nos teatros)” ganhasse vigor de espetáculo e dramaturgia no período (Nunes, 2003, p. 391).

O jornal Gazeta do Povo de 15 de dezembro de 1927 relatou o primeiro dia dos conferencistas da ICNE-ABE, cuja programação foi distribuída ao longo do dia:

Pela manhã, formatura na praça da Universidade de 10 mil creanças das escolas - ginástica infantil e passeata civica. 1 hora da tarde, recepção no Palácio do governo. 3 horas da tarde, installação do Congresso de Educação, no Theatro Guayra. As 10 horas da noite, baile offerecido pelo Club Curytibano (Congresso de Educação, 1927).

Numa outra edição desse jornal, foi destacado o grande desfile que se dirigiu à praça da instrução, em que estava localizado ‘o signaleiro de progresso’, a Universidade, e onde um conjunto de crianças fez “[...] gynastica orpheica e cantou o hinno nacional e canções paranistas” (Primeira Conferencia Nacional de Educação..., 1927). O desfile dos escolares foi comentado por outro jornal, descrevendo as crianças como ‘florzinhas mimosas’ que desfilaram pelas vias da cidade, constituindo um espetáculo encantador.

Fonte: Costa et al. (1997)

Figura 12  Desfile cívico de escolares pelas ruas de Curitiba em ocasião da ICNE-ABE (1927) 

Ao tomar a imagem acima como representativa, destacam-se investigações realizadas por Bencostta (2014) acerca dos desfiles patrióticos de escolares e colegiais que aconteceram no início do século XX, homenageando em diferentes momentos a República, e demarcaram ideais para a sociedade e para a área da educação, ao requerer a presença das escolas nessas representatividades, preferencialmente performando espetáculos. Não menos aguardadas e destacadas do que os desfiles ou bailados, podem ser mencionadas as exposições propostas nas conferências educacionais do período assinalado neste texto. Allgayer (2020) pesquisou as Conferências Nacionais de Educação da ABE entre 1927 e 1956 e propôs que as exposições e os eventos que circundavam tais convenções são componentes de um repertório pedagógico em destaque, inseridos nos programas das conferências.

Fonte: Allgayer (2020)

Figura 13  Exposição realizada na ICNE-ABE (1927) 

Não somente a arquitetura, as vestimentas, os sujeitos e suas ações (nos desfiles, bailados, jantares etc.) eram requeridos. As exposições, possivelmente, são os elementos de maior demarcação da materialidade nos entornos das conferências. Objetos ou suportes pedagógicos utilizados à época, bem como trabalhos realizados por alunos das escolas, sobretudo dos grupos escolares e/ou das escolas normais, são representações do que se poderia apresentar de mais destacado na educação do período, além de demarcar a modernidade educacional.

Entretanto, vale questionar qual a relevância dessas outras atividades apresentadas neste texto na configuração das conferências. Uma sugestão pode ser sustentada pela necessidade de marcar esses lugares para o exterior deles próprios, no sentido de projetá-los para o espaço social mais amplo, simbolizando a grandiosidade que se entendia que eles continham. Os almoços, jantares, entre outras atividades similares, eram simbólicos e representavam a reunião de personalidades tidas como proeminentes no período para tratar e mediar aquilo que importava à renovação e ao moderno educacional. As visitas às escolas, exposições e festas escolares, a apreciação de números de ginástica, de dança, de arte literária, as homenagens cívicas, à bandeira e à pátria, significavam representações do que se desejava atingir em termos de uma educação moderna, cultivando o sentimento e a consciência nacionais. Promovê-los seria exaltar o ideal nacional e educacional perseguido.

No contexto das múltiplas práticas comemorativas, conforme Carvalho (1998, p. 181), o caráter espetaculoso, que envolvia festas e atividades cívicas, fazia-se presente em outras atividades da ABE, atuando como “[...] campo de ação, objetos visados, temas tratados e situações [...]”, os quais faziam parte das ações promovidas pela entidade e abrangiam:

[...] jantar solene com discurso patriótico, festividade escolar, competição esportiva, torneio de oratória, distribuição solene de prêmios aos bons comportamentos, visita a escolas, a museus, exposição pedagógica, preleção sobre saúde, discurso sobre personalidade memorável, excursões etc. (Carvalho, 1998, p. 181).

Pode-se propor ainda que esse caráter consistia em estratégia adotada pelo campo educacional no período para além dos espaços escolares, conforme investigou Bencostta (2006) em fontes iconográficas. Como exemplo, estão os desfiles patrióticos realizados pelos grupos escolares nas ruas da capital paranaense, os quais serviram como demarcação da memória e da cultura cívica e como celebração à República. Para Veiga e Gouvea (2000, p. 142), os festejos escolares nas primeiras décadas republicanas tinham o intuito de “[...] combinar o despertar das sensibilidades com o sentimento de solidariedade nacional”.

As conferências educacionais também não deixaram de se afirmar como espaços para reconhecimento de sujeitos e ações dos mais variados setores da vida política, educacional e cultural e de representantes locais dos espaços geográficos onde elas ocorreram ou mesmo do país. Essas afirmações ocorriam por diversas formas: por mensagens enviadas e recebidas nesses eventos e pelos próprios conferencistas que, fazendo sua ‘inscrição’8, procediam com homenagens e elogios por meio do que denominavam ‘moção’, os quais explicitavam posicionamentos, admirações e, em certos casos, divergências e tensões.

Mensagens, moções e honrarias

Os Anais da CIEP-RJ de 1922 apresentaram, em sua seção de ‘officios e telegrammas recebidos’, um total de 37 ocorrências dessa natureza, que se referiam às respostas dadas pelos estados partícipes na conferência, além de outros telegramas recebidos e divulgados ao longo do evento (Brasil, 1922).

Fonte: Brasil (1922)

Figura 14  Excertos de telegramas e mensagens referentes ao CIEP-RJ (1921) 

Fonte: Brasil (1922)

Figura 15  Excertos de telegramas e mensagens enviadas ao CIEP-RJ (1921) 

Nas publicações dos jornais mineiros, constaram deferências elogiosas a representantes, caso da homenagem a Francisco Campos pelos membros do ICIP-MG, os quais, por unanimidade, decidiram seguir incorporados à Secretaria do Interior para agraciá-lo com discurso, exaltando sua atuação junto ao evento e à instrução pública do estado, e entregar-lhe “[...] um significativo bronze symbolizando a Instrução” que ficaria exposto na joalheria Diamantina, situada na avenida Affonso Penna (Minas Geraes, 1927c). Também Antonio Carlos, governador, recebeu manifestações de apreço dos congressistas, os quais, em visita ao Palácio do Governo, proferiram discurso laudatório pelo muito que o governador teria colaborado “[...] em prol do aperfeiçoamento da educação popular, [que] despertou energias novas, tão promissoras para o engrandecimento da nossa terra” (Minas Geraes, 1927b).

As notas divulgadas na Gazeta do Povo, de Curitiba, do dia 20 de dezembro de 1927, fazem perceber a necessidade de exteriorização do evento apontando o lugar, o público e a atmosfera que se faziam presentes, como é possível observar no trecho a seguir:

O teatro da rua Muricy fazia-se acanhado para conter a formidável assistência ali presente. Na platéia famílias do nosso escol, jornalistas, intelectuais, artistas, professorados público do Estado, nomes destacados mundo científico do Paraná, médicos, advogados, engenheiros. Nas torrinhas, dispostos em ordem e fardadas, os alunos da Escola Normal secundário. No palco, membros da Conferência, delegados dos Estados (A installação solene..., 1927).

O Diário da Tarde, jornal curitibano, publicou que a mesa da ICNE-ABE de 1927 acusou o recebimento de diversos telegramas de congratulações, que foram lidos e agradecidos ao longo das sessões, e destacou, dentre eles, o enviado pelo Ministro de Justiça, que, além de congratular os participantes, delegou poder ao Desembargador Euclydes Bevilacqua de representá-lo na ocasião (Tópicos, 1927). Esse mesmo jornal, no dia seguinte, registrou o pronunciamento de alguns membros da conferência e observou que convinha “[...] salientar as orações dos professores Lourenço Filho, Deodato de Moraes, Orestes Guimarães e Renato Jardim e outros cujo nome não ocorreu no momento” (Primeiro Congresso Brasileiro de Educação, 1927).

Fonte: 1º Congresso Brasileiro de Educação (1927)

Figura 16  Notícia em jornal referente à ICNE-ABE de 1927 (1927) 

As Figuras 14 e 15 são excertos dos Anais, compostos por 200 páginas, que remetem às memórias da conferência promovida pelo governo federal (CIEP-RJ) que foram elaboradas e impressas contemporâneas do evento, datando do ano de 1922. Já a compilação do que se pode intitular de Anais ou de compilação de documentos (escritos e fotografias) para registros das ocorrências que envolveram a ICNE-ABE, compondo 691 páginas, só ocorreu em momento posterior (1997) e por iniciativa de historiadores de ofício ou inseridos nos espaços da academia (Costa et al., 1997). Neste último caso, as motivações e pertinências para tal produção são de outra ordem, o que não entrará nas análises deste trabalho.

As Figuras 14, 15 e 16, bem como a Figura 17, que será apresentada adiante, ilustram a forma e o suporte em que as informações sobre os eventos foram publicadas e consideradas pelos organizadores, os quais, pela própria materialidade das fontes, revelam como foram salvaguardadas as memórias desses acontecimentos. Se, por um lado, dois dos eventos publicaram seus Anais (CIEP-RJ e ICEEP-SC) muito próximos às datas das suas ocorrências e também contaram com maior espaço em termos físicos (laudas impressas) para suas transcrições e descrições, por outro lado, os outros três eventos investigados utilizaram um formato e suporte que, por hipótese, poderiam alcançar maior visibilidade não só pela materialidade, mas também pela possibilidade de projeção e circulação geográfica de tais eventos, que poderiam ser considerados de maior circulação. Nesse contexto, está o caso do ICIP-MG, que publicou na Revista de Ensino (Minas Gerais, 1927a), direcionando em torno de trinta páginas, contando capa e contracapa, para os registros do evento.

Como uma espécie de protocolo de visibilidade e de autorrepresentação, as cinco conferências investigadas fizeram uso, em algum momento, dos recursos da imprensa escrita (jornal escrito). Todavia, observa-se que as ocorrências sediadas no estado do Paraná utilizaram esse recurso para divulgação de parte das atividades desenvolvidas no CEPN-PR e na ICNE-ABE e, para aquele momento histórico, não ocorreram outras formas mais sistematizadas dos seus registros. Do CEPN-PR, além das notas nos jornais, foram localizados outros documentos esparsos. A ICNE-ABE, como já observado, recebeu uma compilação mais rigorosa, após 70 anos da sua ocorrência (1997), talvez sendo este jubileu uma das motivações da sua organização. De um modo ou de outro, é conveniente não retirar a complexidade das fontes tanto no aspecto do seu conteúdo quanto da sua forma e suporte quando a investigação envolve referências acerca da materialidade. Também se faz relevante refletir que estes suportes, seja qual for o seu formato, compareciam como modos de fazer circular ideias, opiniões e outras tantas formas de pronunciamentos elogiosos e/ou tensionadores de ideias e posicionamentos.

Em relação a comentários elogiosos, na ICEEP-SC, foi citada a experiência de Minas Gerais (ICIP-MG), considerada pioneira, e indicou-se que se telegrafasse “[...] ao exmo. sr. dr., Antonio Carlos, illustre presidente de Minas Geraes, como o primeiro organizador de Congresso desta natureza” (Santa Catharina, 1927, p. 103). Em continuidade, faziam-se votos de que a “[...] idea tão brilhantemente vencedora em Sta. Catharina, se extenda aos demais da Federação, em benefício dos mais altos interesses da educação nacional”.

Somaram-se mais de 50 mensagens, enviadas e recebidas, ao longo dos dias em que ocorreu a ICEEP-SC, grande parte via telegrama, referentes a diversos lugares do estado, bem como de outras unidades da Federação, remetidos por líderes políticos, personalidades do setor educacional, de órgãos estatais, de instituições privadas, dentre outros. Em seu mote, as mensagens traziam agradecimentos pelo convite recebido, informavam sobre a impossibilidade de participação ou sobre o envio de algum representante ao evento e, sobretudo, continham comentários elogiosos quanto à iniciativa e à importância da sua ocorrência para o estado de Santa Catarina e para o país.

As moções, homenagens e honrarias presentes na ICEEP-SC são indicativas de como essa prática se estabeleceu de modo a não somente exaltar os seus conterrâneos e suas ações, ou mesmo os seus contemporâneos, mas também atingiu, direta ou indiretamente, espaços geográficos e tempos históricos distintos, bem como sujeitos e ações dos demais eventos analisados nesta investigação. Foram realizadas mais de 40 moções, sendo que diversas delas eram de caráter múltiplo, destinadas a mais de uma pessoa em uma mesma referência, além de propostas por mais de um conferencista.

Dentre as mensagens, estavam duas provenientes do Ministério da Justiça e Negócios Interiores da capital do país, Rio de Janeiro. Uma delas era advinda do diretor do gabinete em agradecimento ao convite, juntamente com a declaração de “[...] votos de êxito reunião, cuja realização demonstra elevado patriotismo e clarividência do actual governo [...]”. A segunda mensagem foi emitida pelo próprio ministro, demarcando que aquele Ministério resolvera designar como representante na ICEEP-SC o professor Orestes Guimarães e lembrando que este era “inspetor federal das escolas catarinenses subvencionadas pela União” (Santa Catarina, 1927, p. 43).

Tamanho foi o impacto da mensagem da ABE dirigida aos organizadores da ICEEP-SC de 1927, que se retomou o assunto na 10ª sessão ordinária, nove dias após, com indicação de retribuir tão expressa gentileza, segundo os propositores, de um modo mais condigno acerca do enunciado “[...] pelo illustrado professor dr. Raja Gabaglia”, em nome da “[...] distincta educacionista d. Branca Fialho” (Santa Catharina, 1927, p. 129). Liderados por Beatriz de Souza Brito, solicitou-se que fossem lançados em ata votos de congratulações e, na oportunidade, foi sugerido que se enviasse à ABE o seguinte texto:

Exma. Sra. d. Branca Fialho - Presidente da Associação Brasileira de Educação - Rio - Sinceramente agradecidos enviamos congratulações e homenagem a V. Excia. pela moção apresentada Conferencia Ensino Primario Santa Catharina, pelo illustrado professor dr. Raja Gabaglia cuja collaboração e apoio muito nos desvanecem e confortam [...]. Ass. - Beatriz de Souza Brito, Catharina Demoro, Maria Caldeira de Andrada, Luis Trindade, Egydio Abbade Ferreira, Marcio Garcia, Maura de Senna Pereira e Laercio Caldeira de Andrada (Santa Catharina, 1927, p. 130).

Os ‘abeanos’, reunidos no dia 29 de agosto de 1927, fizeram a leitura do telegrama recebido e dirigido a Branca Fialho, em que se agradecia à ABE e à Raja Gabaglia pela moção patriótica lida por ele em sessão da ICEEP-SC (Associação Brasileira de Educação, 1927). Pode-se pensar que a ICEEP-SC fora destinada a tratar de questões relacionadas ao contexto catarinense. Todavia, a visibilidade que seus conferencistas procuraram dar ao evento faz com que se considere que havia pretensões de demarcar espaços para além do estado. Nesse sentido de reconhecimento, é possível que houvesse intenção de promover sua divulgação diante de outros espaços por meio do evento. O professor Luis Sanches Bezerra da Trindade solicitou à mesa que se telegrafasse aos demais estados brasileiros demonstrando o quanto

Nós, os membros do magistério publico e particular do E. de Santa Catharina, reunidos na cidade de Florianopolis, para a Conferência Estadual do Ensino Primario, apresentamos, por intermédio de V. Excia. os nossos votos de solidariedade aos collegas desse futuroso Estado, e os concitamos a continuar envidando esforços para o engrandecimento de nossa cara Patria, elevando-as no conceito das nacionalidades pela educação integral de seu povo. (Santa Catharina, 1927, p. 51).

Essa iniciativa resultou em respostas advindas de diversos lugares do território nacional por meio do envio de telegrama e, de modo geral, o conteúdo era composto de referências elogiosas e votos de sucesso. Dentre os remetentes, estiveram os representantes de Secretarias de Estado, Secretarias do Interior e Justiça, Direção da Instrução Pública de estados9 diversos. Houve também respostas direcionadas a pessoas específicas, que eram retornos de envios particulares, entre as quais estavam as enviadas por representantes da área política (Vidal Ramos, Julio Prestes, Felippe Schmidt) e da área da educação, a exemplo de Miguel Couto, diretor da Escola Americana de São Paulo, representante da ‘Liga Catharinense do Magistério’.

Em resposta, Orestes Guimarães sugeriu que se telegrafasse ao deputado Vidal Ramos (1910-1914) e ao senador Felippe Schmidt (1914-1918), agradecendo pelo muito que haviam realizado em benefício da educação de Santa Catarina nos períodos em que estiveram à frente da gestão do estado. A proposta de Orestes Guimarães foi bem aceita e prontamente respondida. O deputado salientou:

Queira V. Excia., acolher transmitir aos dignos membros da Conferencia de Ensino os protestos de meu profundo reconhecimento pela approvação da honrosa moção de applausos pelo que foi realizada em prol de ensino no período em que me coube a honra de dirigir os destinos do Estado. Congratulo-me com a Conferencia que V. Excia. dignamente preside pelo seu grau de adiantamento a que attingiu instrucção publica no Estado graças a segurança orientação dos seus administradores aos esforços do seu benemérito professorado, a índole progressista de seu povo (Santa Catharina, 1927, p. 71).

Felippe Schmidt agradeceu a homenagem pessoal e a seu governo (1914-1918) em Santa Catarina, afirmando que, apesar das dificuldades financeiras que enfrentou em seu quadriênio de exercício, era reconhecedor de que procurou “[...] contribuir para diffundir incrementar aquelle ensino em nosso futuroso Estado”. Apresentou ainda ao “[...] egrégio Congresso particularmente aquelles dignos professores [...] os maiores agradecimentos” (Santa Catharina, 1927, p. 101-102).

A projeção dos conferencistas ao utilizar o espaço da ICEEP-SC atingiu também o chefe político maior da nação por solicitação de Antônio Mâncio da Costa, Orestes Guimarães, Germano Wagenführ, Walter Wagenführ e Adriano Mosimann. Agradeceu-se em nome dos benefícios às escolas subvencionadas pelo Governo Federal no estado de Santa Catarina, por intermédio do decidido apoio dispensado por ele: “[...] eminente presidente Exmo. Sr. Dr. Washington Luis ao orçamento federal destinado ás citadas escolas, pedem [...] telegrafe a S. Excia. Enviando suas saudações, homenagens e agradecimentos” (Santa Catharina, 1927, p. 55). A iniciativa foi correlata à seguinte resposta: “Accusando recebimento do seu amavel telegramma [...] é-me grato manifestar-lhe interesse com que acompanho trabalhos escolas esse Estado subvencionado pela União. Cordiaes saudações. Washington Luis” (Santa Catharina, 1927, p. 101).

As menções elogiosas que se faziam presentes junto à ICEEP-SC tinham o intento de conferir a esta um lugar de destaque no cenário educacional, político e social de Santa Catarina, com reconhecimento de outros pares (institucionais, federativos ou personalidades) para além do estado. As mensagens recebidas e enviadas participaram dos espaços das conferências como parte de discursos, embora tenha que se considerar que nem sempre pretendiam ou alcançavam uma dialogicidade discursiva, podendo ser interpretadas como representações de afirmação e como forma de projeção e de legitimação dos presentes e das próprias conferências.

Na esteira dos homenageados, estiveram Orestes Guimarães e outros mais, citados pelo professor catarinense Laércio Caldeira de Andrade:

Que seja lançado em acta um voto de viva homenagem e gratidão ao illustre professor Orestes Guimarães; b) que a mesa telegraphe ao Presidente do E. de S. Paulo, dr Julio Prestes, significando-lhe o reconhecimento e as homenagens desta Conferencia, ao Estado leader, no Brasil, no terreno do ensino publico; c) que a mesa telegraphe á Escola Americana de S. Paulo, homenageando a memória de miss Browne, orientadora do ensino primário de S. Paulo no governo de Bernardino de Campos (Santa Catharina, 1927, p. 50).

A moção acima foi avalizada por mais doze conferencistas10 e respondida por Julio Prestes, que reconheceu a homenagem e agradeceu seus dignos companheiros pela manifestação de apreço ao estado de São Paulo (Santa Catharina, 1927). Nessa perspectiva, os ‘diálogos’ eram articulados tanto com a realidade catarinense quanto com a realidade educacional de outros estados, sobretudo, com São Paulo, considerado, na ocasião, modelo de educação pública. Conjeturando, talvez seja esse um motivo para a investida de homenagear tanto catarinenses quanto personalidades de outras federações - obter notoriedade e reconhecimento de outros pares em relação ao que estava ocorrendo em solo catarinense naquela data.

Outrossim, as moções no interior da ICEEP-SC se direcionavam a instituições e pessoas que haviam se dedicado a outras iniciativas educacionais que não vinculadas diretamente ao aparelho estatal. Nesse rol, foram considerados: o Padre Luís Schuler e, em sua memória, a conferência se conservou de pé, por um minuto; o Colégio Santo Antônio de Blumenau e seus religiosos dirigentes e fundadores Padre José Maria Jacobs e Frei Estanislau Schaette; o Gynnasio Catharinense, representado na ICEEP-SC pelo Padre Francisco Xavier Zartmann, salientando-se o que “[...] tem prestado ao ensino do nosso Estado, orientado pelos padres da Companhia de Jesus [...]” (Santa Catharina, 1927, p. 100) com vivas aos jesuítas e ao quanto haviam colaborado com a educação do país; a Escola Normal e ao conferencista Francisco Barreiros Filho, como proeminente à frente deste educandário; e ao Colégio Coração de Jesus e ao desvelo da Irmã Bernwarda, a diretora (Santa Catharina, 1927).

As citações analisadas levam à interpretação de que os presentes se envolviam em uma aparente disputa no interior das conferências educacionais para projetar moções e considerações, de modo a propor a mais inédita, a mais inusitada, a de maior referência ou mesmo aquela que poderia compartilhar e demarcar sua iniciativa e, de igual modo, justificar e legitimar sua posição intelectual, política e ideológica. No interior das conferências, muito mais do que enviar ou propor uma determinada moção, estava presente a tensão em disputa por ideias que transcendiam aos enunciados e à própria área educacional. Defender uma ideia era defender uma posição, um lugar destacado, e firmar-se naquele lugar. Nas demarcações, surgiu até mesmo a já citada atuação dos jesuítas no período colonial brasileiro ou a troca de mensagens com o chefe do governo catarinense anterior à República, Abdon Batista, feita por Orestes Guimarães.

Nessa perspectiva, é considerável ler e interpretar as moções, as mensagens e a divulgação na imprensa, relacionadas às conferências como uma forma de os participantes se remeterem a fatos ligados às suas próprias ações ou filiações que revelavam, ora de modo explícito, ora sutilmente, as proeminências ou pertinências dos propositores ou participantes. Entretanto, uma das moções localizadas nas fontes que fazem parte da pesquisa e de exaltação considerável foi a ocorrida na sessão de encerramento da ICEEP- SC, quando se pronunciou imperativamente: ‘De pé, senhores conferencistas!’. Dirigida a Orestes Guimarães, a moção foi cercada de toda aura que se poderia ter em um evento daquela natureza, com elogios que percorreram seu itinerário em solo catarinense até aquele momento. Foram exaltados a pessoa e os feitos de Orestes Guimarães e foi dito que Santa Catarina foi o primeiro estado que “[...] intelligentemente, aproveitou o preparo thecnico paulista, e Orestes Guimarães o primeiro professor paulista que saiu como o homem da parábola, a semear” (Santa Catarina, 1927, p. 581), sendo considerado o ‘Paulo de Tarso do ensino em S. Catharina’. A moção foi publicada no jornal catarinense O Estado:

DE PÉ, SENHORES

Ao encerrar a Conferência de Ensino Primário justo que é, mais uma vez relembremos num instante de gratidão aqueles que foram os pioneiros da nova orientação pedagogica no Brasil, e rendamos a Orestes Guimarães o mestre querido, o leader acatado da Conferencia, aquelas homenagens nascidas da gratidão e continuadas e consolidadas pelo surto de progresso educacional que a reforma nos trouxe [...]

A Orestes Guimarães, as palmas vitoriosas de hoje.

De pé, senhores conferencistas! (Santa Catarina, 1927, p. 581).

Fonte: Santa Catharina (1927)

Figura 17  Excerto da mensagem de encerramento da ICEEP-SC (1927) 

Além das mensagens divulgadas ao longo das sessões ou registradas nos Anais ou nas fontes consultadas acerca das conferências educacionais, outros lugares de enunciação se faziam presentes, sobretudo, a imprensa jornalística que participava desses eventos divulgando as teses, os pareceres ou outras notícias em órgãos oficiais, como era o caso de diários oficiais e de outros jornais de circulação. Pode-se julgar que, à época, a imprensa jornalística significava um recurso destacado de registro de memórias e de divulgação de diversas ordens, que se conjugaria para esses fins, como se pode acompanhar em algumas citações feitas neste texto.

Considerações finais

Os registros dos eventos (Anais ou outro suporte das memórias como as fotografias) auxiliam na apreensão e compreensão da materialidade e dos ritos que eram propostos nas e para as conferências educacionais que participaram desta investigação. Nesse entrelaçamento entre os ‘dentro e fora’ das materialidades e dos ritos, estiveram presentes os programas que intercalavam as sessões ordinárias cujo objetivo era abordar os assuntos das teses e as festividades e outras celebrações; os registros de convites enviados; os registros fotográficos; as notícias publicadas em jornais; visitações; festas; jantares; bailes e bailados; moções elaboradas que foram consideradas em grau de importância para figurar nos registros póstumos desses eventos.

Legitimar as conferências e legitimar-se nesses espaços não se resumia a propor uma tese, participar das sessões e das comissões de análises, emitindo pareces, ou limitar-se às atribuições referentes a esses aspectos. Fazia-se necessário ocupar posições e aproveitar lances para se autorrepresentar nas diversas situações que envolviam esses ocorridos. As conferências sugeriam outras formas de convívios e sociabilidades que transpassavam as sessões para discussão das teses, dando possibilidades para emergirem outras formas de participação, além das propostas em acordo com as temáticas eleitas.

A interpretação desenvolvida neste artigo está relacionada com a possibilidade de que as mensagens enviadas e recebidas, as moções, os artigos publicados em jornais, dentre outras formas de pronunciamento externo às conferências, tinham alcance que transcendia o espaço geográfico e as ações mais pontuais dos eventos e que divulgá-las significava registrar o quanto eles estavam contribuindo para tratar de um assunto de interesse da nação, e não apenas de quem os promovia. Daí que publicar notas na imprensa, enviar mensagens ou emitir moções aos representantes políticos, a personalidades tidas como proeminentes, a setores administrativos ou de instituições consideradas em relevo na área educacional, política ou cultural eram atividades de ordem reconhecida nas conferências. Os entornos das conferências, além de destacarem os sujeitos no interior delas, externavam, projetavam e legitimavam os próprios eventos como coparticipantes do projeto de educação nacional, pela busca da modernidade educacional e pedagógica.

Moderno ou modernidade educacional são aqui tratados a partir das concepções de Le Goff (1990, 1997). No Brasil dos anos 1920, argumentava-se sobre os ideais do moderno/modernidade ao mesmo tempo que o país procurava se equipar com novas técnicas de modernização em diversos setores da sociedade e discutia, em outras áreas, um movimento modernista. É possível presumir que o que constitui o par “antigo/moderno” no Brasil dos anos 1920 implica abarcar os sentidos do que o próprio país representava em termos de modernização: o moderno como consciência da modernidade, a modernização como modernas técnicas que respondessem às necessidades do momento histórico, o modernismo como as transformações sugeridas e efetivadas no campo cultural, sobretudo no campo das artes. Nesse sentido, pode-se propor pensar as conferências educacionais (composição e proposição, incluindo seus entornos) como elementos que compunham o moderno/modernidade nos anos 1920, uma vez que, também com elas e por meio delas, pretendia-se atingir a renovação educacional ou, por vezes, exibir o que se considerava de mais atual e renovado. Nesse aspecto, propor e efetivar a ocorrência de uma conferência era, de certo modo, estar sintonizado com os ideais renovadores, tanto para o campo educacional quanto para a nação.

Personalidades representativas da área educacional reunidas ou representantes da área política, cultural ou de outras instâncias e instituições de notabilidade, bem como o caráter espetaculoso das atividades descritas pelos entornos dos eventos, para além dos debates das temáticas e teses das conferências, permitem grifar tais eventos como elementos e representações do moderno educacional brasileiro nos anos 1920, transcendendo, pelos ritos e materialidades, a demarcação geográfica deles próprios, marcando os seus ‘dentro e fora’.

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1 Em ordem cronológica de ocorrência, aqui serão tratadas pelas siglas: CIEP-RJ; CEPN-PR; ICIP-MG; ICEEP-SC; ICNE-ABE.

2 Informa-se que, quando se tratar de transcrição literal das fontes, serão mantidas as regras ortográficas e gramaticais oriundas do período de produção das fontes.

3 Parte das memórias do ICIP-MG foi registrada nas edições de número 21 e 22 da Revista do Ensino (Orgam..., 1927a, 1927b).

4 As atas foram localizadas na seguinte fonte, listada nas referências: Paraná (1926).

5 Publicação organizada por Costa, Shena e Schmidt (1997).

6 A expressão conferências educacionais utilizada neste texto compreende os eventos a partir das aproximações e dos contornos entre eles. Ainda que possa haver distinções terminológicas específicas para cada termo ou expressão, aqui não serão problematizadas.

7 Nas fontes consultadas, não há registros de desdobramento dessas teses.

8 Entenda-se por ‘inscrição’ o pedido para fazer uso da palavra de acordo com a ordem de solicitação.

9Foram recebidas mensagens dos seguintes locais: Recife, Terezina, Curitiba, Aracaju, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Niterói, Maranhão, Goiás, Natal, São Paulo, Belém, Bahia, Minas Gerais.

10 Egydio Abbade Ferreira, João dos Santos Areão, Henrique Brüggmann, Beatriz de Souza Brito, Raja Gabaglia, Maria Amorim, Catharina Demoro, Marcilio Dias Santiago, Luis Bezerra da Trindade, Antônio Mâncio da Costa, João Toledo dos Santos Junior, Josephina Caldeira de Andrada.

17Rodadas de avaliação: R1: três convites; uma avaliação recebida. R2: um convite; uma avaliação recebida

18Como citar este artigo: Hoeller, S. A. O., & Daros, M. D. Ritos e materialidades nos entornos das conferências educacionais: Brasil nos anos 1920. Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e269

19Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

20Licenciamento: Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 27 de Setembro de 2022; Aceito: 24 de Março de 2023; Publicado: 30 de Junho de 2023

*Autor para correspondência. E-mail: solange.hoeller@ifc.edu.br.

Solange Aparecida de Oliveira Hoeller é pós-doutoranda pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação. Doutora em Educação pela UFSC. Mestre em Educação pela UFPR - Universidade Federal do Paraná. Mestrado em Educação e Cultura pela UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina. Graduada em Pedagogia. Licenciada em História. Professora efetiva - com dedicação exclusiva do IFC - Instituto Federal Catarinense. Atuando na docência em cursos de Licenciaturas e no PPGE (Mestrado Acadêmico) do IFC - Instituto Federal Catarinense. E-mail: solange.hoeller@ifc.edu.br https://orcid.org/0000-0003-3580-8440

Maria das Dores Daros é doutora em Filosofia e História da Educação pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado pela Universidade de Coimbra-Portugal. Professora Titular/aposentada do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), atuando/voluntária no Programa de Pós-Graduação em Educação na linha de Sociologia e História da Educação. E-mail: mdaros@ufsc.br https://orcid.org/0000-0003-3473-3096

Editores-associados responsáveis: Ana Clara Bortoleto Nery (UNESP) E-mail: ana-clara.nery@unesp.br https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

Andréa Cordeiro (UFPR) E-mail: andreacordeiroufpr@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-6963-5261

Gizele de Souza (UFPR) E-mail gizelesouza@uol.com.br https://orcid.org/0000-0002-6487-4300

Marcus Levy Bencostta (UFPR) E-mail: evelynorlando@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-3387-7901

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