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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e272 

DOSSIÊ

Carteiras escolares na cultura material escolar da instrução baiana: saber docente, saber médico-hygiênico (1880-1885)

Pupitres escolares en la cultura material escolar de la instrucción baiana: conocimientos docentes, conocimientos médicos-higiénicos (1880-1885)

Ione Celeste Jesus de Sousa1 
http://orcid.org/0000-0002-9721-750X

1Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, BA, Brasil.


Resumo:

O artigo enfoca a materialidade das carteiras escolares entre o saber docente e o saber médico higienista na substituição do mobiliário em algumas aulas públicas de Salvador, entre 1881 e 1885, acatando o parecer de comissão formada por médicos e professores de methodos do Externato Normal de Homens. Para tanto, utiliza como fontes quatro relatórios da Instrução Pública, pedidos de mobiliário escolar por docentes e dois artigos da Gazeta Médica da Bahia sobre a Hygiene nas escolas. Teórico-metodologicamente, ancora-se na História Cultural Francesa, problematizando micro historicamente práticas culturais escolares expressas em prescrições e pareceres sobre a mobília escolar e na produção brasileira da História da Educação quanto à Materialidade Escolar e Higiene Escolar.

Palavras-chave: materialidade escolar; mobiliário escolar; higiene escolar

Resumen:

El artículo se centra en la materialidad de los pupitres escolares entre el saber docente y el saber médico higienista en la reposición de mobiliario en algunas aulas públicas de Salvador, entre 1881 y 1885, siguiendo el dictamen de una comisión formada por médicos y profesores de métodos del Externado Normal de Homens. Utiliza cuatro informes de Instrucción Pública como fuentes; solicitudes de mobiliario escolar por parte de los docentes; y dos artículos del Gazeta Médica da Bahia sobre Higiene en las escuelas. Teórica y metodológicamente, se ancla en la Historia Cultural Francesa, problematizando microhistóricamente las prácticas culturales escolares expresadas en prescripciones y opiniones sobre el mobiliario escolar; y en la producción brasileña de Historia de la Educación sobre Materialidad Escolar e Higiene Escolar.

Palabras clave: materialidad escolar; muebles escolar; higiene escolar

ABSTRACT

Abstract: This article focuses on the materiality of school desks at the intersection between teaching knowledge and medical-hygienist knowledge, concerning the replacement of furniture in some public schools in Salvador, from 1881 to 1885, following the opinion of a commission composed of physicians, as well as method teachers from the Men’s Normal Day School. To this end, it uses as sources four Public Instruction reports, requests for school furniture issued by teachers, and two articles published in Gazeta Médica da Bahia on hygiene in schools. Theoretically and methodologically, it is anchored in the French Cultural History, problematizing, from a micro historical perspective, school cultural practices expressed in prescriptions and opinions on school furniture, and in the Brazilian production on the History of Education in terms of School Materiality and School Hygiene.

Keywords: school materiality; school furniture; school hygiene

Introdução

O artigo1 apresenta pesquisa sobre a materialidade das carteiras escolares entre o saber docente e o saber médico higienista na tentativa de substituição do mobiliário de origem americana2 pela alemã em algumas aulas públicas de Salvador, entre 1881 e 1885, acatando o parecer de comissão formada por médicos e professores de métodos do Externato Normal de Homens. Articulo este trabalho com uma pesquisa mais ampla sobre a feitura e usos de objetos escolares na Bahia oitocentista, entre as esferas de saberes pedagógicos e médico-higienistas que se consolidaram na segunda metade do século XIX, como indica Jose Gondra (2003, 2018).

A carteira escolar é problematizada como um artefato (Vidal, 2017) da cultura material escolar que se constituiu no século XIX. Como objeto, houve a tentativa de substituição dos bancos costumeiros e das carteiras escolares de modelo americano pelas de modelo alemão nas aulas da escola normal de homens e em algumas aulas públicas das freguesias de Salvador, durante a atuação do cônego Romualdo Maria de Seixas Barroso, quando diretor geral da instrução da província.

A reflexão que efetuo se dá no sentido de que esse processo evidencia tensões e disputas na Cultura Material Escolar baiana oitocentista (Vidal, 2009, 2017), destacando-se: 1) a constituição de um corpo docente que se especializava como “pedagogistas”3, constituído pelos professores de “Methodos de Ensino” do externato normal de homens; 2) os ideais e as críticas sobre a instrução pública expressos em periódicos por um grupo de médicos da Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB), reunido em duas grandes arenas: a) atuação na própria FAMEB, opondo-se ao ensino médico sem prática em laboratórios; b) criação e gerência da revista Gazeta Médica, fundada em 1868.

Na década de 1870, alguns desses médicos escreveram em jornais sobre a Instrução Pública e a Higiene Escolar, evidenciando a emergência de novas sensibilidades sobre a infância escolarizada, como ocorreu em diferentes províncias do império brasileiro, conforme ressaltam, entre outros, os trabalhos de José Gondra (2003, 2018, 2022), Heloisa Pimenta Rocha (2010) e Gizele de Souza (2007).

Na Bahia, um dos protagonistas foi o médico Antônio Pacífico Pereira4, que vivenciou duas incisivas reformas da instrução pública: a de 1870, de caráter conservador, e a de 1881, de caráter liberal. Essa última, segundo Antonieta Nunes (2008), seria a mais importante do período por introduzir modernidades pedagógicas do ensino intuitivo.

A reforma educacional realizada pelo governo de Antonio de Araújo de Aragão Bulcão procurava aplicar em muitos pontos as sugestões dos decretos liberais do ministro do Império Leôncio de Carvalho, adaptando-os, porém, à realidade mais conservadora da classe dominante baiana. Esta reforma introduziu no programa das escolas primárias as Ciências Naturais, Lições de Coisas e Civilidade e, nos Cursos Normais, tornados ambos externatos por esta lei, as Ciências Naturais, Física e Química, a Língua francesa, Desenho de imitação e Geometria, Álgebra e Trigonometria. O currículo deixava de ser meramente humanístico e literário (Nunes, 2008, p. 215).

Contudo, a reforma Bulcão recebeu críticas de Pacífico Pereira na revista Gazeta Médica, logo após sua aprovação5, por discordâncias quanto à duração das sessões de aula, visto que não implementou turnos específicos pela manhã ou pela tarde, deixando um turno livre. Essa era uma antiga reivindicação dos docentes e das famílias, mormente nas regiões rurais, porque, assim, necessitariam de apenas um deslocamento diário.

A DURAÇÃO DAS SESSOES ESCOLARES

Acaba de ser publicada a reforma da instrucção publica n’esta provínciac, n’um de seus artigos lemos o seguinte: <<O ensino será dado em uma sessão diária das 9 horas da manhã ás 2 da tarde (art.3).

Acha-se esta disposição da reforma de instrucção em tão manifesta contraposição ás mais terminantes indicações da hygiene escolar, e aos utilíssimos preceitos da pedagogia moderna, que constristou-nos profundamente o espirito a leitura d’esta quase sentença de condenação lavrada contra as infelizes creanças que tão caro terão que pagar à instrucção primaria gratuita que lhes proporciona o estado (Pereira, 1881, p. 296).

Todavia, as razões de Antônio Pacífico Pereira não eram as dos costumes familiares, das demandas domésticas ou da economia familiar; em sua opinião médico-higienista, uma única sessão de aulas que ultrapassasse quatro horas diárias contrariava os conhecimentos e procedimentos da Higiene Escolar.

A leitura desse texto de Antônio Pacífico Pereira foi meu gatilho para a vontade de investigar as relações entre a materialidade escolar e os saberes médicos e pedagógicos no oitocentos baiano. Ademais, esse interesse me levou às informações verificadas nos trabalhos e reflexões de José Gonçalves Gondra (2003, 2022), Vera Gaspar da Silva (2013), Diana Gonçalves Vidal (2009, 2017), Vera Gaspar da Silva e Raquel Castro (2011), bem como à leitura do artigo de Juarez Tuchinski dos Anjos (2022) sobre as carteiras escolares para o Rio de Janeiro e a Corte e, por fim, Cynthia Greive Veiga (2018) sobre a relação economia e materialidade escolar. Além disso, na elaboração final deste texto, integrei argumentos das teses de Gustavo Rugoni de Sousa (2019) e Wiara Rosa Alcantara (2014), referentes à incorporação dos saberes higiênicos na construção e na disseminação de modelos de carteiras escolares em São Paulo e Santa Catarina. Por fim, o artigo de Gizele de Souza e Vera Gaspar da Silva (2019) a respeito dos negócios comerciais que se articularam aos dispêndios das receitas do Estado com o mobiliário escolar, especialmente, as carteiras escolares.

Historiograficamente, esse interesse por sujeitos e práticas da materialidade escolar oitocentista baiana em suas relações com os saberes médico-higiênicos inserem-se nos campos de pesquisa da cultura material escolar e da higiene do corpo escolar, que vêm se consolidando nas investigações da História da Educação no Brasil, nas últimas duas décadas do século XXI, com propostas e apropriações de conceitos, objetos e sujeitos, ancoradas em diversas vertentes teórico-metodológicas da historiografia. Nesse propósito, as categorias que utilizo como aportes conceituais são “Cultura Escolar, Cultura Material Escolar e Materialidade Escolar”.

Apropriei-me inicialmente da definição conceitual clássica de Dominique Julia (2001) de que a “Cultura Escolar” se constitui não apenas de aspectos simbólicos, mas também das práticas concretas que expressa ou das quais se reveste.

Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (Julia, 2001, p. 10).

Referente às articulações da Nova História Cultural e seus objetos, como os gestos, as sensibilidades, a imaginação, os livros, a escola, Thaís Nivia Fonseca (2003) assinala que os objetos da escola são também objetos culturais, como a leitura, os métodos de ensino, os livros, o mobiliário escolar, portanto, a cultura material escolar. Essa Cultura Material Escolar é constituída tanto do intraescolar (canetas, lousas, livros, compêndios, silabários, translados, mapas, globos, quadros numéricos e mineralógicos, uniformes e demais rouparia) quanto do extraescolar (o edifício, os circundantes, as vias de acesso e as articulações com espaços institucionais de outro tipo, como os espaços médico-higienistas ou suas proposições).

Para essa percepção, foi fundamental para mim a releitura do artigo de Vidal (2009) sobre as possibilidades de operacionalização do conceito de culturas escolares agregando materialidades, como os artefatos escolares e as manipulações, prescrições e performances corporais, que

[...] se efetiva por práticas escriturais e não-escriturais (orais ou corpóreas), em que se acionam os vários dispositivos constituintes dos fazeres da escola, no que concerne às lições e aos usos da materialidade posta em circulação no espaço e nos tempos escolares, que permite tomar a cultura material escolar como importante indício das práticas escolares (Vidal, 2009, p. 32).

Essas reflexões de Julia, Fonseca e Vidal foram minhas bases iniciais para problematizar os escritos de Pacífico Pereira, os quais orientam que a Cultura Escolar jamais se restringiu aos espaços estritos das aulas. Nesse sentido, busquei avançar com base em Vidal (2009), porquanto enfatiza a importância da categoria “Cultura Material Escolar” quanto aos seguintes aspectos: a) reflexão acerca da conservação e da inovação em educação; b) atenção à cultura material como elemento constitutivo das práticas escolares; e c) valorização dos sujeitos escolares como agentes sociais.

Essas três dimensões me permitiram refletir sobre o papel e o lugar dos médicos na constituição da materialidade escolar baiana oitocentista. Primeiro, quando propuseram modelos de mobiliário e do próprio locus escolar, fazendo emergir novas formas de prédios escolares e toda uma demanda a eles articulada. Não por acaso, no período de 1870 a 1881, quando os médicos passaram a publicar artigos sobre a “Higiene nas escolas”, prédios foram reformados nas freguesias do Curato da Sé, Mares e Santo Antonio além do Carmo, para servirem de “casa de aula”. Foi também consolidada a noção de um prédio escolar específico, culminando, em 1880, na construção do primeiro edifício exclusivamente para aulas, através de subscrição popular e de subsídios provinciais, na freguesia de São Pedro Velho, na praça da Piedade, inaugurado em 1881.

O segundo ponto da interferência médico-higienista atingiu a percepção de que a materialidade escolar não se constitui apenas das carteiras. Nesse caso, impactaram e modificaram métodos e práticas escolares dos docentes e dos discentes, conforme tratam Gaspar da Silva e Raquel Castro (2011) e Gustavo Rugoni Sousa (2019), referente às implementações desse artefato escolar e de suas (re)invenções. Na Bahia, por exemplo, o método intuitivo se tornou o padrão na Reforma Bulcão em 1881. Por fim, quanto aos sujeitos da cultura escolar materializada, as suas opções e atitudes, como nas tensões e negociações entre o diretor de instrução e o médico Pacífico Pereira, a partir da crítica ao texto de reforma da instrução pública, em janeiro de 1881, que culminou na constituição de comissão para dar parecer sobre as carteiras escolares e a subsequente agenda de compras das carteiras alemãs em 1882.

Para compreender esse processo de compra, dialoguei com a historiografia temática. Assim, verifiquei que Silva (2013) investigou as configurações da materialidade escolar comparando Brasil e Portugal e analisou o espaço escolar na condição de local de existência das escolas, bem como as suas limitações aos tipos e usos do material escolar ante a expansão da prática conjugada do ler e escrever. Nesse sentido, Silva e Castro (2011) focaram a habilidade de escrever e na incorporação da mesa e da carteira como prática escolar na província de Santa Catarina, a partir de seus novos significados e do uso como suporte para a leitura e a escrita.

Com a chegada do ensino da escrita, passou a ser fundamental ter-se um apoio para colocar a lousa, a ardósia ou o papel para escrever. A mesa ou a carteira foram ganhando espaço nas salas de aula, acompanhando métodos de ensino e se estabeleceram como objetos potencializadores da escrita. A base material da escola acompanharia, ao mesmo tempo em que as indica, as alterações no universo escolar. Estudos acerca de alterações desta natureza podem, então, contribuir para compreender situações que se enredam na história da forma escolar (Silva & Castro, 2011, p. 211).

Silva (2013, p. 218) considera que, nos saberes docentes ensinados na Escola Normal catarinense, a mobília destacou-se como dispositivo da escola em virtude do seu conforto e da sua higiene. Juntamente com Castro, argumenta que,

[...] embora na vida privada ou em cenas públicas as cadeiras pudessem ter relação com o conforto e com o status social, na cena escolar elas não respondiam pela mesma função. Bancos e cadeiras ordenavam espaços e sujeitos dentro de um universo delimitado. Na escola, mesa e cadeira encontraram força singular que as transformaram em objetos com atuação direta na higiene do corpo, na disciplina, no conforto e na aprendizagem. Perpetuaram-se como objeto fundamental para um bom ensino. Algumas delas, no entanto, ganharam um real espaço no ensino quando se tornaram necessárias como apoio para escrever, pois até então ensinava-se, primordialmente, a ler (Silva & Castro, 2011, p. 209).

Esses argumentos historiográficos sobre a materialidade escolar da carteira e a respeito do corpo e da disciplina escolar são fundamentais para analisar os dois artigos de Pacífico Pereira referentes à higiene escolar nas escolas baianas, enfocando a percepção da sua franca disputa de saberes com os responsáveis pela instrução provincial. Ressalto também a sua presença como “especialista” médico na comissão referente a esse artefato junto à Diretoria de Instrução Pública, em 1881.

Após essa delimitação, uma leitura importante para direcionar meu olhar foi a recente tese de Gustavo Rugoni de Sousa (2019), centrada na (re)invenção do mobiliário escolar oitocentista catarinense. A hipótese principal do pesquisador é a de que ocorreu a construção de um mobiliário escolar específico para equipar salas de aula de escolas públicas primárias na segunda metade do período oitocentista, ante as tensões da ampliação da escolarização de massas, impactada pela obrigatoriedade escolar, sob três fundamentos: o pedagógico; o higiênico; e o econômico. Esses fundamentos constituíram-se em ideias e práticas de modernização pedagógico-higienista que circularam em modelos internacionalizados6.

Assim, observou-se que o mobiliário escolar passou a estar no centro dos debates e a se articular com um projeto político-educativo que objetivava fazer da escola um aparelho modelar, capaz de instruir as classes menos abastadas e ensinar hábitos e condutas que estivessem de acordo com a civilidade almejada.

Dessa forma, discursos e argumentos que circularam internacionalmente colaboraram para que um mobiliário considerado ideal passasse a ser fabricado em diversos países e fosse reconhecido como um dos símbolos da educação moderna, o que permitiu identificar a (re)invenção de seus sentidos e significados (Sousa, 2019, p. 15).

Essa investigação retoma a categoria “modernidade pedagógica”, cara aos trabalhos mais clássicos de Clarice Nunes (1996) e Carlos Monarcha (1999), focados no período da primeira república e, por esse motivo, me permitiu refletir sobre uma das razões para a escolha das carteiras alemãs: seria uma sinalizadora de modernidade na perspectiva de Pacífico Pereira, que fizera viagens de aperfeiçoamento médico na Alemanha e na Escócia, onde se aproximou das questões referentes ao espaço da sala de aula e à saúde infantil, como a da miopia.

Aproxima-se de seu enfoque o texto de Alcantara (2014) acerca da carteira escolar ser um vetor econômico, por dinamizar as demandas de fabricação, compra e consumo nos locais de instalação de aulas e escolas em São Paulo, também pelo viés da circulação de saberes e práticas. Interessou-me bastante a sua classificação dos sujeitos envolvidos nesse processo de incorporação/circulação a partir da noção de mediadores culturais, permitindo-me novas possibilidades de refletir sobre os lugares sociais dos sujeitos envolvidos enquanto atores sociais.

Assim, comecei a perceber Pacífico Pereira, o médico higienista, como o viajante cultural; Antonio Bahia da Silva e Elias Nazareth, os professores especialistas em pedagogia e métodos de ensino, como mediadores culturais e tradutores da modernidade pedagógica oitocentista; Romualdo Barroso, o diretor de instrução, o administrador público; e Tiburcio Jezler, o comerciante que intermediou as compras das carteiras alemãs, o qual acionou as relações comerciais internas e externas para criar as condições físicas, concretas de compra (Alcantara, 2014). Nas palavras da autora,

É preciso saber como as carteiras exibidas nas Exposições Universais e Nacionais chegaram às escolas paulistas. Num primeiro momento, chegaram via importação e, para tanto, os administradores públicos e escolares se valeram de viajantes, mediadores e tradutores culturais (representantes e agentes comerciais, casas importadoras) (Alcantara, 2014, p. 37).

Em seguida, na confluência da investigação sobre as relações comerciais na incorporação, disseminação e escolha das carteiras escolares, realizei a leitura de Souza e Silva (2019). O texto refere-se aos sujeitos, aos usos e às feituras dos artefatos do mobiliário escolar como possibilidades de investigação da materialidade escolar, enquanto professores, administradores, artesãos locais, instituições de manufatura e formas de usos, com os quais as fontes consultadas coadunam. Com base nessas proposições, dividi este artigo em duas seções, além da Introdução e Considerações Finais. Na primeira, trato das “Mobílias Escolares” como sendo a expressão de saberes e tensões escolares em disputa e indício do modo como a provisão de mobílias escolares foi se consolidando como uma preocupação na instrução pública baiana. Na segunda seção, abordo a encomenda das novas carteiras de aula em 1881, as “carteiras alemãs”, na perspectiva de indiciar o diálogo e a tensão com os médicos na prescrição de preceitos higiênicos na materialidade escolar.

Cultura material escolar e mudanças entre os métodos de ensino

Destaco, aqui, que os “pedidos” e “precisos” são os registros das demandas de professores e professoras sobre assuntos diversificados. Interessam-me aqueles sobre objetos que deveriam ser supridos pelo Governo, como a mobília escolar.

Referente às aulas públicas provinciais baianas e o seu mobiliário, Sousa (2020, p. 111-112) analisou esses precisos e pedidos entre 1870 e 1890 e evidenciou a falta de diversos “utensílios” para além das mobílias stritu sensu, como bancos, cadeiras, carteiras. Segundo a autora, ainda no início década de 18707, quando o método de ensino prescrito continuava o mútuo, era visível a ausência de lousas de ardósias e de caixas de areia para a escrita; bancos e mochos para monitores; mesa e o estrado para o/a docente. Consoante a informação de professores/as que mencionavam ter comprado com recursos pessoais o mais necessário. Essa experiência também foi vivenciada em outras províncias, como analisam Souza e Silva (2019) e Alcântara (2014).

Fica evidente nesses ofícios a emergência de uma concepção de “móvel escolar”, que deveria ser adaptado à idade e aos corpos dos alunos e alunas, idealmente crianças menores de 13 anos e maiores de 07, expressando uma nova sensibilidade quanto ao corpo infantil escolar. Para Gondra (2003) e Sousa (2019), essa sensibilidade sobre a adequação ao corpo escolar, idade escolar, corpo infantil escolarizado sofreu desdobramentos por todo o restante do século XIX, evidente nas repetidas reclamações sobre “cadeiras sem simetria e de formatos irregulares”.

Em texto sobre a emergência da carteira escolar como suporte do escrever em Santa Catarina, Silva e Castro (2011) indicaram essa percepção de inadequação do mobiliário das aulas quanto à simetria e harmonia. De forma próxima, Wiara Alcantara e Gustavo Rugoni Sousa também se referem às críticas feitas quanto ao formato das carteiras escolares, em São Paulo e Santa Catarina, ao tratarem das redes de internacionalização e comércio desses objetos e das proposições higiênicas para a sua constituição.

Ainda, na escrita deste artigo, considero importante atentar para o valor moral e estético que se constituía sobre o mobiliário escolar, que re-hierarquizou espaços escolares, tomando como indecentes as condições de desarmonia e de deselegância no mobiliário de uma aula situada em uma freguesia do centro da capital soteropolitana. Essa sensibilidade, mais uma vez, me remete ao fato problematizado por Silva e Castro (2011) quanto aos deslocamentos nos significados e nos usos dos móveis escolares em consonância com a própria complexidade dos atos do ensinar a escrever, como habilidade social, nesse período do século XIX.

Um indício, na Bahia, foi a prescrição no Regulamento de 1873 de ensinar “caligrafia” nas duas escolas normais da província, pela prática de repetição de exercícios via modelos de letras, como o da “Caligraphia aplicada especialmente ao caracter de lettra inglesa, em exercícios de bastardo, bastardinho, e cursivo, e letras gothicas” (Carvalho, 1873, p. S1-14). Uma outra pista sobre o ensinar a escrever e as novas sensibilidades relativas à criança escolar se apresenta no artigo escrito pelo médico Pacífico Pereira, quando o autor trata das dimensões ideais da sala de aula e de suas consequências sobre a respiração/ventilação, a myopia e as doenças do corpo infantil escolarizado:

Quanto a posição no acto de escrever, a distância entre a meza e os olhos deve ser de cerca de 25 centimetros (10 polegadas aproximadamente; raro encontrar a comissão uma criança que pudesse escrever conservando os olhos a esta distância do papel.

A muitas era necessário approximar o rosto a 7 centimetros do caderno da escripta. A conclusão geral da comissão e do Professor Pfluger é que de todos os males enumerados o peior e o que exige a mais urgente reforma é o que provem das mezas e bancos escolares, actualmente em uso (Pereira, 1883, p. 515).

Todavia, pelo teor dos “ofícios”, “pedidos” e “precisos” enviados pelos/as professores/as e inspetores escolares até o final do período provincial, poucas mudanças concretas ocorreram quanto ao provimento das mobílias escolares e dos demais utensílios da materialidade escolar. Todavia, acredito que merece atenção a repetida solicitação aos cidadãos para doar mobiliário como forma de exercer a cidadania, expressa em vários âmbitos e tipos de documentos oficiais, coadunando com o analisado por Souza e Silva (2019) em relação aos sujeitos de confecção e comércio da materialidade escolar.

A conclamação foi atendida pela câmara municipal do arraial de São Vicente Ferrer de Areia, que se encarregou da confecção da mobília da aula feminina em 1880, conforme ficou registrado em ofício encaminhado à direção da Instrução Pública (Barroso, 1882). Em Salvador, o professor Antônio Bahia da Silva Araújo, regente da cadeira masculina do Curato da Sé, região central da capital, mobiliou a custo próprio a sua sala de aula com carteiras de modelo americano em 1878/1879, pois eram consideradas adequadas ao método simultâneo.

Em 1882, esse professor, Antônio Bahia, foi elogiado como exemplo de docente pela escolha e compra de carteiras escolares para o externato normal de homens, em acordo firmado com o governo da província8. Esse mobiliário escolar montado pelo professor Antônio Bahia é mais um rastro na investigação sobre a transição entre as carteiras escolares feitas na casa de prisão com trabalho e aquelas executadas pelos artesãos particulares versus as carteiras vindas do “estrangeiro”, especialmente de duas nações: Estados Unidos da América do Norte e Alemanha.

É -me agradável anunciar a V.Ex que ao actual professor de pedagogia do estabelecimento normal de homens, Antonio Bahia Silva Araujo, um dos mais talentosos e eruditos membros do magistério da província, deve-se a creação da eschola a que acabo de referir-me. A escolha do material foi inteiramente d’elle, o que prova o conhecimento que tem dos progressos da educação nos paizes mais adiantados; e, como V. Ex verá do relatório do Sr. Conselheiro visconde de Paranagua, o dito professor solicitou, e obteve dos Exmºs Srs. Conselheiro barão Homem de Mello e barão de São Francisco, permissão para mandar buscar na Europa e nos Estados Unidos o material indispensável, á custa da província, mas mediante desconto mensal pela decima parte de seus vencimentos, como aprouve ao governo resolver, atento o oferecimento que lhe foi feito (Dantas, 1882, p. 20).

Os ofícios dos docentes da década de 1880 indiciam que as tensões nos usos das mobílias se adensaram no transcorrer desse período. A maioria dos enviados pelos professores era contra as novas exigências referentes à oficialização do método simultâneo, com as lições de cousas, de civilidade e do modelo intuitivo. Eram, em certo sentido, recusas diante da disseminação de novas percepções de sala de aula, de usos dos utensílios, que criavam novas sensibilidades e “necessidades” no ensinar, conforme ressalta Silva (2013, p. 220):

Já se dispõe de conhecimentos suficientes para saber que essa não é uma preocupação desinteressada, pois ela indica uma educação do corpo que vai diferenciar o sujeito escolar na cena pública: corpo ereto, movimentos comedidos e olhar direcionado são aspectos que compõem a hexis corporal do aluno, tema caro a Michel Foucault.

No entanto, indiciam também as formas e decisões quanto à elaboração do mobiliário escolar, a sua falta, quanto aos dispêndios da Instrução Pública, às tensões e disputas entre quem fazia e quem comprava o mobiliário escolar, como analisaram Souza e Silva (2019), Sousa (2019) e Alcântara (2014), que apresento na seção seguinte, a partir do embróglio das carteiras alemãs de 1882.

Tensões no suprimento das carteiras escolares: das americanas às alemãs

Durante a década de 1880, poucas correspondências docentes e das Comissões Literárias escaparam de reclamar sobre a falta de utensílios escolares, mormente das mobílias. Nesse sentido, o presidente João dos Reis de Souza Dantas, político liberal, em 1882, referiu-se ao “material das escolas” como de fundamental importância.

O material escholar é tão necessário na casa em que se ministra-se a primeira instrucção, como nas fabricas os instrumentos para ellas funccionarem.

Negal-o é não querer que o ensino se dê (Dantas, 1882, p. 19).

Informou, então, sobre a compra de novas carteiras escolares, encomendadas em 1881, no governo antecessor, dando satisfação à oposição na assembleia provincial e expressando uma preocupação quanto à resistência que essa compra sofria:

Em virtude de solicitação do digno diretor geral da instrução pública, autorizou o Sr. Conselheiro visconde de Paranaguá a comprar, no país ou no estrangeiro, pela maneira mais econômica de acordo com as exigências de ensino, mobília para as aulas primarias da capital, sendo as existentes nas mesmas aulas remetidas para as escolas do litoral e as de tais escolas para o centro da província. Foi acertada providência: ‘para minorar o mal, quanto possível, na atuaes circunstâncias’ (Dantas, 1882, p. 16, grifo do autor).

Na citação, é evidente a hierarquia entre centro/periferia no provimento das escolas, vide a circulação do material entre escolas de 2ª e 3ª classe na própria capital, assim como das situadas no interior da província, de 1ª classe. Essa circulação de mobílias é também salientada em ofícios de professores que herdaram a mobília antiga, bem como por aqueles que a liberaram, por terem recebido uma nova. Contudo, continuava parco o número de aulas públicas primárias com mobiliário, especialmente as desejadas carteiras escolares. Essa era uma experiência comum a algumas outras províncias, como apresentam as pesquisas de Alcantara (2014), Sousa (2019) e Souza e Silva (2019).

Mas qual era a mobília nova, que vinha substituir o “systhema antigo” do banco feito localmente? O diretor de instrução, Romualdo Barroso, expressou a delimitação de dois momentos na feitura dessas mobílias escolares. Um novo, o tempo das carteiras científicas. E um anterior, o “tempo dos artesãos”, ao qual se referiu de forma depreciativa, quanto à habilidade pessoal do “artista”. A sua censura incidiu na pretensa falta de conhecimento médico-higiênico na técnica do artista, no seu “saber-fazer”, ao usar a expressão “sem consultar, porém, as prescripções da sciência”.

MATERIAL ESCHOLAR

Que há falta absoluta de mobília em quase todas as escholas da capital é facto incontestável.

Ahi estão, para proval-o, além das repetidas queixas produzidas (pela imprensa, os relatórios dos diretores das escholas normaes e os das comissões que examinarão nas escholas primarias, e inúmeros officios que todos os dias recebe esta directoria, já dos presidentes das comissões literárias e parocheaes, já dos proprios professores.

As poucas existentes em algumas escholas não podem prestar-se ao fim á que forão destinadas.

Quando se tratava de preparar um a mobilia escholar, remetia-se ao artista encarregado da obra uma tabela de preços, sem as necessárias explicações.

Seguia ele a sua natural inspiração. Se era hábil, preparava uma obra mais ou menos bonita, sem consultar, porém as prescripções da sciência (Barroso, 1882, p. 64-65).

Informou que se dirigira às oficinas de marcenaria da Casa de Prisão com Trabalho, que, desde a década de 1860, efetuavam esse serviço (Sousa, 2020; Souza & Silva, 2019), a fim de encomendar carteiras com dimensões médico-higiênicas no modelo Lenoir, atitude de administrador escolar representante do governo, mas também como tradutor cultural dos novos modelos e concepções pedagógico-higiênicas, conforme a categorização utilizada por Alcantara (2014). Na ocasião, levou um modelo pessoalmente escolhido de cadeira escolar.

Na casa de prisão com trabalho mandei preparar uma cadeira pelo modelo neuchatelez do Dr. Guilherme, tomadas as dimensões da mobília (sistema Lenoir) existente na eschola anexa ao externato de homens. Ignoro o motivo por que o artista não seguiu á risca as indicações que lhe forão dadas.

Além da carteira, encommendada, apresentou ele de motu-proprio outra carteira, imitação do modelo americano (Barroso, 1882, p. 69).

Com base nos resultados de comissão investigativa das condições de ensino do primeiro9 distrito fiscal da Capital, afirmou que, entre os problemas detectados, destacavam-se as carteiras, inclusive, como falha na higiene escolar. Assim, defendeu a troca dos “antigos bancos”, em razão de suas “inconveniências”, especialmente a falta de encosto. Essa ausência não atendia às exigências racionais de adequação do corpo infantil escolar, argumento encontrado na historiografia referente a outras províncias do país:

‘Se atendermos as condições da mobília’ diz em seu relatório a comissão examinadora do 1º districto, ‘veremos que ella está em completo desaccôrdo com a regras de hygiene. Ainda hoje se usão na maioria das escholas os antigos bancos conhecidos com a denominação de carteiras, onde as crianças são obrigadas a levar sentadas horas inteiras de estudo, sem terem um encosto onde possão repousar os músculos do dorso, que, pela posição forçada em que se achão, obrigão-nas a atitudes viciosas, sem que sejam respeitadas as condições racionaes da estatura de cada uma d’ellas, segundo as quaes devem inevitavelmente varias também as condições dos bancos em que tenham de estudar’ (Barroso, 1882, p. 65, grifo do autor).

Na sua escrita, fica evidente o uso de termos específicos de morfologia, fisiologia e anatomia, além de uma semiótica médica. Esses termos são indícios da interseccionalidade entre saberes docentes e saberes médico-higiênicos no período:

‘No entanto esta hoje demonstrado a toda evidencia, que das condições irracionais da mobília escholar resultão graves inconvenientes para a saúde das creanças: - as hemorrhagias nasaes, os desvios da coluna vertebral, as cephalalgias intensas, o bócio escholar, as moléstias de olhos, as perturbações da digestão’ (Barroso, 1882, p. 65, grifo do autor).

Essa interseccionalidade médico-pedagógica foi a base para a comissão dar parecer sobre a compra de novas carteiras escolares em 1881. A comissão era formada por três professores do externato normal de homens, Joaquim José da Palma, diretor; Antônio Bahia da Silva Araújo, professor de Pedagogia, cadeira de Métodos de Ensino; e Elias Figueredo Nazareth, da cadeira de Métodos de Ensino. Além desses, estavam o conhecido dr. Pacífico Pereira e o médico Francisco dos Santos Pereira.

Em 24 de outubro nomeei uma comissão de professores, para dar parecer sobre essas cadeiras, se devião ser adoptadas em nossas escholas -se precisavão de modificações e quaes, etc. os distinctos facultativos Dr. Pacifico Pereira e Dr. Francisco dos Santos Pereira, por convite meu, dignarão-se a prestar à comissão o valioso auxilio de suas luzes. No dia 25 comparecerão n’esta repartição e depois de examinarem as carteiras, declararão-me que não servião para mobília escholar. Sob proposta de um dos membros da comissão, resolverão organizar um modelo com uma tabela de dimensões para construção dos bancos e carteiras para as escholas da Província (Barroso, 1882, p. 69).

Os membros da comissão também recusaram a peça feita pelo “artista”, mestre da oficina de marceneiros da Casa de Prisão com Trabalho. Por esse motivo, apresentaram uma proposição pedagógico-higiênica, conforme evidencia o Relatório de 1882:

BAHIA, 1º DE MARÇO DE 1882.- ILLM.Rvd. Sr- A comissão abaixo assignada, encarregada por V.S Rvm de apresentar um systema de mobília escholar que reúna todas as condições exigidas pela hygiene, submete á illustrada consideração de V. S. Rvm, o incluso modelo, acompanhado de uma tabella e das indicações que devem ser observadas nas mezas e bancos destinados ás escholas publicas primarias desta Provincia (Barroso, 1882, p. 69).

A comissão encaminhou um conjunto de orientações constituído por um modelo de carteira, uma tabela de dimensões e por outras indicações, em consonância ao que ocorria em outras províncias do Brasil (Sousa, 2019; Alcantara; 2014).

Indicações para servirem à construção das mesas e bancos escolares

1.ª A mesa e o banco devem formar uma só peça.

2.ª Cada peça deve servir somente para dous almnos.

3.ª Cada logar deve ter pelo menos 45 centímetros para os menores e 50 para os maiores.

4.ª A maior diferença de altura entre os meninos que se assentão no mesmo banco não deve exceder de 15 centímetros.

5.ª Os bancos devem ter largura bastante para que as nadegas e 3/5 das côxas descansem sobre eles.

6.ª A altura dos assentos deve ser de tal, que, estando o alumno sentado, formem a perna e a côxa um ângulo recto, e a planta do pé descanse no chão.

7.ª Os bancos devem ter um encosto convexo, de fórma que offereça um apoio commodo á curvadura lombar da coluna vertebral.

8.ª O encosto deve ter uma altura tal, que permita que os meninos, descansando sobre eles os cotovelos, aliviem por momentos a parte inferior do tronco do peso do corpo que ella sustenta.

9.ª A distância horizontal entre a borda anterior da mesa e a do banco deve ser nulla.

10.ª A taboa da mesa deve ter uma inclinação de 15.º, e ser dividida longitudinalmente, de modo que se possa levantar a parte anterior, afim de que os meninos possão, quando seja preciso, ficar em pé entre a mesa e o banco.

11.ª E cada mobília escholar haverá pelo menos cinco dimensões diversas para as estaturas correspondentes ás edades de 6 a 15 annos.

12.ª Para a construção das mobílias escolares serão adoptadas as dimensões da tabela anexa (Barroso, 1882, p. 70).

Os pareceristas indicaram dimensões para a elaboração da mobília, dividindo os alunos em cinco classes, referentes às suas estaturas, conforme os artigos 11º e 12º do parecer. Estribado nesse parecer, o diretor geral resolveu encomendar a compra das cadeiras escolares na Alemanha, após solicitação especial de liberação de verbas junto ao Presidente da Província, o conselheiro Cunha Paranaguá.

O que seria mais vantajoso? Preparar as mobílias aqui mesmo, ou mandal-as vir do estrangeiro?

Não tendo ainda idéa assentada a respeito, e sendo urgente informar o requerimento d’aquelle negociante- pedi ao digno antecessor de V. Ex. que se dignasse auctorisar esta directoria a fazer a acquisição da mobília e mais utensílios necessários às escholas primarias da capital, bem como ás duas casas normaes. Mandando preparal-as no paiz, ou encommendal-as na Europa, pelo modo mais econômico e vantajoso.

S. Ex por um acto de confiança Que muito me honra, concedeu-me a auctorisação pedida (Barroso, 1882, p. 72).

Serviu de intermediário o comerciante Tiburcio Jezler, identificado em registro do Almanaque Estado da Bahia (1910), como atuante no setor de “Armarinho” e sito na freguesia da Sé. Esse negociante ofereceu seus préstimos antes do parecer da comissão, apontando para o que foi problematizado por Alcantara (2014), Veiga (2018) e Souza e Silva (2019), no que se refere às relações entre economia e comércio, mundo político institucional e a materialidade escolar,

Cerca de sete mezes antes de receber o officio da Comissão, á Presidencia da Provincia tinha requerido o honrado negociante da nossa praça, Tiburcui Jezler, o fornecimento do material escholar, obrigando-o a mandar buscal-o na Allemanha (Barroso, 1882, p. 71).

Não foi uma decisão sem dúvidas, especialmente quanto ao valor alto de dispêndio, por volta de vinte e cinco contos de réis. “Como verá V. Ex. do dito contracto, anda a despeza em 44.935 marcos. Tomando por base o cambio de hoje 20 – regula em nossa moeda 25:478$145” (Barroso, 1882, p. 75). No que se refere ao modo como agiu, infelizmente não explicitou no relatório quais pessoas consultou:

Depois de ouvir as pessoas entendidas e judiciosas, considerando que seria mais vantajoso, já me razão do preço, já em razão da perfeição da obra, mandar vir as mobílias da Europa, celebrei com o dito negociante Tiburcio Jazler o contracto, que V. Ex acaba de aprovar em officio de 24 do corrente (Barroso, 1882, p. 72).

Assim, a redação do contrato registrou os riscos para ambos os lados. Do lado do comerciante, os referentes à entrega, atraso, condições, material etc. Com relação a essa questão, destaco o caput:

CONTRACTO

Aos 18 dias do mez de março de 1882, nesta cidade de AS. Salvador, Bahia de Todos os Santos e secretaria da directoria da instrucção publica, presente o Revd. Sr. Conego Dr. Romualdo Maria de Seixas barroso, compareceu Tiburcio Jazler, para o fim de fazer o seguinte contracto.

Obriga-se o contractante:

A mandar vir diretamente de Berlim do fabricante A. Lickroth e C, pelos preços do catalogo que fica deposto na directoria geral da instrucção publica, apenas variando o valor do marco conforme as oscilações do cambio, os seguintes moveis: [...] (Barroso, 1882, p.72).

Restaram ao governo, além do pagamento, as críticas pelo gasto alto e, provavelmente, o desagrado dos descontentes “artistas” locais e da direção da casa de prisão com trabalho que não obteve a encomenda tradicional, bem como dos comerciantes locais de cadeiras. Acusações morais existiram, como evidencia a sua escrita:

MATERIAL ESCOLAR

Está felizmente satisfeita, em parte, uma das urgentes necessidades do ensino primário nesta provincia- o material escolar.

Graças a autorização que deu-me o Exm. Sr. Conselheiro Paranaguá, as duas casas normaes e as escolas primarias da capital vão ser providas de escolhido material vindo da Allemanha.

O contracto celebrado com o negociante Tiburcio Jezler deu logar ás mais infundadas accusações por parte da imprensa opposionista desta terra.

Ferirão os brios do homem e a dignidade do funcionário publico.

Repeli com energia as injurias assacadas á minha pessoa. Mercê de Deus, hei de retirar-me deste logar com a consciência calma e a fronte erguida (Barroso, 1883, p. 36).

A entrega de um primeiro lote de carteiras escolares, composta de cadeira e banco, está registrada no relatório de 1884 e indiciada em ofícios do professor da aula masculina da freguesia da Conceição, Benvimdo Barbosa, que iria recebê-las em 1883. Foram aulas privilegiadas, pois pouco mudou nas demais. A concentração das carteiras alemãs deu-se nos dois externatos normais, o de Homens e o de Senhoras, de forma equânime. Com base nas informações, elaborei a Tabela 1, a seguir.

Tabela 1 Primeiro lote de carteiras escolares alemãs em 1884 

Material Escola normal de homens Escola normal de senhoras
Banco de Desenho 14 14
Bancos Simples 28 28
Carteiras de Professores 3 3

Fonte: Elaborado pela autora com base em Barroso (1884, p. 24-25).

Quanto às mobílias existentes, fossem as carteiras ou os bancos mais tradicionais, o relatório de 1884 informa que foram redistribuídas nas demais aulas das freguesias da capital. Uma evidência é o ofício de 1883 do professor Bemvindo Alves Barbosa, da freguesia da Conceição da Praia. Ansioso para receber as “mobílias modernas”, dirigiu-se ao diretor de instrução e recebeu a orientação de procurar seu inspetor, escrita no alto do ofício, costume do cônego Romualdo Barroso, que grifo em itálico e negrito.

Bahia e escola publica primaria do sexo masculino da freguesia da Conceição da Praia, 14 de Maio de 1883.

O [ ] deve entender-se com o Dr. Inspector Litt. a quem foram dadas as precisas informações.

Illmo Revmo Senr.

Estando prestes a receber a mobilia moderna, que virá substituir a de systhema antigo, em a escóla, sob minha regencia, cumpre consultar V.S. que destino deverei dar a ultima supra mencionada, visto como não tenho em casa espaço, onde possa accomodal-a, devendo, pois, ser ella retirada, logo que chegar a outra (Barbosa, 1883).

Em relação a outras evidências do envio de mobiliário escolar para o interior da província, fosse litoral, centro ou sertão, ainda não encontrei registros, exceto para as cidades de Cachoeira e Maragogipe, no recôncavo açucareiro, sede da riqueza provincial. Os antigos bancos de madeira foram enviados para as freguesias suburbanas da Capital, como Paripe.

Em virtude do contracto celebrado entre esta directoria e os negociantes Tiburcio Jezler, forão recebidos os seguintes moveis: [...]

Os moveis acima declarados forão distribuídos do seguinte modo:

Da antiga mobília retirada das escolas da capital receberão carteiras americanas a 1ª escola do sexo masculino da cidade da Cachoeira e a 2ª escola do sexo masculino da cidade de Marogogipe. Das carteiras feitas no paiz mandei algumas para as escolas do sexo feminino de Paripe e da Olaria. As outras que se poderem aproveitar irão sendo distribuídas opportunamente (Barroso, 1884, p. 24).

Todavia, ofícios de professores, no limite do Império, 1888/1889, bem como dos anos iniciais da República em diante, evidenciam a continuidade da falta do mobiliário escolar. Ademais, mostram as dificuldades na execução do método de ensino proposto e prescrito oficialmente, o intuitivo, assim como das demais práticas escolares articuladas a essa falta de materialidade escolar.

Considerações finais

Neste artigo, objetivei analisar algumas das relações entre a materialidade das carteiras escolares e os saberes docente e médico higienista, a partir do episódio de tentativa de substituição das carteiras escolares existentes nas escolas normais e em algumas aulas públicas, com base em um parecer de comissão bipartite entre professores especialistas em métodos de ensino e médicos que se apresentavam como especialistas em Higiene, particularmente como defensores da implementação da higiene nas escolas. Concomitante a esse objetivo, as fontes utilizadas evidenciaram, primeiro, a existência de sujeitos que atuavam na interface com o campo das atividades educacionais, especialmente médicos, corroborando com a historiografia já existente para outras províncias, como as de São Paulo, Santa Catarina e Paraná, cujas pesquisas compõem a base historiográfica de meu trabalho.

Além disso, considero que tenha ficado evidente a prática de composição de comissões mistas de professores e médicos para a elaboração de pareceres especializados, apontando a constituição de corpos de especialistas reconhecidos, ou seja, pedagogistas e higienistas. Ainda, conforme discuti, além das carteiras de origem estadunidense/americanas, havia a feitura de carteiras por “artistas” locais, inclusive da casa de prisão com trabalho, que tradicionalmente recebia encomendas do governo da província, também em concordância com as pesquisas já existentes sobre a diversidade de sujeitos e interesses na constituição da materialidade escolar. Há indícios de que o episódio criou desagrados morais e pressões políticas contra o diretor de instrução.

Uma outra questão que tornou-se destaque foi a prática de doações de cidadãos para a execução de projetos escolares, como a edificação de prédios e a feitura de mobiliário, além do registro da multiplicidade de seus formatos, da presença de sujeitos na elaboração, feitura e usos dos artefatos, da circulação entre mobílias novas e velhas, da constituição de sensibilidades estéticas relacionadas à classe e ao lugar social naquela sociedade marcada pelas categorias de cor/raça. Essa percepção da multiplicidade de sujeitos e espaços sociais onde estavam instaladas as aulas públicas amplia as possibilidades de interseccionalidade com as questões de raça e classe, tão presentes na Bahia oitocentista, ainda escravocrata, ao permitir perguntar: quem frequentava as aulas das freguesias mais distantes? Quem exercia o magistério? Por exemplo, entre os três professores de métodos de ensino do externato normal de homens, entre 1881 e 1882, dois eram negros. Na classificação da época, o pardo Elias Nazareth e o preto Malaquias Perminio Leite.

Outra possibilidade é investigar a emergência de novas sensibilidades no higienismo escolar a partir de outras publicações e ações dos médicos e os seus desdobramentos em publicações nas revistas de normalistas, na própria Gazeta Médica, em teses de doutoramento, enfim na constituição da Higiene Escolar e Pediatria como campo médico-pedagógico. Inclusive, porque, como ensina Marcus Bencostta (2020, p. 336), é necessário “[...] tensionar essa relação entre o movimento higienista e as exigências pedagógicas na adoção de modelos idealizados de mobiliário escolar, visto que nem sempre foi a preocupação maior daqueles que concebiam os móveis escolares a higiene da criança”.

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1Nas citações, mantive das fontes a escrita de época.

2Utilizo o termo ‘americana’ em confluência com os registros das fontes. Em pesquisas sobre a materialidade das carteiras escolares e sua internacionalidade, Gustavo Rugoni de Sousa (2019) e Wiara Alcantara (2014) debatem a categoria ‘carteiras estadunidenses’, na perspectiva da transnacionalização dos artefatos e ideias pedagógicas. Contudo, uso a categoria ‘carteira americana’ para a opor em termos de nacionalidade à ‘carteira alemã’.

3‘Pedagogista’ é o termo nas fontes. Antonio Bahia da Silva e Elias Figueredo Nazareth, membros da comissão, atuaram anteriormente no magistério público elementar em aulas no interior da província ou nas freguesias.

4Segundo a Academia de Medicina da Bahia, Antônio Pacifico Pereira foi notável médico no último quartel do século XIX, tendo militância republicana. Membro fundador e redator-principal da A Gazeta Medica da Bahia. Recuperado de: https://www.academiademedicina-ba.org.br/a-academia/membros-titulares/antonio-pacifico-pereira.html

5Elaborada no governo de Antonio Aragão Bulcão (1880), promulgada em 05 de janeiro de 1881 e regulamentada em 1886, expressa parte das concepções liberais na Bahia. Contou, na sua elaboração, com o cônego Romualdo Barroso que, logo após sua promulgação, assumiu a direção da Instrução Pública e nela atuou por quatro anos consecutivos.

6Considero importante a perspectiva que apresenta da internacionalização das ideias e de projetos higiênicos pedagógicos; contudo, não a utilizei neste artigo, pois as fontes às quais tenho acesso não me dão a segurança da evidência desse processo.

7Em 1873, um novo regulamento tornou oficial o “methodo simultâneo”. Em 1881, o método intuitivo.

8Em 1881, o professor Antônio Bahia da Silva Araújo regia a cadeira de Métodos de Ensino no Externato Normal de Homens, tendo como suplente o professor de 3ª classe Malaquias Perminio Leite, homem negro, alumno-mestre premiado, que ainda estudante traduziu e adaptou o método do conde Zaba para ensino de História.

9O 1º Distrito era constituído pelas freguesias da Sé, São Pedro, Sant’Anna, rua do Passo e Vitoria, todas na parte alta e não diretamente comercial da capital.

23Rodadas de avaliação: R1: dois convites; duas avaliações recebidas.

24Como citar este artigo: Souza, I. C. J. Carteiras escolares na cultura material escolar da instrução baiana: saber docente, saber médico-hygiênico (1880-1885). Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e272

Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recebido: 30 de Setembro de 2022; Aceito: 29 de Março de 2023; Publicado: 30 de Junho de 2023

E-mail: ionecjs@gmail.com.

Ione Celeste Jesus de Souza: Doutora em História Social e professora titular aposentada: História/DCHF/ UEFS, BA. Atua na Especialização em História da Bahia/UEFS e é membro do PROMEBA/UNEB. Seus atuais interesses de pesquisa na História da Educação são: negros na educação baiana como docentes, discentes e demais sujeitos, de 1835 a 1945; Escolarizações e formação para o trabalho/usos do corpo e suas materialidades na instrução baiana oitocentista, especialmente as escolas noturnas e profissionais. E-mail: ionecjs@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-9721-750X

Editores-associados responsáveis: Ana Clara Bortoleto Nery (UNESP) E-mail: ana-clara.nery@unesp.br https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

Andréa Cordeiro (UFPR) E-mail: andreacordeiroufpr@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-6963-5261

Gizele de Souza (UFPR) E-mail gizelesouza@uol.com.br https://orcid.org/0000-0002-6487-4300

Marcus Levy Bencostta (UFPR) E-mail: evelynorlando@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-3387-7901

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