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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 25-Jun-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e274 

DOSSIÊ

O livro enquanto artefato da cultura material escolar e elemento de profissionalização da docência

The book as an artifact of the culture of school supplies and as an element of professionalization of teaching

El libro como artefacto de la cultura material escolar y elemento de la profesionalización de la docência

Raquel Lopes Pires1  * 
http://orcid.org/0000-0002-0588-1615

Sara Raphaela Machado de Amorim2 
http://orcid.org/0000-0003-2845-674X

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

2Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Assú, RN, Brasil.


Resumo:

Analisar o livro A lei biogenetica e a escola activa de 1929 enquanto artefato da cultura material escolar e como elemento de profissionalização docente é o objetivo deste estudo. Para tanto, são tratados desde os processos que antecedem a sua existência no cenário educacional brasileiro até a sua presença na coleção da Biblioteca de Educação da Companhia Melhoramentos/SP. Em uma reflexão histórica sobre a relevância do livro na organização da educação nacional, são investigadas as tratativas para a tradução e publicação em língua portuguesa, a partir das cartas trocadas entre o autor, o suíço Adolphe Ferrière e o educador Lourenço Filho, partir da observação da complexidade de um produto cultural que ultrapassou fronteiras territoriais e barreiras linguísticas, possibilitando a circulação de saberes.

Palavras-chave: Educação Nova; Adolphe Ferrière; Lourenço Filho; História da Educação

Abstract:

To analyze the book A lei biogenetica e a escola activa from 1929 as an artifact of the school supplies culture and as an element of professionalization of teaching is the objective of the current study. For such, it will be treated from the process that precedes its existence in the Brazilian educational scenery, to its presence in the collection of the Biblioteca de Educação da Companhia Melhoramentos/SP. The negotiation for the translation and publishing in the Portuguese language will be investigated from the letters exchanged between its author, the swiss Adolphe Ferrière, and the educator Lourenço Filho, in an historical reflection about the relevance of the book in the organization of the education in Brazil by observing the complexity of a cultural product that surpassed border barriers as well as linguistic barriers, enabling the circulation of knowledge.

Keywords: Active Education; Adolphe Ferrière; Lourenço Filho; History of Education

Resumen:

Analizar el libro A lei biogenetica e a escola activa de 1929 como un artefacto de la cultura material escolar y un elemento de profesionalización docente es el objetivo de este estudio. Para ello, son tratados desde los procesos que preceden a su existencia en el escenario educativo brasileño, hasta su presencia en la colección de la Biblioteca de Educación de la Companhia Melhoramentos/SP. En una reflexión histórica sobre la relevancia del libro en la organización de la educación nacional, se investigan las tratativas para la traducción y publicación en portugués, a partir de las cartas intercambiadas entre su autor, el suizo Adolphe Ferrière y el educador Lourenço Filho, al observar la complejidad de un producto cultural que ha cruzado las fronteras territoriales y las barreras linguisticas, permitiendo la circulación del conocimiento.

Palabras clave: Nueva Educación; Adolphe Ferrière; Lourenço Filho; Historia de la Educación

Introdução

Analisar o livro A lei biogenetica e a escola activa de 1929 enquanto artefato da cultura material escolar e como elemento de profissionalização docente é o objetivo deste estudo. Disponível na seção ‘obras gerais’ do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a obra foi escrita originalmente pelo educador suíço Adolphe Ferrière, que, ao manter contatos no Brasil, conseguiu viabilizar a tradução dessa obra para a língua portuguesa. Em cartas trocadas com o paulista Lourenço Filho, foi acordado o trabalho em todas as suas dimensões, desde as financeiras às logísticas. Após a tradução e a publicação em território brasileiro, o exemplar foi mencionado nos programas dos Institutos de Educação do Distrito Federal e de São Paulo, por exemplo, conforme apontado por Vidal e Rabelo (2019).

Nas primeiras décadas do século XX, o movimento da Educação Nova ganhou destaque em vários países do mundo. O período entre as Primeira e Segunda Guerras Mundiais ficou marcado pela incansável tentativa da promoção da paz e, nesse sentido, a escola foi eleita instrumento capaz de possibilitar o alcance desse objetivo. A partir de então, o ensino passou a ser considerado campo privilegiado para a elaboração de projetos e propostas que visavam divulgar um pensamento pacifista. Para tanto, acreditava-se que “[...] o caminho a ser seguido [...] seria desenvolver nas crianças uma maneira de operar racionalmente sobre a realidade que levasse em consideração valores como o respeito às diferenças, a solidariedade, a tolerância, a igualdade de direitos, dentre outros” (Loureiro, 2015, p. 90).

No Brasil, especialmente com a ascensão do processo de industrialização, diversas propostas foram disseminadas por importantes educadores, como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, que discursavam sobre a necessidade da realização de trabalhos pautados em bases modernas. Para Miceli (1979, p. 167, grifo do autor), “[...] a convocação de jovens egressos dos bancos acadêmicos por parte de certos governos estaduais no correr da década de 1920 inscreve-se no esforço derradeiro de ‘modernização’ que tentaram empreender alguns dirigentes [...]”. Fortemente inspirados nos sistemas educacionais de países da Europa e nos Estados Unidos da América (EUA), propunham a necessidade da formação docente fundamentada em parâmetros científicos, o que, nesse contexto, pode ser exemplificado pela influência da psicologia experimental com referência à compreensão das possibilidades de desenvolvimento e de aprendizagem na infância, visto que a criança passa a ser o centro do processo educativo. Segundo Campos (2003, p. 145), “[...] observa-se nas escolas normais a tendência a considerar a psicologia experimental como fundamento da pedagogia, havendo um grande entusiasmo dos professores normalistas em relação à produção teórica da psicologia [...]”.

A utilização de livros1 e de periódicos passou a ser uma das diversas estratégias empregadas com a finalidade de propagação dos novos conceitos balizadores da construção de uma educação moderna. De acordo com Gebrim (2006, p. 57), “[...] a estratégia adotada pelos educadores renovadores pretendia assegurar que o impresso editado funcionasse como um dispositivo de conformação de novas práticas pedagógicas, fornecendo o sustentáculo teórico para os professores”. As publicações, logo, atuariam como dispositivos de auxílio à implementação, circulação e legitimação das ideias que eram defendidas naquele momento. Assim, fomentava-se o desenvolvimento de uma nova cultura pedagógica nos sistemas educacionais dos mais diferentes países que aderissem às proposições renovadoras.

No Brasil dos anos 1920 e 1930, o livro é peça fundamental de um programa de transformação da cultura nacional em que se engaja toda uma geração de políticos e intelectuais. Nesse programa, a reforma da escola tem lugar central e editar livros voltados para a formação docente como ‘Bibliotecas para Professores’ é uma de suas principais estratégias. Essas ‘Bibliotecas’ organizam-se como espécie de repertório de valores e de conhecimentos destinados a balizar a prática docente. Trata-se de constituir uma nova cultura pedagógica apta a promover uma ‘mudança de mentalidade’ do professorado, peça chave do ‘programa de reforma da sociedade pela reforma da escola’ que estava em curso (Carvalho & Toledo, 2006, p. 48, grifo do autor).

A fim de incentivar uma formação do professorado pautada nos ideais do movimento escolanovista, em conhecimentos ligados à didática, biologia, sociologia e psicologia, investia-se, naquele momento, cada vez mais na indústria editorial, o que pode ser observado a partir da criação de coleções como a da Biblioteca de Educação, liderada pelo educador Lourenço Filho. De acordo com Gebrim (2006, p. 63), “[...] as coleções, de maneira geral, tornavam possível a produção e a circulação de uma mentalidade, articulando projetos políticos e culturais, intervindo ao mesmo tempo na cultura e no mercado de livros”. Nesse caminho, articulavam, sobretudo através das autoridades educacionais, iniciativas que apontavam para novos rumos de um trabalho que, por meio da educação, almejava reconfigurar a formação educativa da sociedade brasileira.

Dentre as diversas obras presentes na coleção dirigida pelo brasileiro, chama a atenção a diversificada literatura, com a presença de textos de brasileiros e de estrangeiros. Em consulta realizada no acervo on-line do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea do Brasil (CPDOC), foram localizadas quatro2 cartas trocadas entre Adolphe Ferrière e Lourenço Filho: Três escritas pelo suíço e apenas uma missiva pelo brasileiro, nas quais trataram da tradução do livro A lei biogenetica e a escola activa de 1929. Esses materiais foram compreendidos como fontes para potenciais elaborações investigativas, ao mesmo tempo em que procurou-se um distanciamento no sentido de pensá-las “[...] como se fosse[m] uma expressão do que ‘verdadeiramente aconteceu’, como se fosse[m] a verdade dos fatos, o que evidentemente não existe em nenhum tipo do documento” (Gomes, 2004, p. 15, grifo do autor). Ainda que não tenha sido possível acesso à maior parte das cartas respostas enviadas por Lourenço Filho, as mapeadas colaboram com o indiciamento de que os contatos estabelecidos entre eles contribuíram não só para a realização do trabalho de tradução, mas, principalmente, para a circulação dos exemplares nas livrarias e instituições do país.

De maneira a explorar algumas das dimensões concernentes à tramitação e organização do processo de tradução, a continuidade do texto foi organizada em duas seções. A primeira se debruça sobre a discussão acerca da materialidade das missivas, em diálogo com os estudos de Camargo (2011) e Malatian (2017), explorando-as enquanto elementos fundamentais para a conexão estabelecida entre os dois educadores e enfocando tanto os conteúdos presentes nessas correspondências, com Mignot (2005) e Paulilo (2019), quanto informações necessárias ao diálogo estabelecido com o campo da cultura material escolar, com Vidal (2017) e Peres e Michel (2019). Ainda nesta seção, são abordados aspectos do trabalho desenvolvido por Lourenço Filho à frente da Biblioteca de Educação, com base nas investigações de Carvalho e Toledo (2006) e Toledo e Carvalho (2017). A segunda, por sua vez, dimensiona a composição e a organização do livro e o conteúdo que se relaciona com as reflexões sobre aspectos acerca da educação direcionada à infância nos anos iniciais do século XX, o que permitiu perceber indícios da obra como elemento de profissionalização da docência.

Das tratativas à publicação: possibilidades analíticas do livro na cultura material escolar

No campo da educação, analisar o livro enquanto artefato da cultura material escolar significa não somente observar aspectos referentes ao suporte sobre o qual os conhecimentos são tecidos e sistematizados, mas perceber o lugar ocupado por esse em relação às finalidades almejadas pelos ideários pedagógicos e por projetos educacionais em vigor nos períodos históricos sobre os quais os(as) pesquisadores(as) se debruçam.

No caso dessa proposta, em específico, tratar do livro A lei biogenetica e a escola activa de 1929 e da sua presença no cenário educacional brasileiro, remeteu esta pesquisa a percorrer o caminho realizado desde as tratativas para a tradução e a publicação em língua portuguesa - dado que originalmente a obra foi publicada no idioma francês - até a sua presença no cenário da educação nacional. Fazer essa travessia produziu uma série de inquietações sobre os objetivos que suscitaram um escrito dessa natureza para compor o campo dos estudos e dos processos de profissionalização da docência no Brasil.

Antes de fazer parte do rol de livros indicados ao professorado no início do século XX, o livro foi tema de cartas escritas pelos educadores Adolphe Ferrière e Lourenço Filho. O primeiro estava interessado em difundir o ideário da Educação Nova e o segundo visava adequar a educação brasileira aos moldes das civilizações consideradas referência nos debates do campo em questão. Munidos de seus interesses, os educadores estabeleceram contato por meio da escrita epistolar, firmando acordos sobre os trâmites necessários à tradução e à publicação do livro.

Nesse particular, destaca-se o papel da escrita de cartas como possibilidade de conexão entre dois sujeitos que, em distintos continentes, articularam ações no campo da educação nas primeiras décadas do novecentos. É a partir dessa forma de contato e comunicação que se observa a gênese da produção de elementos materiais pelos quais a escola foi produzida, tornando possível conjecturar e identificar as relações existentes entre os materiais utilizados, métodos de ensino e escopo da educação do período. A esse respeito, convém acompanhar as considerações de Paulilo (2019, p. 24), que destaca que “[...] a atual sensibilidade à materialidade dos suportes que dão um texto à leitura e aos artifícios de construção das fontes, quer elas sejam textos escritos, depoimentos orais, imagens ou artefatos, tem contribuído para a desnaturalização da instituição escolar”.

Escritas em um dado momento e com diferentes intencionalidades, as missivas representaram uma forma de contato muito utilizada especialmente nos séculos XIX e XX. Segundo Camargo (2011, p. 157), “[...] a carta, como um objeto material [...] traz indícios de uma cultura, época, meio [e] consolida uma prática de escrita”. O trabalho historiográfico consiste em perceber que nessa fonte “[...] as informações contidas serão sempre versões individuais ou coletivamente construídas sobre determinados acontecimentos vividos pelo narrador ou dos quais se inteirou de diversas formas como conversas, leituras, relatos” (Malatian, 2017, p. 204). Nas diferentes maneiras de se tratar o destinatário, algumas representam um caráter mais íntimo e outras uma maior seriedade. Ainda assim, era uma das maneiras de comunicação mais frequentes e que permitia um diálogo entre os pares a fim de firmarem seus propósitos e tecerem suas redes. Desse modo, é importante confrontá-las com outros documentos a fim de evitar “[...] a ilusão de que o material obtido nas correspondências constitui verdade bruta e inexplorada [...]” (Malatian, 2017, p. 205).

O desejo de Ferrière de traduzir algumas de suas obras para o português era antigo. Em epístola localizada na seção de manuscritos do acervo da FBN, é possível indiciar que, pelo menos desde o ano de 1927, o educador já tentava viabilizar acordos para a tradução de seus livros, quando tentou a colaboração de Antonio Carneiro Leão, antigo Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal. Na carta enviada ao brasileiro em 20 de abril de 1927, o suíço afirmou que haveria a possibilidade de realização desse trabalho graças à ajuda de um comitê brasileiro, mas que, de Lisboa, escreveram-lhe afirmando que esse comitê tinha intenções utilitaristas e, por esse motivo, não concederam financiamento para realizar a tradução. Desse modo, Ferrière tentava contar com o apoio de Carneiro Leão e, ainda que não seja possível saber o que ocorreu posteriormente, outras cartas apontam para a realização da iniciativa de Ferrière.

Datada a 5 de fevereiro de 1929, em papel timbrado da revista Pour l'Ère Nouvelle3 (PEN) e datilografado, Ferrière demonstrava certa proximidade com Lourenço Filho ao tratá-lo como ‘querido senhor’. Sobre esse aspecto relacionado às formas de tratamento entre os dois sujeitos, percebe-se que Lourenço Filho, em outra carta, também o trata de forma equivalente, utilizando a expressão ‘meu querido mestre e amigo’. Com o auxílio de referências do campo da história da cultura escrita percebe-se, ainda, nas correspondências epistolares, o que Mignot (2005, p. 51) designou como “[...] uma rede de idéias e afetos, [...] uma prática de amizade materializada na escrita”.

Na mensagem, o autor inicialmente comentou sobre uma carta enviada a ele em 28 de dezembro, acerca do trabalho realizado pelo brasileiro na educação pública e da possibilidade de viajar, junto de sua esposa, a São Paulo em 1930. A respeito de sua obra, destacou o pedido do brasileiro para liderar o trabalho de tradução de A lei biogenetica e a escola activa. Além disso, ressaltou que o livro não possuía uma versão publicada em português, mas que ele poderia ser lido a partir da versão em espanhol de Lorenzo Luzuriaga. Por fim, tratou também da parte financeira, ao afirmar que poderia ficar com 10% do valor da venda pelos direitos autorais (Ferrière, 1929a).

Em seu estudo, Peres (2002, p. 4) afirmou que nesse trabalho de tradução “[...] não há indicações se foi utilizado ou não o original escrito por Ferrière. Fica difícil precisar de onde Noemy Silveira fez a tradução”. A dúvida da autora girava justamente em torno desse trabalho partir de uma publicação de 1910, em francês, ou da realizada no ano de 1928 e escrita em espanhol. Com base na correspondência do suíço, pode-se inferir que o trabalho foi possível a partir da publicação de Lorenzo Luzuriaga.

Nesse sentido, cabe destacar que analisar um trabalho de tradução requer perceber “[...] um duplo processo de descontextualização e recontextualização que primeiro busca se apropriar de algo estranho e em seguida o domestica” (Burke & Hsia, 2009, p. 14). Esse ofício requer mudanças significativas que interferem no processo de leitura e de interpretação, visto que o tradutor opera com ajustes linguísticos e culturais que podem ressignificar os conceitos originais. A tradução de A lei biogenetica e a escola activa de 1929 ainda passou por um duplo processo linguístico, considerando que foi organizada a partir de rearranjos culturais que advinham do francês e do espanhol.

De volta à análise das cartas, o registro que se tem de uma possível resposta a Ferrière, escrita por Lourenço Filho, mais parece ser o rascunho de uma correspondência. Escrita à mão, em apenas uma página, ele registrou que, a partir da missiva enviada pelo suíço, ele já havia realizado o trabalho de tradução e de publicação do livro. Na descrição desse processo, afirmou enviar um cheque4, em francos suíços, referente ao pagamento do editor. Sobre a questão da negociação financeira, Paulilo (2019, p. 06), em diálogo com Vidal e Silva (2010) e Kuhlmann Jr. (1996), acautela que “[...] os interesses das empresas dedicadas à produção e comercialização de materiais de ensino não devem ser negligenciados”. Esta pesquisa entende que o acesso aos valores monetários envolvidos apontam para questões relacionadas aos investimentos necessários ao campo da educação. Ainda sobre o conteúdo dessa escritura, o brasileiro afirmou que a iniciativa resultou na propagação das ideias de Ferrière pelo país e que diversas livrarias já solicitavam, também, pedidos de outros livros, como A escola ativa e a prática da escola ativa (Lourenço Filho, n.d.).

Em outra missiva enviada naquele ano, datada em 11 de outubro de 1929, também em papel timbrado da PEN e manuscrito, Ferrière tratou da tradução e informou que enviava, em anexo, um recibo referente ao valor de 613,50 francos para os direitos autorais. O autor afirmou estar contente pelo trabalho realizado no Brasil e perguntou se poderia receber duas ou três cópias da obra (Ferrière, 1929b).

Após rápida, e conflituosa5, passagem pelo Rio de Janeiro, em outubro de 1930, Ferrière enviou, de Genebra, a última missiva que localizada no acervo do CPDOC. Em papel timbrado da PEN e datilografado, comentou acerca do interesse em retornar ao país, indicando que isso possivelmente se daria no ano de 1933 e mencionou que havia publicado um artigo a respeito da educação brasileira na PEN, após ler as revistas6 recebidas das mãos de Celina Padilha, a partir das quais traduziu artigos de Fernando de Azevedo e de Deodato de Moraes. Das traduções de suas obras, pedia gentilmente a Lourenço Filho que lhe falasse a respeito dos trâmites necessários para viabilizar esse trabalho caso recebesse novo convite do Brasil (Ferrière, 1931).

Ao analisar tais correspondências, interpretou-se que, possivelmente, os dois educadores tinham grandes interesses no trabalho de tradução dessa obra. Para Ferrière, além da circulação e da visibilidade internacional de suas ideias, o contato com brasileiros era a oportunidade para conseguir viabilizar financeiramente a sua passagem pelo Brasil e essa pode ter sido uma das estratégias utilizadas pelo educador. Lourenço Filho, por sua vez, muito provavelmente tinha interesse em estreitar laços com Ferrière, mas tais iniciativas também colaborariam com a legitimação do trabalho que ele realizava no campo editorial brasileiro.

Como diretor da Biblioteca de Educação da Editora Melhoramentos de São Paulo7, Lourenço Filho “[...] optou, entre 1927 e 1940, por um programa de leitura formado por autores brasileiros e traduções” (Toledo & Carvalho, 2017, p. 1002). Ao tecerem considerações a respeito do perfil dos autores estrangeiros, as autoras afirmam que o educador decidiu incluir as obras de conhecidos nomes do movimento da Escola Nova, entre eles Claparède, Piéron, Binet, Luzuriaga e, também, Ferrière. Tais constatações levam em consideração que, naquele momento, o brasileiro era correspondente do Bureau International d’Éducation, “[...] além de ter se relacionado pessoalmente com figuras importantes da Ligue Internationale pour l’Éducation Nouvelle, como Ferrière e Piéron” (Toledo & Carvalho, 2017, p. 1003). Reconhecido pela rede de sociabilidade de que dispunha, especialmente em São Paulo, foi

[...] nesse circuito que [foram] estabelecidas redes de relações com o ‘Grupo Francês da Educação Nova’, vinculado à Ligue Internationale pour l’École Nouvelle, notadamente com Henri Piéron e Paul Fauconnet, o prefaciador do volume V da BE, Educação e Sociologia, de Émile Durkheim. Piéron e Fauconnet vieram a São Paulo no final dos anos 1920, convidados para proferir conferências para esse círculo de intelectuais, no âmbito de iniciativas ligadas ao Consulado francês. É nesses anos, mais precisamente em 1927, que Lourenço Filho começa a organizar, para a Melhoramentos, a sua coleção, iniciando-a com o livro de Piéron, Psicologia Experimental, de que é o tradutor e o prefaciador (Toledo & Carvalho, 2017, p. 1003-1004; grifo do autor).

Ainda a respeito do trabalho de tradução, Carvalho e Toledo (2006, p. 55) destacam que os autores “[...] pertenciam a instituições reconhecidas internacionalmente. Apresentados aos leitores brasileiros pelos prefácios de Lourenço Filho, transformavam-se também em referências para o campo da educação no Brasil, em processo de organização”.

No período que ficou responsável pela direção da Biblioteca de Educação, Lourenço Filho afirmou ter o interesse em formar uma mentalidade livre e esclarecida a respeito dos ideais que tomavam forma na educação brasileira (Gebrim, 2006). Para tanto, era necessário “[...] constituir coleções de livros, especialmente destinados aos professores [...]. É assim que ganha relevância a edição de coleções pedagógicas destinadas a constituir e organizar o campo dos saberes representados como necessários ao exercício da docência” (Carvalho, 2001, p. 155). O interesse que pairava na reunião dessas obras era o de orientar, formular e disseminar conceitos, ideias e práticas pedagógicas a fim de alcançar saberes necessários para a formação e uma prática de mudança da mentalidade do corpo de professores (Gebrim, 2006).

Identificar, portanto, a relação entre a cultura material e os processos de escolarização permite a realização de estudos voltados às especificidades das práticas cotidianas desenvolvidas no interior de espaços educacionais, “[...] dos materiais adquiridos e das suas prescrições” (Paulilo, 2019, p. 06). Ainda segundo o autor, a compreensão no que concerne às formas de inserção e de utilização dos materiais pode sinalizar características de sua apropriação pelos agentes dos processos educativos.

Este estudo corrobora com Vidal (2017, p. 254) que afirma que o termo cultura material é polissêmico e pode indicar várias possibilidades de investigação:

Quando nos referimos à cultura material, tratamos tanto de artefatos, quanto dos elementos materiais do mundo que nos cerca como o meio ambiente, a natureza, a urbanização das cidades, a arquitetura dos edifícios ou mesmo o tempo. Como recurso para permitir melhor circunscrever o debate, proponho-me a discorrer acerca da cultura material e da cultura material escolar a partir de um olhar que recai sobre os artefatos.

Além dos muitos significados que podem ser atribuídos à cultura material na área de pesquisa em História da Educação, o historiador não pode perder de vista a relação desses elementos com as práticas sociais, visto que, historicamente, as mudanças no interior das instituições educativas têm relação com projetos educacionais que, por sua vez, articulam-se com ideários políticos e seus respectivos objetivos para a formação da sociedade a partir de determinado modelo de educação.

Há uma “[...] conexão entre a inovação pedagógica e a aquisição de materiais escolares” (Paulilo, 2019, p. 07) e, diante dessa discussão, esta investigação acentua a atenção para as condições de produção do artefato ora analisado, por entender que elas se relacionam diretamente com as orientações para os seus usos em consonância com a formação desejada e com os saberes pedagógicos em voga e que requerem a presença de tais objetos no horizonte educacional. De acordo com Peres e Michel (2019, p. 153), “[...] quando se trata da análise desse artefato, é preciso procurar entender, também, os propósitos e os sentidos não apenas de quem os utilizou, mas de quem os produziu, editou, comprou e distribuiu [...]”.

As análises não se restringem aos limites materiais do artefato sobre o qual lança-se luz, por isso este trabalho ratifica, com base em Peres e Souza (2011, p. 55-56), que “[...] é necessário entender que os significados não estão nos objetos apenas, mas nas condutas, valores e sentidos que são atribuídos pelos sujeitos que deles fazem uso”. Assim, opera-se com o objeto face aos acontecimentos que lhe precedem e em sua relação com o entorno que o abriga. Vale destacar que, apesar de árduo, conforme sinalizam Peres e Michel (2019, p. 153), é necessário o esforço na ampliação das investigações que analisam o livro “[...] na perspectiva da cultura material escolar. Assim, não basta descrevê-los, é preciso analisá-los articuladamente aos projetos sociais e pedagógicos do seu tempo e aos cenários políticos e culturais do contexto de sua produção”.

A fabricação desse produto cultural é compreendida nas interfaces dos sentidos e significados constituídos pela realidade na qual ele foi criado e utilizado, afinal, “[...] compreender a cultura material escolar em um tempo e espaço específicos e suas complexas relações supõe, dentre outras coisas, identificar, caracterizar, descrever e analisar os objetos escolares, seus usos, sentidos, finalidades e temporalidades” (Peres & Michel, 2019, p. 152). Nesse sentido, a viabilidade desta análise se dá com base na fundamentação teórico-metodológica na História Cultural (Chartier, 1990), através da qual constituímos o entendimento de que o “[...] estudo da produção de sentidos sobre o mundo construído pelos homens do passado sinaliza para uma compreensão dos diferentes processos educativos e escolares” (Stephanou & Bastos, 2018, p. 418).

O embasamento na História Cultural denota o cuidado de não considerar objetos e fenômenos de forma isolada, uma vez que, no estudo dos fenômenos educativos, há a necessária atenção para as teias que enredam as suas produções, os cenários que os abrigam, bem como os agentes que os protagonizam. À vista disso, De Certeau (1982, p. 66) assevera que:

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração que circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam.

As fontes históricas aqui examinadas concedem acesso à aproximação com o contexto histórico que compreende os acontecimentos de negociação, tradução, publicação do livro e indícios de sua presença atravessando projetos e práticas educacionais. Sobre os resquícios do passado que oportunizam interpretações no presente, Barros (2019, p. 7, grifo do autor) pondera:

Uma vez que o historiador trabalha com sociedades que já desapareceram ou se transmutaram - ou, mais ainda, com processos que já se extinguiram ou que fluíram através de transformações que terminaram por atravessar os tempos até chegar ao presente produzindo novos efeitos - não existiria outro modo de perceber estas sociedades ou apreender estes processos senão a partir das chamadas ‘fontes históricas’, aqui entendidas como os diversos resíduos, vestígios, discursos e materiais de vários tipos que, deixados pelos seres humanos historicamente situados no passado, chegaram ao tempo presente através de caminhos diversos.

Ao propor uma análise dos aspectos concernentes aos acordos firmados entre dois importantes educadores a fim de assegurarem a tradução de um livro que foi utilizado como referência para a formação de professores em importantes instituições do país, é possível compreender a relevância dos estudos acerca da cultura material escolar. Após a realização de tais discussões, interessa, agora, analisar a materialidade, a composição e a organização da obra.

O livro e a circulação de saberes no campo da educação

A lei biogenetica e a escola activa foi traduzido, em setembro de 1929, como volume IX pela Biblioteca de Educação da Companhia Editora Melhoramentos de São Paulo. À frente desse trabalho esteve Lourenço Filho, que escreveu o prefácio do livro e, segundo Carvalho e Toledo (2006, p. 54), “[...] o editor usa[va] os prefácios como protocolo para organizar a compreensão do texto publicado no volume prefaciado, validando a autoridade da autoria e explicitando as razões pelas quais o livro entra[va] na Coleção”. A tradução ficou sob responsabilidade de Noemy Silveira que, à época, trabalhava como assistente do educador.

Essas informações constam na folha de rosto da obra, logo após a capa, em que também é possível localizar o nome do autor e da instituição à qual estava vinculado, bem como o nome da editora, o número de edição, logotipo e local. Na página seguinte, figura a fotografia do autor, Adolphe Ferrière. Trata-se de “[...] uma publicação de pequeno formato (19,5 cm por 14 cm)” Gebrim (2006, p. 75). Ademais, segundo o levantamento feito por Oliveira (2015), o impresso foi divulgado em uma tiragem de 6.300 cópias distribuídas em duas edições (Figura 1).

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional (FBN)

Figura 1 Capa do livro A lei biogenetica e a escola activa 

Composto por 87 páginas, o livro foi formado pelo prefácio, intitulado ‘Ferrière e a ‘Escola Nova’’ e, em seguida, organizado em duas partes. Na primeira, constam quatro capítulos, sendo eles: ‘Correntes novas no campo da Educação’; ‘O objectivo da escola popular’; ‘Meios para attingir o verdadeiro objectivo da Escola Popular’ e ‘Resumo e Conclusão da I Parte’. A segunda parte foi iniciada com o texto ‘Projeto de organização de Escola Nova’, contando também com o subtítulo ‘§ Do programma de Estudo’ e seguida por três seções: a) ‘Periodo dos interesses immediatos. Alumnos de 6 a 9 annos’; b) ‘Periodo dos interesses concretos especializados. Crianças de dez, onze e doze anos’; c) ‘Período dos interesses abstractos. Crianças de 13 a 14 annos’, além de ‘§ - Do horario. Subdivisões das horas de estudo’. Por último, é apresentado o índice com referências às páginas dos referidos capítulos.

Ao fazer uma grande propaganda dos ideais de Ferrière, Lourenço Filho, no prefácio da obra, caracterizou o educador suíço como “[...] o mais fascinante philosopho da educação renovada” (Lourenço Filho, 1929, p. 5) e, ao longo da escrita, preocupou-se em apresentar diversos projetos nos quais Ferrière estava relacionado ou mesmo exercendo o papel de liderança, como a coordenação do Bureau International d’Èducation Nouvelle. Além disso, dedicou-se a apontar variadas obras escritas por Ferrière e, em específico, as que tratavam de aspectos educacionais, destacando quatro pontos essenciais segundo as teorias do suíço, quais sejam: o impulso vital espiritual; a lei do progresso; a hereditariedade e o temperamento; e os tipos psicológicos. Ao concluir a sua escrita, Lourenço Filho fez menção ao valor que atribui à referida obra, destacando que “[...] essas applicações se acham condensadas no valioso livrinho com que se enriquece, agora, a ‘Bibliotheca de Educação’” (Lourenço Filho, 1929, p. 8, grifo do autor).

No primeiro capítulo, Ferrière (1929c) preocupou-se em tratar das aspirações iniciais que deram base para o movimento que tomava forma e desejava (re)inventar a educação. A escrita desse autor, inspirada em diversos outros escritores, tinha como pretensão “[...] esboçar, em poucas palavras, as origens do grande movimento que hoje agita as bases de nosso systema educativo, tão artificioso, e que reclama methodos mais naturaes que correspondam á finalidade da educação” (Ferrière, 1929c, p. 12).

Nesse sentido, ele se concentrou em redigir aos leitores um alerta quanto à preocupação que a escola passava a ter ao se concentrar nos interesses da criança, assim como em sua formação para a vida em sociedade. Para tanto, acreditava ser imprescindível reforçar que as reformas educacionais eram necessárias, embasando a sua argumentação em Pestalozzi, pois, naquele tempo, apesar dos esforços que já eram instaurados, as práticas que ele descrevia como ‘antigas’ ainda eram encontradas no interior das escolas. Os ideais de reformulação da educação estariam interessados em rearranjar “[...] o systema educativo que actuava ‘de fóra para dentro, por meio de autoridade’, pelo que desperta e desenvolve as faculdades innatas da criança, permittindo-lhe um desenvolvimento ‘do interior para o exterior’, com o menor esforço possivel” (Ferrière, 1929c, p. 16; grifo do autor).

No segundo capítulo, ao tratar do ‘objectivo da Escola Popular’, destacou a dupla missão de preservar a personalidade das crianças e não isolá-las da vida cotidiana. O interesse dessa discussão girava em torno da compreensão de que a intenção da reforma educacional estava voltada para atender aos interesses próprios da infância. Conforme evidenciado ao longo da escrita, essa primeira incumbência, não consistia em atender todas as vontades do alunado, ou mesmo deixá-los fazer o que quisessem, mas, sim, era uma constante tentativa de que observassem e demonstrassem seus próprios interesses de aprendizagem, assim como, a partir das relações coletivas, pudessem ensinar uns aos outros. Para tanto, apontou que:

Educação é a arte de iniciar na criança, mediante a excitação do seu interesse, um desenvolvimento das forças intellectuaes e moraes que corresponda ás leis, em virtude das quaes se realiza todo progresso biologico e psychologico, differenciação e correspondente concentração das suas sãs faculdades e energias volitivas (Ferrière, 1929c, p. 27).

Acerca da segunda missão, o autor trata da preparação para a vida social, voltando a atenção à formação da mão de obra fabril, assim como com os cuidados com o lar e com a família. Ele salienta como “[...] objectivo ultimo da escola popular, [...] preparar a criança para sua vida futura, iniciando e favorecendo o desenvolvimento das energias e poderes innatos no que podem ser uteis á vida social corrente” (Ferrière, 1929c, p. 28).

Ao citar alguns dos meios para alcançar os propósitos idealizados para a Escola Popular, o autor destacou, já de início, a necessidade de conhecer os aspectos concernentes ao desenvolvimento infantil, observar e tentar atender os interesses das crianças e adaptar o trabalho escolar às diferentes demandas de cada idade. Outros pontos sinalizados por Ferrière (1929c) são os denominados, por ele, como princípios psicológicos, para os quais os professores deveriam atentar, isto é: 1) as crianças preferem fazer e ver do que apenas ficarem inertes ou ouvindo; 2) optam pelos que as rodeiam; 3) entre seus companheiros, preferem uns aos outros do que aos adultos; 4) escolhem os animais vivos; 5) selecionam objetos de utilidade prática; 6) gostam de se informar sobre as coisas e seus efeitos.

A fim de incentivar o atendimento desses objetivos, o autor ressalta “[...] que a escola seja, desde logo, não uma escola para o estudo, mas uma escola para o trabalho, uma escola activa” (Ferrière, 1929c, p. 40). Quanto ao papel do professor, ele salienta que esse deveria ser o conselheiro de seus alunos, assim “[...] deverá dirigir a attenção e guial-a na observação, decomposição, recomposição, experiencia e comprovação” (Ferrière, 1929c, p. 43).

Para resumir e concluir a primeira parte do livro, Ferrière (1929c) define a educação como a arte de desenvolver as forças em conformidade com as leis biológicas, preparando a criança para a vida individual, em sociedade e na comunidade. Assinalou, então, aspectos acerca das contribuições da Escola Nova, como o programa escolar; a constatação da importância de a criança aprender a utilidade dos objetos, de modo que possa se sentir mais atraída ao processo de aprendizagem; a preparação para a vida cotidiana ao invés do foco apenas no ensino livresco; entre outros.

Além disso, chamou a atenção para a questão da educação moral, que não aparece em seus escritos por acreditar que não deve ser algo ensinado, mas sim vivido pelos alunos especialmente na realização da cooperação social e no auxílio ao próximo, o que, em termos de aprendizagem coletiva, seria parte importante do cotidiano escolar. Por fim, destacou o que considerou ser o benefício da nova escola ao afirmar que ela “[...] não se limita a dar conhecimentos, mas a pôr em suas mãos a seiva que em todos os tempos vivificará o mundo: o trabalho” (Ferrière, 1929c, p. 52).

Na segunda parte do livro, o autor se preocupou em apresentar ao leitor os modos pensados para a realização das práticas de uma Escola Popular. Para tanto, revelou quatro questões que ajudariam na compreensão de suas idealizações: “1º como distribuir as occupações dos alumnos diariamente; 2º como dividir a materia de estudo em fracções semanaes; 3º como fazer divisões para o anno; 4º como organizar o programma total, para todo o tempo da escolaridade” (Ferrière, 1929c, p. 53).

A respeito do ‘programma de estudos’, dá atenção à divisão feita por idades em três graus: ‘idade dos interesses immediatos’, ‘idade dos interesses concretos especiaes’ e ‘idade dos interesses abstractos’. A respeito do primeiro, respectivamente, que abrangia crianças na faixa etária dos seis aos nove anos, salientou que os interesses delas voltavam-se, especialmente, para o que ocorria ao seu redor, espacial, social e temporalmente. O segundo, por sua vez, atendia às crianças entre 10 e 12 anos, que nessa idade começariam a expandir seus limites e horizontes, assim como a se interessar também pelo outro. Nesse sentido, destaca-se o gosto por “[...] afastar-se, em espirito, do proprio paiz, viajar e commetter empresas, todavia, sua intteligencia se move ainda em torno das cousas concretas e tangiveis” (Ferrière, 1929c, p. 55). O último grau, que teria início aos 13 anos, preocupava-se não apenas com o que estava distante, mas também com o mundo abstrato das ideias.

Ao tratar do ‘periodo dos interesses imediatos’, Ferrière (1929c, p. 57) assinalou que “[...] o centro de interesse da criança, nessa idade, é a sua pessoa. O professor partirá deste ponto de vista e considerará o mundo humano, animal e physico na medida em que beneficia ou prejudica a criança”. Para isso, propõe que o programa já utilizado por Decroly, em Bruxelas, seja seguido e divulgado. Esse deve ser realizado levando em conta que o período escolar dá-se durante 10 meses.

Assim, interessam, entre outros, os seguintes conteúdos: primeiro mês (a criança e suas necessidades: nutrição, digestão, circulação do sangue; órgãos dos sentidos: vista, ouvido, tato, gosto e olfato); segundo mês (a criança e a família: o pai, a mãe, sua posição da família; a criança e a escola: Para que existe a escola? Para que se trabalha?); terceiro mês (a criança e a sociedade: estudo da sociedade, associações e leis que têm por objeto a defesa e auxílio mútuo dos homens); quarto e quinto meses (a criança e os animais: os animais de tração e carga, os pássaros e outras aves que se encontram ao redor de nós); sexto e sétimo meses: (a criança e as plantas: as plantas indígenas. Raízes, ramos, flores, folhas e frutos); oitavo mês (a criança e a terra: o ar e a água, seus efeitos, sua utilidade, prejuízos que podem causar); nono mês (a criança e o universo: o universo e sistema solar. O Sol, a lua, a luz e o calor solar); décimo mês (repetição dos estudos feitos durante o ano).

Já para o ‘periodo dos interesses concretos especializados’ foram propostas as seguintes matérias: historia (valorizar a posição da criança na sociedade, assim como compreender suas heranças históricas e suas contribuições na comunidade); geographia (articulada aos conhecimentos históricos, ressalta a participação do homem no espaço); lingua materna (antes de aprender outros idiomas, é necessário que se tenha domínio da falada em seu próprio país, a qual deve ser explorada através da fala, com exposições orais e narrações e da escrita em diários e anotações); sciencias naturaes (estudo das origens, funções, meios e ações úteis ou nocivas dos seres em relação ao homem); arithmetica e geometria (cálculo monetário, razões e proporções, regras de três, medições, cálculos de superfícies e volumes); trabalho manual livre (carpintaria, marcenaria, forja, ferraria, cozinha, costura, tecelagem).

Com quase a mesma divisão de disciplinas, no ‘periodo de interesses abstractos’, os conteúdos - ou técnicas - deveriam versar, entre outros, sobre: historia (conceito da organização política de sua região ou Estado); geographia (países: sua conformação orográfica e hidrográfica, cidades, produtos do solo, distribuição das indústrias); linguas maternas (formação do gosto literário e preparação para a vida prática); lingua estrangeira (contos poéticos, exercícios, explicações com gravuras, narrações, cantos, jogos); sciencias naturaes (fisiologia animal e vegetal, divisão das espécies zoológicas e botânicas, micróbios e fauna marítima, higiene do corpo humano); physica e chimica (leis físicas, substâncias químicas); experiencias de laboratorio (intenção de obtenção de resultados qualitativos na aprendizagem do aluno); arithmetica e geometria (regra de três, cálculo com números mistos, cálculo de juros simples e composto); trabalho manual (especialização nas práticas de um ofício: construção de mobiliário escolar e reparação dos antigos, de quiosques, galinheiros).

Por fim, Ferrière (1929c, p. 83) se propôs a tratar do horário escolar asseverando o “[...] tedio que um ensino mal distribuido causa ao alumno, como a maior efficacia de nossa tarefa”. O autor ressalta também a importância e a necessidade de relacionar os conhecimentos, e não apenas ensiná-los em separado e que, ao invés da divisão de matérias, seria possível um trabalho pensado por trimestres. Ainda assim, afirma que “[...] se se quer dar liberdade ao alumno para escolher e investigar, temos primeiro que libertar a escola de um programma, em sua maior parte, theorico e didactico, e por sua vez, demasiadamente fraccionado” (Ferrière, 1929c, p. 84). Por último, acentua o aumento das horas dentro da escola e, como exemplo, trata dos trabalhos que no lugar de enviados para casa deveriam ser feitos na própria escola e, quando levados, teriam a tarefa de estimular a independência infantil, de modo que não seja necessário o direcionamento do professor.

Considerações finais

Na tessitura das ideias que ofereceram lastro à escrita desse manuscrito, considera-se que analisar a obra A lei biogenetica e a escola activa de 1929, percebendo-a em suas nuances enquanto artefato da cultura material escolar e como elemento de profissionalização docente, possibilitou a este estudo perspectivar saberes e fazeres referentes ao campo da pesquisa em História da Educação Brasileira, na interface com o conhecimento de elementos outros relacionados à historicidade da educação dos anos iniciais do século XX. Na relação estabelecida entre Adolphe Ferière e Lourenço Filho, quanto aos seus interesses em comum, que são sinalizados através das escritas epistolares perscrutadas, constatou-se que, desde a feitura da obra até a sua inserção no campo do debate educacional, eles significam reverberações das ações intelectuais desses educadores, além de sinalizarem projetos educativos em curso e os interesses que os orientavam.

A investigação das fontes sob a utilização de lentes dos campos históricos e historiográficos aqui mobilizados contribuiu para que o trabalho com essas documentações fosse realizado com a finalidade de compreendê-las para além dos seus limites físicos e materiais: em suas imbricações com os tantos outros vieses políticos, socioeconômicos e culturais que as interligam e constroem. Na operação com a história cultural e a história da cultura escrita, este estudo se deparou com movimentos que fizeram parte dos bastidores de produção e utilização dos itens material da vida escolar, percebendo que esses funcionaram não apenas como integrantes dos processos educativos, mas também como orientadores dos caminhos a serem percorridos pela educação no período em foco. Ao acessar a versão original do livro, lidou-se com um documento que foi fabricado a partir de ideais pautados em uma educação moderna e que, a partir de sua ampla divulgação e circulação, tinha vistas a contribuir com o (re)pensar da educação nos cenários nacional e mundial.

Com esta pesquisa, almeja-se, portanto, contribuir para com o panorama de estudos voltados à dimensão material como parte dos projetos e ideários educativos, lançando luzes sobre as possibilidades heurísticas que podem ser exploradas por outros pesquisadores, apontando para o enriquecimento e a diversificação de olhares investigativos. Isso, porque esta pesquisa tem a esperança de que, assim, será possível colaborar com a historiografia da educação nacional dando evidência à complexidade dos objetos construídos no referido campo.

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1Vale destacar que, na época, o mercado livreiro sofria um grande boom. A respeito da literatura pedagógica, Nagle (2001, p. 336) ressalta que “[...] se desenvolve[u], como um dos mais importantes instrumentos de sustentação das frequentes discussões que se faz[iam], da mesma forma que desempenha[va] o papel de preparadora e de transmissora das novas modalidades de percepção da problemática educacional, especialmente do modelo escolanovista”.

2O acesso foi possível após contato com a instituição, pagamento de uma taxa e envio do material digitalizado via e-mail.

3Considerada o órgão francófono das iniciativas realizadas pela New Education Fellowship (NEF), a revista se constituiu como uma estratégia a fim de fazer circular os trabalhos reformísticos idealizados e realizados nas décadas iniciais do século passado. Conforme Carvalho (2007, p. 283), “[...] a revista Pour l’Ère Nouvelle era órgão do setor responsável pelos contatos do movimento com a América Latina”.

4Sem valor especificado.

5Em excursão pela América Latina, Adolphe Ferrière e sua esposa, Isabelle Bugnion,, em acordo com representantes da educação, passariam por sete países, entre eles, o Brasil. Apesar do planejamento, ao chegar em solo brasileiro, ele se deparou com o golpe de estado que resultou na deposição do então presidente Washington Luís. Na ocasião, precisou retornar imediatamente à Europa por ordens do governo. Cf. Carvalho (2007).

6Números 1, 2 e 3 do Boletim de Educação Pública, publicados em 1930, e o número 5, de novembro de 1929, da Revista Brasileira de Educação.

7Iniciou suas atividades no ano de 1890 dedicando-se à confecção de papel. Já o início da produção e da venda de livros foi possível a partir de 1915. Sua expansão foi tamanha que no ano de 1928 foram registrados cerca de 670.000 livros impressos. Foram publicados livros nacionais, mas também realizadas traduções de obras estrangeiras. A esse respeito, Toledo e Carvalho (2017) e Vidal e Rabelo (2019) realizaram levantamentos de alguns dos trabalhos efetuados pela Biblioteca de Educação da Editora Melhoramentos, que funciona até os dias atuais em diferentes endereços do estado de São Paulo e no site: https://www.ciamelhoramentosdesaopaulo.com.br/. Acesso em 07 dez. 2021.

14Rodadas de avaliação: R1: três convites; uma avaliação recebida. R2: um convite; uma avaliação recebida

15Como citar este artigo: Pires, R. L., & Amorim, S. R. M. O livro enquanto artefato da cultura material escolar e elemento de profissionalização da docência. Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e274

16Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

17Licenciamento: Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 30 de Setembro de 2022; Aceito: 10 de Abril de 2023

*Autora para correspondência. E-mail: rlopes.pires@gmail.com.

Raquel Lopes Pires: Doutoranda e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ). Especialista em Docência pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG). Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Participa do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação (NIEPHE/USP) e do Laboratório de Pesquisa e Ensino em História da Educação (LPEHE/UFRJ). E-mail: rlopes.pires@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-0588-1615

Sara Raphaela Machado de Amorim: Professora Adjunta do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC/UERN). Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Mestre em Educação e Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Educação (NUPED/UERN) e do Grupo de Pesquisa Memória, Identidade e Ensino de História (MNÊMIS/UERN). E-mail: saraamorim@uern.br. https://orcid.org/0000-0003-2845-674X

Editores-associados responsáveis: Ana Clara Bortoleto Nery (UNESP) E-mail: ana-clara.nery@unesp.br https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

Andréa Cordeiro (UFPR) E-mail: andreacordeiroufpr@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-6963-5261

Gizele de Souza (UFPR) E-mail gizelesouza@uol.com.br https://orcid.org/0000-0002-6487-4300

Marcus Levy Bencostta (UFPR) E-mail: evelynorlando@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-3387-7901

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