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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 01-Dic-2022

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e244 

Artigo Original

Luiz Alexandre de Oliveira: estudante, professor e benfeitor da educação de Campo Grande - MS (1920-1960)

Luiz Alexandre de Oliveira: student, teacher and benefactor of education in Campo Grande - MS (1920-1960)

Luiz Alexandre De Oliveira: alumno, profesor y benefactor de la educación en Campo Grande-MS (1920-1960)

Adriana Espindola Britez1  * 
http://orcid.org/0000-0003-4530-0659

Stephanie Amaya1 
http://orcid.org/0000-0001-5386-0846

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil..


Resumo:

Este estudo aborda a trajetória de Luiz Alexandre de Oliveira, um estudante negro, pobre e deficiente visual que alcançou projeção social como professor, diretor e proprietário de instituições educativas em Campo Grande, no então sul de Mato Grosso. Além disso, as memórias do professor destacam suas relações com a comunidade e com a escola japonesa no período varguista (1937-1945). As análises decorrem do cruzamento de fontes memorialísticas e documentais, sob a ótica dos estudos de Pierre L. O acesso ao ensino secundário proporcionou-lhe a inserção em outros campos sociais, bem como permitiu que se tornasse uma referência de prestígio da cidade, sendo reconhecido como benfeitor pela comunidade japonesa ao resguardar os bens e proteger a escola japonesa.

Palavras-chave: autobiografia; professor; educação secundária; escola japonesa

Abstract:

This study addresses the trajectory of Luiz Alexandre de Oliveira, a black student, poor and visually impaired who achieved social projection as a teacher, director, and owner of educational institutions in Campo Grande, back then the south of Mato Grosso. In addition, the teacher's memoirs highlight his relationship with the community and the Japanese school during the Vargas period (1937-1945). The analysis result from the crossing of memorialistic and documentary sources, from the perspective of Pierre Bourdieu's studies. The access to secondary education provided him with the insertion in other social fields, as well as the prestigious representation in the city, being recognized as a benefactor by the Japanese community when guarding the assets and protecting the Japanese school.

Keywords: autobiography; teacher; secondary education; Japanese school

Resumen:

Este estudio trata de la trayectoria de Luiz Alexandre de Oliveira, un estudiante negro, pobre y con discapacidad visual que alcanzó proyección social como maestro, director y propietario de instituciones de educación en Campo Grande, en el entonces sur de Mato Grosso. Las memorias del maestro destacan sus relaciones con la comunidad y la escuela japonesa, en el período Vargas (1937-1945). Los análisis resultan del cruce de fuentes memorialistas y documentales, desde la perspectiva de los estudios de Pierre Bourdieu. El acceso a la enseñanza secundaria le ofreció la oportunidad de inserción en otros campos sociales, así como la prestigiosa representación, siendo reconocido como benefactor por la comunidad japonesa a la hora de proteger la propiedad y la escuela japonesa.

Palabras clave: autobiografia; professor; educación secundaria; escuela japonesa

Introdução

O propósito deste trabalho é o de analisar a trajetória do professor Luiz Alexandre de Oliveira no campo educacional de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul1, entre as décadas de 1920 e 1960. Partimos das memórias de um estudante negro, pobre e deficiente visual2 que teve acesso ao ensino secundário na década de 1920 e, em seguida, atuou como professor, diretor e proprietário de instituições educativas na cidade. Além disso, suas memórias trazem relatos de suas relações estabelecidas com a comunidade japonesa e com a escola Visconde de Cairu no período varguista (1937-1945).

Para tanto, realizamos um recorte do percurso de vida do professor, destacando as representações sobre sua escolarização secundária, sua atuação nas instituições educativas e, principalmente, o seu envolvimento com a comunidade japonesa. Utilizamos como base empírica as memórias presentes na autobiografia O mundo que eu vi (Oliveira, 1986) e no relato biográfico do professor à Maria da Glória Sá Rosa, no livro Memória da cultura e da educação em Mato Grosso do Sul (Rosa, 1990).

O professor Luiz Alexandre de Oliveira alcançou projeção social por meio de sua inserção na escolarização e por sua atuação no campo educacional de Campo Grande. Ele frequentou o ensino primário entre os anos 1918 e 1920 no Instituto Pestalozzi. Ao finalizar a escolarização primária, ele passou a oferecer aulas particulares em sua residência, em 1923, dando início ao Instituto Rui Barbosa de ensino primário. Posteriormente, prestou exames e foi aprovado para o curso secundário. Ele foi estudante secundarista no Instituto Pestalozzi, como uma espécie de bolsista, pois trabalhou nessa instituição como vigilante e, depois, como professor leigo3 no ensino primário. Após frequentar o ensino secundário, em 1925, prestou os exames preparatórios para o ensino Normal e formou-se professor em 1928.

Compreendemos a educação secundária como todos os tipos de ensino que se seguem após a escolarização primária ou elementar, com distintas funções e características específicas, envolvidas por diferentes aspectos pedagógicos, curriculares, econômicos e sociais, os quais são fatores condicionantes socialmente definidos que levam a distinguir as características e as funções dos tipos de estudos secundários (Silva, 1969).

O fato de o professor Luiz Alexandre ter sido aluno de uma instituição secundária significou uma expressiva mudança em sua trajetória social e profissional, mas, sobretudo, mobilizou ações práticas no campo educacional e social de Campo Grande. Após a finalização dos estudos, ele passou a atuar como professor de ensino secundário em instituições educativas privadas.

Em seguida, com poucas oportunidades de trabalho e intervenções políticas nas escolas públicas, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde formou-se em Direito pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro. No retorno para Campo Grande, como advogado, retomou sua atuação no campo educacional, tornou-se um prestigiado professor, diretor e proprietário de instituições educativas, além de ser reconhecido como um benfeitor da comunidade japonesa da cidade.

O município de Campo Grande obteve expressivo desenvolvimento econômico, social e político entre as décadas de 1920 e 1960. A princípio, a urbanização da cidade foi motivada pelos investimentos econômicos e sociais a partir da instalação dos trilhos da companhia ferroviária Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), em 1914, que favoreceu a transferência, posteriormente, do eixo econômico Cuiabá-Corumbá para Campo Grande-São Paulo, em virtude da transferência do Comando da Circunscrição Militar de Corumbá para Campo Grande, em 1921.

Diante desse contexto histórico, houve a criação de instituições educativas de relevância educacional e social, sendo elas: o Instituto Pestalozzi (1917), o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora (1926), o Instituto Osvaldo Cruz (1927), o Ginásio Dom Bosco (1930), a Escola Normal Joaquim Murtinho (1931), o Colégio Barão do Rio Branco (1949) e o Ginásio Estadual Campo-grandense (1939).

Na autobiografia do professor Luiz Alexandre de Oliveira, intitulada O mundo que eu vi (Oliveira, 1986), buscamos compreender as representações de sua educação secundária, ou seja, o papel educacional e social dessa fase de escolarização para um estudante de classe popular que alcançou certa representação social em decorrência de sua trajetória de aluno secundarista na década de 1920 e que, nas décadas posteriores, atuou no Ginásio Oswaldo Cruz, uma instituição privada de educação secundária destinada à escolarização das classes trabalhadoras e, também, por um longo período, na escola Visconde de Cairu, uma instituição de origem étnica ligada à comunidade japonesa.

O livro foi escrito a pedido dos colegas da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL), da qual o professor foi sócio-fundador. A intenção foi a de manter-se lembrado por meio das mensagens transmitidas, revelando as dificuldades vivenciadas por um homem da classe popular que alcançou destaque social pelo ‘cultivo das letras’. O autor considera sua obra um ‘depoimento despretensioso’ dos oitenta anos vividos, e não uma autobiografia completa.

Uma autobiografia é a história por meio de uma construção narrativa que seleciona fatos da memória individual e coletiva. Segundo Halbwachs (2004, p. 101):

A necessidade de escrever a história de um período, de uma sociedade e até mesmo de uma pessoa só desperta quando elas já estão bastante distantes no passado para que ainda se tenha por muito tempo a chance de encontrar em volta diversas testemunhas que conservam alguma lembrança.

Ao utilizar a autobiografia como suporte principal de análise, compreendemos que tal fonte contém representações do passado vivido as quais, muitas vezes, são constituídas recorrendo-se à memória, que é seletiva e individual, porém é, também, coletiva, por ter sido produzida a partir das vivências dentro de um grupo social, recebendo, assim, todas as influências e percepções do mundo social (Halbwachs, 2004).

Com base nos estudos de Alberti (2008), entendemos que uma autobiografia é constituída por memórias, em depoimentos que tendem a revelar uma visão da vida, sobre um tema, uma geração ou um grupo e as formas de conceber o mundo. Isso significa a possibilidade de relacionar as memórias com o contexto social e constituir significados na história do passado e do presente.

Cabe ao pesquisador estar atento ao fato de significados atribuídos a ações e escolhas do passado serem determinados por uma visão retrospectiva, que confere sentido às experiências no momento em que são narradas. [...] Ao contar suas experiências, o entrevistado transforma o que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido (Alberti, 2008, p. 170-171).

Dessa forma, ao se utilizar uma autobiografia para a constituição de estudos da história da educação, a fonte não deve ser lida por si só. Faz-se necessário o uso de uma triangulação de informações com outras fontes, sejam elas documentais, sejam iconográficas, históricas, dentre outras, a fim de se relacionar o texto com o contexto. O problema e o tema que o pesquisador propõe norteiam o percurso metodológico na busca por outras referências históricas, ou seja, uma seleção de fontes para cruzar, subsidiar e confrontar as representações presentes na autobiografia.

Para Bourdieu, as representações são sempre ajustadas às condições objetivas das quais são produto e por meio das quais produzem uma representação subjetiva no agente, isto é, uma representação do seu próprio ser social.

[...] as representações dos agentes variam segundo sua posição (e os interesses que estão associados a ela) e segundo seu habitus como sistema de esquemas de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e avaliatórias que eles adquirem através da experiência durável de uma posição do mundo social (Bourdieu, 2004, p. 158).

Dessa forma, consideramos a relevância educacional e social da educação secundária por meio da memória do agente social que vivenciou o processo educacional. Propomos, portanto, uma análise da autobiografia de Luiz Alexandre de Oliveira, com o objetivo de perscrutar as memórias do professor como benfeitor da comunidade japonesa, bem como as representações da educação secundária para a formação e atuação profissional, possibilitando sua inserção em diferentes campos e sua ascensão política e social.

Assim, temos como problematizações: por que a comunidade japonesa considera o professor Luiz Alexandre um benfeitor? Quais representações da educação secundária estão presentes nas memórias desse professor?

Diante dessas interrogações, adotamos alguns procedimentos metodológicos no estudo. Inicialmente, para a composição empírica, realizamos o levantamento e a seleção de fontes de informações da trajetória do professor em jornais, revistas, iconografias, dentre outros, obtidos por meio do Arquivo Histórico de Campo Grande (ARCA)4 e em documentos oficiais na Câmara Municipal de Campo Grande. Em seguida, realizamos a triangulação de fontes, cruzando e confrontando as informações presentes na autobiografia com o material empírico reunido. As análises foram baseadas nos estudos de Bourdieu (1996, 2004, 2007) e Halbwachs (1990).

Em face do exposto, este trabalho estrutura-se em três tópicos: apresentamos a trajetória educacional e social do autor e, em seguida, reunimos os elementos das relações tecidas com a comunidade japonesa, principalmente a atuação na Escola Visconde de Cairu. Posteriormente, abordamos as representações sobre a educação secundária, a fim de compreender o papel dessa fase de escolarização na trajetória do professor, bem como a mobilização no campo educacional de Campo Grande.

A trajetória do menino negro, pobre e deficiente visual que se tornou professor, diretor e proprietário de instituições educativas

Neste tópico, expomos elementos da trajetória de Luiz Alexandre de Oliveira que ajudam a definir o seu papel dentro do contexto educacional em Campo Grande, no sul de Mato Grosso. Apresentamos o seu percurso de estudante negro, pobre e pertencente à classe trabalhadora, o qual não apresentava condições econômicas e familiares para frequentar um curso secundário e que, mais tarde, viria a ser professor e proprietário de uma instituição secundária, o Ginásio Oswaldo Cruz.

O professor nasceu a 14 de abril de 1903, em Viçosa, Minas Gerais, de origem familiar na classe popular. A família migrou para Mato Grosso, atraída pelo trabalho na construção da ferrovia pela companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Depois de três meses de trabalho em condições precárias, instalaram-se, em 1913, na cidade de Aquidauana, que apresentava um desenvolvimento comercial fomentado pela instalação local do escritório da Noroeste do Brasil e de suas oficinas.

Em Aquidauana, Luiz Alexandre teve acesso à escolarização primária, porém ele destaca que sua aprendizagem foi ‘dura’, pois, pela pouca visão, teve fraco preparo. Nas memórias escritas pelo professor, ele ressalta que enfrentou muitas situações escolares desmotivadoras na infância, dadas por suas condições sociais e físicas. Neto de uma mulher escravizada, filho de lavadeira e com deficiência visual, não apresentava possibilidades de sucesso escolar, por isso não concluiu o ensino primário no período em que viveu na cidade.

Segundo Bourdieu (2011, p. 238), “[...] não há distinção propriamente escolar que não possa ser relacionada a um conjunto de diferenças sociais sistematicamente associadas”. O mundo social classifica o agente em três dimensões ‘clássicas’: o econômico, o cultural e o social, e esses capitais objetivados mantêm uma relação e são incorporados ao habitus que determina, classifica e distingue os agentes em diferentes classes e influi em suas trajetórias sociais e, principalmente, escolares.

Por isso, compreende-se a representação que o professor propõe em suas memórias sobre sua escolarização primária como uma fase ‘dura’. Ele não era portador dos capitais objetivados que tendem a mobilizar uma trajetória escolar de sucesso, ou seja, não possuía as condições econômicas, culturais e sociais para a aquisição do capital escolar, tendo em vista que esses capitais são valores condicionantes do processo de escolarização dos agentes sociais.

Luiz Alexandre de Oliveira retrata que sua inserção no campo do magistério deu-se em Aquidauana. Como precisava ajudar a família, passou a utilizar as suas instruções básicas de leitura e escrita para ministrar aulas de Português a alguns japoneses trabalhadores da Estrada de Ferro, dando início, nesse período, às relações pessoais, profissionais e afetivas com a colônia japonesa.

Para Bourdieu (2008), o domínio da língua culta, o padrão reconhecido como legítimo, funciona como um capital que proporciona a quem o possui a mobilização de outros capitais, tais como o cultural, o social e o econômico. Assim, compreende-se que o conhecimento das primeiras letras proporcionou a Luiz Alexandre a sua primeira experiência no campo do magistério.

O futuro professor frequentou o ensino primário e o ensino ginasial no Instituto Pestalozzi. No período do curso ginasial, trabalhou como vigilante da instituição, passando a lecionar no curso primário como forma de pagamento pelos estudos. Em 1925, prestou os exames preparatórios para o ensino Normal e formou-se professor em 1928. Em 1930, tentou prestar concurso para o cargo de professor de Geografia na Escola Normal de Campo Grande, porém intervenções políticas do governo, que já tinha um candidato ao cargo, o impediram.

Dessa forma, partiu para São Paulo, em busca de trabalho e, em seguida, para o Rio de Janeiro, onde, com muitas dificuldades, formou-se em Direito pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, retornando para Campo Grande em 1937.

Diante de todos esses incidentes, resolveu fazer vestibular na Faculdade Nacional de Direito no Rio de Janeiro, embora não estivesse preparado. Essa resolução foi um verdadeiro salto no escuro, pois o candidato era nulo na língua latina, que então era exigida no vestibular. O exame começou justamente pelo latim. O fiasco foi grande. O professor perguntou ao vestibulando se ele pensava que a faculdade era estrebaria e o diretor da instituição passou a acompanhá-lo diante de todos os professores componentes da banca, instigando-os a fazer perguntas. Na presença do último examinador, o diretor da faculdade cumprimentou o vestibulando com estas palavras: ‘O senhor teve entrada de sendeiro e saída de leão’. Afinal, as notas não foram ruins pois, apesar do zero levado em latim, ele conseguiu passar com quase oito na média geral. Surgiram, entretanto, dois problemas graves. O primeiro - arranjar os certificados de exames que estavam nos arquivos da Diretoria Nacional de Ensino. Requerimentos, pedidos, nada estava funcionando; o interessado era pessoa humilde e bisonha para tratar com as repartições públicas em geral. [...] O segundo problema era o dinheiro para a taxa de matrícula, conseguido com muito sacrifício. Chegando o interessado, à última hora, para fazer a matrícula, encontrou o tesoureiro já na porta da rua, o qual se dignou voltar e fazer a matrícula fora do prazo (Oliveira, 1986, p. 30, grifo do autor).

A passagem acima traz as memórias do professor sobre sua participação na banca de avaliadores para a admissão no curso de Direito, um curso de reconhecimento elitizante, cujo acesso destinava-se aos estudantes pertencentes às classes mais abastadas da sociedade. Esse relato deixa claro o preconceito irrefutável quanto ao seu pertencimento à classe popular, dadas as dificuldades enfrentadas diante das lacunas da formação escolar e das condições econômicas. Além disso, como discutido por Bourdieu (2007), o trecho citado expõe a ‘verticalidade das referências emblemáticas’, as quais designam o círculo exclusivo e seleto dos interlocutores reconhecidos, ou seja, as autoridades desse pertencimento de classe tendem, na experiência social relativa a estratos distintos, a denegar a relação de pertencimento ou determinar sua exclusão em determinado campo.

Segundo a revista Mina San (2008, p. 40)5, em artigo que destaca as relações tecidas pelo professor com a colônia japonesa em Campo Grande, ele era considerado um gaijin, ou seja, um estrangeiro não japonês. Entretanto era reconhecido como ‘um irmão dos japoneses’, o qual fez a “[...] diferença na educação e na consolidação da colônia nipônica na Capital”. A relação pessoal com a colônia adveio da época em que ensinou a Língua Portuguesa aos primeiros imigrantes japoneses em Aquidauana e, depois, em Campo Grande, quando de sua atuação como professor, em 1924, na Escola de Japoneses (atual Escola Visconde de Cairu). O artigo destaca que o senhor japonês José Simabucuro foi muito amigo do professor Luiz Alexandre e o ajudou financeiramente na conclusão dos estudos de Direito. Após formar-se advogado, retornou para Campo Grande, onde atuou na advocacia local e na docência em instituições educativas privadas.

Fonte: Campos (1939)

Figura 1 Fotografia de Luiz Alexandre de Oliveira 

A Figura 1 acima retrata o advogado Luiz Alexandre de Oliveira no exercício da advocacia na Câmara Municipal de Campo Grande, no período em que advogou na cidade. Devido ao seu posicionamento firme e crítico sobre as instituições governamentais e particulares, provenientes das lutas políticas existentes entre os grupos de poderes do norte e do sul de Mato Grosso6, enfrentou percalços na área jurídica. Por isso, iniciou uma nova experiência na educação e, principalmente, na educação secundária. Entre as décadas de 1940 e 1960, ele atuou na docência em diferentes instituições escolares, como na Escola Visconde de Cairu (professor e diretor) e no Colégio Oswaldo Cruz, do qual foi diretor e depois proprietário.

Durante algum tempo, ele foi presidente da Junta de conciliação e Julgamento local, com bom desempenho, chegando à conclusão de que talvez fosse mais bem sucedido como juiz; o destino, porém, lhe deu mais uma surpresa; foi ser diretor de um colégio em decadência, pessimamente instalado e muito endividado. Era o antigo Colégio Oswaldo Cruz, que estava passando por uma fase dificílima, e, além disso, funcionava em local impróprio e alugado (Oliveira, 1986, p. 36).

O Colégio Oswaldo Cruz foi fundado em 1927 pelo professor Henrique Correa, cuja iniciativa visava a atender aos anseios dos grupos sociais privilegiados diante da ausência de ginásios públicos e com características de internato. Luiz Alexandre de Oliveira tornou-se figura essencial na instituição, atuando como professor, diretor e proprietário. A escola em questão, entre as décadas de 1930 e 1950, tornou-se uma das mais importantes instituições secundárias da cidade, visto que era uma instituição privada, mas não um espaço social das elites, pois buscou atender às classes intermediárias e trabalhadoras.

O professor também lecionou na Escola Normal Joaquim Murtinho e no Colégio Dom Bosco. Em 1946, tornou-se deputado na Constituinte de Mato Grosso, instalada após a deposição de Getúlio Vargas da presidência da República; depois, foi vice-prefeito na administração de Wilson Barbosa Martins, membro do Rotary Clube de Campo Grande e sócio-fundador da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

É importante ressaltarmos o reconhecimento, no campo político e social, ante a trajetória do professor Luiz Alexandre, por meio de homenagens - como se pode ver no Quadro 1 a seguir - na forma de diplomas, medalhas e condecorações.

Fonte: Acervo documental da Escola Visconde de Cairu (2017)

Quadro 1 Diplomas, medalhas e condecorações 

O professor Luiz Alexandre foi homenageado inúmeras vezes pelas instituições educativas, associações nipônicas e pela prefeitura de Campo Grande/MS. Podemos perceber, assim, o reconhecimento, isto é, o capital social e simbólico conquistado por meio do capital político adquirido pelo professor ao longo de sua trajetória.

Para Bourdieu (2010, p. 148), um agente pode ser “[...] reconhecido por uma instância oficial, universal, quer dizer, conhecido e reconhecido por todos [...]”. A prefeitura da cidade, conforme documento reproduzido na Figura 2 a seguir, também homenageou o professor, por meio da Lei Municipal nº 3.665, de 06 de outubro de 1999, colocando o seu nome em uma Avenida de Campo Grande.

Fonte: SEMAD - Secretaria Municipal de Administração (2016)

Figura 2 Lei nº 3.665, de 06 de outubro de 1999 

Além disso, no Arquivo Histórico de Campo Grande-MS (ARCA), foi encontrado um recorte do Jornal Correio do Estado com a nota de falecimento do professor Luiz Alexandre de Oliveira, transcrita aqui na forma de citação para uma melhor leitura e compreensão:

Faleceu ontem às 13h - na Santa Casa de Campo Grande - o doutor Luiz Alexandre de Oliveira, 94, que ocupava a cadeira número 25 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Desde o início do mês, o acadêmico estava internado no hospital por causa de um derrame cerebral, que o deixou em estado de coma. O corpo está sendo velado na Avenida Calógeras 1.952. O sepultamento será realizado às 10h de hoje, no Cemitério Santo Antônio. O acadêmico nasceu em Teixeiras, Minas Gerais, no dia 14 de abril de 1903. Dez anos depois, em 1913, sua família se mudou para Mato Grosso, indo residir em Aquidauana, depois em Ponta Porã e finalmente em Campo Grande, isso em 1923. Advogou na Cidade Morena, foi Juiz Auditor de Guerra, proprietário do Colégio ‘Osvaldo Cruz’ e diretor da Escola Visconde de Cairu, mantida pela Colônia Japonesa de Campo Grande. Foi deputado estadual e vice-prefeito de Campo Grande. Possuía em sua residência a maior biblioteca sobre assuntos de cultura de todo o Estado. Em 1992, doou à Santa Casa o Colégio Osvaldo Cruz, tornando-se sócio benemérito do hospital (Jornal Correio do Estado, 1997, grifo do autor).

Essa nota de falecimento remete-nos às análises de Bourdieu relativas às noções de campo e de capital, sobretudo à de capital social, ao se constatar a importância dada ao professor, no campo educacional e social, representada em documentos e textos escritos sobre sua trajetória como professor e político na cidade de Campo Grande/MS. Para Bourdieu (2004, p. 160), “[...] o espaço social tende a funcionar como um espaço simbólico [...]”. Esse mundo social objetivamente estruturado é representado na nota de falecimento ao serem ressaltados os seus bens materiais (prédio do Colégio Osvaldo Cruz e a biblioteca) como parte do capital econômico adquirido, bem como do capital educacional, social, político e simbólico.

[...] o capital simbólico não é outra coisa senão o capital econômico ou cultural quando conhecido e reconhecido, quando conhecido segundo as categorias de percepção que ele impõe, as relações de força tendem a reproduzir e reforçar as relações de força que constituem a estrutura do espaço social. Em termos mais concretos, a legitimação da ordem social não é produto, como alguns acreditam, de uma ação deliberadamente orientada de propaganda ou de imposição simbólica [...] (Bourdieu, 2004, p. 164).

A nota publicada por um dos principais jornais da capital do estado demostra o reconhecimento em forma de capital simbólico por meio da visibilidade e distinção pública do professor. Distinção essa proporcionada pelos benefícios de dignidade e respeitabilidade que, no interesse geral da sociedade, foram alcançados na sua atuação cidadã e no campo educacional, assim como nas relações tecidas com a comunidade japonesa.

Em síntese, o professor Luiz Alexandre de Oliveira se tornou uma figura importante na representação da educação secundária pela sua participação, primeiro, como aluno e, depois, como professor, em instituições escolares desse nível de ensino na cidade. Sua biografia revela a ascensão social alcançada, visto que, por sua origem pobre e por ser negro e filho de lavadeira, não possuía condições e capitais socialmente reconhecidos para a obtenção de sucesso escolar e que possibilitassem essa ascensão social.

A relação benemérita do professor negro com a comunidade japonesa

Este tópico trata do percurso de vida do agente Luiz Alexandre de Oliveira, com ênfase nas relações com a comunidade japonesa com a qual o professor manteve uma estreita rede de relações pessoais, sociais e profissionais. Ele foi reconhecido pela Colônia Japonesa de Campo Grande como ‘benfeitor’ por sua atuação durante a Era Vargas (1930-1945), quando agiu como advogado e tornou-se proprietário legal de bens dos japoneses. Nessa época, muitos japoneses transferiram para o seu nome terrenos e propriedades como uma forma de resguardar parte dos bens da colônia japonesa, incluindo a Escola Visconde de Cairu, que manteve suas atividades em Campo Grande. O professor foi presidente da Cooperativa dos Japoneses e, principalmente, atuou como professor e diretor da Escola de Japoneses, sendo propositor da troca de nome da instituição para Escola Visconde de Cairu, como forma de proteger a escola das duras restrições governamentais do período.

O Governo Vargas, conhecido como Estado Novo (1937-1945), foi marcado por abusos e restrições a determinadas ações da vida cotidiana, uma vez que, nesse período, a partir de uma visão nacionalista conservadora, para a educação, foi apresentado um projeto “[...] fundamentalmente filantrópico; no interior desta concepção, a educação pública é uma obra eminentemente assistencialista mas, em nenhuma circunstância, institui uma Escola Universalizada [...]” (Valle, 1997, p. 76). Nesse contexto, foram feitas intervenções nas escolas étnicas de imigrantes, as quais eram vistas como ambientes contrários ao projeto nacional do período.

A intervenção foi principalmente após o Decreto-Lei nº 406, de 4 de maio de 1938, que regulamentava a entrada de estrangeiros:

Art. 42. Nenhum núcleo, centro ou colônia, ou estabelecimento de comércio ou indústria ou associação neles existentes, poderá ter denominação em idioma estrangeiro. Art. 85. Em todas as escolas rurais do país, o ensino de qualquer matéria será ministrada em português, sem prejuízo do eventual emprego do método direto no ensino das línguas vivas. § 1º As escolas a que se refere este artigo serão sempre regidas por brasileiros natos. § 2º Nelas não se ensinará idioma estrangeiro a menores de quatorze (14) anos. § 3º Os livros destinados ao ensino primário serão exclusivamente escritos em língua portuguesa. § 4º Nos programas do curso primário e secundário é obrigatório o ensino da história e da geografia do Brasil. § 5º Nas escolas para estrangeiros adultos serão ensinadas noções sobre as instituições políticas do país. Art. 86. Nas zonas rurais do país não será permitida a publicação de livros, revistas ou jornais em línguas estrangeira, sem permissão do Conselho de Imigração e Colonização. Art. 87. A publicação de quaisquer livros, folhetos, revistas, jornais e boletins em língua estrangeira fica sujeita à autorização e registro prévio no Ministério da Justiça (Decreto-Lei nº 406, 1938).

Dessa forma, as escolas de imigrantes tornaram-se alvos de depredações e de xenofobismo mais acirrados, em especial, aquelas relativas aos países que faziam parte do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) durante a Segunda Guerra Mundial.

Já na iminência de o Brasil entrar na guerra contra o Eixo, o governo brasileiro publicou dois decretos que, em síntese, autorizavam o governo a desapropriar imóveis e propriedades de súditos do Eixo. Foi uma situação de pânico na colônia na época. A declaração de bens era obrigatória para todos esses súditos em Campo Grande e eles souberam de tais decretos três ou quatro dias antes do término do prazo. Foi um corre-corre geral; trabalhava-se dia e noite. Emissários trabalhavam na zona rural, trazendo escrituras e declarações. O imóvel da Escola Visconde de Cairu passou, nominalmente, a pertencer ao diretor. No meio de grandes aflições, tudo foi resolvido. As forças que pleiteavam o fechamento das escolas foram vencidas e isso quando a polícia estava providenciando o seu fechamento (Oliveira, 1986, p. 42).

É importante ressaltar que esses imigrantes possuíam um forte nacionalismo e tinham a intenção de retornarem para sua pátria.

Assim sendo, a escola ‘estrangeira’ não era fruto de um desejo nacional de pluralidade cultural, mas fora surgindo um pouco ao acaso do jogo de forças sociais, para cobrir os espaços de omissão do governo no sentido de propiciar escolas públicas aos grupos imigrantes demandados no Brasil (Fiori, 2003, p. 5, grifo do autor).

Como podemos constatar, alguns decretos-lei impediram o funcionamento de escolas, proibiram o uso de materiais didáticos em língua estrangeira e impuseram que os diretores deveriam ser brasileiros natos e que a comunicação no ambiente escolar só poderia ser feita utilizando-se a língua portuguesa.

As escolas étnicas dos imigrantes foram vistas como ambientes de desintegração em que as práticas pedagógicas afrontavam esse novo projeto educativo, razão pela qual precisavam ser convertidas em locais de aprendizado, gestação e irradiação de uma exaltação patriótica que tinha o Brasil e seus aspectos culturais como centro (Santos, 2010, p. 86).

As proibições foram, portanto, para inibir os imigrantes e, principalmente, para reforçar a construção do nacionalismo proposto por Vargas.

A partir de 1938, a política do nacionalismo tornou-se mais dura em relação aos imigrantes que aqui se encontravam, até então bem-vindos. Limitou a quantidade de imigrantes estrangeiros, estabeleceu alguns obstáculos que, em alguns casos, impediam aqueles que estavam interessados em imigrar para o Brasil. As restrições foram estabelecidas pelo Decreto nº 406, de 04 de maio de 1938, e regulamentadas pelo Decreto 3.010, de 20 de agosto. A análise dos decretos, especialmente nos artigos 165 a 170, e 272 a 273, possibilita algumas reflexões sobre os fatos ocorridos nessa época, bem como a repercussão e a interpretação das ações efetuadas na colônia japonesa em Campo Grande. A chegada dos primeiros japoneses ao Estado de Mato Grosso se dá, justamente em 1914, e é por volta de 1918 que os mesmos instalaram-se na periferia de Campo Grande. Em 1924, a transferência da Escola para o centro da cidade representou uma nova fase da colônia. Tratava-se de uma Escola de japoneses, ‘o estrangeiro’, no centro da cidade, em meio ao surto nacionalista imposto por Vargas (Brito, 2000, p. 92, grifo do autor).

O professor Luiz Alexandre iniciou a docência na Escola de Japoneses em 1924, a fim de atender à obrigatoriedade do ensino de História e Geografia do Brasil imposta no novo currículo, passando a lecionar essas disciplinas, assim como Português e Matemática.

O espírito nacionalista presente na conjuntura do país influenciou a organização curricular através das disciplinas de geografia e história do Brasil, no sentido de garantir um conhecimento aprofundado da realidade do país. Estes conhecimentos, num contexto de orientação nacionalista, eram essenciais à educação da elite dirigente (Zotti, 2002, p. 72).

Por conseguinte, com o Decreto-Lei nº 1.545, de 25 de agosto de 1939, que dispunha sobre a adaptação ao meio nacional dos brasileiros descendentes de estrangeiros, estabelecia-se, em seu artigo 11, que “Nenhuma escola poderá ser dirigida por estrangeiros [...]”, reafirmando a necessidade de um brasileiro assumir o cargo de diretor da Escola de Japoneses. O professor Luiz Alexandre adquiriu o cargo e, em decorrência disso:

Pelo vínculo que manteve com a escola, como professor e depois diretor, Luís Alexandre foi algumas vezes convocado para prestar esclarecimentos às autoridades, pois havia severa fiscalização das atividades em escolas estrangeiras. Ele gostava de contar sobre um inquérito dos militares sobre os ensinamentos ministrados na Visconde de Cairu. Luís Alexandre lançou um desafio no sentido de que as autoridades fizessem uma visita de surpreender (Mais saber, 1998, p. 33).

Brito (2000) reconstruiu a história da Escola Visconde de Cairu por meio de depoimentos de pessoas envolvidas diretamente com a instituição e dedicou uma parte de seu estudo para abordar o relacionamento construído entre o professor Luiz Alexandre e a colônia japonesa. A autora retrata que, por ter vivenciado um ‘ambiente hostil’ durante sua escolarização, ele se tornou sensível às questões e problemas vividos pelos japoneses. O trabalho como professor em Aquidauana foi importante para ele, pois foi junto aos japoneses que encontrou apoio e trabalho em Campo Grande.

A Escola de Japoneses, na visão de Brito (2000, p. 110), “[...] foi uma escola criada para um grupo de pessoas que não tinha domínio do idioma do país acolhedor e [...] expressava a importância dada à educação pelo grupo [...]”.

Em Campo Grande, a referida escola foi originalmente fundada na colônia Chacrinha, em 1918, sendo transferida para a cidade no ano de 1924: “O nome da escola também deixou de ser ‘Hanja’ passando para ‘Escola de Japoneses de Campo Grande’, segundo registro em 1925. Em 1927, por orientação das autoridades, foi rebatizada de Visconde de Cairu” (Associação Esportiva e Cultural Nipo-Brasileira [AECNB], 2008, p. 41, grifo do autor).

A mudança de nome foi um recurso para manter a instituição em funcionamento, assim como para contribuir para a manutenção da cultura, porém sua finalidade de atender ao grupo étnico japonês permaneceu, conforme registro fotográfico reproduzido na Figura 3 a seguir.

Fonte: Arquivo Histórico de Campo Grande (2017)

Figura 3 Os professores Oba Kurazi e Luiz Alexandre na Escola Visconde de Cairu (1926) 

A imagem retrata os professores e os estudantes na Escola Visconde de Cairu em 1926. Registros fotográficos são importantes, pois a fotografia “[...] revoluciona a memória: multiplica-se e democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo, assim, guardar a memória do tempo e da evolução cronológica” (Le Goff, 2003, p. 460).

Após o período como professor da Escola de Japoneses, o professor mudou-se para o Rio de Janeiro a fim de cursar Direito.

A instituição teve de alterar o nome para não ser identificada, ou seja, não ter revelada sua vinculação com a etnicidade do grupo de japoneses. De acordo com Brito (2000, p. 74), “Luiz Alexandre de Oliveira, personagem importantíssimo na história da escola e o General Correa de Arruda definiram a nomeação como uma forma de apaziguar ânimos [...]”, tendo em vista a situação dos japoneses no contexto político e social. Sobre isso, Brito (2000, p. 98, grifo do autor) expõe:

[...] ainda que o clima de tensão não se fizesse sentir de maneira imediata. A partir de 1938, em função daquela conjuntura, a colônia japonesa passou a correr o risco de ter seus bens confiscados e ser olhada com desconfiança pelas autoridades estaduais. Logo, essa maneira de representar o ‘outro’ foi difundida e incorporada pela população. Com o advento da II Guerra, a situação se agravou.

Para Bourdieu (2009), a força simbólica do poder público funciona como instrumento de dominação, um mecanismo de significados e significações, muitas vezes, em um processo velado que se legitima. Dessa maneira, a violência simbólica transcorreu no interior do grupo étnico japonês durante o período varguista.

O professor Luiz Alexandre fez parte dessas estratégias individuais e coletivas para a continuidade, o funcionamento e a preservação do patrimônio da escola e de membros da comunidade japonesa em Campo Grande. Ele é referenciado, isto é, compõe as estatísticas das escolas japonesas no Brasil que não foram fechadas no período varguista “[...] por contar com a ajuda de alguma pessoa influente ou pelo fato de ensinar a língua portuguesa” (Demartini, 2000, p. 65).

Dessa forma, após contribuir com a comunidade, o professor e diretor Luiz Alexandre foi considerado “[...] um guardião em sua defesa quando, agindo como advogado, manteve o estabelecimento longe das agruras da Segunda Guerra Mundial, como tutor da colônia japonesa [...]” (Mais saber, 1998, p. 32).

É preciso salientar que havia um jogo de interesses de ambas as partes, tanto do grupo de imigrantes japoneses quanto de Luiz Alexandre. Os imigrantes, para não perderem os bens, e o professor, ao devolver os bens, foi reconhecido socialmente como benfeitor pelos japoneses.

Nesse sentido, o professor Luiz Alexandre de Oliveira demonstrou sua determinação ética na relação com a comunidade japonesa. Para ele, “Os japoneses nunca deram problema, foram vítimas de muita injustiça, eram discriminados” (Oliveira, 1995, p. 4). A perseguição aos imigrantes japoneses no período do Governo Vargas foi amenizada pelas intermediações políticas e disposições éticas do professor Luiz Alexandre. Suas relações étnicas estabelecidas pelos laços com a comunidade japonesa se consolidaram com a sua conduta ética ao devolver todos os bens dos imigrantes japoneses, principalmente a propriedade na qual está instalada, hoje, a Escola Visconde de Cairu.

Em suma, o professor Luiz Alexandre de Oliveira colaborou ativamente para que a principal escola japonesa em Campo Grande e a cooperativa agrícola não fechassem e, em seu próprio discurso, colocava-se como embaixador dos imigrantes japoneses. É notória a trajetória pessoal e escolar do professor Luiz Alexandre, bem como a superação das dificuldades financeiras para alcançar o nível de escolarização superior que, por sua vez, envolveu diferentes campos sociais, políticos e educacionais que formaram capitais econômicos, sociais, simbólicos e culturais.

As representações da educação secundária para as classes menos privilegiadas

Neste tópico, são abordadas as representações da educação secundária nos relatos narrados na autobiografia do professor, com foco na trajetória de escolarização no Instituto Pestalozzi. Essa instituição educativa tornou-se um marco importante na história da educação no sul de Mato Grosso e permanece, nos dias de hoje, conhecida como Colégio Dom Bosco e considerada uma escola formadora da elite campo-grandense. Abordamos também a atuação do professor no campo educacional de Campo Grande, com a sua incursão como professor, diretor e proprietário do Colégio Oswaldo Cruz.

Os seus relatos trazem contribuições sobre a representação de ter sido aluno de uma instituição secundária, o Instituto Pestalozzi, expressando uma significativa mudança em sua trajetória social e profissional, mas, sobretudo, as representações da consolidação do Colégio Oswaldo Cruz, instituição que contribuiu para o desenvolvimento educacional e social de Campo Grande.

Em seu depoimento para Rosa (1990), o professor Luiz Alexandre de Oliveira relatou que frequentou o ensino primário no Instituto Pestalozzi entre os anos 1918 e 1920. Essa instituição escolar é considerada o marco histórico da educação secundária em Campo Grande. A instituição foi fundada em Aquidauana, em 1915, por Arlindo de Andrade Lima e, em 1917, foi transferida para Campo Grande por convite da municipalidade.

Concebendo a memória como expressão individual, buscamos informações em documentos oficiais para compreender se houve vantagens concedidas pela prefeitura ao Instituto. Foi encontrada, no acervo digitalizado da Câmara Municipal de Campo Grande, a Resolução nº 116, de 05 de julho de 1917, determinando a subvenção anual, por dois anos, para a manutenção dos cursos primário e secundário gratuitos. Como contrapartida, a escola teria que atender às leis e normas dispostas pelo poder público às instituições particulares e submeter-se à fiscalização da autoridade municipal. Além disso, os artigos 1º e 4º determinavam que a escola mantivesse os cursos primário e secundário gratuitos para jovens sem condições financeiras e do sexo masculino durante a vigência do prazo instituído.

Diante das lacunas existentes em relação aos estudos com a temática do negro na historiografia da educação em Mato Grosso do Sul, na primeira metade do século XX, podemos deduzir, com base na narrativa do professor, que o que facultou a um jovem de origem negra e pobre poder frequentar a escola privada foram as condições impostas pela prefeitura para subsidiar a instalação do Instituto Pestalozzi na cidade. Assim, entende-se que a transferência da escola foi decidida numa relação de interesses econômicos: o do poder municipal, por oferecer ensino público com a finalidade de formação de jovens para atuar no campo de trabalho local, e o do proprietário, pois não tinha condições de manter a instituição em Aquidauana, visto que, naquele período, a escola apresentava sinais de decadência, após a finalização das atividades da Estrada de Ferro na região. Dessa forma, foi o Instituto Pestalozzi a primeira instituição escolar a oferecer o ensino público na cidade, porém não possuímos dados sobre a clientela de jovens que puderam acessar a escolarização na origem do Instituto.

Luiz Alexandre de Oliveira (Rosa, 1990) revela que, após realizar os estudos primários, passou a frequentar o curso ginasial também no Instituto Pestalozzi e relata as dificuldades de um aluno sem recursos financeiros para acompanhar sua classe na educação secundária. Estudou na instituição como uma espécie de ‘bolsista’ e pagou seus estudos com os trabalhos de vigilante e de professor do curso primário.

Isso leva à compreensão de que o início da educação secundária em Campo Grande não foi facultado apenas para as classes dominantes. Observa-se que houve, por um tempo limitado, a possibilidade de que alunos das classes populares frequentassem a educação secundária no Instituto Pestalozzi. Nessa época, ser aluno e formar-se em uma instituição secundária era uma forma de se distinguir socialmente.

No entanto as memórias do professor trazem à tona traços do preconceito social que incidia sobre os alunos das classes populares:

Em Aquidauana, ainda alcancei a palmatória, em Campo Grande, não. O que senti em relação à minha pessoa foi a discriminação social. Em diversas ocasiões, era tratado de maneira diferente dos meninos de posição social elevada. Meu cartaz melhorou depois de uma excursão a Aquidauana e Miranda, em que banquei o orador. Não fui discriminado por ser negro, mas sim por ser pobre. Nunca senti discriminação racial em Mato Grosso, onde diversos negros alcançaram posição de destaque. A discriminação do negro é quase sempre de ordem econômica (Oliveira apud Rosa, 1990, p. 32).

O professor, ao afirmar que não foi discriminado por ser negro, e sim por ser pobre, leva à reflexão sobre a força ideológica de uma suposta Democracia Racial no país, um mito na sociedade brasileira. Essa ideologia nega as diferenças raciais e aliena muitas pessoas discriminadas com a negação do racismo e exaltando, sim, a condição econômica. Observamos que Luiz Alexandre foi um indivíduo oriundo de um grupo social discriminado e, em sua narrativa, traz a representação dessa alienação que nega o racismo e o preconceito velado. Ao trazer o sentimento da discriminação por ser pobre, ele sinaliza a transmissão de uma ideia de que todos, negros e brancos, são iguais e possuem as mesmas condições, o que decorre em uma imagem positiva, que não combina com a realidade vivida e presente em suas memórias escritas.

O professor manifestou ter se sentido distinguido pelo discurso proferido, por não ser uma realidade para um homem negro, pobre e deficiente visual naquele período. Esse sentimento de distinção pelo discurso é explicado pelo ‘poder simbólico’ que o discurso produz nos agentes e nos diferentes campos sociais. Para Bourdieu (1989), o discurso funciona como instrumento indispensável na construção de um campo de possibilidades, uma estratégia discursiva de interesses específicos e objetivos, um jogo simbólico que o agente utiliza para garantir uma posição nos sistemas de ‘relações invisíveis’ no campo social de que participa.

Luiz Alexandre de Oliveira traz também importantes elementos sobre a representação da educação secundária no Instituto Pestalozzi, como o relato sobre a vinda de professores de São Paulo. Docentes que direcionaram uma renovação da educação no sul do estado, imprimindo uma cultura humanística e possibilitando que os primeiros alunos da instituição realizassem os exames de fim de ano em São Paulo. Porém o professor relata as dificuldades encontradas no início das atividades dos cursos secundários, principalmente na validade dos cursos oferecidos.

Seus primeiros tempos de funcionamento foram duros. Os professores paulistas regressavam ao seu Estado natal e aqui não havia substituto para eles. Como os exames não tinham validade, os alunos realizavam o curso, sem saber aonde fazer as provas finais, para terem seu curso reconhecido. A sorte foi a ‘Lei dos Preparatórios’ em 1918, que permitiu aos alunos do Pestalozzi prestar exames aqui mesmo em Campo grande, com bancas especiais, vindas do Rio de Janeiro (Oliveira apud Rosa, 1990, p. 31, grifo do autor).

Em 1927, na administração do professor João Tessitore Júnior7, o Instituto Pestalozzi passou a receber novamente os recursos da municipalidade e, com o intuito de alcançar o reconhecimento oficial, passou a denominar-se Gymnasio Municipal de Campo Grande. Além disso, para manter as verbas recebidas pela municipalidade, a instituição deveria oferecer o ensino secundário gratuito para dez alunos pobres e fazer redução de 50% de desconto nas taxas de exames. Esse professor empreendeu a modernização do ensino na instituição e a parceria com o poder público municipal para a equiparação ao Colégio Pedro II. Em 1930, ele transferiu a instituição para os padres salesianos, os quais assumiram a direção desse Ginásio, que passou a se chamar Gymnasio Municipal Dom Bosco e, depois, Ginásio Dom Bosco, em 1942. Naquela época, a instituição funcionava com dois cursos: o primário e o ginásio, em regime de internato e externato.

O professor Luiz Alexandre narra que, entre as décadas de 1930 e 1940, as instituições escolares sofreram muitas intervenções políticas do Estado, no âmbito regional e nacional. Houve muitos embates políticos no país e isso refletiu no campo educacional de Campo Grande:

Em 1930, foi aberto concurso para professor de geografia na Escola Normal de Campo Grande. Eu era da oposição, pertencia ao partido de Júlio Prestes, e, por isso, recebi um recado do Governador da época, Leônidas de Matos, de que não adiantava me inscrever, nem prestar o concurso, porque, mesmo que passasse, não seria nomeado (Rosa, 1990, p. 32-33).

O relato do professor reflete a memória histórica social de Campo Grande e apresenta uma importante categoria de análise para este estudo: a influência do campo político8 no campo educacional.

Neves (1988) apresenta aspectos relevantes para compreender essa relação estabelecida em Campo Grande, por meio de análise sobre as elites políticas mato-grossenses e suas relações com o desenvolvimento nos diferentes campos da sociedade. Para a autora, houve revezamento partidário entre o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN). O primeiro apresentava maior força eleitoral na região norte e o segundo na região sul do estado de Mato Grosso.

Esse revezamento partidário influiu na educação de Campo Grande, como se observa no relato de memória do professor Luiz Alexandre. Os estudos de Bourdieu (2011) levam a compreender esse movimento pela noção de campo como um espaço estruturado de posições relacionais. Um espaço simbólico em que ocorrem as relações sociais, e essas interações são estabelecidas por meio de conflitos e lutas, por isso o campo é entendido como de ‘forças’ e de ‘lutas’, visando a transformar o mundo social.

Dessa forma, compreende-se que cada governo emprega estratégias para garantir uma unicidade política e, assim, utiliza o poder político para constituir grupos de interesse e manipular a estrutura social e, principalmente, a educação, ao dar emprego a correligionários, os quais têm papel fundamental na produção e reprodução dessas estruturas.

Oliveira (1986) traz importantes reapresentações do Instituto Osvaldo Cruz, criado em 1927. A instituição funcionou no antigo Instituto Rui Barbosa, criado pelo professor em 1923, para ministrar aulas do ensino primário. Em 1929, passou a denominar-se ‘Ginásio Osvaldo Cruz’, após avaliação da junta examinadora deliberada pela Reforma Rocha Vaz (1925), a qual regulamentou a organização administrativa e pedagógica da instituição nos moldes do Colégio Pedro II. Após o reconhecimento oficial, como o professor Luiz Alexandre de Oliveira relata, o Ginásio Osvaldo Cruz passou por muitas modificações administrativas devido a mudanças de proprietários e de diretores.

Essa instituição ofereceu cursos de ensino secundário e profissional noturno para empregados do comércio, operários e militares, bem como buscou exercer a função de prepará-los física e intelectualmente. Essa função estava estritamente ligada à educação militar, pois a instituição oferecia um Curso de Instrução Militar em parceria com a Circunscrição Militar. Muitos de seus professores eram militares e responsáveis por algumas disciplinas escolares. Isso demonstra que o Internato Oswaldo Cruz era uma instituição privada, mas não um reduto das elites e, portanto, buscou atender às classes intermediárias e trabalhadoras.

Em 1942, o professor Luiz Alexandre de Oliveira adquiriu o Instituto e relata que enfrentou grandes dificuldades, em virtude das dívidas herdadas e pelos embates políticos, principalmente com os salesianos.

[...] com a entrega da direção ao professor Gioia Martins, cuja administração foi desastrosa. As instalações eram péssimas, os professores desonestos vendiam provas ou então reprovavam os alunos na primeira época, para depois obrigarem-nos, a terem aulas particulares com eles. [...] Para complicar a situação, o arcebispo Dom Orlando Chaves começou a fazer campanha contra o colégio, dizendo que eu e o Osvaldo Cruz éramos protestantes. [...] Essa questão religiosa foi superada mais tarde, graças à atuação de Dom Antonio Barbosa (Rosa, 1990, p. 34).

Para Bourdieu (2007), na história social, a Igreja exerceu, em diferentes campos, um ‘monopólio de produção legítima’ e, no campo educacional, é representada como um ‘instrumento de produção’ dos bens legítimos da sociedade, ou seja, funcionou como um campo de produção ideológica e, de maneira autônoma, por meio de instrumentos de pensamento do mundo social, definiu as diferenças entre agentes sociais que ocupam posições diversas no campo das relações de classes.

Observa-se que os ‘embates políticos’ enfrentados pelo professor Luiz Alexandre com os salesianos é produto dos conflitos políticos e históricos entre Estado e Igreja. Os salesianos, representantes da ideologia católica, buscavam dar continuidade à política educacional, a qual se adequava à defesa de uma escola privada e elitista, como um núcleo de reprodução cultural das classes privilegiadas da cidade. Já o Internato Oswaldo Cruz representava a possibilidade real de que as classes intermediárias e trabalhadoras tivessem acesso à educação secundária que, entre as décadas de 1920 a 1960, ainda representava um signo de distinção por não ser um nível de escolarização acessível a todas as classes sociais.

Fonte: Civilização... (1934)

Figura 4 Propaganda do Internato Osvaldo Cruz 

A Figura 4 acima reproduz anúncio publicado no periódico Civilização, no ano de 1934, sinalizando que a instituição mantinha um curso noturno para empregados do comércio, operários e militares. Também deixa claro o interesse da instituição em oferecer a educação para todas as classes: “[...] houve por bem a sua Diretoria reduzir, sensivelmente a tabela de preços em todos os cursos, o que o torna [o ensino] acessível a todas as classes” (Civilização..., 1934, p. 99). Portanto, isso demostra o empenho de oferecer cursos com preços razoáveis para diferentes classes sociais terem possibilidades de acesso ao Internato Osvaldo Cruz.

O Ginásio Osvaldo Cruz, na administração do professor Luiz Alexandre, recebeu reconhecimento oficial no ano de 1944 e passou a oferecer cursos noturnos para os militares de baixa patente e trabalhadores de origens populares que não faziam parte das elites econômicas e intelectuais da cidade.

Fonte: Campos (1939)

Figura 5 Propaganda do Ginásio Osvaldo Cruz na década de 1940 

De acordo com a Figura 5 acima, a propaganda da instituição anunciava a sua função de ‘ensinar a ter um físico sadio, uma inteligência firme e, sobretudo, um caráter reto, decidido e nobre’. Essa função estava a cargo da educação militar, pois a instituição, como já mencionado, oferecia um Curso de Instrução Militar, em parceria com a Circunscrição Militar, com muitos de seus professores militares responsáveis por algumas disciplinas escolares. Depois do reconhecimento oficial do Colégio Oswaldo Cruz, o professor Luiz Alexandre de Oliveira transferiu a direção da instituição para Carlos Henrique Schrader, qualificado para o cargo. Com o passar dos anos, porém, a escola entrou novamente em decadência, voltando o professor a assumir a gestão da escola no ano de 1970.

Em síntese, a partir da autobiografia do professor Luiz Alexandre e da sua narrativa trazida por Rosa (1990), compreendem-se as dificuldades que ele teve para frequentar uma instituição secundária na década de 1920, bem como a representação de seu trabalho como professor, diretor e proprietário do Colégio Oswaldo Cruz, entre as décadas de 1940 e 1950, para oferecer escolarização às classes trabalhadoras.

Considerações finais

Narrar episódios da trajetória de vida a partir das memórias do professor Luiz Alexandre de Oliveira é dar voz ao que foi subtraído da/na compreensão dos processos históricos e sociais da história da educação regional, bem como é uma tentativa de preencher as lacunas das trajetórias de professores negros. Suas memórias trazem à tona a superação vivenciada por um homem negro, pobre e deficiente visual no contexto histórico da sociedade de Campo Grande entre as décadas de 1920 e 1960.

Ao explorarmos o seu percurso vivido para alcançar o sucesso escolar, com sua escolarização em nível superior, assim como as relações sociais tecidas com a comunidade japonesa e a sua atuação no Colégio Oswaldo Cruz, podemos perceber o seu notório envolvimento em diferentes campos sociais, políticos e educacionais e, consequentemente, sua ampliação pessoal dos capitais econômicos, sociais, simbólicos e culturais.

Sua relação ética com a comunidade japonesa estabeleceu-se por meio dos laços de confiança, pois o professor realizou a transferência de vários bens materiais dos imigrantes japoneses para seu nome, como uma estratégia para que eles não tivessem seus bens confiscados pelo Governo. Esses bens, posteriormente, foram devolvidos aos seus legítimos donos, bem como para a associação de imigrantes japoneses, principalmente a propriedade em que hoje se instalou a Escola Visconde de Cairu.

Essa relação de afinidade do professor Luiz Alexandre com a Colônia Japonesa foi fortemente marcada por sua presença na história da Escola de Japoneses. No período de Getúlio Vargas, em meados de 1938, ele tornou-se o primeiro professor brasileiro e diretor da instituição, como parte das estratégias mobilizadas para manter a escola funcionando. Por suas ações práticas em prol da garantia de direitos desse grupo, em especial durante a Era Vargas (1930-1945), foi considerado muito além de ‘tutor de bens’, foi reconhecido como ‘benfeitor’.

Nos relatos biográfico e autobiográfico do professor Luiz Alexandre de Oliveira, foi possível perceber que a oportunidade de estudar no Instituto Pestalozzi influiu no seu projeto de vida. Ele tornou-se um professor requisitado nas instituições da cidade, levando-o a se dedicar ao projeto de consolidação do Ginásio Osvaldo Cruz entre as décadas de 1930 e 1950.

As memórias escritas do professor apontam o interesse da municipalidade em manter o acesso à educação secundária, que era privada, para jovens pobres. Esse empenho advém das condições sociais e econômicas vivenciadas pela urbanização de Campo Grande, a partir de 1920, uma vez que a urbanização da cidade exigia a consolidação de instituições secundárias para preparar os jovens para atuarem em diferentes setores da sociedade.

A partir da análise da autobiografia e do relato biográfico de Luiz Alexandre, por meio da visão do ex-aluno, professor e diretor, compreendeu-se, no cruzamento das fontes memorialísticas e documentais, que a educação secundária refletiu o desenvolvimento educacional e social de Campo Grande, no período de 1920 a 1960. Isso se evidencia em suas memórias relativas ao processo educacional vivenciado no Instituto Pestalozzi.

O acesso ao ensino secundário no Instituto Pestalozzi proporcionou-lhe a inserção em outros campos sociais e a representação no campo educacional da cidade, como um reconhecido professor de ensino secundário, no período de 1930 a 1960. Por não ter sido uma escola destinada apenas às classes privilegiadas da sociedade, o Instituto proporcionou a alguns indivíduos das classes médias e trabalhadoras o acesso à escolarização secundária, em seus diferentes tipos de ensino.

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1No período delimitado do estudo, tratamos do estado de Mato Grosso unificado, antes da divisão concretizada em 1977 pelo governo Ernesto Geisel, a partir da qual a parte norte do território dividido manteve a denominação Estado de Mato Grosso - cuja capital é Cuiabá - e a região sul foi denominada Estado de Mato Grosso do Sul - cuja capital é Campo Grande.

2Adota-se o termo deficiência visual para tratar da condição física do professor, o qual apresentava cegueira de um olho e possuía baixa visão no outro, cuja intercorrência foi adquirida por meio de infecção por bactéria na hora do parto, dada as condições de pobreza familiar relatada por ele.

3Na década de 1920, houve a atuação de professores leigos na educação primária, devido à falta de cursos de Ensino Normal no sul de Mato Grosso. Em 1931, foi inaugurada a Escola Normal Joaquim Murtinho, instalando a formação pública de professores no sul de Mato Grosso.

4Foram localizados alguns exemplares de revistas da década de 1940, dentre eles, o Álbum photográfico de Campo Grande, de Peri Alves Campos (1939).

5Revista publicada em comemoração aos 100 anos de migração japonesa no Brasil e que apresenta elementos históricos dos imigrantes que vieram no navio Kasato Maru e de seus descendentes que se instalaram no então Mato Grosso.

6Em Mato Grosso, desde década de 1930, houve o movimento divisionista com dualidade de interesses. As elites mato-grossenses estabelecidas em Cuiabá confrontavam-se com os novos grupos econômicos e políticos de Campo Grande, os quais lutavam por maior participação política e pela divisão do estado.

7Professor formado na Escola Normal Caetano de Campos, veio para Campo Grande após ver uma notícia em um jornal de São Paulo sobre a contratação de professores para atuar na instituição.

8 Bourdieu (2004, p. 200) define o campo político como um “[...] um universo autônomo, um espaço de jogo onde se joga um jogo que possui regras próprias; e as pessoas envolvidas nesse jogo possuem, por esse motivo, interesses específicos, interesses que são definidos pela lógica do jogo e não pelos mandantes”.

12Rodadas de avaliação: R1: três convites; uma avaliação recebida; R2: um convite; uma avaliação recebida

13Como citar este artigo: Britez, A. E., & Amaya, S. Luiz Alexandre de Oliveira: estudante, professor e benfeitor da educação de Campo Grande - MS (1920-1960). (2023). Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e244 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 20 de Novembro de 2021; Aceito: 12 de Abril de 2022; Publicado: 01 de Dezembro de 2022

*Autora para correspondência. E-mail: adri.pgjv@gmail.com.

Adriana Espindola Britez é Graduada em Pedagogia (2010), pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Especialista em Gestão Escolar, pelo Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica/EaD/UFMS (2012). Mestra (2014) e Doutora em Educação (2020), pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atualmente docente efetiva de Educação Infantil e Anos Iniciais - SEMED/PMCG/MS. Docente pesquisadora vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Antropologia e Sociologia da Educação - GEPASE/UFMS. Têm interesses em pesquisas na área de Educação, com ênfases em Sociologia e História da Educação. E-mail: adri.pgjv@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-4530-0659

Stephanie Amaya é Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduada em Pedagogia, Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Docente efetiva de Educação Infantil - SEMED/PMCG/MS. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Antropologia e Sociologia da Educação (GEPASE/UFMS). E-mail: fani2.amaya@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-5386-0846

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra (UERJ) E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

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