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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 08-Mar-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e260 

Artigo Original

Produção, circulação e método de leitura e escrita na Cartilha da infância de Thomaz Galhardo

Production, circulation and reading and writing method in Cartilha da infância by Thomaz Galhardo

Producción, circulación y método de lectura y escritura em Cartilha da infância de Thomaz Galhardo

Lucilene Rezende Alcanfor1  * 
http://orcid.org/0000-0002-9844-1925

1Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, São Francisco do Conde, BA, Brasil.


Resumo:

O artigo se propõe a analisar a Cartilha da infância de Thomaz Galhardo, atentando para os aspectos de produção, edição, circulação e método de alfabetização proposto neste livro que foi editado do século XIX até o final do século XX, atingindo mais de cem anos de edição. A análise é resultado de uma pesquisa sobre a história das edições escolares, na qual reconstituímos a trajetória de uma cartilha de longa duração, escrita por um professor primário paulista que fez parte de uma geração de autores de livros didáticos do período que se tornou conhecido pelo sucesso editorial dessa obra, responsável pela alfabetização de várias gerações de brasileiros. Essa cartilha revela a permanência de uma tradição escolar sustentada pela escolha do autor pelo método silábico para o ensino da leitura e da escrita.

Palavras-chave: Thomaz Galhardo; Cartilha da infância; alfabetização; edições escolares

Abstract:

The article proposes to analyze Thomaz Galhardo's Cartilha da infância, paying attention to the aspects of production, editing, circulation and literacy method proposed in this book that was edited from the 19th century to the end of the 20th century, reaching more than one hundred years of existence edition. The analysis is the result of a research on the history of school editions, in which we reconstruct the trajectory of a long-term booklet, written by a primary school teacher from São Paulo who was part of a generation of textbook authors of the period that became known for editorial success of this work, responsible for the literacy of several generations of Brazilians. This booklet reveals the permanence of a school tradition sustained by the author's choice of the syllabic method for teaching reading and writing.

Keywords: Thomaz Galhardo; Cartilha da infância; literacy; school editions

Resumen:

El artículo se propone analizar la Cartilha da infância de Thomaz Galhardo, prestando atención a los aspectos de producción, edición, circulación y método de alfabetización propuestos en este libro que fue editado desde el siglo XIX hasta finales del siglo XX, alcanzando más de cien años de existencia edición. El análisis es el resultado de una investigación sobre la historia de las ediciones escolares, en la que reconstruimos la trayectoria de un cuadernillo de larga duración, escrito por un maestro de escuela primaria de São Paulo que formó parte de una generación de autores de libros de texto del período que se hizo conocido por el éxito editorial de esta obra, responsable de la alfabetización de varias generaciones de brasileños. Este cuadernillo revela la permanencia de una tradición escolar sustentada en la elección del autor del método silábico para la enseñanza de la lectura y la escritura.

Palabras clave: Thomaz Galhardo; Cartilha da infância; literatura; ediciones escolares

Introdução

A história das edições escolares tem ganhado, nas últimas décadas, importante espaço na historiografia da educação brasileira. Estudos precursores, como os de Bittencourt (1993) e Munakata (1997), demonstraram como a história do livro didático, ao se constituir em campo significativo da área, introduziu a preocupação de inventariar e preservar a produção escolar.

A interlocução com a história do livro (Chartier, 1990, 2014a; Darnton, 1990, 2010), em especial a do livro escolar (Choppin, 2002, 2004, 2008; Hébrard, 2002), nos fornece elementos para a compreensão desse objeto que, aos olhos dos seus consumidores, sejam alunos, pais ou professores, não apresentam nada de raro ou singular. A familiaridade desse público com um produto perecível, como é o livro didático, lhe confere um status inferior em relação a outros produtos editoriais, visto que logo perde o valor de mercado assim que ocorre uma mudança de métodos ou programas de ensino, ditados pelas políticas educacionais.

Apesar de sua efemeridade, o livro didático é fonte privilegiada para o historiador da educação que se debruça sobre esse objeto, buscando a complexidade das especificidades que o caracterizam, tendo como princípio norteador o cuidado em estabelecer sua distinção quanto aos demais impressos (Choppin, 2009). É também resultante de uma construção intelectual que não tem uma definição única, sendo indispensável explicitar os critérios que encadeiam essa elaboração conceitual, pois uma das principais insuficiências da pesquisa histórica reside sempre “[...] no caráter de alguma forma ‘natural’, ahistórico, dos manuais escolares aos olhos de muitos historiadores” (Bruter apud Choppin, 2009, p. 74-75, grifo do autor).

Por conseguinte, o tímido interesse pela história das edições escolares decorre, também, da dificuldade de acesso às coleções e da sua incompletude e dispersão, fruto, muitas vezes, do grande número de edições e tiragens que esse tipo de material produz, o que torna quase impossível sua preservação e conservação nos acervos de pesquisa. Assim, a dificuldade em localizar fisicamente os exemplares levam a nós, historiadores da educação, à procura de traços indiretos das produções escolares, buscando mapear e reconstituir as edições fragmentadas e perdidas por indícios geralmente encontrados na imprensa, nos periódicos, em correspondências trocadas entre autor e editor, nos catálogos de livros, nos acervos e contratos de editoras.

Nessa trilha metodológica, o artigo se propõe a analisar a materialidade das edições da Cartilha da infância de Thomaz Galhardo, atentando para os aspectos de produção, circulação e práticas de leitura de um manual para o ensino da leitura e da escrita que se destaca pela sua longevidade editorial por mais de um século. A obra surge, nas duas últimas décadas do século XIX, num momento de disputa em torno da eficácia dos métodos de alfabetização, acirrando o debate entre aqueles que buscavam se desvencilhar dos resíduos do passado para se ajustar às teorias e práticas pedagógicas que respondiam às necessidades emergentes de seu contexto, provocando uma verdadeira revolução conceitual em alfabetização, sobretudo nas políticas educacionais engendradas pelos educadores republicanos paulistas (Mortatti, 2000). Nesse contexto, o postulado imposto pelos livros escolares afirma que o “[...] verdadeiro conhecimento se encontra nos livros e só nos livros [...]”, pois a “[...] leitura é a única maneira de aprender” (Chartier, 2014b, p. 25). Para os iniciantes aos rudimentos das práticas de leitura e escrita, o livro didático se torna suporte privilegiado do conteúdo educativo, além de importante instrumento pedagógico e de difusão de novos métodos de ensino (Choppin, 2009).

O artigo está estruturado em três seções: na primeira é apresentada a trajetória de Thomaz Galhardo e o papel que desempenhou como intelectual da educação, compondo uma nova geração de autores de livros escolares; a segunda seção trata dos aspectos da materialidade da Cartilha da infância, atentando para aqueles de sua produção e circulação no mercado de livros escolares, apresentando as nuances dos contratos firmados com o editor Francisco Alves; por fim, a terceira seção aborda a proposta metodológica da cartilha pelo método silábico.

A nova geração de autores de livros escolares

Thomaz Paulo do Bom Sucesso Galhardo nasceu em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, no dia 29 de dezembro de 1852 e faleceu aos 51 anos na capital paulista em 30 de junho de 1904. No início de 1870, começou a carreira como professor de instrução primária, passando por alguns distritos e províncias até ingressar, em 1875, na segunda turma da Escola Normal de São Paulo, concluindo o curso em 1876. Após exercer o magistério primário em algumas províncias do estado, no ano de 1879, radicou-se na escola da Freguesia da Sé da capital. Assim que foi nomeado, emitiu um relatório detalhado ao Inspetor Geral de Instrução Pública, Aurélio de Souza Carvalho, denunciando a precariedade da escola, como falta de materiais de ensino, de sede própria e condições mínimas de trabalho.

Desde essa data tenho exercido sem interrupção o magistério público, com a frequência de cinquenta alunos, dos sessenta e quatro, que se acham matriculados, os quais estão divididos em seis classes, sendo a primeira composta de oito alunos, a segunda de nove, a terceira de sete, a quarta de sete, a quinta de doze e a sexta de vinte e um, subdividida em três turmas. Pelo mapa junto verá v.s. o estado de adiantamento de cada um deles, e por isso dispenso-me de tratar dessa matéria aqui [...]. Ao tomar sobre meus ombros a árdua tarefa de reger esta escola, reclamei logo de v. s. providências em ordem a ser ela provida de móveis e utensílios. [...] Releva notar que mais necessidade de casa tem a escola do centro da cidade, onde os aluguéis são excessivamente elevados, do que as dos subúrbios. [...] A obrigação imposta ao professorado de tirar de seus exíguos vencimentos o necessário para aluguel de casa, com acomodações precisas para nela funcionar a escola, sobre ser penosa por forçar o professor a distrair para esse fim grande parte de seus pequenos ordenados, redunda em prejuízo dos alunos, que, mal acomodados, com falta de ar e luz, respirando uma atmosfera impura, qual a que resulta da aglomeração de muitas pessoas em um pequeno espaço, ou nada aproveitam do ensino, ou perdem a saúde, o que é ainda pior (Galhardo, 1879, p. 3-5).

Para o relator, a falta de regimento interno para as escolas a fim de uniformizar o ensino, a escassez de mobiliário adequado, as casas construídas sem as prescrições da higiene e da pedagogia tornavam a instrução primária da província deficiente e ilusória, pela falta de cumprimento do que previa a Constituição. Eram tristes as projeções sobre o futuro do ensino, vendo-se que “[...] nada se inicia, nada se experimenta, nada se reforma, e tudo promete permanecer neste estado desalentador” (Galhardo, 1879, p. 5-6).

Submetido à precarização do cumprimento do seu papel na instrução pública, o professor jamais poderia exercer satisfatoriamente o magistério. Era preciso realizar uma verdadeira reforma na educação.

Façam-se as reformas de que necessita a instrução, colocando-se v. s., que o pode fazer, na frente dessa cruzada contra a ignorância; inicie-se o funcionamento da escola normal sobre bases mais certas e seguras; eleve-se o professorado à altura de seu sacerdócio; reorganizem-se as escolas públicas, e o progresso futuro será o fruto dos esforços do presente, e o ensino obrigatório, que até esta data não tem execução, se tornará completamente desnecessário. Enquanto estas deliberações, de transcendente alcance para o ensino popular, não forem realizadas, nada se poderá esperar (Galhardo, 1879, p. 8).

O relatório de Thomaz Galhardo apresenta significativos indícios de engajamento político, mas, sobretudo, evidencia um corpo de saberes e de técnicas construídos que se forma em torno de uma nova categoria de professores primários intelectuais (Boto, 2005)1, em especial daqueles egressos da Escola Normal de São Paulo.

A afirmação e o reconhecimento social dos professores demonstraram que o processo de profissionalização da atividade docente serviu de base para a legitimação da corporação dos professores como um tipo particular de funcionário público, pois “[...] a sua ação está impregnada de uma forte intencionalidade política, devido aos projetos e às finalidades sociais de que são portadores” (Nóvoa, 1999, p. 17). Engajados na vida política, a notoriedade desses professores se faz presente, também, nas revistas e nos periódicos da educação. Thomaz Galhardo foi membro e redator de alguns periódicos e revistas como A Educação, Associação Pedagógica União Escolástica e O Aspirante. Também elaborou o documento Bases gerais para a reforma da instrução pública como proposta ao Conselho de Instrução para a reforma da educação. Ainda sobre esse Conselho, publicou uma matéria no jornal A Província de São Paulo. Foi membro da comissão de fundação do ‘Grêmio do Professorado Paulista’, presidente da ‘Associação dos Funcionários Públicos’ e tentou, sem sucesso, a carreira política como deputado e senador.

Em 1887, foi nomeado secretário da Diretoria Geral da Instrução Pública, cargo de alto escalão na esfera política que estava abaixo apenas do diretor geral deste órgão, função que desempenhou entre outras atuações e participações como no Grêmio do Professorado Paulista. Os professores que compunham o grêmio levaram para a discussão na imprensa suas posições diante dos problemas da instrução pública. Mais do que uma consciência de grupo profissional, defendendo interesses específicos, os artigos assinados por esses sujeitos destacavam aspectos importantes da educação daquela época, com considerável grau de consciência política em relação ao papel do ensino.

Com o advento da República, logo foram atribuídas a Thomaz Galhardo maiores responsabilidades na Diretoria de Instrução. A reorganização administrativa do estado de São Paulo levou à criação da Secretaria do Interior, que passou a gerir os serviços da instrução pública, e, logo após a nomeação de Thomaz Galhardo para Oficial Maior, o médico e deputado federal Cesário Motta Júnior foi nomeado Secretário do Interior, em três de fevereiro de18932.

Dentre as várias medidas postas em execução na gestão de Cesário Motta e que tiveram a participação e atuação direta de Galhardo, destaca-se a criação do Conselho Superior de Instrução Pública em 1893, órgão responsável pelo regulamento das escolas preliminares e dos seus regimentos, bem como pela instalação de casas para essas escolas e pela aquisição de livros didáticos e materiais escolares. Além dessas atribuições, cabia ao órgão promover o aumento do número de inspetores de distrito; a criação de grupos escolares; a melhoria das condições profissionais para os professores; a expansão do ensino; a reestruturação da Escola Normal; a reorganização do ensino secundário, com a criação de três ginásios, sendo um na capital; além da criação da Escola Politécnica, primeira instituição de nível superior instalada pelo poder público estadual.

Após sua aposentadoria, em 1897, Thomaz Galhardo continuou trabalhando como subdelegado do Sul da Sé e escritor de livros escolares. A produção de livros para a instrução primária foi um trabalho ao qual vinha se dedicando concomitante à sua carreira na educação, trabalho realizado desde o início de 1880 e que, de fato, o projetou como personalidade conhecida entre os autores de livros didáticos.

A carreira de escritor de livros para a instrução começou na década de 1880 com a publicação de Monographia da letra A (1883), Pesos e medidas do systema métrico decimal (n.d.), Cartilha da infância (188?), Segundo livro de leitura para a infância (1895), Terceiro livro de leitura para a infância (1902) e a obra póstuma Contos infantis (1913)3.

Thomaz Galhardo fez parte de uma nova geração de autores de livros didáticos que inaugurou uma profícua literatura escolar, cuja popularidade se explica pelo aparecimento de um mercado editorial específico para o gênero didático e sua adequação à estrutura do ensino primário, no qual se insere a sua produção, diferentemente da primeira geração de autores, do começo do século, preocupados com a organização dos cursos secundários e superiores (Bittencourt, 2004).

Esse movimento se iniciou no final do século XIX e início do XX, quando esse mercado passou a atrair o interesse de escritores e, sobretudo, professores que tinham sua trajetória intelectual construída no magistério público primário. No bojo dessa produção, podemos destacar os projetos editoriais de Abílio Cesar Borges, Hilário Ribeiro, Felisberto de Carvalho, João Köpke, Thomaz Galhardo, Arnaldo de Oliveira Barreto, Romão Puiggari, dentre outros. Esses autores foram os precursores das séries graduadas de livros de leitura que visavam atender ao modelo didático-pedagógico da escola primária. Compostas de três, quatro e até cinco livros de leitura de uma mesma autoria, essas séries foram pouco a pouco sendo disseminadas e popularizadas, seguindo o critério da continuidade dos conteúdos por lições e temas, com base em uma nova concepção de vida social, que precisava ser aprendida na escola, do primeiro ao último ano escolar (Oliveira & Souza, 2000).

Entretanto, se a experiência do ‘saber fazer’ foi determinante para a elaboração dos livros destinados às práticas de leitura e escrita, é importante enfatizar que, nessa produção, existem problemas no que tange à construção intelectual desses sujeitos, uma vez que

[a] história do livro didático brasileiro tem demonstrado que existem preconceitos em relação aos intelectuais que se dedicam à produção didática, considerando-se o livro escolar como uma obra ‘menor’, um trabalho secundário no currículo acadêmico. No século XIX e início do século XX, período inicial dessa produção, a situação não era muito diferente embora houvesse algumas particularidades. Identificar o grupo de intelectuais que se sujeitaram às imposições do poder educacional e das editoras merece, assim, considerações significativas para aprofundar o conhecimento sobre o livro didático e o papel que tem desempenhado na produção da cultura escolar (Bittencourt, 2004, p. 479, grifo do autor).

Além disso, a valorização das experiências pedagógicas desses sujeitos passou a ser fortemente considerada por parte dos editores como critério de escolha dos autores, ou seja, davam preferência para aqueles que acompanhavam os avanços pedagógicos dos países nos quais o ensino da leitura e da escrita se expandia consideravelmente. Daí a ambição da escola primária, segundo o modelo francês: oferecer um livro didático, um livro de leituras que é como um livro dos livros, constituído de breves textos e extratos de obras que transmitem múltiplos saberes (história, geografia, ciências morais, físicas e naturais, economia doméstica, higiene etc.). Para isso, era necessário procurar nos alunos as competências de ler (e escrever) que lhes permitissem “[...] transformar a aprendizagem escolar em uma ferramenta de conhecimento, cujo objetivo é aprender a ler segundo regras e regulamentos” (Chartier, 2014b, p. 25).

Assim, as qualidades principais exigidas do autor de livro didático eram sua capacidade de bom escritor, habilidades literárias para atingir a especificidade de um público infantil e juvenil e, obviamente, disposição de ceder às amarras do progresso da literatura comercial, dominada pelo capitalismo editorial das mais importantes casas comerciais que produziam para o grande público escolar. Nesse período, com a interferência do poder educacional, houve incentivo governamental patrocinando concursos e premiando obras que posteriormente seriam adotadas nos sistemas públicos de ensino e, ao eleger os melhores trabalhos, novas articulações eram feitas pelos setores editoriais na escolha dos autores que comporiam os catálogos das novas edições (Bittencourt, 2004).

Como construção intelectual, a literatura escolar de Thomaz Galhardo disputava o mercado de livros didáticos entre aqueles que, como ele, ocupavam uma posição privilegiada nas esferas do poder. Ser professor não bastava para ter seus livros publicados, era preciso ter uma relação constituída pelo que a literatura chama de ‘redes de sociabilidade’ de um grupo de intelectuais (Sirinelli, 2003). Galhardo fazia parte de um grupo de intelectuais que, em defesa de um projeto político educacional brasileiro, sujeitou-se à imposição do poder do Estado e das editoras. Ele e demais autores da ascendente literatura escolar brasileira para o ensino primário fizeram emergir uma nova identidade social de um grupo socioprofissional identificado pelo reconhecimento público que lhes concedia um lugar relativamente privilegiado no tabuleiro social (Boto, 2005), aquilo que Leclerc (2004) denomina categoria de ‘profissionais intelectuais’, daqueles que exercem, como nosso personagem, influência política e social na organização dos sistemas educacionais e, por conseguinte, na produção de materiais didáticos para ensino público em expansão.

Ao erigir-se como escritor, Galhardo também criou identidade para a sua obra e gerou a sua autenticidade, assumindo a categoria que Foucault (2002) denomina ‘função-autor’ de uma obra. Em outras palavras, o nome do autor não é um nome próprio como outro qualquer, mas antes um instrumento de classificação de textos e um protocolo de relação entre eles ou de diferenciação diante de outros. Chartier (1994) assinala que, para consagrar-se como autor, escrever não é suficiente, é preciso, acima de tudo, fazer circular as suas obras entre o público, por meio da impressão. É necessário reconhecer a ‘função-autor’ nos estudos sobre a história das edições didáticas, mas, principalmente, identificar a produção de diferentes discursos em momentos históricos específicos. Isso implica uma ampliação de perspectivas de análise, levando em conta os acordos, conflitos, tensões, para além do contexto biográfico do autor em suas relações com o conteúdo expresso no texto, uma vez que

[o] autor de uma obra didática deve ser, em princípio, um seguidor dos programas oficiais propostos pela política educacional. Mas, além da vinculação aos ditames oficiais, o autor é dependente do editor, do fabricante do seu texto, dependência que ocorre em vários momentos, iniciando pela aceitação da obra para publicação e em todo o processo de transformação do seu manuscrito em objeto de leitura, um material didático a ser posto no mercado (Bittencourt, 2004, p. 479).

Ao situarmos a produção escolar de Thomaz Galhardo numa perspectiva mais ampla, atentando para os aspectos da produção e circulação dos seus livros, seguimos outra pista metodológica proposta por Choppin (2009), ou seja, perpassando uma abordagem limitada ao conteúdo das obras, tomamos o livro de leitura como objeto, o que significa prestar atenção à sua materialidade, como objeto fabricado, sem desconsiderá-lo como suporte privilegiado do conteúdo educativo, já que “[...] a materialidade do livro é inseparável da materialidade do texto” (Chartier, 2014a, p. 11).

Produção e circulação da Cartilha da infância

As editoras que investiram na literatura escolar a partir das últimas décadas do século XIX, submetendo-se aos poderes educacionais, puderam se dedicar quase que exclusivamente a esse produto cultural. Além do que, ao ampliarem sua produção, projetando suas obras em escala nacional, tornaram-se responsáveis pela transformação da fase artesanal do livro para a era industrial. Segundo Bittencourt (2008, p. 80), a questão da ‘fabricação do livro’ estabeleceu outra forma de divisão do trabalho, “[...] o trabalho da fábrica, no qual o editor deixou de ser um técnico ou artista e se transformou em um empreendedor de negócios”. Ainda conforme afirma a autora,

[o] livro didático tornou-se, rapidamente, o texto impresso de maior circulação, atingindo uma população que se estendia por todo o país. A obra didática caracterizou-se, desde os primórdios, por tiragens elevadas, comparando-se à produção de livros em geral. A circulação dos livros escolares superava todas as demais obras de caráter erudito, possuindo um status diferenciado e, até certo ponto, privilegiado, considerando-se que a sociedade se iniciava no mundo da leitura. Esse poder de penetração explica, em parte, por que autores eruditos, em número significativo, utilizaram a literatura escolar para divulgar o trabalho deles (Bittencourt, 2008, p. 83).

As grandes editoras foram especialistas em articulações com o poder educacional. O editor Francisco Alves, em particular, foi ainda mais perspicaz em perceber o novo cenário educacional que se delineava no final do século XIX e as perspectivas mercadológicas que se abriam, garantindo, praticamente, quase o monopólio do mercado de livros didáticos no Brasil. Esse fator foi determinante para que, no dia 23 de abril de 1894, inaugurasse em São Paulo a Livraria Francisco Alves à rua da Quitanda, nº 9. Nessa província, o editor Francisco Alves tinha como seu principal cliente a Diretoria de Instrução Pública, portanto uma filial facilitaria não só o recebimento dos pedidos, como também a distribuição das remessas de livros, os pagamentos e um controle preciso da entrada e saída de capital.

Hallewell (1985) afirma que o controle exercido por Francisco Alves sobre o mercado de livros didáticos brasileiros foi conseguido principalmente comprando as livrarias concorrentes. Além disso, muitas dessas aquisições foram feitas apenas para conseguir determinados direitos de edição, como fez com vários autores. Supõe-se ter sido esse também o caso da Cartilha da infância de Thomaz Galhardo. No caso dessa cartilha, que inaugura a série graduada de leitura ‘Na escola e no lar’, destinada para uso do aluno do primeiro ano escolar, temos indícios prováveis de que sua primeira edição foi em 18874, com interstício de quatro anos entre a primeira e a segunda edição, publicada somente em 1891, ambas pela Teixeira & Irmão - Editores5. A partir de 1894, a Editora Francisco Alves comprou os direitos de publicação e editou a cartilha até 1992, totalizando 233 edições, conforme informações coletadas em nossa pesquisa na imprensa e nos acervos de livros didáticos6. Foi possível encontrar 22 exemplares da Cartilha da infância editados pela Francisco Alves: uma microfilmagem da 41ª ed. de 1908; 58ª ed. de 1911; 109ª ed. de 1924; 140ª ed. de 1938; 141ª ed. de 1939; 162ª ed. de 1947; 178ª ed. de 1953; um exemplar de 1956 sem data de edição; 189ª ed. de 1957; 205ª ed. de 1961; um exemplar de 1962 sem data de edição; 210ª ed. de 1964; 212ª ed. de 1964; 220ª ed. de 1969; 221ª ed. de 1971; 222ª ed. de 1973; 226ª ed. de 1979; 228ª ed. de 1987; 230ª ed. de 1988; 232ª ed. de 1989 e 233ª ed. de 1992.

Com a instalação de uma filial da livraria Francisco Alves em São Paulo, a partir de 1894, o número de edições da Cartilha da infância aumentou consideravelmente. No mesmo ano, a editora comprou os direitos de publicação, lançando inicialmente uma nova edição de 20.000 exemplares7. Essa tiragem justifica-se, como apontamos anteriormente, pelo fato de o editor ter conquistado um potencial comprador, a Diretoria de Instrução Pública de São Paulo, sonho de todas as casas editoriais do período. No entanto, as relações entre editora e Estado não se efetivaram apenas pela influência política de Francisco Alves. É preciso lembrar que, no período, Thomaz Galhardo exercia o cargo de oficial maior na Diretoria de Instrução e era membro do Conselho Superior de Instrução Pública, órgão responsável pela seleção dos livros escolares para as escolas do estado de São Paulo. A relação que Thomaz Galhardo estabeleceu com o núcleo do poder foi determinante para que tanto a Cartilha da infância como os seus livros de leitura que viriam posteriormente circulassem nas escolas públicas com o ‘selo’ de aprovação dos órgãos competentes de fiscalização da literatura escolar.

Ao analisar o processo de circulação dessa cartilha, constata-se que o período de maior produção se dá entre 1908 e 1924, com a média de quatro a cinco edições por ano. Após esse período, é mantida a média de duas a três edições por ano, que ocorreu até a década de 1960. Portanto, trata-se de um fenômeno editorial que perdurou por mais de cem anos, evidenciando a permanência de uma prática escolar sustentada por um método de alfabetização - no caso, o método silábico - que sobreviveu às mudanças provocadas historicamente na cultura escolar.

Diante de um bestseller como esse, a primeira pergunta remonta a quais motivos levaram ao uso contínuo dessa cartilha como um livro de iniciação à leitura, por tantas gerações, em meio a inúmeras inovações pedagógicas. De acordo com Anne Marie Chartier (2012), o método silábico mostra-se absurdo em relação às finalidades do ensino da leitura. Se o método silábico é absurdo, por ser ultrapassado em relação aos novos métodos de alfabetização, o que permite que práticas antigas se tornem tão duradouras? Chartier e Hébrard (2001) afirmam que, nesse caso, não se pode confundir produto editorial e corpo de doutrina, assim como não se pode confundir posições teóricas e práticas dos professores em sala de aula, uma vez que os professores se afirmam voluntários de uma doutrina, mas modificam à sua maneira os instrumentos que utilizam. Como aplicadores práticos, os métodos são compreendidos como ordenamento do processo de aprendizagem, e o ensino da leitura tem, aparentemente, uma autonomia que lhe é constitutiva.

Anne-Marie Chartier (2000) ainda nos alerta para o fato de que, entre a inovação desejada ou autorizada pela instituição e as modificações singulares produzidas pelos atores do sistema, no caso, os professores, há uma diferença de ponto de vista que exprime o fazer ordinário da classe, por meio do qual os pedagogos conduzem as crianças em suas primeiras aprendizagens. Reitera que “[...] todas as vezes que um procedimento dá (socialmente) satisfação, ele permanece silencioso; em contrapartida, quando fracassa ao produzir efeito antecipado, os discursos proliferam em torno de tentativas para encontrar as causas do fracasso e realçar desafios” (Chartier, 2000, p. 160). Em vista disso, seria impossível manter um título e reeditá-lo regularmente se não tivesse sido ratificado pela profissão na prática docente.

Para um professor primário, as qualidades técnicas do utensílio (facilidade de utilização, paginação, seleção de palavras, repertório de exercícios, organização da progressão, possibilidade de integrar essa ferramenta nas práticas habituais da classe) se combinam com outros traços também importantes: o preço (ao cargo das famílias), o número e a idade dos alunos a instruir, a duração previsível de sua escolaridade, o estado do equipamento da escola, as recomendações dos inspetores. Tudo isso pesa mais que os posicionamentos ‘teóricos’ [...] Quanto aos destinos editoriais que promoveram alguns livros ao lugar de vedetes e fizeram naufragar tantos outros num esquecimento imediato, devem-se tanto às estratégias comerciais e às capacidades de difusão dos editores do que somente à virtude intrínseca dos produtos [...] Com atrasos e contradições, a evolução de corpus produz, tanto como ela a traduz, a evolução da demanda (Chartier, 2005, p. 06, grifo do autor)

Com base nas edições consultadas da Cartilha da infância, de 1908 a 1992, verificamos que ela pouco se alterou em sua materialidade. A partir da sua segunda edição (1891), sofreu modificações e foi ampliada pelo professor recém-formado pela Escola Normal de São Paulo, Romão Puiggari. Até 1930, a obra tinha sessenta e três páginas, nas quais eram distribuídas as trinta e três lições e oito histórias para o exercício de leitura. A partir da 127ª edição de 1934, passou a adotar as normas ortográficas vigentes, uma página foi suprimida devido à exclusão na 27ª lição da ‘família silábica’ do ‘K’, assim como na 33ª lição com a exclusão das ‘famílias silábicas’ do ‘Ph’ e do ‘Y’. Também observamos que, na página 42 da edição de 1911, constava uma nota explicativa, provavelmente dirigida às mães que se aventuravam a alfabetizar os seus filhos, de que os monossílabos dos ditongos nasais, embora sua significação fosse conhecida, deveriam ser ensinados pelo professor. Essa nota foi suprimida nas edições posteriores consultadas, assim como a palavra ‘ca-lix’ foi substituída pela palavra ‘ex-ce-len-te’ na 32ª edição para ensinar a lição do ‘X’. Também foram modificadas as leituras da parte final com o objetivo de atualizá-las.

Em toda a sua longa trajetória editorial, a cartilha de Galhardo teve apenas três modificações nas ilustrações da parte interna do livro. São poucas as ilustrações, restritas à primeira lição das ‘Vogais’, cada uma representada na parte superior da página por crianças carregando letras. Além dessas, a iconografia aparece na abertura das historietas que estão ao final do livro: na edição de 1911, há um menino carregando uma mochila para ilustrar a história ‘A escola’; a figura de dois anjos abrindo a história ‘A oração’; um pequeno trem no início do conto ‘Estradas de Ferro’; a figura de dois homens pescando em um rio na abertura de ‘Os filhos do pescador’ e, por fim, um amontoado de livros diante de um sol nascente como abertura do conto ‘Amanhece’. Essas ilustrações passaram por duas alterações nas demais edições e, especialmente a partir de 1960, foram substituídas por figuras mais infantis, representadas agora por crianças, e não mais adultos. Ainda na edição de 1911, aparece, ao final da cartilha, em seguida à apresentação da sequência do alfabeto em letras de imprensa maiúsculas e minúsculas, a figura de uma menina debruçada sobre um grande livro posto a uma mesa. Essa ilustração desaparece nas demais edições consultadas.

De acordo com Chartier (1990, p. 130), as correspondências entre imagem e texto funcionam como “[...] protocolos de leitura ou lugares de memória do texto [...]”, caracterizadas como uma leitura que exige sinais visíveis de identificação, portanto “[...] mais facilmente decifráveis por parte dos leitores inábeis”. O autor ainda chama a atenção para essas identificações explícitas como forma de classificação dos textos, criando uma expectativa de leitura. São formas que se apresentam na imagem, no frontispício ou na página do título, na orla do texto ou na sua última página como marcas que sugerem uma leitura e constroem um significado.

Em relação às mudanças na capa de diferentes edições, observamos cinco alterações significativas em sua materialidade. As primeiras edições, sempre em preto e branco, passaram a ser coloridas apenas a partir da década de 1960, dando espaço nas ilustrações a aspectos mais infantis representados por crianças em contexto de brincadeiras, conforme podemos observar na Figura 1, Figura 2, Figura 3, Figura 4 e Figura 5 a seguir.

Fonte: Galhardo (1911)

Figura 1 Cartilha da infância 

Fonte: Galhardo (1938)

Figura 2 Cartilha da infância 

Fonte: Galhardo (1957)

Figura 3 Cartilha da infância 

Fonte: Galhardo (1961)

Figura 4 Cartilha da infância 

Fonte: Galhardo (1992)

Figura 5 Cartilha da infância 

Quanto aos aspectos dos contratos editoriais da cartilha, sua divulgação e circulação se devem, em grande parte, à editora Francisco Alves e à infraestrutura oferecida por essa casa, atraindo os autores, principalmente pelo seu esquema de distribuição e propaganda. Publicar pela editora Alves significava, para o escritor, ver sua obra amplamente divulgada, além do status social de autor que tem seu trabalho reconhecido comercialmente, garantido por meio dos contratos que a editora oferecia. Nas circunstâncias do mercado editorial da época, nenhuma editora conseguia competir com os preços de Francisco Alves, pois ele sabia exatamente escolher os materiais didáticos mais atualizados e que vendiam mais.

A editora Francisco Alves acompanhou as inovações tecnológicas na fabricação dos livros, mantendo associações com empresas editoriais no exterior, sobretudo, para garantir impressões com menor custo. A visão empresarial do editor possibilitava colocar o livro no mercado a preços mais baixos, facilitando sua difusão e possibilitando uma ‘longa vida’ para muitos dos seus best-sellers. Considerando esta outra importante característica do livro didático - o grande número de reedições - pode-se entender também o poder de interferência maior do editor nas adaptações e renovações da obra (Bittencourt, 2004, p. 489, grifo do autor).

A perspicácia de Francisco Alves para escolher os autores e identificar o que venderia também foi uma característica marcante de sua personalidade (Bragança, 2004). À procura do inovador, o editor prestigiava as obras que representavam o espírito de renovação educacional, mas não deixava de atender àquelas que, mesmo contrariamente, seriam capazes de trazer lucro certo, cuja probabilidade de aprovação estava ligada às posições que muitos desses sujeitos ocupavam em setores educacionais, como era o caso de Thomaz Galhardo.

Ao analisar os contratos de Galhardo com Francisco Alves, reconhecemos o valor dispensado pelo editor, pagando generosamente pela primeira edição da Cartilha da infância. O contrato assinado em três de abril de 1894 foi feito por uma nova edição do livro de 20.000 exemplares, pela qual o autor recebeu, conforme recibo à parte, a quantia de 1000$000 (mil contos de réis). Regiam no documento as seguintes cláusulas:

  1. 1º - Os editores obrigam-se a imprimir o livro por milheiros declarados à sua custa (depois de anulado o contrato Teixeira8)

  2. 2º - A vender o livro a Rs 500 a varejo

  3. 3º - A pagar ao autor Rs 50$000 por cada milheiro

  4. 4º - A fazer propaganda à sua custa

  5. 5º - O autor obriga-se a não publicar o livro enquanto durar esse contrato

  6. 6º - O contrato poderá ser rescindido de comum acordo, mas caso um dos contratantes

  7. falte a alguma clausula pagará a multa de Rs 2.000$000

  8. 7º - O número de exemplares de cada edição será estabelecido pelos editores que avisarão ao autor quando só restarem em casa 1000 exemplares.9

Conforme afirma Bragança (1999), as formas dos contratos de Francisco Alves davam-se ou pela compra de plena propriedade das obras ou pela parceria nos lucros, forma preferida pelo editor. Para o autor, a parceria também era muito vantajosa, uma vez que o editor Alves se responsabilizava pelos custos de fabricação, propaganda e venda, além de arcar com os prejuízos caso houvesse problemas na publicação. Por outro lado, a venda da plena propriedade também era muito rentável para o autor, que receberia no ato da escritura, ou em algumas parcelas, uma boa soma em dinheiro. Para o editor, essa prática interessava quando as obras faziam sucesso, ou quando o autor já tinha um nome consolidado, o que garantiria futuras publicações.

No caso de Thomaz Galhardo, que já tinha obras reconhecidas e venda garantida, não haveria riscos para o editor que tinha capital para investir. Em 5 de janeiro de 1900, Francisco Alves comprou a plena propriedade da Cartilha da infância e do Segundo livro de leitura para a infância, pagando a Thomaz Galhardo 9.000$000 (nove mil contos de réis) em seis prestações mensais de 750$000 (setecentos e cinquenta contos de réis), sendo a primeira no ato da escritura10.

Pouco tempo depois da venda dos direitos autorais dos seus dois livros, Galhardo fez uma proposta a Francisco Alves para a compra do Terceiro livro de leitura para a infância, último da sua série graduada de leitura. Assim argumenta o autor em carta endereçada ao editor em 06 de setembro de 1901:

O Governo do Estado, por ato de ontem, que deve ser publicado em todos os jornais desta capital, aprovou e mandou adotar nas escolas públicas o meu ‘Terceiro livro de leitura’, da série ‘Na escola e no lar’, iniciada na ‘Cartilha da infância’ e prosseguida no ‘Segundo livro de leitura’, estes dois últimos de propriedade de Francisco Alves. O fato da aprovação não tem grande importância, pois quer dizer que o livro nada tem que se oponha ao bom ensino, mas o mandado de adoção em todas as escolas oficiais tem alta significação, pois quer dizer que o próprio Governo faz questão da larga difusão do livro pelas escolas públicas. Em verdade o digo, pondo de parte a modéstia, que o meu livro, no dizer dos competentes, vai fazer grande sucesso no ensino, pois o significalismo, afastando-se inteiramente do método seguido nos livros congêneres e consegue o alvo a que o destinei: ‘a educação da inteligência, do sentimento e da vontade’11 (grifo do autor).

Apesar do sucesso editorial das obras de Galhardo, Francisco Alves se negou a publicar o Terceiro livro de leitura para a infância, provavelmente porque a obra seria muito dispendiosa de acordo com a proposta feita pelo autor de 20.000$000 (vinte mil contos de réis) pela venda da propriedade do livro, portanto mais que o dobro dos dois primeiros livros da série. De acordo com a carta enviada por Galhardo a Alves em 06 de setembro de 1901, o governo paulista mostrava interesse em ficar com a primeira edição da obra. De fato, isso aconteceu, sendo a primeira edição de 1902 custeada pelo autor e impressa na Europa pela Typographia Aillaud & Cia com uma tiragem aproximada de 10.000 exemplares12 e vendida ao governo de São Paulo. Além de arcar com as despesas de impressão, responsabilizou-se pela divulgação e comercialização da obra.

Mesmo diante dos argumentos apresentados a Francisco Alves, o editor não deve ter visto como um negócio lucrativo, considerando os preços que comumente praticava. Ademais, comparado a outros contratos de livros didáticos da editora, Alves havia pagado - e muito bem - pela propriedade da Cartilha da infância e do Segundo livro de leitura para a infância de Thomaz Galhardo.

Trinta anos depois, a título de reconhecimento, ou talvez pelas próprias condições do mercado editorial, a editora Francisco Alves fez uma nova escritura de compra dos livros Cartilha da infância e Segundo livro de Thomaz Galhardo. O contrato, de 4 de abril de 1930, regia que “[...] a nova aquisição é feita como se o autor fosse vivo em atenção ao valor da obra”13. A atenção ao valor da obra não configura um beneplácito do legado deixado por Francisco Alves, mas demonstra o quanto esses livros foram altamente lucrativos para a editora. Quando considerados livros de longa duração, cabia aos editores realizar simples adaptações de ordem ortográfica ou inovações mais condizentes com os programas curriculares (Bittencourt, 2004). Quanto ao Terceiro livro do autor, Alves veio a publicá-lo somente em 1906, posteriormente ao falecimento de Galhardo, editando-o até os anos de 1960.

O método da Cartilha da Infância para o ensino da leitura e da escrita

No prefácio ‘Ao leitor’, que abre a Cartilha da infância, Galhardo afirma que, dentre as cartilhas de método silábico, ora muito prolixas, ora muito resumidas, seu livro era o que produzia os melhores resultados, pois cumpria o papel de ensinar a ler bem, no menor espaço possível de tempo. Enfatiza que, dos três métodos de ensino da leitura (antigo ou da soletração, moderno ou da silabação, e moderníssimo ou da palavração), optou-se na cartilha pelo meio termo.

‘O método antigo é o método do absurdo’.

Parece que ainda bate em nossos ouvidos a toada monótona das crianças a repetirem cantarolando a multidão de sílabas sem sentido das antigas cartas de A B C!

Condenado pelo seu próprio absurdo com o qual martirizavam-se míseras crianças, lastimável é que, em algumas de nossas escolas, retardatárias em acompanhar o progresso do ensino, ainda se ouça a voz infantil proferir com penoso acento, e como que implorando compaixão; b-a-ba; b-e-be; b-i-bi; b-o-bo; b-u-bu.

E, após esta, vem outra e outra e mais outra carta de sílabas desconexas, durante quatro, seis, oito meses até a intitulada ‘carta de nomes’, já decorada por todos os alunos da aula, que a ouviram cantarolar por muito tempo aos mais adiantados. Péssimo sistema esse.

O próprio governo deve, por humanidade, proibir que o primeiro ensino seja ministrado por modo tal.

Quanto ao método da ‘palavração’, não julgamos por enquanto de vantagem a sua aplicação, em vista do estado atual do ensino primeiro do país.

Fizemos também experiências sobre os ‘métodos fônicos’, fonotípico e outros, mas sem colher os resultados admiráveis do emprego do método silábico, seguido de imediata aplicação das sílabas em palavras, e da aplicação destas em frases curtas e de fácil compreensão (Galhardo, 1911, grifo do autor).

Convém assinalar que o método empregado na Cartilha da infância buscava a rapidez na aquisição do código alfabético, o que fazia a excelência de um método para o público em geral, visto não podermos esquecer que existia outro mercado, frequentemente subestimado, da educação doméstica. Esse cruzamento entre o mercado escolar e o mercado doméstico tende a desaparecer, ao longo do século XIX, com a escolarização em massa, a organização dos programas de ensino, a divisão em séries, dentre outras mudanças educacionais. No entanto, como bem lembra Choppin (2009), essa estratificação não se efetuou de maneira uniforme, uma vez que esse entrelaçamento variou de acordo com a demanda de ensino. Além disso, os editores e os autores, por sua vez, tinham interesse por razões essencialmente econômicas em apagar a distinção entre ensino doméstico e ensino escolar, o que fez com que um grande número de livros fosse conhecido por esses dois públicos consumidores, já que os editores frequentemente assinalam a natureza dual de seu leitor na primeira capa ou na página do título (Choppin, 2009).

Notemos, quanto a esse último aspecto, que o próprio título da série de livros de leitura de Thomaz Galhardo, Na escola e no lar, sugere essa dualidade. Nesse mercado da educação doméstica, adotam-se os livros produzidos para os primeiros anos do ensino escolar, e a mãe de família é frequentemente considerada digna de assumir a responsabilidade dessas aprendizagens, ainda que sem competência técnica particular (Chartier, 2005).

No entanto, no prólogo da cartilha de Galhardo, Duas palavras às mães de família, o autor chama a atenção sobre os propósitos de se alfabetizar uma criança, evidenciando o papel da escola e, principalmente, do professor nessa tarefa cheia de obstáculos que se revela o ensino da leitura. Para ele, esses obstáculos têm diversas causas, “[...] algumas das quais são relativas à péssima organização das escolas; outras, à deficiência da maior parte dos sistemas de leitura existentes; outras, aos vícios adquiridos pelas crianças no primeiro ensino que lhes é ministrado no lar” (Galhardo, 1911, p. 07).

O autor alerta para este último quesito, considerando que, na maioria das vezes, as crianças são mandadas à escola com o conhecimento prévio das letras do alfabeto, ensinadas em casa, ou, em alguns casos, havendo decorado a tradicional carta de sílabas, mas sem saber aplicar, tanto o alfabeto como as sílabas, aos seus respectivos sinais gráficos. Ensinamentos prévios desse tipo causam desastroso inconveniente, pois, na tentativa de fazerem um bem, as mães causam um grande mal aos seus filhos, obrigando “[...] o professor a dois trabalhos: o de desfazer para tornar a fazer; desensinar, para tornar a ensinar [...]”, já que “[...] os vícios adquiridos na primeira aprendizagem são os de mais difícil extinção” (Galhardo, 1911, p. 07). Por conseguinte, é preferível que as mães mandem seus filhos à escola completamente ignorantes a mandá-los viciados pela antiga soletração. E faz outro alerta quanto aos métodos:

Se não conheceis métodos de ensino, se não estudastes os diferentes processos com os quais se tem aperfeiçoado o ensino da leitura, confiai ao mestre, que terá estudos especiais sobre a matéria, a tarefa de ensinar as crianças na primeira leitura. Se sabeis ensinar, as vossas lições serão, não há dúvida, as mais proveitosas. Não penseis que queremos privar-vos do prazer indizível que deveis ter de concorrer para a educação de vossos filhos. Sabeis que a educação compreende três ramos distintos: a educação física, a educação moral e a educação intelectual. Ao mestre cabe principalmente a educação intelectual. Ao pai, a educação física. A vós, - vede o delicado de vossa tarefa! - compete formar o coração, tratar da educação moral das crianças. A mãe, o pai, o mestre, são os três operários dessa mimosa obra. Cada um deles trata de um ramo, sem descurar dos outros e todos três - o pai, a mãe, o mestre, - conquanto tenha cada um especial missão, tratam conjuntamente do todo (Galhardo, 1911, p. 07-08).

Antes de concluir, o autor faz uma observação às mães que ameaçam continuamente seus filhos de mandá-los à escola por cometerem más ações. Para ele, ao agirem dessa forma, e sem perceber, as mães desenvolvem uma atitude aparentemente insignificante, mas que pode causar graves consequências ao ensino, considerando que

[e]sta constante ameaça povoa de horror pela escola a imaginação juvenil, colocando-a sob a dolorosa pressão do medo irresistível, de que raríssimas são as crianças que, em tempo diminuto, conseguem libertar-se. Em tais condições é nulo, durante muito tempo, o ensino que se lhes ministra. Mais vantajoso seria que a mãe de família dissesse ao filho, vendo-o praticar alguma ação má: ‘Fizeste o que não devias fazer. Em castigo não irás, como os outros meninos, à escola; não aprenderás a ler; ficarás na ignorância, que é o maior de todos os males’ (Galhardo, 1911, p. 07, grifo do autor).

Após o prólogo, segue a apresentação metodológica da cartilha, na qual observamos que a ordem das lições empregadas pelo autor não é aleatória, iniciando pelas ‘vozes primitivas a, e, i, o, u’, consideradas ‘puras’, formando com elas ditongos orais (ai, ia, au…) e, na sequência, as vogais acentuadas (ê, ó, é, ô…). Seguem as lições começando pela ‘labial sibilant’e V, classificação adotada ao longo do livro com base no diagrama da Grammatica portugueza de Julio Ribeiro (1914). A combinação das consoantes com as vogais, que abre as lições, é apresentada de forma salteada para “[...] evitar a decoração inconsciente, que consegue idiotizar meninos inteligentes e ativos” (Galhardo, 1911). Para o autor, essa metodologia leva à ‘indecoração constante’, por isso afirma que esse modo de apresentar as dificuldades gradativamente, intercalando em todos os exercícios as sílabas aprendidas, seria para evitar esquecimento, por parte do aluno, dos elementos conhecidos nas lições anteriores. Trata-se, portanto, do que ele configura de ‘recordação contínua’, modelo que segue em todas as lições, como podemos observar logo abaixo no exemplo da segunda lição (Figura 6).

Fonte: Galhardo (1938)

Figura 6  Cartilha da infância 

Nos exercícios, gradativamente, combinam-se as sílabas em palavras que correspondem a cada lição, desde as primeiras páginas (ex.: bota, tatu, botija etc.), fechando cada sequência com recapitulações. As leituras são, portanto, apresentadas por ‘famílias de sons’, e o tempo usado com as sílabas, classificadas por dificuldade, alonga-se consideravelmente. Assim o justifica o autor:

Não temos necessidade de repetir que nosso trabalho tem por base o ‘método silábico’; e que, conseguintemente, com este sistema não se deve consentir que as crianças soletrem, senão que pronunciem as sílabas, reunindo-as após para a formação dos vocábulos, cuja significação, embora sabida por vulgar, será dada pelo professor. (Galhardo, 1911, grifo do autor).

Essa ordem é mantida numa estrutura linear que percorre as 33 lições da cartilha, seguidas de exercícios para o treino das palavras aprendidas, sempre separadas por hífen (ex: o-pa; pi-pa; po-vo), e, ao final, são apresentas pequenas historietas e poemas para o aprimoramento da leitura com pequenas narrativas: ‘A escola’, ‘A carta’, ‘A oração’, ‘A boca’, ‘Estrada de ferro’, ‘Os filhos do pescado’r, ‘O amanhecer’ e ‘Amanhece’.

O emprego proposto pela aquisição ordenada entre as correspondências gráfico-fônicas no método silábico da Cartilha da infância coloca-se como pré-requisito necessário à entrada no mundo da leitura. Assim, aquele que conhece os princípios das correspondências letras-sons tem a chave de todas as leituras. No entanto, para chegar às palavras e às frases que dão acesso ao sentido, o leitor deve compreender como são constituídas as unidades elementares do oral, das sílabas e aprender a lê-las sem erro (Chartier, 2005).

Nessa etapa da aprendizagem, pressupõe-se que as crianças já estão lendo, mesmo que ainda seja uma leitura escandida e artificial, numa oralização na qual as palavras são separadas por sílabas, como é proposto em todas as atividades de leitura da cartilha, por exemplo “Ma-no-el e-ra um me-ni-no de com-por-ta-men-to e-xem-plar” (Galhardo, 1911, p. 58). Dessa forma, gradativamente, são oferecidas leituras de textos mais longos, agora sem necessidade das palavras separadas por hífen.

Para o historiador da educação, a lição e o exercício, como se apresentam na Cartilha da infância, evocam as duas noções que ordenam o programa de tais assuntos, que são ‘saber’ e ‘competência’. “Se ‘saber’ e ‘competência’ formam um sistema de tensões que questionam a escola contemporânea, ‘lição’ e ‘exercício’ constituem as bases, frequentemente paradoxais, às vezes contraditórias, mas sempre complementares, das práticas escolares” (Hébrard, 2007, p. 12, grifo do autor). Esse modelo que se estruturou ao longo dos séculos em um tronco comum, ou seja, da escola obrigatória, postulou a tradição da lição e a tradição do exercício, uma vez que “[...] a lição é a ordem do saber que só se exprime quando perfeita. O exercício, ao contrário, é esta autorização que a instituição dá ao aluno, de mostrar suas tentativas, seus esforços, seus fracassos, suas dificuldades” (Hébrard, 2007, p. 18).

De todo modo, a Cartilha da infância permaneceu como um exemplo clássico de livros de longa vida, surpreendendo por suas particularidades formais - tipográficas - quase estáticas, por tantas décadas. Sua intenção subliminar se assenta na lógica de controlar a apropriação do código linguístico e da leitura gradativa, ou seja,

[...] uma leitura que exige sinais visíveis de identificação (como é o caso dos títulos antecipadores ou dos resumos recapitulativos, ou ainda das gravuras, que funcionam como protocolos de leitura ou lugares de memória do texto), uma leitura que só se sente à vontade com sequências breves e fechadas, separadas umas das outras, uma leitura que parece satisfazer-se com uma coerência global mínima (Chartier, 1990, p. 130).

De acordo com as categorias analíticas de Chartier (1990, p. 130-131), percebemos que a cartilha de Galhardo remete a um “[...] pré-saber facilmente posto em prática no ato da leitura, mobilizado para produzir a compreensão daquilo que é decifrado”. De sua trajetória de mais de um século, emergem muitas nuances de um texto “[...] estável na sua letra e fixo na sua forma [...]”, mas que provavelmente resultou em leituras contrastantes, já que um livro muda “[...] enquanto muda o seu modo de leitura” (Chartier, 1990, p. 131).

Considerações finais

A Cartilha da infância, como exemplo clássico de livros de longa vida, teve inúmeras edições e perpassou várias gerações de alunos, a despeito das reformas do ensino e da introdução de novos métodos de alfabetização. Daí o cuidado dos editores em oferecer uma obra aparentemente nova (capa, certas ilustrações, títulos), mas sem mudar efetivamente o conteúdo.

Se o sucesso editorial dessa cartilha se deveu, em grande parte, à rede de sociabilidade de Thomaz Galhardo, é inegável que sua perenidade no mercado de livros escolares se sustentou pela escolha do autor pelo método silábico para o ensino da leitura e da escrita. A maior parte dos manuais não teria outra justificativa a não ser as empíricas, pois o autor sabe que seu método funciona bem, seja pelo reconhecimento do público após resultados bem-sucedidos, seja por praticar ele mesmo, atestando seus resultados. Existe, portanto, nessas primeiras aprendizagens, um ritual de iniciação, capacitando gerações para a leitura autorizada da sociedade, ou seja, a escola elege certos saberes, arbitrando na seleção dos conteúdos a serem ensinados.

Para Boto (2004, 2014), é preciso efetuar a relação entre o conhecimento histórico das práticas de ensino e o livro escolar, explicitamente no caso das cartilhas, como lugares de memória. Segundo a pesquisadora, a cartilha é o passaporte para o mundo das letras e talvez seja o que permanece conosco por mais tempo. Desse modo, a permanência da Cartilha da infância comprova a importância de uma tradição escolar, inscrevendo-se naquilo que Hobsbawm e Ranger (1984) definem como ‘tradição inventada’, visto que instaura e perpetua um método de ensino passível de ser considerado exitoso, situando-o como ideal regulador de ensino bem-sucedido.

Quanto à apropriação por parte dos professores dessa metodologia de alfabetização, a história da educação tem demonstrado que a “[...] permanência de protocolos de interação, de modos de agir e de organizar espaços e tempos na vida escolar [...]” não são frutos - como se poderia crer, da ‘inércia dos professores’ - mas, principalmente, “[...] das maneiras pelas quais esses saberes e fazeres são transmitidos de geração em geração, engendrando liturgias formativas” (Boto, 2014, p. 104). Na prática, os professores anunciam-se voluntários de uma doutrina, mas modificam à sua maneira os instrumentos que utilizam e, muitas vezes, sem perceber, pela experiência com a alfabetização e a leitura, repetem o que manda a tradição, pois acabam ensinando da mesma forma como foram instruídos nas primeiras letras. Na prática, exigem obras atualizadas, mas ao mesmo tempo desconfiam das renovações pedagógicas que alteram a configuração do saber escolar, tanto nos conteúdos quanto nos métodos de ensino. Por outro lado, se não há como fugir das novas tendências metodológicas, a resistência à inovação é manifestada de forma conveniente e mais simples, ou seja, conciliando a proposta nova com a prática anterior.

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1 Boto (2005, p. 42), ao analisar a constituição do ofício do professor primário como intelectual, no período compreendido entre meados do século XIX até os anos que compõem o primeiro decênio do século XX, o categoriza da seguinte forma: “O professor primário é intelectual das gerações jovens. Fala e é escutado por elas. Revela-lhes o mundo, a seu modo. Incomoda (ou é, tantas vezes, desprezado; o que é pior) exatamente porque faz parte do seu segredo de ofício esconder o que se passa quando fecha as portas da sala de aula. É intelectual porque irradia saberes, crenças e convicções. É intelectual pelo lugar que ocupa no tabuleiro social, como formador de um dado consenso social, necessário para que haja alguma continuidade em um mundo que teme mudanças. É intelectual porque professa. É intelectual porque tem no ensino parte imprescindível de sua existência. Mas a característica que melhor qualifica sua condição de intelectual é também aquilo que torna inesquecíveis nossos primeiros professores: a lembrança que deles guardam seus alunos, dos tempos de escola primária”.

2Cesário Motta Junior nasceu em 1847 em Porto Feliz. Formou-se em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro em 1876 e, dois anos depois, foi eleito deputado à Assembleia Provincial de São Paulo pelo partido republicano. Substituiu Alfredo Pujol na Secretaria do Interior. Em sua gestão, foram realizados projetos como a Escola Normal da Praça da República, a Escola Modelo, o Ginásio do Estado e a Escola Politécnica. Seu governo foi até 1896, quando se exonerou do cargo. Cesário Mota faleceu aos 50 anos de idade, em abril de 1897 (Motta, 1947).

3As datas são referentes ao ano da primeira edição das obras.

4A suposição provável da data da primeira edição da Cartilha da infância nos leva a inferir que ela foi editada em 1887, coincidindo com o período em que Galhardo estava à frente da Diretoria de Instrução. No ano seguinte, em 14/02/1888, foi publicada na seção ‘Instrucção Publica’ do jornal A Província de São Paulo uma nota do Conselho Superior deste órgão que resolve adotar a Cartilha da infância para o ensino público.

5Também não localizamos nenhum exemplar dessa segunda edição. Quanto à data apresentada, obtivemos essa informação na pesquisa realizada por Marcia Razzini (2007) sobre a produção de livros didáticos em São Paulo, especificamente aqueles publicados pela Teixeira & Irmão - Editores.

6As esparsas edições físicas da Cartilha da infância foram localizadas nos acervos da Fundação Biblioteca Nacional, no Centro de Referência em Educação Mario Covas, na Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, no Acervo do Livro e História Editorial (LIHED) da Universidade Federal Fluminense, no Arquivo Histórico do Livro Escolar da Biblioteca Monteiro Lobato e na Biblioteca Sud Mennucci do Centro do Professorado Paulista. Além desses acervos, localizamos uma edição digital na Biblioteca Nacional de Maestros.

7Contrato firmado a 03 de abril de 1894. Livro de contrato da editora Francisco Alves. Arquivo do LIHED/UFF.

8Essa referência diz respeito à Teixeira & Irmãos Editores, com quem Galhardo mantinha contrato anteriormente à negociação com a Editora Francisco Alves.

9Documentação consultada no Livro de contratos da Editora Francisco Alves. Acervo LIHED/UFF.

10Livro de contratos da Editora Francisco Alves. Acervo LIHED/UFF.

11Carta remetida por Thomaz Galhardo a Francisco Alves em 06 de setembro de 1901 (Arquivo Múcio Leão. Academia Brasileira de Letras).

12Tomamos como base o número aproximado dessa primeira edição pelo fato de localizarmos um exemplar nº 6.957, da primeira edição de 1902, numerado e rubricado pelo autor (Arquivos da Fundação Biblioteca Nacional).

13Livro de contratos da Editora Francisco Alves (Acervo LIHED/UFF).

16Rodadas de avaliação: R1: três convites; três avaliações recebidas

17Como citar este artigo: Alcanfor, L. R. Produção, circulação e método de leitura e escrita na Cartilha da infância de Thomaz Galhardo. Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e260

18Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

19Licenciamento: Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 24 de Agosto de 2022; Aceito: 26 de Outubro de 2022; Publicado: 08 de Março de 2023

*E-mail: lucilenealcanfor@unilab.edu.br.

Lucilene Rezende Alcanfor é pedagoga, mestre e doutora em Educação, na linha de História da Educação pelo Programa EHPS-PUC/SP, pós-doutoranda no PPGE - UNIFESP. Professora adjunta do Instituto de Humanidades e Letras na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Brasileira, Campus Malês/BA. Coordena o projeto de pesquisa "Decolonialidade na produção literária infantil e juvenil: sujeitos, representações e o direito à História" e desenvolve pesquisas sobre literatura infantil e juvenil, livros didáticos, práticas de leitura e escrita na história da educação, estudos da infância no Brasil e nos países africanos de língua portuguesa. E-mail: lucilenealcanfor@unilab.edu.br https://orcid.org/0000-0002-9844-1925

Editor-associado responsável: Carlos Eduardo Vieira E-mail: cevieira9@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-6168-271X

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