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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 23-Mar-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e261 

Artigo Original

Ester Troian Benvenutti: pela educação e cultura nas áreas rurais de Caxias do Sul-RS (1940-1950)

Ester Troian Benvenutti: for education and culture in the rural areas of Caxias Do Sul-RS (1940-1950)

Ester Troian Benvenutti: por la educación y la cultura en las áreas rurales de Caxias do Sul-RS (1940-1950)

Elisângela Dewes1  * 
http://orcid.org/0000-0002-2281-7017

José Edimar de Souza1 
http://orcid.org/0000-0003-1104-9347

Cristian Giacomoni1 
http://orcid.org/0000-0002-9598-2750

1Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil.


Resumo:

Este estudo, com pressupostos teóricos na história cultural e metodológicos na análise documental histórica, a partir de documentos e transcrições de entrevistas, propõe investigar e compreender o percurso da professora Ester Troian Benvenutti junto às comunidades rurais de Caxias do Sul-RS. Para isso, considera que as representações sobre essa docente foram relevantes para o percurso de outras mulheres no campo da educação, nesta região. Com recorte temporal entre 1940-1960, busca-se evidenciar as ressonâncias de suas propostas na educação. Considerou-se que a sua atuação foi relevante, mediando as relações entre diferentes grupos sociais, e que suas propostas foram preponderantes para outras docentes e importantes para a transformação da cultura escolar local.

Palavras-chave: escola rural; professoras rurais; mulheres; história da educação

Abstract:

This study, with theoretical assumptions in cultural history; and, methodologically, in the historical documentary analysis, based on documents and transcripts of interviews, they propose to investigate and understand the trajectory of Professor Ester Troian Benvenutti, along the rural communities of Caxias do Sul-RS. For this, it considers that the representations about this teacher were relevant to the path of other women in the field of education, in this region. With a time frame between 1940-1960, we seek to highlight the resonances of his proposals in education. It was considered that her performance was relevant in mediating the relationships between different social groups, and that her proposals were preponderant for other teachers and important for the transformation of the local school culture.

Keywords: rural school; rural teachers; women; history of education

Resumen:

Este estudio, con presupuestos teóricos en historia cultural; y, metodológicamente, en el análisis documental histórico, a partir de documentos y transcripciones de entrevistas, proponen investigar y comprender la trayectoria de la profesora Ester Troian Benvenutti, a lo largo de las comunidades rurales de Caxias do Sul-RS. Para eso, considera que las representaciones sobre esta maestra fueron relevantes para el camino de otras mujeres en el campo de la educación, en esta región. Con un marco temporal entre 1940-1960, buscamos resaltar las resonancias de sus propuestas en la educación. Se consideró que su actuación fue relevante en la mediación de las relaciones entre diferentes grupos sociales, y que sus propuestas fueron preponderantes para otros docentes e importantes para la transformación de la cultura escolar local.

Palabras clave: escuela rural; maestros rurales; mujeres; historia de la educación

Introdução

Caxias do Sul é uma cidade situada na serra do Rio Grande do Sul. Possui uma relevante população de imigrantes italianos instalados na área rural e tem preponderante contribuição desses sujeitos em esferas como: o trabalho, a religiosidade, as práticas culturais e, de modo particular, a educação.

Considera-se que o ensino, na área rural, nesta localidade, tenha sido impulsionado pela inserção dos imigrantes. De acordo com Luchese e Rech (2018), nos primeiros anos do século XX, houve uma organização dos imigrantes para a escolarização, com a instalação de escolas étnico-comunitárias rurais, ligadas a congregações religiosas e a associações, como as de Mútuo Socorro, por exemplo, e apoiadas por grupos de pais. Esse empreendimento das comunidades de imigrantes foi motivado pela necessidade de educar as crianças e jovens, já que havia uma ausência de escolas. Esse início da escolarização no meio rural foi marcado por aspectos de uma cultura europeia e do ensino em língua da pátria de origem.

A expansão desse tipo de escolarização étnica foi sendo inibida, entre os anos de 1930 e 1950, quando as ações nacionalistas do governo Vargas impuseram sanções junto a escolas étnicas, coibindo a influência da pátria de origem e, com o não cumprimento das diretrizes nacionalistas brasileiras, provocando o consequente fechamento dessas escolas. Segundo Luchese e Grazziotin (2015), iniciou-se um processo de ampliação da rede pública de ensino, sem uma resistência maior da comunidade de imigrantes italianos dessa região, desejosos por educação e pela necessidade do aprendizado da língua portuguesa.

O fechamento das escolas étnicas foi sucedido pela gradativa instalação de escolas públicas nessas localidades. Nesse sentido, nesse primeiro momento, a mobilização da comunidade tangenciava apoio para a disponibilidade de espaços para a escola e, também, para o direcionamento dos professores que lecionariam nessas instituições. Luchese e Grazziotin (2015, p. 344) observaram que os primeiros professores, nessas escolas rurais da colônia, não apresentavam uma formação, mas eram eleitos, entre os sujeitos que viviam nas comunidades rurais, por possuírem mais conhecimentos, bem como características tais como: “indicação das próprias famílias, disposição de alguns candidatos a assumirem o cargo ou por amizades políticas [...] conhecimentos escolares adquiridos, a preparação, a disponibilidade, a proximidade com o local das aulas [...]”.

A expansão da escola pública foi o impulso para a ampliação de escolas para a qualificação do docente. Tambara (1998) faz uma análise sobre o modo como o magistério no Rio Grande do Sul foi se constituindo em um espaço de profissionalização das mulheres, encontrando na Escola Normal essa via de consolidação.

No que se refere à formação docente, em Caxias do Sul, havia a oferta do curso complementar, conforme Luchese e Bergozza (2010), apoiado pelo Governo Estadual e cooperando para a alfabetização da população, e a escola foi instalada em 1930, na área urbana da cidade (Bergozza & Luchese, 2010). Outra escola destinada à formação de docentes foi o Colégio São José, que, conforme Roso (2012), formou mestres de 1934 até 1940 e reabriu em 1947, com o nome de Curso de Formação de Professores Primários (Curso Normal), de caráter particular e ligada à congregação das Irmãs de São José, formando as meninas com melhores condições financeiras. Além das duas escolas, a cidade ainda contava com uma instituição para a formação específica para a área rural que, segundo Werle (2007), era gerida pela Congregação dos Padres Josefinos de Ana Rech e conveniada à Secretaria de Educação, oferecendo o espaço da Escola Normal Rural, em 1942; proporcionava uma formação de professores primários para as escolas das áreas rurais, mas destinada ao público masculino, pelo formato de seminário.

Apesar da oferta de uma escola para formação de docentes para a área rural, voltada aos homens, o número de docentes mulheres, nas localidades rurais de Caxias do Sul, era mais representativo do que o de homens. Ratifica essa ideia a estatística do ano de 1948, divulgada pela gestão municipal, conforme Tabela 1 a seguir.

TABELA 1: Levantamento do número de docentes mulheres x homens nas escolas municipais de Caxias do Sul (Despertar, novembro de 1949, s/p) 

Região mulheres homens
1º distrito - Caxias do Sul 36 2
2º distrito - São Marcos 16 0
3º distrito - Galópolis 13 0
4º distrito - Ana Rech 8 2
5º distrito - Vila Seca 5 0
6º distrito - Santa Lúcia do Piaí 13 0

Fonte: A autora (2022).

Supõe-se, por esses números, que os professores ‘homens’ formados para escolas rurais deveriam ser direcionados para outras cidades/regiões do estado. Enquanto, nesta região, a qualificação para as mulheres que lecionavam nas escolas rurais acontecia por intermédio de cursos oferecidos pela gestão municipal. Essa é uma possível perspectiva para um novo estudo, porém, para esta investigação, os dados são utilizados para contextualização.

Essa introdução se faz importante porque ajuda a pensar a trajetória da escolarização e dos professores nesta região. Mas, particularmente, porque coopera para analisarmos e compreendermos o percurso da professora Ester Troian Benvenutti, bem como para realizarmos as articulações necessárias a fim de refletir sobre as representações construídas em torno da imagem dessa mulher/docente e sobre as repercussões para percursos de outras docentes/mulheres no campo da educação, nesta região do Sul do país. Ademais, possibilita lançar luzes sobre as implicações acerca das práticas pedagógicas e de uma cultura material escolar.

Este estudo tem o recorte espacial na cidade de Caxias do Sul-RS1 e recorte temporal entre os anos de 1940-1960, considerando a trajetória da referida docente. Além disso, foi desenvolvido na perspectiva da história cultural, pelo entendimento de que esse campo apresenta diferentes possibilidades do ‘fazer historiográfico’, por meio de investigações em outras ciências humanas, do aporte em conhecimentos que permitem ampliar o olhar acerca do homem em sociedade (Burke, 2010). Ainda, conjuga os conceitos de representação e de práticas, acreditando-se que o esforço em decifrar as sociedades de forma a penetrar no cerne de suas relações, de seus fatos, de relatos de vida e das práticas compartilhadas tangencia a análise e a compreensão acerca das representações construídas e dos significados de mundo formados pelos sujeitos (Chartier, 1991).

Metodologicamente, utilizamos como procedimento a análise documental histórica, com base em documentos da Administração Municipal, localizados no Acervo Histórico João Spadari Adami; em edições do Jornal Despertar (produção da Diretoria de Instrução Pública Municipal, sob a direção de Ester, o qual circulou entre os anos de 1947-1954, na região rural), acessado no referido acervo; em transcrições de entrevistas com docentes da região realizadas por historiadores locais, levantadas no Instituto de Memória Histórica e Cultural da Universidade de Caxias do Sul; além de nos apoiarmos na literatura e em estudos acerca das mulheres.

Salientamos que, ao trabalhar com entrevistas gravadas por outros, necessitamos estar atentos ao contexto histórico de sua produção, às temáticas abordadas e às suas finalidades, para que assim não tenhamos interpretações equivocadas quanto aos sentidos e significados atribuídos pelo entrevistado. (Alberti, 2013).

Essa investigação intenta apresentar indícios das ações de mulheres, assim como da professora Ester Troian Benvenutti, à frente de diferentes iniciativas, promovendo novas perspectivas profissionais, bem como compreender como uma trajetória docente impulsiona a vida profissional para outras funções que transcendem o trabalho em sala de aula, atingindo outras esferas hierárquicas da educação pública; colocando mulheres em espaços até então nunca ocupados por elas, como o que aconteceu nesta região, a exemplo de Ester.

Segundo Heredia (2022, p. 314), na história de Caxias, também ficaram marcados alguns nomes femininos com suas contribuições em diferentes áreas da sociedade. O estudo realizado a partir do relato de mulheres apresenta “mulheres do passado como do presente, do campo ou da cidade, [que] sempre tiveram sua presença identificada pela não omissão e pela força que demonstravam para enfrentar os desafios da época”. Dentre esses nomes, além de constar o da professora Ester Troian Benvenutti, a pesquisadora destaca outras mulheres que promoveram transformações em funções tradicionais e ocuparam novos espaços na sociedade, quais sejam: Anna Rech, que, após ficar viúva, veio da Itália com os filhos se estabelecer em Caxias do Sul, construindo uma casa de porte grande, transformando-a em pousada e garantindo recursos que não dependiam da produção em suas terras; Gigia Bandera, imigrante italiana que empreendeu um negócio, uma funilaria, junto com o marido; Luiza Marzotto Parise, que empreendeu no comércio local, com uma camisaria e loja de calçados. Magda Corsetti Torresini, atuante na área cultural, e que também foi professora.

Esses são alguns exemplos de mulheres que deixaram as suas contribuições na sociedade caxiense e, assim como Ester, mudaram a trajetória da cidade, estabelecendo histórias diferentes daquelas que socialmente estavam determinadas para elas.

Pedro (2022) argumenta que a história das mulheres se popularizou no campo científico a partir dos anos 90, na obra clássica de Georges Duby e Michelle Perrot (1993). Contudo, de acordo com Pedro (2022, p. 19), a escrita da História das Mulheres “atualmente incorporou novas categorias de análise” e ressignificou o uso de outros termos e expressões, por exemplo, de “condição feminina, pensada no sentido de um certo destino às mulheres, baseado no seu corpo, independente de classe, raça, etnia e geração teriam”.

A longa história de inserção das mulheres no ensino escolar, o processo de profissionalização do magistério e a existência de variações na porcentagem de mulheres lecionando nos diferentes níveis do sistema de ensino brasileiro são indicativos de que a feminização da docência é um fenômeno complexo, que resiste a explicações simplistas e dificulta a produção de consensos (Giacomoni & Souza, 2020).

Ester Troian Benvenutti: uma trajetória mobilizada pela educação

Nascida no ano de 1916, na localidade Cremona (Ana Rech), zona rural de Caxias do Sul, filha de agricultores da região, descendentes de imigrantes italianos, Ester Troian Benvenuti começou de forma bem precoce no magistério caxiense. Alfabetizada na Escola Mixta Estadual de Ana Rech, fez o curso primário no Colégio Elementar de Caxias do Sul (Machado & Aguzzoli, 2005). Aos 13 anos de idade, antes de concluir a sua formação, começou a carreira de docente, alfabetizando as crianças e jovens da localidade de Santo Anselmo, zona rural, onde permaneceu por 12 anos (Benvenutti, 1983).

Em entrevista a historiadores locais, Benvenutti (1983, grifo do autor) recorda esse início no magistério, incentivada pelos avós: “Minha avó olhando para mim, disse: - Hoje nós vamos até a Intendência e tu vais, junto a tua mãe, alfabetizar aqueles ‘coloninhos’ lá”. Essa iniciação aconteceu após ser aprovada em entrevista com o Intendente Municipal, cumprindo os requisitos tais como: ler, escrever, redigir cartas e resolver os quatro problemas da aritmética de ‘Souza Lobato’.

Ester se formou como docente pela Escola Complementar de Caxias, em 1941, sendo transferida para a área urbana para concluir o curso, quando também trabalhou na Inspetoria Escolar. No ano seguinte, ingressou no magistério estadual, por meio de concurso em que ficou classificada em primeiro lugar (Machado & Aguzzoli, 2005).

No ano de 1942, foi aberto o concurso para orientadores do ensino municipal, visando dar assistência pedagógica à educação do interior, sob a gestão do Secretário da Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, Dr. José Coelho de Souza. Nesse período, motivada pelo prefeito de Caxias do Sul, participou da seleção, foi aprovada e nomeada como a primeira orientadora do estado gaúcho, em Caxias do Sul (Benvenutti, 1983). Permaneceu na função por 17 anos, respondendo pela inspeção das escolas isoladas e orientação aos docentes (Machado & Aguzzoli, 2005).

Em 1947, Ester assumiu a função de inspetora escolar, substituindo o inspetor aposentado, Firmino Bonet, e passou a exercer as duas atividades concomitantemente (Benevenutti, 1983). A projeção na carreira aconteceu quando foi criada a Diretoria de Instrução Pública, com a reforma do ensino municipal, e a docente assumiu como responsável pelo órgão (Machado & Aguzzoli, 2005). Tal desafio foi assumido na gestão do prefeito Luciano Corsetti (1947-1951). Dentre as suas prerrogativas, estão: a administração do ensino, no âmbito da aprovação para a construção de novos prédios para reformas, e o estudo da situação do ensino nos distritos anexos a Caxias do Sul. Ester permaneceu no órgão até os anos de 1960 (Oliveira, 2015).

Em 1959, foi candidata a um cargo político pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e eleita a vereadora mais votada do partido, sendo a primeira mulher da região a ocupar uma cadeira no legislativo. A iniciação política exigiu a sua exoneração do cargo da Diretoria de Instrução Pública, mas ela permaneceu como orientadora do ensino (Benvenutti, 1983).

Com uma breve passagem na Câmara de Vereadores, até o ano de 1962, foi eleita secretária e vice-presidente da Casa; dentre as suas propostas no Legislativo, está o avanço do Estatuto do Magistério Público Municipal. Em 1962, assumiu a direção da Escola Normal Duque de Caxias.

Nesse mesmo ano, foi uma das pessoas responsáveis pela criação da Escola Normal Regional, por meio da Superintendência do Ensino Normal da Secretaria da Educação e Cultura, o que possibilitou que os professores municipais ingressassem em cursos de nível superior (Machado & Aguzzoli, 2005). Em 28 de dezembro de 1983, após o seu falecimento, em sua homenagem, fundou-se uma escola no município (Luchese, 2016).

Além das atribuições no ensino público municipal e estadual, Ester teve uma representativa passagem por diferentes frentes sociais: integrou a comissão de fundação do Museu Municipal e da Biblioteca Pública; foi membro da Academia Caxiense de Letras (Oliveira, 2015); representou o estado do RS no Conselho Escolar Municipal; atuou na coordenação da descentralização do ensino primário do estado; foi titular do serviço de educação de adolescentes e adultos; foi presidente da associação dos professores católicos (Machado & Aguzzoli, 2005).

A partir de sua trajetória, podemos fazer algumas relações que ajudam a pensar sobre o modo como houve uma mudança de atribuições e como ela foi avançando posições, pensando-se em uma hierarquia junto ao órgão municipal de ensino.

Em primeiro lugar, o vínculo com a área rural e a representatividade da família na comunidade podem ter sido um impulso para a construção de relações que foram profícuas para o seu percurso. Cabe também destacar o trabalho realizado para atender às demandas da comunidade em que atuava como docente, tais como: a construção da primeira escola, General Daltro Filho (Machado & Aguzzoli, 2005).

Kreutz (2004, p. 141), em seu estudo sobre o professor paroquial em regiões de imigração alemã, destaca que esse profissional cumpria uma função social junto às comunidades, constituindo-se em uma espécie de guardião de uma ordem vigente, além de atuar como “agente e líder de uma comunidade rural [...] [e] suas funções religiosas e sociais tinham um peso especial”.

Nesse contexto, acreditamos que a atuação da professora Ester na comunidade conferiu a ela um status de representante, e, por essa razão, possibilitou que ela transitasse e dialogasse em outras esferas, como a administração municipal, levando as demandas de um grupo ao outro e mediando as relações e os interesses.

O excerto do Jornal Despertar, de junho de 1954 (Caxias do Sul, 1954, p. 4), apresenta algumas evidências da articulação que era feita pela professora e de como era percebida a sua atuação em diferentes grupos: “Venho por meio desta cartinha desejar-lhe saúde e felicidade. O motivo desta é para agradecer-lhe muito o esforço que tendes feito para ser construída a nova escola. Tôdas as pessoas daqui e também os alunos e professoras agradecem [...]”. A carta da aluna da Escola 1º de Maio indica uma dada satisfação pelo trabalho realizado pela docente junto à comunidade.

Rambo (2008, p. 246), em seu estudo sobre as docentes em escolas em comunidades teuto-brasileiras, explica que as professoras eram tidas como lideranças, e, desse modo, as tarefas extrapolavam a formação em sala de aula, já que estavam à frente de atividades religiosas, ações de caráter social, cultural e até econômico. “O professor, portanto, como regente da escola é auxiliar da família, da Igreja e do Estado [...]” (p. 246). Para Luchese e Grazziotin (2015, p. 354), era relevante o “papel da comunidade na constituição e instituição da profissão docente [...]”, de modo particular, para as que se constituíram docentes com poucos anos de escolarização; “trata-se de experiências docentes ligadas ao espaço comunitário, com sentido social valorizado por eles a ponto do professor ser catequista, conselheiro, líder comunitário”.

A professora Ester rememorou essa atuação religiosa e social da docente em atividades tais como: os terços rezados aos domingos pela professora; a atuação da professora na preparação das crianças para a Primeira Comunhão; o trabalho das docentes na organização e confecção de figurinos para as procissões, dentre outras (Benvenutti, 1983).

A atuação na comunidade, e mesmo após ter se inserido em um espaço distinto - a administração municipal -, bem como a manutenção dessa atuação comunitária, pode ter sido fator preponderante para que angariasse a confiança dos outros grupos, ratificada em manifestações no Jornal Despertar, do ano de 1949 (Caxias do Sul, 1949a, p. 10), meses de março e abril, que indicam a relação profícua com a gestão do município: “Verdadeiramente admirável [...] não obstante conhecer o desenvolvimento a que atingiram as escolas municipais, sob a orientação da Profa. Ester Troian e atendidas por dedicadas professoras [...] Demétrio Niderauer”. Outro indício, no mesmo jornal, na edição de junho de 1950 (Caxias do Sul, 1949a, p. 8): “Por ocasião do aniversário natalício da professora Srta. Ester Troian, as funcionárias da Diretoria da Instrução e demais colegas da prefeitura prestaram-lhe significativa homenagem [...]”.

Corrobora essa ideia a memória da professora Verônica Candiago Bortolon: “Depois que entrou o Dante Marcucci, e a Ester, ficou uma beleza lecionar” (Bortolon, 1980). Ainda, como rememorou a docente Dorotéia Corte Rizzon: “[...] ela encorajava as professoras, porque ela também sabia a dificuldade da professora do interior, porque ela foi muitos anos professora do interior [...] sempre ficará na história tudo o que ela fez em prol da educação” (s/p). Nesses dois casos, apresenta-se a construção de uma imagem favorável de Ester pelas outras docentes, o que pode indicar que essa categoria se sentia representada pela Diretora de Instrução.

De fato, não é possível afirmar que essas ações que a levaram a caminhar nessa trajetória profissional tenham sido desprovidas de uma intenção ou expectativa particular. No entanto, não se pode deixar de acreditar que esse percurso também tenha sido consequência de uma atuação benéfica para a comunidade rural e para as docentes, e que tenha, da mesma forma, atingido com satisfação os interesses da gestão municipal. Portanto, é relevante creditar uma parcela da sua progressão profissional, considerando-se uma dada hierarquia no sistema municipal de ensino, às suas iniciativas e à sua perspicácia e competência relacional.

Cabe ainda levantar mais uma questão, que pode ter sido relevante para a trajetória percorrida: a não oposição às ideias que eram desenvolvidas na época em caráter municipal, as quais eram ressonâncias de políticas nacionais. Exemplo dessas ideias são as que defendiam ações afins às do nacionalismo. Exemplificando, podemos citar o incentivo para práticas de civismo, como o hasteamento da primeira bandeira nacional no interior do município (Machado & Aguzzoli, 2005). Ou excertos do Jornal Despertar de junho de 1948 (p. 1), nos quais existe uma indicação para ações cívico-patrióticas:

[...] Honrando as tradições gloriosas de nossos antepassados desde Pedro Álvares Cabral, os Heróis da Guerra brasileira, os Mártires da Inconfidência, e outros, honramos a nossa Pátria, dignificamos a Humanidade e prestamos culto à Civilização. A escola é para a humanidade o que a alma é para o homem. - A alma guarda o cunho da família, da tribo, da raça; a escola, a grande alma coletiva e cosmopolita dos povos, funde em um só pensamento a feição do ciclo, e assim congrega a civilização geral [...].

Apesar de não ser afirmado por Benvenutti (1983, p. 9, tradução dos entrevistadores), acredita-se que a falta de oposição às ações que tangenciavam o nacionalismo indica uma possível apropriação dessas ideias. Suposição feita a partir da naturalização em que narra o sentimento da comunidade italiana desta região:

Mas, o espírito de brasilidade dos nossos imigrantes, naquela época, era tão grande que eu achei assim que esse trabalho de nacionalização, não quero dizer que não tenha tido seus efeitos positivos, mas não era tão necessário, porque eles se recordavam da Pátria, os velhos, e os novos, os pais ensinavam amar a sua segunda Pátria, como a Pátria deles de origem. Eu nunca encontrei assim nenhuma, nenhum obstáculo nesse sentido. E quantos colonos que me diziam: "Maestra. mi vai che i mifiôi impare parlar em brasilian. par che non impare parlar côme mi. Mi toáti besogno che studiá e nó éssere come me. Mi piace che studian" [Professora, eu quero que os meus filhos aprendam a falar em brasileiro, para que não aprendam como eu. Eu faço gosto que estudem] Eu cansava de ouvir, não é?

Até aqui apresentamos algumas evidências de que a professora Ester construiu, junto a diferentes grupos sociais em Caxias do Sul, uma imagem que lhe conferia um status de representante, pelo seu histórico, pela sua prática e pelo seu discurso. O que possivelmente tenha favorecido o percurso que foi trilhado por ela. Assim como explica Chartier (1991, p. 183, grifo do autor):

[...] as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas em virtude das quais "representantes" (instâncias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou da classe.

Entre as comunidades rurais, encontra-se a representação instituída na imagem de uma descendente de imigrantes, trabalhadores da área rural, que atingiu um grau elevado, primeiro pela sua passagem formativa, depois por ocupar uma posição até então nunca ocupada por outra mulher com histórico semelhante. Pela eleição ao cargo público, acredita-se que tenha angariado a confiança tanto das mulheres quanto dos homens, particularmente, das comunidades rurais. Portanto, ainda vencera um possível preconceito, o que ratifica que a atuação como docente tenha fortalecido a sua relação nas zonas rurais. Depois, por ter explicitado em seu discurso, e em sua prática, que assumira uma espécie de “bandeira” em defesa de melhores condições para as comunidades rurais, o que foi evidenciado nas notícias das ações realizadas, que serão apresentadas na próxima seção.

Entre a administração municipal, acredita-se que tenha sido reconhecida como uma espécie de mediadora entre a gestão municipal e a comunidade rural, tendo a confiança da comunidade rural e demonstrado uma dada concordância para as propostas da gestão, não somente pela realização de diferentes ações junto às escolas municipais, mas também pela sua permanência no órgão de ensino mesmo após a mudança dos prefeitos, ao término de suas gestões.

Além disso, não menos importante, a imagem construída entre as docentes, pelas evidências apresentadas, indica que havia a crença de que a sua direção tenha possibilitado diferentes melhorias. Por fim, destacam-se, também, as proposições feitas ao longo da sua carreira, que incidiam sobre o campo da educação e do magistério.

Com isso, a professora demonstrou um dado protagonismo na inserção de práticas e de suportes ao trabalho docente, tais como: o teatro, com a instalação de palco na mesma escola que ajudou a fundar; e, como Diretora de Instrução Pública, a coordenação e produção de um jornal para as comunidades rurais; o uso do cinema como suporte educativo nas áreas rurais; a inserção de bibliotecas circulantes para a área rural; a oferta de bibliotecas para os professores, com a aquisição de um acervo de revistas direcionadas para a formação; a realização de cursos para a capacitação das docentes. Essas e outras ações serão apresentadas a seguir.

Admite-se que as representações e a percepção favorável, tanto da comunidade caxiense quanto da administração municipal, e, ainda, das docentes, foi uma construção a partir das relações que a professora Ester estabeleceu com os diferentes entes e de uma atuação destacada por propor projetos que considerava uma dada renovação das práticas pedagógicas junto às escolas rurais, bem como a partir ações que apresentavam uma afinada percepção sobre as particularidades e interesses da comunidade rural.

As evidências indicam que houve um trabalho perseverante para o oferecimento do que era considerado, por ela, como melhorias em diferentes áreas, defendendo proposições da administração municipal que poderiam trazer benefícios à comunidade, como no excerto do Jornal Despertar de julho de 1953 (Caxias do Sul, 1953, p. 8):

A Diretoria de Instrução Pública Municipal intensificará a instalação de pequenas farmácias rurais nas escolas municipais que ainda não foram contempladas. A medida em apreço repercutiu favoravelmente na zona rural, onde não poucas vezes, foi utilizada a farmácia da escola para socorros de emergência. Além dessas vantagens, visa os objetivos de solidariedade e caridade ativas para com todo e qualquer sofrimento, prestando auxílio às crianças menores, aos velhos, aos doentes e aos alunos.

A oferta de espaços/serviços indicando um dado cuidado com a comunidade rural, vinculados ao espaço escolar, remete à aproximação da escola às famílias/comunidade, mostrando-se ciente e participante na resolução das questões que poderiam afligir os sujeitos que viviam no espaço rural.

Sob outra perspectiva, o órgão de ensino, sob a direção de Ester, mostra-se solícito a outros órgãos administrativos, de modo particular, à Diretoria de Fomento e Assistência Rural, concedendo espaço em materiais de suporte ao campo da educação, por exemplo, o Jornal Despertar de março e abril de 1949 (Caxias do Sul, 1949a, p. 3, grifo do autor), para a disseminação de orientações que miravam a transformação/modernização das práticas do trabalho: “A Diretoria de Fomento e Assistência Rural [...] através desta secção de o ‘Despertar’, [...] agricultores [...] encontrarão, todos os meses, um apanhado geral de assuntos de interesse [...] instruções, técnicas sobre agricultura e veterinária, recomendações [...]”.

Outros dispositivos também foram utilizados sob sua gestão, tais como: os Clubes Agrícolas que trabalhavam conhecimentos relativos à agricultura, fortalecendo uma mentalidade agrícola e o interesse das novas gerações para o trabalho na área rural, o que pode ser observado na edição de junho de 1952 do Jornal Despertar (Caxias do Sul, 1952, p. 5): “Cultivando a horta escolar aprendemos melhor cultivar a terra e assim, quando seremos homens [...] sabendo cultivá-la ela produzirá melhor [...] o Brasil precisa da lavoura para tornar-se cada vez maior”. Os Clubes Agrícolas se constituíam em um meio para ampliar a formação aos jovens, oxigenando as práticas desenvolvidas na área rural. Promoviam um sentimento de amor pelo campo (Fiori, 2002).

Essas evidências ratificam a ideia de que a professora mediava a relação entre as comunidades rurais e a administração pública para ações que extrapolavam o âmbito da educação escolar.

Em relação à qualificação das docentes, havia o empreendimento em inserir materiais que serviam de suporte aos professores, à formação escolar e a uma educação que se dava fora dos bancos escolares, como a organização e produção de um jornal, dado observado no Despertar, edição de setembro de 1951 (Caxias do Sul, 1951b, p. 1, grifo do autor):

Sob a inteligente orientação da professora Ester Troian, há quatro anos precisamente, que este jovem órgão das escolas municipais, vem distribuindo preciosos ensinamentos e caudais virtudes - O "Despertar" é bem sinônimo de perseverança e dedicação. [...] O lema deste jornalzinho estimula, inspira e educa. É o tônico que reforça os conhecimentos. É a dignidade se esparramando pela colônia, onde vai encontrar o espírito de abnegação e desprendimento dos homens que vivem do produto da terra. Sabemos que a chegada de cada edição do Despertar em nosso meio rural constitui um verdadeiro dia de festa. [...] Parabéns à diretora Ester que tem sido a garantia da tua circulação, sem interrupções. Cumprimentos sinceros aos nossos denodados agricultores e seus filhos, que tem sabido dar valor a tua missão de inteligência e de cultura. Escreveu Guilherme do Valle [...].

Além da iniciativa do jornal, que circulou entre os anos de 1947 a 1954, havia, entre as famílias que viviam nas comunidades rurais, por intermédio da escola, o uso de outros suportes que remetiam à modernidade, tal como o “cinema ambulante”, o qual acreditavam ser um material importante para a educação, o que fica explícito no relatório da gestão municipal de Caxias do Sul dos anos de 1952-1954: “O cinema, quando bem orientado, constitui sem dúvida um valioso fator de educação e de contato social criador. Acresce que a educação na zona rural não pode ser feita alheia à vida da comunidade” (Caxias do Sul, 1952-1954, p. 16).

Além de uma função educativa, é possível perceber que havia o interesse de que a ação promovesse um intercâmbio entre a comunidade e, dessa forma, também servisse como um meio de lazer, percebido na entrevista de Benvenutti (1983, p. 8, tradução dos entrevistadores):

“[...] comprei um projetor cinematográfico [...] E conseguia filmes [...] sobre higiene, sobre agricultura e algum filme cômico. [...] numa ocasião apareceu uma velhinha imigrante [...] disse assim: [...] “Ma que pecá, que so drio restá veccia, par che adés Che Bralise el drio restá bom2.

Tanto o jornal quanto o cinema foram associados ao movimento de renovação pedagógica, no Brasil, durante a Escola Nova. De acordo com Souza (2008), atividades diversificadas eram usadas como uma maneira de expandir a ação educativa, aproximando a escola do meio social. O jornal, o cinema, a biblioteca e os clubes agrícolas foram considerados, segundo a pesquisadora, iniciativas incluídas no cotidiano escolar. Refletindo de forma particular sobre a inserção do cinema nos espaços rurais caxienses, supõe-se, assim como Catteli (2010), que havia a crença de que o cinema era uma forma de possibilitar a propagação de conhecimentos para um grande número de pessoas, em particular, nas áreas rurais, pela necessidade de atingir uma parcela de imigrantes italianos que ainda não haviam se familiarizado com a língua portuguesa.

Os materiais utilizados como suporte para a educação estavam associados a outras ações que demonstravam a tentativa em suprir a necessidade de uma formação específica para os professores que lecionavam na área rural, particularmente, para as mulheres, pelo contexto de escolarização já citado anteriormente. A estratégia coordenada por ela foi a de promover, com dada frequência, cursos de formação, como foi observado na edição de novembro de 1949 do Despertar (Caxias do Sul, 1949b, p. 8): “Funcionará em 1950, gratuitamente, um Curso de Férias, para as professoras nomeadas interinamente e para candidatas ao magistério municipal, sob a direta orientação da Diretoria da Instrução Pública [...]”.

Além disso, havia a oferta de ‘Biblioteca dos Professores’ e a assinatura da Revista do Ensino para todas as Bibliotecas mantidas pela Prefeitura (Caxias do Sul, 1952-1954). Ainda, houve o investimento na instalação de bibliotecas rurais para a comunidade, divulgado no Despertar de novembro de 1949: “Faz parte dos planos da Diretoria a instalação [...] de Bibliotecas rurais nos distritos. Ainda no corrente ano, duas, pelo menos, serão criadas e postas em ação [...]” (Caxias do Sul, 1952-1954, p. 4).

O aceite das ações propostas pelo órgão de ensino foi observado por intermédio das cartas enviadas pela comunidade escolar para o jornal Despertar de julho de 1953 (Caxias do Sul, 1953, p. 4): “O motivo desta é para agradecer-lhe muito o cinema [...] que continue por longos anos percorrendo as escolas municipais [...] ansiosos estão que volte ao nosso meio com outros filmes”.

Essas ações são justificadas a partir das evidências já apresentadas de que os sujeitos que viviam na área rural não poderiam ficar à margem da sociedade. A ideia de uma educação progressista também chegava nas localidades rurais, com materiais que se somavam a uma cultura escolar que refletia as características daqueles espaços. Portanto, também se percebe nos discursos divulgados a ideia de que os professores que se dedicavam à escolarização nas áreas rurais necessitavam de saberes específicos para atuar naquelas comunidades, de acordo com matéria do jornal Despertar de abril de 1951 (Caxias do Sul, 1951a, p. 2):

[...] Para ser de fato eficiente na sua missão, deve o professor rural conhecer os problemas específicos da região em que exerce magistério, abrangendo agricultura, higiene, economia, alimentação, pequenas indústrias domésticas. Ensinar a alimentar-se corretamente, a cultivar uma horta, a criar galinhas e abelhas, a defender-se contra endemias e tantas outras noções indispensáveis à vida exige não só conteúdo pedagógico, mas igual dose de conhecimentos técnicos [...] professor rural qualificado é aquele que tem domínio sobre a natureza, os problemas da saúde e da produção, e tudo, enfim, quanto interesse à região [...].

As ações realizadas mostram um investimento para atender às necessidades que eram sentidas pela comunidade rural, e outras que eram percebidas pelas autoridades municipais ao visarem essas comunidades, e ao mesmo tempo que estariam acordadas com padrões de conduta e comportamentos preconizados em caráter nacional. Conforme explica Weschenfelder (2003), na década de 1950, buscava-se a promoção da educação física, intelectual, moral, social, artística e econômica das crianças escolares.

Outras propostas foram defendidas visando a fixação dos sujeitos no campo, entre os intelectuais que trabalhavam proposições nessa corrente de ideias podemos citar o educador Sud Menucci (1934), o qual preconizava uma escola alinhada às particularidades de vida dos sujeitos das áreas rurais. Para Menucci (1934), a escola no meio rural deveria ser diferente do modelo aplicado na área urbana; além disso, argumentava sobre a necessidade da oferta de atrativos para os sujeitos que viviam nas comunidades rurais, para uma melhora da condição de vida.

Ações semelhantes, visando às especificidades das comunidades rurais, foram identificadas nesta cidade, possivelmente associadas ao interesse de cessar a evasão dos sujeitos que ali viviam e que buscavam melhores condições de vida nas áreas urbanas, pela oportunidade vislumbrada em indústrias locais. Werle e Metzler (2010) explicam que as comunidades rurais eram consideradas espaços de atraso, privação, sem direitos e dependentes das cidades. Nesse sentido, a oferta de atrativos, como foi feita durante a gestão da professora Ester, nesta região, pode indicar que havia a preocupação em atender às demandas da comunidade rural, por meio de uma articulação com a escola, iniciativas acordadas ou inspiradas por esse movimento que defendia um olhar mais particular sobre os sujeitos que viviam no campo.

As evidências apresentadas até o momento fortalecem a crença de que as propotas e as atividades promovidas foram relevantes para que Ester Troian Benvenutti tivesse uma imagem consolidada diante de diferentes grupos da sociedade, de modo bastante particular, junto à comunidade rural, junto às docentes e em acordo com as diferentes administrações do município. Essa construção fortaleceu a sua presença na sociedade caxiense e, possivelmente, tenha sido um fator de relevância para os percursos feitos.

Considerações finais

Pela observação das evidências, foi possível perceber que a análise da trajetória profissional de Ester Troian Benvenutti esteve centrada na construção de relações em distintos grupos, mas, sobremaneira, mediando os interesses da comunidade rural.

Nesse contexto, a docente acolheu as demandas da comunidade, mas soube articulá-las aos interesses da administração municipal, aparando possíveis arestas e ajustando-as às expectativas e às propostas implementadas.

Em relação às docentes que respondiam administrativamente ao cargo ocupado por Ester, soube minimizar os possíveis efeitos negativos oriundos da posição hierárquica superior. A aproximação com a realidade das docentes foi percebida não só em sua trajetória, mas também pelo empreendimento na realização de diferentes ações naquelas localidades, além de seu trânsito frequente nas zonas rurais, o que poderia representar que aquelas comunidades não estariam esquecidas pela administração municipal.

O uso de materiais, tidos em um momento de renovação da escola, nos faz crer que a docente esteve informada das tendências e se movimentou de forma consonante com as ideias educativas defendidas em caráter nacional, no período, supondo-se que tenha sido influenciada pela crença de que essas ações poderiam ser benéficas para o campo da educação.

Por essas conjecturas, acreditamos que a professora Ester Troian Benvenutti desempenhou um papel relevante para a trajetória da educação nas zonas rurais, nesta localidade; e para mudanças em práticas do cotidiano dos sujeitos que ali viviam, porque a professora confiava que se constituíam em melhorias e benefícios para aquelas comunidades.

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1 Caxias do Sul está localizado na região nordeste do Rio Grande do Sul, possui uma área total de 1.638,34 km², com aproximadamente 505.000 habitantes. Encontra-se numa área de serras e vales, com divisas ao norte pelos municípios de São Marcos e Campestre da Serra; ao sul, por Nova Petrópolis e Gramado; a leste, por São Francisco de Paula, e a oeste, por Flores da Cunha (Caxias do Sul, 2019).

2“Mas que lástima, que pecado que estou ficando velha, porque agora que o Brasil está ficando bom.” (Benvenutti, 1983, p. 8).

7Rodadas de avaliação: R1: três convites; três avaliações recebidas

8Como citar este artigo: Dewes, E. C. S., Souza, J. E., & Giacomoni, C. Ester Troian Benvenutti: pela educação e cultura nas áreas rurais de Caxias do Sul-RS (1940-1950). Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e261

9Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

10Licenciamento: Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4)

Recebido: 25 de Agosto de 2022; Aceito: 11 de Novembro de 2022; Publicado: 23 de Março de 2023

*Autora correspondente. E-mail: elisangela.silva@ucs.br.

Elisangela Dewes é mestre e doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul. Especialista em Cultura Organizacional e Comunicação. Graduada em Comunicação Social. Bolsista PROSUC/CAPES. Integra o Grupo de Pesquisa História da Educação, Imigração e Memória (GRUPHEIM); e o projeto de pesquisa financiado pelo CNPQ “Grupo Escolar no Rio Grande do Sul no século XX". Pesquisa as escolas rurais, imprensa pedagógica, cinema educativo e a cultura material escolar. E-mail: elisangela.silva@ucs.br https://orcid.org/0000-0002-2281-7017

José Edimar de Souza é graduado em História, Pedagogia, Geografia e Biblioteconomia, mestre e doutor em Educação (UNISINOS). Professor e pesquisador dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação, bem como, coordenador do Curso de Geografia/PARFOR na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Vice-líder do Grupo de Pesquisa História da Educação, Imigração e Memória (GRUPHEIM). Coordena o projeto financiado pelo CNPq: “Grupo Escolar no Rio Grande do Sul no século XX: culturas e práticas em perspectiva regional”, processo número: 403268/2021-4. E-mail: jesouza1@ucs.br https://orcid.org/0000-0003-1104-9347

Cristian Giacomoni é doutor e mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação-PPGEdu da Universidade de Caxias do Sul/RS, na Linha de Pesquisa História e Filosofia da Educação. Dedica-se a pesquisar no campo da História da Educação, utilizando dos aportes teóricos e metodológicos da História Cultural, História Oral, Memórias, Práticas e Culturas Escolares, a disciplina, as aulas e as práticas de Educação Física em instituições escolares localizadas na serra do Rio Grande do Sul, entre as décadas de 1940 e 1990. E-mail: cgiacomoni@ucs.br https://orcid.org/0000-0002-9598-2750

Editor-associado responsável: Carlos Eduardo Vieira E-mail: cevieira9@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-6168-271X

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