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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 26-Sep-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e290 

Artigo Original

A extinção da Universidade do Distrito Federal (UDF/RJ): o fim da utopia de formar professores de artes modernistas (1935-1939)

The extinction of the Federal District University (UDF/RJ): the end of the utopia of training modernist arts teachers (1935-1939)

La extinción de la Universidad del Distrito Federal (UDF/RJ): el fin de la utopía de la formación de profesores de artes modernistas (1935-1939)

José Roberto Pereira Peres1 
http://orcid.org/0000-0001-8174-4383

1Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jose.roberto.peres@gmail.com.


Resumo

O objetivo central deste trabalho é compreender as tensões que provocaram a extinção da Universidade do Distrito Federal (UDF/RJ) e o fim de um projeto inovador de formação de professores de Artes, que acontecia no Instituto de Artes da referida universidade na década de 1930. O referencial teórico que norteia as reflexões desta pesquisa baseia-se nos trabalhos dos seguintes autores: Basbaum (1976), Fávero (2004), Lopes (2006, 2009) e Mendonça (2002). A metodologia consistiu em análise documental dos acervos das seguintes instituições: Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade da UFRJ, Projeto Portinari da PUC-Rio, Fundação Casa de Rui Barbosa e Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. A análise das fontes possibilitou confirmar que as práticas artísticas inovadoras que aconteciam no Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal (IA/UDF) promoviam a experimentação de novas técnicas e materiais, assim como contribuíam para a elaboração de obras que rompiam com o padrão da arte acadêmica. Isso resultava na representação do povo em suas diversas manifestações, provocando um grande incômodo nos setores conservadores, tanto no meio artístico quanto no meio político.

Palavras-chave: formação de professores; modernismo/comunismo; contexto autoritário

Abstract

The main objective of this paper is to comprehend the tensions that caused the extinction of the University of the Federal District (UDF/RJ) and that ended the innovative project for the formation of arts teachers that took place at the Institute of Arts of the aforementioned university in the 1930s. The theoretical framework that underpins the reflections of this research is based on the works of the following authors: Basbaum (1976), Fávero (2004), Lopes (2006, 2009), and Mendonça (2002). The methodology consisted of the document analysis of the following collections: Education and Society Studies and Documentation Program at UFRJ, Portinari Project at PUC-Rio, Casa de Rui Barbosa Foundation, and The Brazilian Digital Newspaper and Periodicals Library. The analysis of the sources made it possible to confirm that the innovative artistic practices that took place at the IA/UDF promoted the experimentation of new techniques and materials as well as contributed to the elaboration of works that broke with the standard of academic art. This resulted in the representation of the people in its various manifestations, causing great discomfort in conservative sectors, both in the artistic and the political spheres.

Keywords: teacher training; modernism/communism; authoritarian context

Resumen

El objetivo principal de este trabajo es comprender las tensiones que provocaron la extinción de la Universidade do Distrito Federal (UDF/RJ) y el final de un proyecto innovador para la formación de profesores de Artes, que tuvo lugar en el Instituto de Artes de la dicha universidad en la década de 1930. El marco teórico que orienta las reflexiones de esta investigación se basa en los trabajos de los siguientes autores: Basbaum (1976), Fávero (2004), Lopes (2006, 2009) y Mendonça (2002). La metodología consistió en el análisis documental de los fondos de las siguientes instituciones: Programa de Estudios y Documentación Educación y Sociedad de la UFRJ, Proyecto Portinari de la PUC-Rio, Fundação Casa de Rui Barbosa y Hemeroteca Digital de la Biblioteca Nacional. El análisis de las fuentes permitió constatar que las prácticas artísticas innovadoras ocurridas en el Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal (IA/UDF) promovieron la experimentación de nuevas técnicas y materiales, así como contribuyeron a la elaboración de obras que rompieron con la norma del arte académico. Esto derivó en la representación del pueblo en sus diversas manifestaciones, provocando un gran malestar en los sectores conservadores, tanto en el ámbito artístico como en el político.

Palabras clave: formación docente; modernismo/comunismo; contexto autoritario

Introdução

Anísio Teixeira1, ao criar a Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935, pretendia que essa instituição fosse a construtora de uma ciência e de uma cultura verdadeiramente brasileiras, um modelo de universidade diferente do padrão instituído pelo Governo Federal à época. De acordo com Mendonça (2002), seria a ‘Universidade de Educação’, e a sua formação de professores, o seu carro-chefe. É importante mencionar que a UDF era constituída por diversas escolas e institutos, como a Escola de Filosofia e Letras; a Escola de Ciências; a Escola de Economia e Direito; o Instituto de Educação; e o Instituto de Artes. O Instituto de Artes (IA) caracterizava-se como uma instituição diferenciada, porque oferecia cursos voltados para o magistério das Artes, bem como promovia a formação de profissionais nas áreas de Arquitetura e de Urbanismo2.

A ideia de haver uma instituição específica para o exercício da liberdade no campo artístico, na qual seriam legítimos o estudo e a pesquisa do processo de elaboração da cultura e da arte brasileira, atraiu o interesse de alguns artistas ligados ao movimento modernista, que buscavam, nesse período, construir e consolidar a identidade cultural brasileira. Havia, então, a possibilidade de assumir nossas características de origem popular, afro-brasileira ou regional, estabelecendo um diálogo entre o passado e o presente, para se construir o futuro de uma arte que provocasse reflexão sobre a própria realidade. Foi o caso dos artistas Mário de Andrade, Candido Portinari, Alberto da Veiga Guignard e Georgina de Albuquerque, que se tornaram professores do Instituto de Artes da UDF.

A Universidade do Distrito Federal se configurava como a instituição ideal para impulsionar o conhecimento da Arte Moderna, porque a sua principal finalidade era formar professores para os diversos graus de ensino. E formar docentes de maneira diferenciada dos padrões vigentes seria um modo de se construir uma nova cultura pedagógica no campo das artes, bem como seria a possibilidade de conquistar novos públicos para fruir dessa nova arte que seria difundida nas escolas regulares. Invertia-se, assim, a lógica da arte restrita a uma elite. Os intelectuais e artistas modernistas viram no Instituto de Artes da UDF um campo fértil para a promoção de novas ideias e uma maneira de difundir seus princípios ligados à Arte Moderna, pois seria por meio da intervenção na educação que se promoveria uma transformação ideológica a favor da nova arte (Fávero, 2006).

A liberdade de pesquisa e experimentação, entretanto, causou temor nos setores conservadores, que associaram as práticas inovadoras a ideias ‘comunistas’, por conta das críticas sociais que os estudantes do Instituto de Artes faziam em seus trabalhos artísticos. Dessa forma, cabem as perguntas: por que a Universidade do Distrito Federal ocasionou tanto incômodo nos setores conservadores daquele período? Quais eram os interesses que estavam por trás da sua extinção? Como ocorreu as articulações para extinguir a UDF? São esses questionamentos que impulsionam esta pesquisa.

A metodologia deste trabalho consistiu em análise documental dos acervos das seguintes instituições: Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROEDES/UFRJ); Projeto Portinari da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Projeto Portinari/PUC-Rio), Fundação Casa de Rui Barbosa (Acervo Cornélio Pena) e Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Os documentos analisados foram: o decreto de criação da Universidade, Decreto nº 5.513, de 04 de abril de 1935 (PROEDES-UFRJ); Livro Ata da UDF, de 1938 (Fundação Casa de Rui Barbosa); fotografias das aulas e dos trabalhos que ocorriam no Instituto de Artes; entrevistas dos ex-alunos de Candido Portinari: Aldary Toledo, Héris Guimarães e Rosalina Leão, realizadas na década de 1980 (Projeto Portinari/PUC-Rio); e as reportagens do jornal Correio da Manhã de 1938 e Gazeta de Notícias, relacionadas ao Instituto de Artes da UDF, consultadas no site da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Os autores que embasam as reflexões desta pesquisa constituem diferentes campos disciplinares, a saber: Basbaum (1976), que trata da implementação do Estado Novo e o contexto autoritário da década de 1930; Fávero (2006), que apresenta a concepção inovadora da UDF como parte de um sistema integrado de educação púbica da Capital Federal; Lopes (2006, 2009), que trata da formação de professores, posicionando a Escola de Educação como eixo integrador da UDF, e Mendonça (2002), que aborda o contexto da criação da Universidade do Distrito Federal e os embates que ocorreram nesse período.

O instituto de artes da UDF: uma instituição diferente

Em reportagem do jornal Gazeta de Notícias do dia 3 de julho de 1935, verifica-se a proposta diferenciada dos cursos e a adesão ao movimento artístico modernista, expressa no título da reportagem que trata da divulgação das inscrições dos cursos oferecidos pela instituição:

O ESPÍRITO MODERNO NAS ARTES

Na Universidade do Distrito Federal, recentemente criada pela Municipalidade, continuam abertas as inscrições para os seus primeiros cursos de arte, alguns pela primeira vez organizados no Brasil.

Os cursos se agrupam em três séries:

a) - cursos de preparação de professores para desenho, música e canto orfeônico que se habilitarão para escolas secundárias; e de preparação de instrutores técnicos para as escolas profissionais;

b) cursos de especialização e aperfeiçoamento, como os de urbanismo, arquitetura, pintura mural e de cavalete e escultura monumental e de salão, os dois primeiros somente facultados a arquitetos e engenheiros; os dois restantes a quem já possua conhecimentos de pintura e escultura;

c) - cursos gerais de arte; como os de teatro, artes decorativas e industriais (mobiliário, indumentária e artes do desenho aplicadas à impressão ou publicidade artística).

Os professores escolhidos serão os seguintes:

a) - artes plásticas: professor Nestor Figueiredo, urbanista; professor Lucio Costa, arquitetura; professor Candido Portinari, pintura; professor Celso Antônio, escultura; professores Georgina de Albuquerque e Fernando Valentim, artes decorativas e industriais; professores Sylvia Meyer e Gilberto Trompowsky, assistente de artes plásticas;

b) - música e canto orfeônico: professores Vila Lobos, Lorenzo Fernandes e João Souza; professor Andrade Marley para a história da música;

c) - Teatro: professores Renato Vianna, Dulcina de Moraes e Oduvaldo Vianna da atual Escola Dramática.

As inscrições para esses cursos acham-se abertas até o dia do corrente, improrrogavelmente, sendo gratuitos os cursos de pintura, escultura, artes decorativas (O espírito moderno nas artes, 1935, p. 8).

A menção de que alguns cursos oferecidos pelo Instituto de Artes eram pela primeira vez organizados no Brasil, como o caso dos cursos de formação de professores de desenho, música e canto orfeônico para o ensino secundário, revela a originalidade do projeto e evidencia o seu caráter diferenciado em relação à Escola Nacional de Belas Artes, a instituição mais antiga destinada à formação do artista no Brasil. Nesse período não havia cursos artísticos na referida escola que formassem o professor para lecionar no ensino regular, como já criticara Nerêo Sampaio em seus livros (1929, 1938, 1941). O que havia era o preparo do artista para trabalhar em seu ateliê. Já o Instituto de Artes tinha como objetivo principal preparar o artista-professor, munido de conhecimento teórico de história e filosofia da arte, sendo estimulado à experimentação de materiais variados para o desenvolvimento da própria técnica, bem como o provimento do conhecimento pedagógico para a adequação do saber especializado da arte destinada a diferentes públicos.

A divulgação do corpo docente, apresentada na reportagem com o título ‘Espírito moderno nas artes’, no jornal Gazeta de Notícias (1935), também se configura como uma maneira de impressionar o público-alvo, visto que se tratava de uma equipe de professores com larga experiência no campo artístico, como se pôde constatar no tópico sobre os professores escolhidos para as artes plásticas na matéria citada. A mencionada tática pode ser considerada como bem-sucedida, porque Héris Guimarães confirma, em seu depoimento, que mudou da Escola Nacional de Belas Artes, na qual fazia o curso de pintura, para o Instituto de Artes da UDF devido à insistência de sua amiga Diana Bárberi. Esta já era uma artista com certa experiência e queria se aprimorar nos processos e modalidades de pintura, bem como desejava descobrir novas técnicas artísticas. Ao saber que o professor de Pintura Mural e Cavalete seria Candido Portinari, ela não hesitou em mudar de instituição, como é possível conferir no fragmento a seguir:

[…] a Diana já tinha prata em salão, era uma espécie de monitora do Bracet. Então me apoiei nela. Eu tinha medo do Bracet, achava que tinha um traço horroroso, cheguei à conclusão que não dava para a coisa. A Diana - falando como os brotos - segurou as pontas, e eu fiquei na Escola, apoiada nela. Mas naquele ano a Diana resolveu ir para a Universidade Federal, porque ela já tinha aprendido tudo que tinha que aprender ali. E ela achou que o Portinari, com o novo tipo de pintura, seria uma boa para ela. O que não era o meu caso, eu não esperava mudar nada na minha pintura. Eu estava começando e não sabia nada, então a Diana me disse: Olha Héris, eu vou sair, vou para a Universidade, vou me inscrever no concurso de pintura (Guimarães, 1983, p. 6).

O relato da ex-aluna revela, ainda, que os estudantes acreditavam que havia uma grande diferença entre o curso da ENBA e o curso que seria ministrado no IA/UDF, porque, como foi possível conferir no depoimento anterior, Diana Bárberi desejava aprender novos procedimentos e técnicas de pintura, julgava que já tinha aprendido tudo o que era possível na sua antiga escola e que Candido Portinari, uma figura já conhecida no meio como artista inovador, ofereceria a ela uma ampliação dos conhecimentos artísticos mais atualizados, tendo em vista que o professor que ela assessorava na ENBA, por meio do trabalho de monitoria, era um artista voltado para gêneros pictóricos tradicionais, acadêmicos, e que não tolerava tendências artísticas modernistas.

Por meio da análise do currículo dos cursos oferecidos pelo Instituto de Artes3, é possível conferir que havia uma preocupação com a formação do pensamento crítico dos estudantes. Especialmente no curso de Pintura, existia uma carga horária considerável de ‘História da civilização brasileira’ e ‘História das artes no Brasil’, disciplina esta que acompanhava quase todo o curso. Héris Guimarães, ao relembrar do tempo de estudante, destaca as aulas de História:

As aulas lá da Universidade foram muito sérias, dadas por professores muito sérios. Foi o primeiro time. O Cornélio Pena por exemplo, contava anedota, conhecíamos o Brasil pelas anedotas que ele contava. Uma coisa seriíssima. O próprio Pedro Calmon, é o eterno historiador… Deu, de história. Ele foi muito franco com a figura de D. Pedro I. Um professor de história muito sério. Todos eles eram muito sérios. Não havia mistificação em aula, isso é que quero dizer, era uma seriedade completa. Abordavam-se os assuntos do Brasil, os problemas brasileiros, como Mário de Andrade era em outro sentido, como o Muricy, que ensinava história da música. ‘Olha, veja bem, lá existia a cadeira de história da música, e na Escola de Belas-Artes até hoje não tem história da música no currículo’ (Guimarães, 1983, p. 48-49, grifo nosso).

No depoimento acima, Heris Guimarães aponta para a seriedade das aulas, para a postura dos professores e explicita como o ensino era voltado para despertar o pensamento crítico dos estudantes ao tratar das questões nacionais e expor de forma franca a nossa história. Quando a aluna diz que o professor Pedro Calmon foi muito franco com a figura de D. Pedro I, isso faz supor que o ensino de história era pautado numa perspectiva crítica, e não de exaltação de heróis nacionais. Outro aspecto importante nesse depoimento é a aluna dar a entender que o ensino no Instituto de Artes era mais avançado do que na Escola Nacional de Belas Artes, porque, já na década de 1930, contava com o ensino da História da Música, algo que não tinha sido implementado até 1983, ano em que foi dada a entrevista pela referida aluna.

Dessa forma, acredito que essa ênfase dada às disciplinas de ‘História da civilização brasileira’ e ‘História das artes no Brasil’ está relacionada diretamente com a proposta de Arte Moderna daquele período, porque o conhecimento crítico da história brasileira, aliado ao conhecimento do desenvolvimento das artes no nosso país, era uma maneira de exercer influência sobre a consciência dos estudantes, uma infiltração cultural que despertaria a consciência dos alunos para as questões sociais e políticas da nação, preparando-os para exercer uma arte com engajamento social. Desde a década de 1920, havia uma preocupação crescente com o ‘social’ na arte latino-americana, nos meios intelectuais e artísticos, ganhando mais vigor nos anos de 1930, sendo o México um país de grande influência devido à arte do muralismo (Amaral, 2003).

A formação dos estudantes era orientada para se construir um olhar crítico para os problemas da sociedade brasileira na época, especialmente a desigualdade social, como podemos notar no fragmento a seguir da entrevista de Héris Guimarães, na qual ela descreve uma das obras que pintou nas aulas:

Fiz um prato cheio de comida e outro vazio, sem nada. Fiz uma natureza-morta dando a entender que aquele talher todo rico era de gente que podia, e um prato todo desbeiçado, sem nada, só com um grão de feijão […] De fato, era um protesto pictórico, aquilo não estava sendo exposto. Apenas a gente aproveitava o que via para ter uma criatividade social. Ou talvez fôssemos influenciados pela filosofia da Universidade… A parte de arte era muito voltada para pobreza, para aqueles que sofrem […] (Guimarães, 1983, p. 47).

Héris Guimarães, ao lembrar-se da atuação de Candido Portinari como professor, comenta que o artista tinha um posicionamento claro em relação às dicotomias da sociedade brasileira e que era um grande admirador de artistas muralistas mexicanos, simpáticos a uma ‘arte engajada’, voltada para o socialismo, especialmente de Diego Rivera. Segundo a ex-aluna, foi isso o que o artista deixou transparecer nas suas aulas, bem como na sua arte. E, devido a esse posicionamento, ele foi considerado maldito por alguns setores que não concordavam com suas ideias. Conforme as suas lembranças:

Mas o Portinari já disse isso, na pintura, há muitos anos, e era maldito por isso. Era um homem que tinha essa sensibilidade, é natural que se tenha voltado para uma pintura que era essencialmente socialista, baseada numa pobreza, baseada nos pueblos, e que também era uma pintura, vamos dizer, volumosa. Estive no México, morei dois meses lá e conheço bem a pintura mexicana, então eu via que o pueblo é todo grosso de pano, é todo volumoso, sempre de chapéu […] Era natural que o Portinari se voltasse para os artistas que, como ele, eram socialistas (Guimarães, 1983, p. 40).

De acordo com Neves (2019), a pintura mural no México, particularmente a de Diego Rivera, retrata as raízes da história do próprio povo, as quais, segundo os artistas desse movimento, foram esquecidas pela classe burguesa durante longos anos de opressão, abandono e privações impostas pelas oligarquias nacionais. Diante dessa informação, acredito que a elevada carga horária da matéria ‘História da civilização brasileira’ tinha como finalidade munir os estudantes de um largo conhecimento sobre a história nacional para que lhe fosse útil na elaboração das suas obras artísticas.

As aulas de Portinari impactaram Héris Guimarães de tal maneira que ela não se esqueceu de como o artista era indignado com as mazelas sociais do Rio de Janeiro, e de que a arte para ele deveria ser uma maneira de denunciar; por isso mostrava em suas aulas os trabalhos que realizava. A ex-aluna, ao recordar do que era exposto nas aulas, afiança: “Mostrou a desgraça da favela, a falta d’água na favela, o menino abandonado. Depois ele fez toda aquela série dos meninos de Brodósqui, toda aquela série amarela, verde colorida” (Guimarães, 1983, p. 32).

Diante do exposto, suponho que a carga considerável da disciplina ‘História da civilização brasileira’, presente até o terceiro ano do curso, tinha como objetivo dotar os estudantes de um conhecimento vasto sobre o país, bem como construir uma atitude artística transformadora que servisse aos propósitos da recriação histórica, elegendo os temas sociais como os mais relevantes a serem representados artisticamente. Fato que caracteriza o curso de Pintura do IA da UDF como uma formação voltada para os ideais modernistas. Essa preocupação com uma ‘Arte engajada’ pode ter sido também um dos motivos que levaram a não incorporação do Instituto de Artes na Universidade do Brasil.

A formação do professor de Pintura era a mais extensa entre os cursos mantidos pelo Instituto de Artes da UDF. O curso tinha uma duração de seis anos, com um preparo muito mais amplo do que o do curso de Pintura da ENBA, o qual estava organizado em quatro anos apenas. Apesar do pouco relevo dedicado às matérias pedagógicas, foi possível constatar, nos depoimentos analisados dos ex-alunos, que a essência do curso era preparar professores e que os estudantes tinham plena noção de que a UDF possuía como finalidade primordial a formação docente, como se pode depreender no relato de Héris Guimarães, exaltando a competência do ensino prestado:

A Universidade era para formar professores para o Distrito Federal. Enfim, se não tivesse acontecido aquilo (a extinção da UDF), eu seria professora de pintura. Vejam bem, eu estava sendo formada para professora de pintura, não fiz uma opção muito errada, não. [...] Eles estavam preparando o melhor professor de pintura, o melhor dentro de coisas melhores também (Guimarães, 1983, p. 51).

Os estudantes lembram com muito carinho das aulas de Pintura de Candido Portinari. A atitude de incentivar os estudantes a se arriscarem, saírem de suas zonas de conforto e de perderem o medo de se aventurar no universo da pintura está presente em muitos dos relatos analisados, como é caso do de Rosalina Leão, que ingressou na UDF com o único objetivo de aprender a desenhar, mas Portinari conseguiu fazer com que mudasse de ideia, como ela recorda:

‘Fui, no princípio, para aprender a desenhar. Fui lá no desenho e ele disse: ‘Não, você vai é pintar’. Respondi: ‘Ah, mas eu não quero pintar, não tenho jeito’. E ele: ‘Não, não, você vai é pintar’’. Era uma sala maravilhosa e nós recebíamos tudo, desde o chassis, a madeira. ‘A gente cortava, pregava, depois punha o pano, a base do pano e fazia as tintas também. Tinha os pigmentos e o óleo de linhaça’. Naturalmente a gente passava uma gorjeta para aqueles serventes, porque era um trabalho muito cacete. ‘Mas digo que era muito bom, eu sabia tudo. Foi a primeira vez que Portinari deu aulas assim e ele tinha prazer’ (Leão, 1984, p. 3, grifo nosso).

Percebe-se, no relato de Rosalina, que se estudava de tudo, os ensinamentos iam muito além dos processos e modalidades das técnicas de pintura. Inclusive, aprendia-se os métodos de produzir tintas com pigmentos e óleo de linhaça, a confeccionar telas e o seu preparo para receber a pintura. O depoimento também evidencia que as aulas eram interessantes e muito proveitosas, principalmente porque Portinari sentia ‘prazer’ em ensinar. O contentamento com o ofício de professor também aparece numa carta do pintor enviada para Mário de Andrade, na qual ele demonstra todo o seu entusiasmo com a nova experiência, a ponto de ficar sem tempo para produzir seus próprios trabalhos. Veja o que Portinari diz:

Mário,

Comprei ontem esta máquina de escrever, resolvi estrear escrevendo pra você. Estamos com a exposição dos alunos aberta. ‘O pessoal da Escola de Belas Artes não se conforma’. Vamos começar segunda-feira um quadro de 4 metros. Todos os alunos vão trabalhar nele. O motivo vai ser café. ‘Ainda não comecei nada pra mim. Esse negócio de aula apaixona, a gente fica inteiramente absorvido’ (Projeto Portinari - PUC-Rio, 1936, grifo nosso).

Nesse fragmento da carta, verifica-se que, além do entusiasmo com as práticas desempenhadas na ação docente, Portinari também estava muito satisfeito com a exposição dos trabalhos de seus alunos. Além disso, o mestre deixa transparecer as rixas existentes com relação à Escola Nacional de Belas Artes, quando afirma que o pessoal da ENBA não se conformava. Mais um indício que corrobora a hipótese do conflito existente entre as duas instituições. Provavelmente alguns de seus desafetos na escola devem ter demonstrado, de alguma maneira, o incômodo com o movimento do artista e de seus pupilos na cena artística carioca, visto que a exposição foi muito noticiada nos jornais da época. Outro aspecto relevante é a menção a um quadro de quatro metros com temática ‘o café’4, no qual, segundo afirma o artista, todos os alunos vão trabalhar, fato que revela sua simpatia pelo trabalho colaborativo e pelo tema que marcou sua carreira como pintor social.

A confirmação de que nada era comprado no Instituto de Artes da UDF e que se aprendia de fato a produzir o seu próprio material de pintura também está presente no relato de Aldary Toledo:

‘Não precisava comprar coisa nenhuma’. Por exemplo, tem umas coisas bobas em pintura. O sujeito trabalha muito e com essa variação de umidade aqui no Rio, às vezes a tela fica frouxa. Bom, eu me lembro que uma menina, que fazia pintura lá na Escola de Belas Artes, um dia chegou para mim e disse: ‘A tela está bamba, como é que eu vou fazer?’ ‘Já bati a cravelha o máximo que posso, mas não consigo, porque já está toda batida e a tela continua frouxa; trabalhei em cima muito tempo’. ‘O quê que eu faço?’ ‘Você sabe de alguma coisa?’ Eu disse: ‘É simples, molha por trás’. ‘Realmente, são dessas coisas que só se aprende numa oficina, e o pessoal da escola não tinha menor noção. Para eles, pintura era o artista, o homem que usa gravata, que fica fora do ar, fora da realidade. E que pintava sempre aquelas coisas, ‘Sonho de artista’, as pinturas que se faziam na época’ (Toledo, 1982, p. 32, grifo do autor).

Nesse relato de Aldary Toledo, constata-se que existia realmente uma grande diferença entre o processo de ensino da ENBA e o do IA da UDF. Como ele foi aluno em ambas, cursando concomitantemente Arquitetura na primeira e Pintura na segunda, tem fundamentos para assegurar tal diferença. Na acepção de Toledo, o Instituto de Artes se configurava como uma oficina onde se aprendia, além da técnica de pintura, principalmente processos e modalidades que antecedem o ato de criar. Ao contrário do que se praticava na ENBA, onde o ensino era revestido de certa pompa, como mencionado no relado do ex-aluno. Ter a noção de como se confeccionava uma tela e de como se preparava a tinta era fundamental para o artista adquirir liberdade, não dependendo de produtos prontos, tendo a possibilidade de fabricar tudo o que precisava para seu trabalho.

As articulações para extinguir a UDF

No ano de 1937, Capanema encontrou a oportunidade ideal de intensificar as estratégias para realizar o seu desejo de extinguir a UDF. Nesse mesmo ano, foi criada a Universidade do Brasil (UB) (Lei nº 452, 1937), que seria a instituição modelo para as demais universidades brasileiras, e, em seguida, instaurou-se um novo regime político que cerceava a liberdade democrática e preparou o terreno para semear algumas medidas que foram verdadeiras ervas daninhas e acabaram por sufocar a UDF, levando à sua extinção (Mendonça, 2002).

Com a implantação do Estado Novo5, em 10 de novembro de 1937, muitas providências foram tomadas por Getúlio Vargas para conter a ameaça do ‘levante comunista’, o que atacava diretamente as instituições democráticas (Basbaum, 1976). De acordo com Basbaum (1976), o golpe foi orquestrado como uma forma de Vargas se manter no poder e evitar as eleições que deveriam ocorrer em fins de 1937. Após a insurreição dos militares associados às ideias comunistas em 1935, organizada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) e sob a liderança de Luiz Carlos Prestes, movimento conhecido como ‘Intentona Comunista’, houve uma onda de terror que acentuou a ideia da necessidade de contenção da ‘subversão social’. Fato esse que, na época, ocasionou a saída de Anísio Teixeira do cargo de Secretário de Educação e Cultura, assim como o pedido de demissão de alguns diretores da UDF, em apoio ao companheiro.

Dessa forma, a ‘Revolta de 1935’ era uma boa desculpa que favorecia a implantação do regime de exceção. Entretanto, “[...] havia ainda uma Constituição; o Congresso funcionava; a imprensa gozava de certas liberdades [...]” (Basbaum, 1976, p. 88), sendo necessária uma estratégia com um grande poder de persuasão para justificar o cerceamento da liberdade democrática. Iniciou-se, assim, a preparação do golpe, com a indicação de Francisco Campos pelo Presidente, a fim de elaborar uma nova Constituição, fomentada de maneira a favorecer as intenções de Vargas, dentro das novas correntes e princípios fascistas (Basbaum, 1976).

Para coroar o golpe, surgiu um controverso documento que ficou conhecido como ‘Plano Cohen’ (Basbaum, 1976), que continha um projeto detalhado de revolução comunista no Brasil e que seria apoiado pela União Soviética. Esse documento, porém, era uma fraude, engendrada pelos “[...] grupos reacionários fascistas e fascistizantes do governo [...]”, para “[...] preparar o ambiente necessário à implantação do ‘continuísmo’ e da ditadura [...]” de Getúlio Vargas (Basbaum, 1976, p. 95, grifo do autor).

Nesse clima de medo e insegurança que assolava o país, era anunciada, em 30 de dezembro de 1937, no jornal Correio da Manhã, a indicação de Alceu Amoroso Lima, para exercer o cargo de reitor da Universidade do Distrito Federal (O novo Reitor da Universidade..., 1937). No período da fundação da UDF, o intelectual católico posicionou-se contrário à iniciativa de Anísio Teixeira, porque considerava essa instituição um perigo para a sociedade brasileira, visto que Teixeira anunciava a contratação de diretores e professores defensores do ensino laico, que não escondiam “[...] suas ideias e pregações comunistas” (Mendonça, 2002, p. 115). O novo reitor foi uma peça importante para que Capanema obtivesse êxito na extinção da Universidade.

Fonte: O novo Secretário de Educação e novo Reitor (1938, p. 3).

Figura 1 Fotografia da posse de Paulo Assis Ribeiro e de Alceu Amoroso Lima na presença das autoridades do governo Vargas. 

Nessa fotografia (Figura 1), visualizamos o momento solene da investidura nos cargos públicos de Secretário de Educação e Cultura e o de Reitor da Universidade do Distrito Federal. O enquadramento privilegia a posição das autoridades. Em primeiro plano, verifica-se Paulo Assis Ribeiro, curvado, assinando o termo de posse. Ao seu lado esquerdo, encontra-se Alceu Amoroso Lima, e, ao lado deste, encontra-se Henrique Dodsworth, Prefeito do Distrito Federal. Não foi possível identificar os outros homens presentes na cena, provavelmente eram as autoridades públicas mencionadas na matéria. A imagem registra a mudança do comando das instituições responsáveis pela ‘Educação e Cultura’ do Distrito Federal, configurando-se como uma representação simbólica do novo poder instituído.

Alceu Amoroso Lima e Paulo Assis Ribeiro divergiam completamente do que foi implementado na gestão de Anísio Teixeira, conforme discursos de ambos, apresentados no jornal Correio da Manhã de 1938. Para eles, era necessário um reajustamento da Universidade, moralizando-a, a fim de que se atendessem aos novos objetivos e às novas necessidades imediatas do governo.

‘Aqui estou - vencendo só Deus sabe que mundo de resistências interiores - pra servir a um amigo, à minha cidade, e, se for possível, à causa da inteligência’.

‘Ora, uma Universidade, é, antes de tudo, uma disciplinadora da inteligência’. O que o Estado faz com a ordem jurídica, deve a Universidade fazer com a ordem, intelectual, isto é, operar como tanto gostam de dizer os pensadores alemães, a passagem do caos ao cosmos.

‘Pois bem, por ordem nas inteligências é a primeira condição para por ordem nas ruas. Esta só garante aquela, quando é sua consequência’. De outra forma, é uma garantia exterior e não profunda, mecânica e não, como deve ser, orgânica. Ora, não é a ordem ocidental que falta ao mundo moderno e ao nosso Brasil também, e sim a ordem essencial, a hierarquia substancial dos valores. E para dá-la, nenhuma instituição cultural supera a Universidade (O novo Secretário de Educação e novo Reitor, 1938, p. 3, grifo do autor).

Nesse fragmento do discurso, é possível verificar a intenção de Alceu em mudar completamente o caráter da Universidade do Distrito Federal, a qual foi criada por Anísio Teixeira com o princípio de liberdade de pensamento e de crítica, unindo ciência e democracia, objetivando disseminar uma mentalidade científica pautada em princípios democráticos. O intelectual católico compreendia a Universidade como uma instituição comprometida em disciplinar a inteligência, ou seja, em conformar a mentalidade de acordo com as regras morais dos valores das tradições, limitando a liberdade de pensamento. Na verdade, a reformulação que sofreria a Universidade transformaria essa instituição numa entidade contrária ao que Teixeira pregou como ideal de ensino superior, combatendo a ideia de “[...] que a Universidade poderia existir, no Brasil, não para libertar, mas para escravizar. Não para fazer marchar, mas para deter a vida [...]”6.

No discurso de posse, Alceu, ao mencionar a Universidade do Brasil, não poupou elogios ao ministro Gustavo Capanema e ao reitor Leitão da Cunha, corroborando o projeto universitário do amigo, afirmando que a referida instituição seria a pedra fundamental da organização da cultura brasileira. Ainda a esse respeito, ele afiança:

Na hora em que a Universidade do Brasil - fruto da tenacidade espantosa e da flama criadora do ministro Gustavo Capanema e sob a direção de uma figura extraordinária de educador e de administrador como é a do seu Reitor Magnífico, o prof. Leitão da Cunha - na hora em que ela vem corporificar o ideal de um século de formação cultural brasileira e responder como eco longínquo o apelo patético de Cairú em 1828, não é demais que em torno dela e à sua sombra, ou antes à sua luz, outras instituições como esta venham também crescer e prosperar. É nas constelações, mais que no isolamento, que as estrelas mais límpidas refulgem. ‘E esta Universidade, longe de se diminuir, só se sente dignificada, prestando decidida homenagem de lealdade e de fidelidade à Mater Universitatum do Brasil’ (O novo Secretário de Educação e novo Reitor, 1938, p. 3, grifo do autor).

Todo o discurso é encaminhado para relegar a UDF a uma posição secundária em relação à UB, na qual a primeira deveria estar à sombra da segunda, ou melhor, ‘antes a sua luz’ não deveria ofuscar o brilho do projeto de Capanema, porque, mesmo a UDF sendo parte da constelação das instituições de ensino superior, ela era uma estrela de pequena grandeza, e a Universidade do Brasil foi criada para ser a ‘Sirius’, a estrela mais brilhante do céu noturno; como bem coloca Alceu em latim, a ‘Mater Universitatum do Brasil’, isto é, a UB seria a Universidade-mãe, devendo coordenar todas as outras.

Alceu Amoroso Lima conclui seu discurso da mesma maneira que o iniciou, suplicando a Deus para que o auxiliasse naquela incumbência tão penosa, a qual ele enfrentava com muita fé, mas não confiando no Deus dos filósofos, e sim no Deus bíblico, como é possível conferir a seguir:

Que Deus a Ele me encaminhe e me ampare. Não o Deus dos filósofos, mas o Deus vivo de Abraão, de Isaac e de Jacob, que disse depois a todos os homens e a todos os tempos: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’ (João 14-6). ‘E Ele é a verdadeira medida da inteligência humana e portanto das instituições que a cultivam. De modo que no pórtico desta pequena Casa do Saber, são meus votos que se gravem, não apenas por um tempo, mas para sempre, estas palavras que resumem toda a sabedoria: Timor Domini principium sapientie (Prov. 1-7)’ (O novo Secretário de Educação e novo Reitor, 1938, p. 6, grifo do autor).

Verifica-se que o novo reitor da UDF pretendia organizá-la tendo como base princípios espirituais ligados ao credo católico, com a finalidade de combater o conhecimento que gerava dúvida sobre a existência de Deus e que buscava na Ciência explicações para os fenômenos naturais e sociais. Para Alceu, era impossível cultivar o saber sem o temor a Deus, porque, na sua acepção, Ele é o princípio da sabedoria que deveria orientar a inteligência humana e, por consequência, as instituições criadas pelos homens, como bem expressou no fragmento bíblico em latim: Timor Domini principium sapientie.

O processo de desmantelamento da Universidade do Distrito Federal inicia-se bem antes da posse de Alceu de Amoroso Lima como reitor. Uma das medidas do governo federal que muito prejudicou o bom funcionamento da Universidade foi o Decreto-Lei nº 24, de 29 de novembro de 1937, o qual impossibilitava “[...] a acumulação de funções ou cargos públicos remunerados da União, dos Estados, bem como de uma e outra dessas entidades, qualquer que seja a forma de remuneração” (p. 23.672).

As medidas para enfraquecer a UDF são intensificadas quando Alceu já estava à frente da reitoria da Universidade. Na matéria do jornal Correio da Manhã, de 12 de janeiro de 1938, cujo título é Elevado número de exonerações na Prefeitura (1938, p. 12), é possível conferir os nomes dos funcionários exonerados numa extensa lista assinada pelo prefeito Henrique Dodsworth. Nessa listagem, encontram-se os nomes de muitos professores da Universidade. Essa seria uma alternativa para o novo reitor afastar de seu caminho aqueles professores indesejados, simpáticos às ideias ‘comunistas’. Tal medida acarretou inúmeros transtornos:

A propósito dessa lei, observa-se que ela representou, de imediato, prejuízo para a formação de pesquisadores, uma vez que excelentes professores e pesquisadores ficaram fora da UDF, restringindo-se as possibilidades de experiência e de trabalhos de campo (Fávero, 2004, p. 157).

Logo em seguida, como foi prometido no discurso de posse de Alceu de Amoroso Lima, é sancionado o Decreto municipal nº 6.215, de 21 de maio de 1938, que reorganiza a Universidade do Distrito Federal, conferindo um novo caráter à instituição:

[…] Suas Escolas passaram a se chamar Faculdades. A Escola de Educação, responsável pela formação de professores primários e secundários, foi retirada do Instituto de Educação e transformada em Faculdade de Educação, restando ao Instituto as escolas secundária, primária e o jardim de infância. Dessa maneira, ia se desmantelando a estrutura do projeto de formação de professores implementado por Anísio Teixeira e sua passagem pela Secretaria de Educação do Distrito Federal (Lopes, 2009, p. 63).

As modificações ocasionadas pela legislação possibilitaram uma interferência católica na dinâmica da instituição. As ações de Alceu convergiam com suas ideias explicitadas anteriormente, segundo as quais Deus era o “[...] princípio da sabedoria [...]”, a “[...] verdadeira medida da inteligência humana e, portanto, das instituições que a cultivam” (O novo Secretário de Educação e novo Reitor, 1938, p. 6)7. Na exposição de motivos para a reorganização da Universidade que acompanham o referido decreto, ele argumenta que o papel da instituição universitária deveria ultrapassar as questões relativas à produção e à divulgação do conhecimento com bases científicas:

Não é possível conceber a Universidade como simples ponto de fornecimento de conhecimentos unicamente destinados ao desenvolvimento intelectual dos seus alunos; impõe-se aquele desenvolvimento harmônico e integral, visado na reorganização, a fim de que a Universidade seja realmente ‘universal’, abrangendo os aspectos religioso, moral, intelectual e físico de personalidade (Decreto municipal nº 6.215, 1938, p. 24, grifo do auto).

Ao reformular os currículos dos cursos, incluiu disciplinas de caráter filosófico, para favorecer a intervenção dos agentes da Igreja Católica na Universidade, com o intuito de disciplinar a inteligência dentro de um viés conservador:

No início de 1938, os cursos da UDF tiveram seus currículos reformulados para incluir mais cadeiras de cunho filosófico: Introdução à Filosofia, História da Filosofia e Ética, etc. Comentou um entrevistado que ‘isso foi mais uma concessão à igreja Católica’, já que, nesse campo, possuíam os padres e professores de formação católica, estudos mais aprofundados e, por essa razão, levavam, de regra, vantagem sobre os não-católicos no Brasil. No ano de 1938 figuram como catedráticos de filosofia da UDF os seguintes professores: Padre Maurilo T. Leite de Penido, José Barreto Filho e Reinholdt J. A. Berge. O adjunto contratado foi Álvaro B. Vieira Pinto (que, segundo as referidas informações, era, na época, simpatizante do movimento integralista e amigo de San Tiago Dantas e Alceu Amoroso Lima (Vincenzi, 1986, p. 46).

Fávero (2009) afiança que a modificação sofrida pela UDF em decorrência do Decreto nº 6.215, de 21 de maio de 1938, alterou completamente o projeto original de Universidade concebido por Anísio Teixeira, porque mudou a proposta dos cursos; instituiu o sistema de cátedra; limitou a composição e a participação no Conselho Universitário, restringindo a atuação, nesse órgão, apenas aos diretores dos Institutos Universitários mediante a presidência do reitor. Antes, o Conselho Universitário era organizado de maneira mais democrática, como se pode conferir a seguir:

[…] pelos diretores dos Institutos Universitários; por um delegado da congregação de cada Instituto; por um representante dos docentes livres dos Institutos Universitários; por três representantes das Instituições Complementares e por dois representantes dos alunos da Universidade (Fávero, 2009, p. 37).

Verifica-se que a Universidade do Distrito Federal perdeu a sua principal característica, a de liberdade de pensamento e de crítica. Alceu Amoroso Lima não permaneceu muito tempo no cargo de reitor, apenas oito meses, mas foi tempo suficiente para destruir o que ainda restava das ideias de Anísio Teixeira, preparando o terreno para que Capanema articulasse o desmonte da UDF.

Antes da saída de Alceu do cargo de reitor, já se articulava como deveria ser o fim da UDF. A trama não foi tecida em segredo, os rumores ganharam as páginas de jornal. O Correio da Manhã, do dia 29 de julho de 1938, divulga uma reportagem sobre ‘A incorporação da Universidade do Distrito Federal pela Universidade do Brasil’, a qual apresenta posições divergentes entre o secretário de Educação e Cultura e o diretor do Departamento de Educação da Municipalidade, como se pode verificar nos argumentos das autoridades:

O Sr. Paulo de Assis Ribeiro, segundo afirmou, é contrário, em princípio, à fusão. Se ela é pleiteada apenas com o argumento de que cabe ao Governo Federal ministrar a educação universitária, não vê nesse fundamento, base sólida para que o fato se concretize. O secretário de Educação e Cultura cita o exemplo de grandes nações, em que o problema foi encarado de forma diversa e onde as instituições universitárias se tornaram organizações nacionais, mantidas, entretanto, pela iniciativa particular, sendo o governo central como órgão supletivo, lembrando os casos da França, dos Estados Unidos e outras nações e acentuando que apenas outro país no mundo se assemelha, em organização, ao Brasil: o Egito (A incorporação da Universidade do Distrito Federal pela Universidade do Brasil, 1938, p. 2).

Já o diretor do Departamento de Educação da Municipalidade não era contrário à ideia da incorporação da UDF pela UB, tendo em vista que,

Atendendo a um dos problemas do ensino secundário que é a falta de professores de carreira e que, para formação destes, são indispensáveis faculdades, como as de Educação, Ciências, Letras e Filosofia, que ainda não existem na Universidade do Brasil, acho razoável a transferência que se pretende, embora reconheça que iniciativas do tipo das realizadas pela Prefeitura podem caber aos poderes locais, como até a (A incorporação da Universidade do Distrito Federal pela Universidade do Brasil, 1938, p. 2).

Apesar das divergências entre as autoridades da Municipalidade, ambas concordavam que a fusão das Universidades não se justificava apenas pelo fato de o ensino superior ser de responsabilidade do Governo Federal, considerando as experiências internacionais, e até mesmo o caso de São Paulo; reconhecem, assim, a competência da Prefeitura em manter uma instituição universitária, o que demonstra que a referida medida era mais um caso de satisfação dos anseios do ministro Gustavo Capanema do que propriamente uma solução realmente necessária.

Com a saída de Alceu Amoroso Lima da reitoria da UDF, o cargo é assumido por José Baeta Vianna, que dá prosseguimento às atividades da Universidade como se não houvesse nenhuma ameaça de fusão ou extinção da instituição, como é possível confirmar na Ata da 4ª sessão do Conselho Universitário da Universidade do Distrito Federal (Fundação Casa de Rui Barbosa, 1938, p. 2):

Dando início à sessão diz o Senhor Reitor que sejam as suas primeiras palavras uma homenagem ao ex-reitor - Dr. Alceu Amoroso Lima, pelos relevantes serviços prestados à Universidade do Distrito Federal e lamenta profundamente que atendendo a motivos particulares se houvesse afastado do nosso convívio. Diz ainda que para terminar a reorganização da Universidade e sua instalação definitiva no edifício da Avenida Vinte e Oito de Setembro, pedia a colaboração e boa vontade dos senhores diretores.

Ainda que houvesse rumores sobre o fechamento da UDF, noticiados, inclusive, nas páginas dos jornais, as discussões sobre a continuação da sua reorganização são retomadas normalmente, dando a entender que os responsáveis pela Universidade não acreditavam que a instituição viesse a ser fechada. Nessa sessão, discutiram-se o anteprojeto de Regimento Interno do Conselho Universitário, a elaboração dos Estatutos da Universidade e a necessidade de revisão dos currículos dos cursos das Faculdades e dos Institutos.

Mesmo com a saída de Alceu, porém, não houve uma retomada dos princípios democráticos de ampla participação da comunidade acadêmica nas decisões referentes à organização da Universidade. Na quarta sessão ordinária do Conselho Universitário, já mencionada, é discutido o projeto de Regimento Interno do Conselho Universitário, e uma das sugestões de parágrafo objetiva garantir a participação dos alunos para expor e defender suas ideias no Conselho. O reitor se manifesta contrário, alegando que os alunos não tinham maturidade suficiente para defender um ponto de vista, o que poderia acarretar uma situação constrangedora e atrapalharia as sessões do Conselho. Talvez, temessem o que ocorreu nas Escolas Técnicas Secundárias, com a implementação do self-government, medida que proporcionou uma postura questionadora dos estudantes e ocasionou muita confusão (Nunes, 2000). O único membro que se manifestou a favor da participação dos estudantes foi Mário de Andrade:

O senhor diretor do Instituto de Artes declara expor um ponto de vista pessoal, inteiramente favorável à representação de alunos, apesar de os embaraços que possam criar aos trabalhos do Conselho, pois isso constitui um dos modos de educar os moços, dando-lhes oportunidade de defender os seus interesses com responsabilidade (Fundação Casa de Rui Barbosa, 1938, p. 3).

A atitude de Mário de Andrade diante da situação dos alunos denota a sua postura progressista e o seu apreço pela democracia. Esse fato sugere que, apesar das intervenções antidemocráticas que ocorreram na Universidade, ainda existia uma maior autonomia no Instituto de Artes resguardada pelo seu diretor. O que foi confirmado no depoimento de Héris Guimarães, quando ela fala do clima de liberdade de pensamento que existia no IA da UDF:

A gente saía de lá com uma cultura geral. Abordavam-se os assuntos todos, não de uma maneira polêmica, mas de uma maneira inteligente. Uma maneira de checar e tirar a prova dos nove, sabe como é? Vale ou não vale, serve ou não serve, não serve para isso e por aquilo. Então a maneira de abordar não era teórica, mas mostrava a prática das coisas dentro do Brasil. Não quer dizer com isso que iria sair uma revolução ali de dentro. Absolutamente. Todo mundo era de paz (Guimarães, 1983, p. 45).

Mesmo que não houvesse a intenção de promover uma revolução profunda, mas sim o propósito de despertar o senso crítico dos alunos, as práticas no Instituto de Artes eram malvistas, especialmente pelas pinturas que eram elaboradas ali com acentuada crítica social, por não reproduzirem os padrões hegemônicos de representação, e também pelo fato de o Instituto manter em seu quadro docente professores simpatizantes do regime comunista, como é o caso de Portinari e Landucci. Este último foi perseguido pelos acadêmicos por ser estrangeiro, chegando a ser preso por seu estilo modernista, como lembra Aldary Toledo:

Naquela época prendia-se porque achava-se que o sujeito era comunista. Fazia esculturas, era italiano, vivia naquela roda de artistas modernos… E ele, como estrangeiro, andava com essa turma toda. Já viu, não é? E muito explorado, também, pelo pessoal acadêmico (Toledo, 1982, p. 39).

Havia um clima de insegurança que afligia todos aqueles que tinham um pensamento mais progressista, mesmo que não fossem realmente adeptos às ideias socialistas, porque, nesse período, a onda de perseguições e prisões acentuou-se com a ajuda, principalmente, dos integralistas:

A febre de prisões que havia amainado um pouco nos começos de 1937, reacendeu-se com mais violência. Os integralistas organizavam desfiles, passeatas, ameaçando comunistas, democratas, antifascistas com castigos ‘implacáveis’, aterrorizando a população (Basbaum, 1976, p. 97, grifo nosso).

O Instituto de Artes, por ser uma instituição que reunia em seu corpo docente uma quantidade significativa de artistas modernistas considerados subversivos, também sofreu acusações de ser um lugar de ‘comunistas’. Aldary Toledo (1982), ao relembrar esse período, quando estudava Pintura na UDF e Arquitetura na ENBA, conta que os acadêmicos insultavam os artistas modernistas, chamando-os de ‘comunistas’:

O mínimo que conseguiam dizer é que eram os comunistas. Achavam que quem fazia qualquer tipo de arte moderna era comunista. Sair daqueles padrões determinados […] Era subversivo, eram comunistas. E nesse clima é que estudei arquitetura (Toledo, 1982, p. 16).

Não eram somente essas acusações de ser um espaço de comunistas que atrapalhavam o bom andamento do Instituto de Artes. As modificações realizadas por Alceu Amoroso Lima na estrutura da UDF limitaram as atribuições do IA, uma vez que concentraram toda a parte pedagógica da formação de professores secundários na Faculdade de Educação, impossibilitando uma maior participação de outras Faculdades e Instituto, no que tange ao magistério. Isso provocou estranhamento e disputas internas, especialmente no Instituto de Artes.

A arte moderna tida como ‘comunista’

De acordo com Mauad (1996, p. 11), a fotografia permite “[...] penetrar na privacidade da memória através dos retalhos do cotidiano nele contidos [...]”. A imagem como um texto comunica mensagens não verbais que podem ser decodificadas a partir de sua análise, o que exige do pesquisador um olhar atento para compreender o contexto e as intenções de sua produção, tendo consciência de que a fotografia não é o mero analogon da realidade, mas sim a sua representação carregada de intencionalidades. Na imagem a seguir (Figura 2), visualizamos os estudantes do curso de Pintura em ação no ateliê do Instituto de Artes. O registro, entretanto, apresenta mais do que a rotina das aulas ministradas por Candido Portinari, talvez expresse uma tentativa de demonstrar que o ensino ali ministrado estava pautado numa linguagem moderna, revelando, assim, um determinado momento da arte brasileira.

Fonte: Projeto Portinari - PUC-Rio (1936) (2019).

Figura 2 Alunos de Portinari na aula de pintura com modelo vivo, na Universidade do Distrito Federal: Héris Guimarães, Diana Barbéri, José Ribeiro de Souza, Ignez Correa da Costa, Rubem Cassa e Aldary Toledo. 

A fotografia retrata sete pessoas, seis alunos e uma modelo, organizados de uma maneira em que é possível enxergar todos os estudantes pintando a dama que está sendo representada nas telas. Ao aproximar-se bem da imagem, constata-se que a pessoa exposta é uma mulher negra nua. O modo como ela está posicionada e a maneira como os pintores vão elaborando a sua forma nos quadros sugerem que estão representando uma musa. As musas são sinônimo de ideal de beleza e feminilidade. Retratar uma mulher negra dessa maneira, portanto, era algo muito ousado para a época, uma vez que o racismo era latente e ainda existia um conceito rígido de beleza, pautado nos valores aristocráticos da sociedade brasileira.

Esse tipo de representação sempre foi dedicado às mulheres brancas e refinadas em suas posturas e gestos. Inverter essa lógica era uma maneira de exaltar a beleza negra e mestiça típica do Brasil, mostrando o encanto feminino da mulher do povo, valorizando corpos antes renegados pelo preconceito e discriminação. É importante mencionar que a prática de representar pessoas negras foi uma característica que, de certa forma, predominou entre os artistas modernistas, como é possível observar nas obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Anita Malfati, Lasar Segall, Sylvia Meyer e o próprio Portinari.

Ao se observar essa fotografia e articular com o que Héris Guimarães (1983) salientou em seu depoimento, sobre os temas que pintavam nas aulas de Candido Portinari, podemos inferir que o ensino de pintura no Instituto de Artes estava comprometido com as questões sociais, não só para denunciar as desigualdades e a pobreza das camadas subalternas, mas para expor, também, os encantos das classes populares, integrando naturalmente o povo, a arte e a cultura.

Fonte: Projeto Portinari - PUC-Rio (1936) (2019).

Figura 3 Recorte da imagem em análise, o qual apresenta a aluna Ignez Correa da Costa, pintando a modelo. 

Nesse fragmento da imagem apresentada (Figura 3), no qual a aproximação permite enxergar de forma mais nítida a pessoa retratada, visualiza-se a aluna Ignez Correa da Costa, pintando a modelo, e, a partir da observação das suas características físicas, constata-se que é de fato uma mulher negra, nua, posicionada numa paisagem que remete a um jardim, assemelhando-se a uma representação de Vênus. Mesmo a pintura não apresentando nenhuma erotização, essa obra, naquele contexto reacionário e conservador, certamente seria considerada como um ultraje pelas ‘famílias de bem’.

Ao se observar a fotografia do curso de pintura, percebe-se que a aula acontecia num ambiente amplo e arejado, no qual os estudantes estão à vontade para proceder o trabalho de observação e criação de suas obras. Na parte superior da imagem, aparecem algumas telas que expressam um conteúdo artístico decorrente da realidade dos trabalhadores e pessoas comuns em cenas do cotidiano brasileiro, o estilo das obras se assemelha aos trabalhos realizados por Portinari. Não foi possível identificar a autoria dessas obras, fato que sugere algumas questões: caso as pinturas sejam de Portinari, será que eram utilizadas como modelos a serem seguidos pelos estudantes? Ou será que as ideias do mestre influenciaram tanto os seus pupilos a ponto de eles produzirem obras no mesmo estilo artístico?

Ao observarmos as telas produzidas pelos alunos, verificamos que o nu trabalhado nos cavaletes é muito mais próximo do estilo naturalista do que do modernismo. Talvez isso aconteça devido à maioria dos estudantes ter tido uma passagem pela ENBA e ainda carregarem consigo a influência do academicismo.

Fonte: Projeto Portinari - PUC-Rio (1936) (2019).

Figura 4 Aproximação e recorte da imagem de uma das telas que aparecem na parte superior da fotografia. 

Nota-se, nesse fragmento da fotografia examinada (Figura 4), uma cena típica do contexto dos trabalhadores brasileiros das cidades litorâneas, representando pescadores dentro de um barco, remando. Pelo modo como são apresentados os componentes dessa cena, constatamos não se tratar de uma obra naturalista, mas uma obra que remete à realidade sem a pretensão de ser um registro naturalista dela. Na obra, predominam as linhas retas, e os corpos humanos são reduzidos a formas geométricas. Também não é possível enxergar os seus rostos, revelando a tendência artística moderna, não só no conteúdo social exposto na tela, mas também pela forma como a obra foi construída, salientando as deformações das pessoas retratadas.

Fonte: Projeto Portinari - PUC-Rio (1936) (2019).

Figura 5 Aproximação e recorte da imagem de uma das telas que aparecem na parte superior da fotografia. 

Nessa tela (Figura 5), representam-se populares, uma aglomeração de pessoas diante de um homem negro sobre um palanque, que parece proferir um discurso. A multidão, constituída de pessoas do gênero masculino, aparenta estar agitada. Não é possível identificar verdadeiramente o que se passa na cena. No entanto, devido aos depoimentos dos ex-alunos do Instituo de Artes sobre o caráter social do ensino de pintura na instituição, nos quais há a afirmação de que foram influenciados pela ‘filosofia da Universidade’, e que o ensino de Arte “[...] era muito voltado para a pobreza, para aqueles que sofrem” (Guimarães, 1983, p. 47), pode-se levantar alguns questionamentos. Será que esse quadro retrata uma reunião de comando de greve? Ou trata-se de alguma manifestação política das massas questionando o governo instituído? Os desenhos das figuras humanas são tortuosos e estão justapostos de tal maneira que dão a impressão de uma multidão alvoroçada.

Fonte: Projeto Portinari - PUC-Rio (1936) (2019).

Figura 6 Aproximação e recorte da imagem de uma das telas que aparecem na parte superior da fotografia. 

A obra acima (Figura 6) tem como plano de fundo uma paisagem que remete aos morros cariocas e retrata uma mulher negra com uma criança, aparentando uma mãe com um filho, assemelhando-se a uma Madonna8 (2019). As Madonnas, na iconografia da arte cristã, representam a ‘Virgem Maria mãe de Jesus’, em pinturas e esculturas. Essas obras geralmente buscam ressaltar o caráter sagrado da maternidade, posicionando a mulher como um ser glorificado que tem o dom de trazer a vida à terra, sendo enaltecida por ter sido uma mulher a carregar em seu ventre o filho de Deus. Assim, naquela época, exprimir na tela a figura de uma mulher negra com uma criança, valorizando suas qualidades maternas, era algo atrevido e inovador, porque se humanizava essas personagens marginalizadas e acusadas de serem a origem dos problemas sociais pela aristocracia brasileira que muito lucrou e construiu suas riquezas explorando o trabalho de seres humanos escravizados.

Fonte: Projeto Portinari - PUC-Rio (1936) (2019).

Figura 7 Aproximação e recorte da imagem de uma das telas que aparecem na parte superior da fotografia. 

Nessa obra (Figura 7), também vemos uma mulher negra, sentada em posição de autoridade, vestida de forma elegante, usando um colar, o que lembra uma grande dama. Segundo Miceli (1996), a produção retratística, nesse período, era de domínio das elites brasileiras, que utilizavam as representações de si mesmas como forma de demonstrar o seu poder e prestígio social. A ampla divulgação dessas imagens garantia maior influência nos diferentes setores da sociedade brasileira. Ainda, segundo o autor:

Nestas condições, os retratos têm muito mais a dizer sobre os retratados do que eles mesmos teriam imaginado, constituindo um espaço estratégico de negociação de todo um repertório de atributos e desqualificações, de deveres e poderes, de presenças e ausências, de máscaras e parentescos, a imagem final tomando em meio a tais transações (Miceli, 1996, p. 23).

O ato de representar uma mulher do povo, conferindo-lhe uma aura de autoridade e prestígio social, pode ser compreendido como uma maneira de os artistas modernistas desconstruírem a imagem negativa da população negra e mestiça, manchada na História pelos padrões eurocêntricos dominantes impostos e pela desvalorização cultural. Embora façam isso atribuindo à retratada característica da burguesia, presentes em sua vestimenta e gestos na composição do quadro, conjectura-se que a intenção era dar visibilidade positiva a esse segmento da sociedade.

É fato que as escolas de arte sempre contaram com uma diversidade de modelos, homens ou mulheres, jovens, velhos, negros ou brancos, e que dada as condições de fragilidade socioeconômica das pessoas negras, nesse período, é possível que os modelos negros fossem mais acessíveis. Todavia, ao verificar nos depoimentos dos ex-alunos de Portinari que o artista tinha uma preocupação com as causas sociais, creio que havia o desejo, sim, de dar visibilidade às camadas populares, não somente denunciando as desigualdades sociais, mas também valorizando a cultura desses segmentos marginalizados, especialmente na representação de pessoas negras de forma positiva, e isso estava na contramão da política de construção da identidade nacional do período. Segundo Silva (2017), na década de 1930, ainda predominava a política de branqueamento9 no Brasil, reforçada pelo conceito de ‘democracia racial’ formulado por Gilberto Freyre (apud Silva, 2017), o qual buscava representar uma narrativa identitária que negava a existência do racismo e mobilizava estratégias de branqueamento da população. A estratégia de branqueamento objetivava refutar a contribuição dos povos negros, considerados inferiores culturalmente, para incutir neles os valores nobres dos ditos ‘brancos’, tendo como ponto de referência a Europa. Assim, a miscigenação era considerada uma forma de redenção nacional.

Ao observarmos as imagens das pinturas, verificamos que havia uma preocupação de promover o diálogo entre a Arte Moderna com temáticas da cultura clássica e/ou renascentista. Creio que é possível conferir isso na representação das musas, vênus e madonas das obras. O diálogo da Arte Moderna com a tradição é característica marcante na poética de alguns artistas modernistas brasileiros, como é o caso de Vicente do Rego Monteiro, que fez uma releitura da obra de Pietá (1499) de Michelangelo marcada pela estética cubista, com grande geometrização e tratamento escultórico das formas e figuras.

Vale ressaltar que a fotografia analisada foi produzida em 1936, período com um pouco mais de liberdade para os artistas, antes da efetivação do Estado Novo, em 1937. A ação dos pintores em movimentar os pincéis, formando um retrato da realidade social brasileira, posicionando os excluídos e os marginalizados como personagens centrais das obras artísticas, constituía-se numa crítica social pictórica contundente e audaz, porque nessa época o poder político buscava enaltecer o país, escondendo as suas mazelas. Assim, retratar o povo seria uma forma de divulgar suas contribuições, tornando-o visível, reconhecendo a importância da cultura popular para a vida social da nação.

Compreende-se, assim, que o que se fazia no Instituto de Artes era algo muito corajoso e audacioso. Portinari, segundo seu amigo Jayme de Barros (1983), foi um artista que procurou desenvolver o seu trabalho de maneira a denunciar a desigualdade social de forma mais viva e mais humana, a fim de provocar a reflexão e modificação daquele quadro social tão angustiante. O amigo, ao lembrar-se do posicionamento do pintor, afirma:

Era uma coisa muito extravagante para os outros porque na realidade o que procurava, na época, era esconder toda essa miséria, esses aspectos desagradáveis, chocantes da vida brasileira. E Portinari trouxe tudo isso à luz, ao sol, achando naturalmente que era uma maneira de procurar redimir essa gente; redimir esse sofrimento de uma parte da população do Brasil, que vivia massacrada, espoliada, faminta, maltrapilha. Era uma maneira de mostrar às pessoas que havia necessidade de tentar, pelo menos, modificar esses aspectos da vida social brasileira; que não era possível que o mapa do Brasil continuasse com essas manchas negras, que até hoje ainda existem (Barros, 1983, p. 40).

Cabe problematizar, porém, que a fotografia apresentada como registro do momento em que Candido Portinari foi professor do Instituto de Artes da UDF é carregada de intencionalidades. A maneira como os estudantes estão dispostos também denota o desejo de demonstrar que as aulas aconteciam de maneira harmoniosa e em um ambiente organizado e propício à criação artística. Nota-se, do mesmo modo, o deslocamento da figura do professor do lugar central da relação pedagógica, buscando mostrar os docentes e os alunos numa relação dialógica, especialmente nas fotos em que se encontram os referidos professores e os estudantes, sendo uma tentativa de validar a ideia de um clima de liberdade. Contudo, observa-se também que a organização da sala de aula é feita de maneira tradicional, com os estudantes posicionados de maneira posada com a imagem de uma ordem e limpeza dos uniformes. Ao tomarmos a metodologia tradicional do exercício praticado pelos alunos, em que todos trabalham a partir de um modelo único imposto, admite-se que não havia tanta liberdade de criação. Nesse sentido, é possível inferir que a fotografia encontrada no Projeto Portinari PUC-Rio se constitui em um esforço de construir uma memória positiva da curta existência do Instituto de Artes da UDF, mas não consegue eliminar a ambiguidade de uma visão tradicional de sala de aula, anterior ao modernismo.

Considerações finais

O fim da UDF foi ocasionado não apenas pela vontade do ministro Gustavo Capanema de legitimar o seu projeto universitário. Por meio da documentação analisada, é possível afirmar que o que acontecia dentro da instituição era considerado um perigo para o governo instituído e para os setores conservadores da sociedade, especialmente pelo que se praticava dentro do Instituto de Artes. A Arte Moderna foi considerada subversiva, por tratar, nas telas, de questões sociais que afligiam o Brasil, bem como por promover a experimentação de novas técnicas artísticas e romper com os padrões instituídos de representação, como foi possível conferir no depoimento dos ex-alunos. Assim, constata-se que a Arte e a Cultura são sempre atacadas quando promovem crítica e reflexão.

Apesar da dimensão subversiva da Arte Moderna, é importante considerar que o Estado e os artistas modernistas fizeram negociações. Segundo Miceli (2001, p. 197), os intelectuais e artistas tiveram um papel importante no governo de Getúlio Vargas, eles “[...] assumiram diversas tarefas políticas e ideológicas determinadas pela crescente intervenção do Estado nos mais diferentes domínios de atividade”. Candido Portinari e Mario de Andrade foram figuras importantes que contribuíram para a política cultural do regime Vargas. É possível inferir que a atuação ou a contribuição dessas personalidades do modernismo brasileiro nas instâncias do Estado não consistia em uma adesão religiosa ao regime político, pelo contrário, esses artistas agiram no campo da tática, aproveitando-se da oportunidade de pertencerem a uma instância de poder para, aos poucos, subverterem as regras e buscarem seus objetivos tanto pessoais como políticos, que, nesses casos específicos, seria uma nova maneira de fruir e apreciar arte. Aracy Amaral (2003, p. 11) salienta que é praticamente impossível desenvolver arte fora das estruturas vigentes de poder, porque “[...] as artes visuais vivem do diálogo com o poder e as classes dominantes”.

O Estado varguista necessitava do trabalho dos intelectuais e artistas modernistas para construir a identidade nacional por meio do desenvolvimento da alta cultura do país, sua arte, sua música, suas letras. É importante frisar que houve uma cooptação dos artistas para conferir o sentido de nacionalidade que o governo pretendia imprimir à sua obra, essa cooptação não era uma via de mão única (Gomes, 2000). Ainda que o Ministério da Educação e Saúde - sob a responsabilidade de Gustavo Capanema - se mostrasse favorável às ideias do movimento modernista, o que se pretendia era colocar em prática um programa meramente funcionalista, como uma estrutura de arquitetura tradicional. Não havia identificação com os objetivos mais profundos do movimento que, na concepção de Mário de Andrade, procurava retomar as raízes da nacionalidade brasileira, permitindo “[...] uma superação dos artificialismos e formalismo da cultura erudita e superficial e empostada” (Schartzman, Bomeny, & Costa, 1984, p. 80),

Foi possível confirmar que as práticas artísticas realizadas pelos alunos do Instituto de Artes, especialmente os do curso de pintura, provocaram desconforto para certos setores da sociedade, a ponto de as obras dos alunos terem sido destruídas após o fechamento da instituição. A não incorporação do IA da UDF na UB - sendo apenas os seus cursos parcialmente absorvidos pela Escola Nacional de Belas Artes, a fim de garantir a diplomação dos estudantes - deveu-se ao não interesse do governo em investir na formação de professores secundários de Desenho, Pintura e Música, a fim de distanciar a formação do artista de um viés profissional ligado à indústria, por ser considerado uma arte menor; bem como mostrou-se uma maneira de desarticular uma formação que foi associada a ideias ‘comunistas’ por conta das críticas sociais que os estudantes faziam em suas telas.

Referências

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Rodadas de avaliação: R1: dois convites; duas avaliações recebidas.

Financiamento: Este artigo foi produzido com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ― Brasil (CAPES) ― Código de Financiamento 001. A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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1Após o levante de 1935, o conceito de ‘segurança nacional’ foi convertido à ‘segurança contra o comunismo’, e as ideias de autonomia universitária de Anísio Teixeira foram confundidas como ideias comunistas. A permanência do educador baiano na Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal não era vista com bons olhos pelos grupos ligados ao poder, muito menos pelos educadores conservadores. No dia 1º de dezembro de 1935, Anísio Teixeira solicita exoneração do cargo para proteger o prefeito Pedro Ernesto, o qual o nomeou para função de Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal (Fávero, 2006).

2De acordo com o artigo 7º das Instruções de número 1: o Instituto de Artes, como centro de documentação, pesquisa e irradiação das tendências de expressão artística da vida brasileira, tem por finalidade contribuir para o desenvolvimento das artes e para sua crescente aplicação às atividades econômicas, concorrendo para a formação de professores de artes, instrutores técnicos e artísticos em geral (Decreto municipal nº 5.513, 1935).

3Instruções de nº 10 da Universidade do Distrito Federal. (1936). Acervo Proedes-UFRJ.

4Portinari pintou uma tela no período de 1934 a 1935 com a mesma temática, sendo o título da obra ‘Café’. Com esse trabalho, ele conseguiu menção honrosa na Exposição Internacional do Instituto Carnegie, de Nova York (Pontual, 1969). O sucesso dessa obra lhe garantiu o convite para elaborar muitas outras no mesmo estilo. Acredito que produzir um trabalho como esse com seus alunos seria uma forma de ensinar-lhes o processo de uma obra bem-sucedida, replicando uma experiência significativa.

5O Estado Novo foi um regime ditatorial que marcou a terceira e última fase da ‘Era Vargas’ e que durou de 1937 a 1945 (Basbaum, 1976).

6Discurso pronunciado pelo Reitor interino da Universidade do Distrito Federal, Professor Anísio S. Teixeira, por ocasião da inauguração solene dos Cursos, em 31 de julho de 1935 (Prefeitura do Distrito Federal, 1935, p. 11-24).

7Discurso de Alceu Amoroso Lima, na posse do cargo de reitor da Universidade do Distrito Federal. Recuperado de: www.hemerotecsdigital.bn.br

8Madonna: palavra em italiano que em português significa ‘dama (medieval)’, ‘Nossa Senhora’ ou ‘Virgem com o Menino’ (Madonna, 2019).

9O Branqueamento foi uma ideologia amplamente disseminada entre 1889 e 1914, que pregava o desaparecimento da ‘raça negra’, considerada inferior e símbolo de atraso do Brasil. Acreditava-se que com a miscigenação entre brancos e negros predominariam as características dos primeiros. Os adeptos dessa ideologia consideravam o sangue dos brancos superior ao dos negros, e a miscigenação provocaria inevitavelmente o clareamento das demais raças não brancas (D’Avila, 2006).

Recebido: 09 de Outubro de 2022; Aceito: 01 de Fevereiro de 2023; Publicado: 28 de Julho de 2023

José Roberto Pereira Peres:

Doutor em Ciências Humanas - Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Foi professor substituto de Prática de Ensino de Educação Artística na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é professor de Artes Visuais da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, lecionando no Centro Municipal de Referência de Educação de Jovens e Adultos, bem como é professor de Artes de turmas de ensino fundamental da Fundação Municipal de Educação de Niterói. E-mail: jose.roberto.peres@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-8174-4383

Editor-associado responsável:

Carlos Eduardo Vieira (UFPR) E-mail: cevieira9@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-6168-271X

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