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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 26-Sep-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e291 

Artigo Original

Joaquim Pedro de Alcantara Dourado: o julgamento de um professor da instrução pública (Rio Grande do Sul/século XIX)

Joaquim Pedro de Alcantara Dourado: el proceso de un maestro de educación pública (Rio Grande do Sul/siglo XIX)

Gabriela Portela Moreira1  * 
http://orcid.org/0009-0004-3156-9360

Dóris Bittencourt Almeida2 
http://orcid.org/0000-0002-4817-0717

1Centro Histórico-Cultural Santa Casa, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: gabriela.pmoreira@gmail.com

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: almeida.doris@gmail.com


Resumo

O artigo investiga o percurso de Joaquim Pedro de Alcantara Dourado (1827-1856), professor de Primeiras Letras, na cidade de Rio Grande/RS. Tem-se como documentos correspondências da Instrução Pública, a legislação vigente na época, anúncios na imprensa local e os dois processos judiciais em que Joaquim foi réu, por supostamente ter castigado estudantes de forma imoderada, dentre outras acusações. A pesquisa identificou que a profissão de professor, no século XIX, ainda que carregada de autoridade perante a comunidade, previa que agissem como exemplo de moral e civilidade, impondo um severo regime de comportamento. Também identificou que os castigos escolares foram o principal mote para condenar o professor, embora aspectos de sua conduta tenham corroborado para sua suspensão do serviço público.

Palavras-chave: profissão docente; Instrução Pública; cultura escolar oitocentista

Resumen

El artículo investiga la trayectoria de Joaquim Pedro de Alcantara Dourado (1827-1856), profesor de primeras letras, en la ciudad de Río Grande/RS. Tiene como documentos la correspondencia de la Instrucción Pública, la legislación vigente en la época, anuncios en la prensa local y los dos juicios en los que Joaquim fue demandado, por haber castigado supuestamente a los alumnos de forma inmoderada, entre otros cargos. La investigación identificó que el magisterio, en el siglo XIX, aunque cargado de autoridad ante la comunidad, preveía que actuaba como ejemplo de moralidad y civismo, imponiendo un severo régimen de comportamiento. También identificó que los castigos escolares fueron el principal lema para condenar al profesor, aunque algunos aspectos de su conducta corroboraron su suspensión de la función pública.

Palabras clave: profesión docente; instrucción pública; cultura escolar del siglo XIX

Abstract

The article investigates the career of Joaquim Pedro de Alcantara Dourado (1827-1856), a teacher of First Letters in the city of Rio Grande/RS. The documents analyzed include correspondence from the Public Instruction, the legislation in force at the time, advertisements in the local press and the two lawsuits in involving Joaquim, for supposedly having punished students in an immoderate way, among other charges. It was identified that the profession of teaching, in the 19th century, even if carrying a degree of authority among the community, demanded a strict behavioral code from the teachers, who were expected to act as moral examples of civility for their students. The main reason for the lawsuit against the teacher is understood to be the act of punishment, even though some of his acts have contributed to the condemnation.

Keywords: teaching profession; public education; nineteenth-century school culture

Introdução

Tendo como cenário temporal o século XIX, este artigo investiga os percursos de um professor, regente da Segunda Cadeira de Primeiras Letras de Rio Grande1, município localizado no extremo sul do Rio Grande do Sul. A pesquisa teve início quando se localizou2 uma correspondência enviada ao Presidente da Província, pelo Diretor da Instrução Pública em 11 de setembro de 1854, referente a castigos aplicados pelo professor. Essa ‘história’ logo nos chamou a atenção. Na sequência, identificamos outras tantas correspondências e, novamente, o personagem aparecia envolvido em outras acusações. Quando percebemos, estávamos em busca de mais informações, tendo como fio condutor um nome: Joaquim Pedro de Alcantara Dourado. Como não relacionar à trama narrada por José Saramago, Todos os nomes (2017)? Assim como o protagonista do romance, que perseguia um nome, a fim de localizar o paradeiro de uma mulher, perseguimos o nome do professor em diferentes documentos, buscando vestígios de sua existência.

A documentação consultada indica que Joaquim sofreu dois ‘Processos de Responsabilidade’3, no ano de 1854, por ter ‘castigado imoderadamente’ dois alunos de sua classe. Outros aspectos de sua conduta também foram levantados. Assim, a investigação buscou perscrutar esses acontecimentos que o envolveram judicialmente, debruçando-se sobre as construções das narrativas dos diferentes agentes envolvidos a respeito do ocorrido, considerando as formas como réu, vítimas, testemunhas, juiz, promotor, dentre outros, interpretaram esses atos. Também nos interessa discutir aspectos da cultura escolar oitocentista, tendo em vista as relações presentes nos processos judiciais e a legislação vigente.

A pesquisa com processos judiciais pode proporcionar diferentes olhares para a História da Educação, visto que agentes sociais, como os pais dos alunos, relataram suas impressões sobre as questões da escola. Os pareceres do juiz e do promotor público também ilustram o entendimento que os magistrados tinham da Instrução Pública, em consonância com a legislação. Através do exame dos processos, podemos nos achegar inclusive às manifestações de defesa do professor. Cabe ressaltar que devemos resistir à tentação de acreditar que o processo remonta o que “[...] realmente se passou” (Grimberg, 2015, p. 128). O processo judicial, assim como qualquer documento, comporta representações dos fatos e está permeado pelos protocolos jurídicos e disputas de narrativas. De qualquer modo, constitui-se em uma fonte importante, especialmente tendo em vista as dificuldades de acesso aos vestígios de épocas longínquas. Ainda atentando para esse tipo de documento, sabemos que não cabe ao historiador julgar os fatos do passado. Importa buscar entender as várias versões de um fato e como as narrativas sobre ele são construídas. Para além do julgamento oficial, é preciso entender o discurso criminal que fundamenta as acusações, defesas e sentenças. É preciso levar em conta as “[...] contradições, as incoerências, as mentiras” (p. 128). A autora complementa afirmando que “[...] é justamente na relação entre a produção de vários discursos sobre o crime e o real que está a chave de nossa análise” (Grinberg, 2015, p. 128).

Migalhas de uma vida infame

A ideia de infâmia nos ajuda a refletir a respeito de Joaquim Pedro de Alcantara Dourado, que não ficou conhecido como personagem notável, a despeito de outros professores oitocentistas que obtiveram certo prestígio por seu trabalho, pelos livros que publicaram e pelas escolas onde atuaram4.

O que sabemos sobre esse personagem está atrelado, principalmente, aos processos judiciais movidos contra ele, assim como as poucas correspondências da Instrução Pública que abordam suas atitudes, vistas como condenáveis. Aqui, procuramos trazer aspectos de uma vida singular, uma existência destinada a passar sem rastro. Foucault (2003) refere-se às ‘vidas breves, encontradas por acaso’ que a pesquisa histórica nos permite conhecer. Pensando na infâmia que, em determinado momento, acompanhou sua existência, trazemos aqui a reflexão de Farge sobre processos judiciais do século XVIII. Em suas palavras, “[...] tudo se focaliza em alguns instantes de vida de personagens comuns, raramente visitados pela história” (Farge, 2009, p. 14). São essas migalhas da vida de Joaquim que aqui são discutidas.

Joaquim Pedro de Alcantara Dourado nasceu em 19 de outubro de 1827, filho de João Antonio Dourado e Romana Maria Dourado. Os avós paternos, Manoel Joze Dourado e Maria Francisca Moreira, eram naturais de Braga/Portugal; os avós maternos, Manoel Ferreira da Maia e Maria Angelica do Sacramento, naturais da Bahia5. Joaquim foi batizado na Capela Nossa Senhora do Carmo em Rio Grande, em novembro do mesmo ano, seus padrinhos foram o tio Joaquim Antonio Dourado e Maria Eufrazia, sua esposa6, tendo o padrinho falecido em 1830, sem deixar filhos7. Casou-se com Castorina Candida de Albuquerque, com quem teve três filhos, dos quais localizamos registros: Romana (1853) e Emilia (1855), ambas batizadas em Rio Grande, e um terceiro filho, Rodolpho, do qual não foi localizada a data de batismo8. A data do casamento com Castorina, assim como vestígios dos primeiros anos de sua vida, não foi encontrada. Da mesma forma, há dúvidas sobre sua formação escolar, tanto no que se refere ao Curso de Primeiras Letras como em relação ao prosseguimento dos estudos em aulas de Instrução Secundária9. Mas sabemos que, em 1838, período em que Joaquim teria entre dez e onze anos, Rio Grande já contava com Aulas Públicas de Primeiras Letras, tanto masculinas como femininas10, e talvez ele tenha frequentado a Aula de meninos.

A ocupação portuguesa do Rio Grande do Sul tem seu início onde hoje é o município de Rio Grande. Estrategicamente localizada no litoral sul, foi o ponto central da rede de comércio sulista durante o século XIX, em especial a partir de 1823, com a finalização das obras do cais, e, logo em 1832, já existia um prédio destinado à Alfândega (Altmayer & Carneiro, 2014). Os fatores econômicos contribuíram para a urbanização da cidade, o que influenciou a demanda por instrução. Em 1849, a cidade já dispunha de duas Aulas Públicas de Primeiras Letras para meninos e duas para meninas, além de Aulas de Instrução Secundária. É nesse contexto que nosso personagem atuou como docente. Cabe destacar que muitos comerciantes da cidade tinham seus filhos matriculados na Segunda Cadeira de Primeiras Letras de Rio Grande, sob a responsabilidade do professor Joaquim, e testemunharam os acontecimentos aqui narrados.

Sabemos que Joaquim não chegou a estudar na Escola Normal de Porto Alegre11, tendo em vista que a instituição ainda não existia quando foi admitido no magistério. Sobre o exame de seleção para professor público, entende-se que se tratava de um momento solene, em que Presidente da Província, Diretor da Instrução Pública e mais “[...] três pessoas com conhecimento das matérias que versassem o concurso”12 faziam perguntas aos concorrentes. Após, se fazia a votação de qual pretendente assumiria o cargo de professor13. Os opositores, termo utilizado para referir-se aos candidatos, deveriam apresentar um atestado de boa moral e conduta, fornecidos pelo Juiz de Paz ou Vigário do município de onde residiam14. Joaquim foi aprovado nesse concurso e manteve-se como professor da Aula de Primeiras Letras da Freguesia de Canguçu até fevereiro de 185115, momento de sua transferência para Rio Grande. Para que pudesse assumir a cadeira neste município, novamente se deslocou até Porto Alegre para prestar outro exame.

Antonio Nóvoa (1991, p. 110, grifo do autor), ao analisar as condições de emergência da profissão de professor, a relaciona à constituição de um sistema escolar estatizado, de forma que “[...] tornar-se ‘docente profissional’ significa, em geral, chegar a um posto de ‘funcionário’ na administração pública”. O autor aponta que a intervenção do Estado na educação provoca “[...] uma homogeneização, bem como uma unificação e uma hierarquização à escala nacional, de todos esses grupos” (Nóvoa, 1995, p. 17). Nesse sentido, o Estado forma um “[...] corpo profissional” (Nóvoa, 1995, p. 17) de docentes, ao estabelecer os critérios de seleção, dispostos em lei, e ao efetivar os exames para professores.

Desde 1851, ano em que chegou a Rio Grande, Joaquim anunciou suas aulas particulares na imprensa local16. Conforme o anúncio, se dispunha a ministrar aulas de gramática das Línguas Portuguesa e Francesa, ambas matérias previstas na Instrução Elementar, sendo uma evidência de seus conhecimentos. Cabe ressaltar que, naquela temporalidade, praticamente não existiam prédios escolares, construídos especialmente para esse fim17. Os professores ‘abriam a Aula’ em suas próprias residências ou alugavam uma casa onde a mesma seria estabelecida18, e o valor do aluguel era pago pela Província, mediante atestado da Câmara Municipal19. Para a instalação da Aula, a Diretoria da Instrução, situada na capital, deveria aprovar o orçamento para a compra de utensílios e móveis20, além de enviar os materiais necessários.

Feitas essas considerações acerca do professor e de seu ingresso no magistério público oitocentista, passamos a nos debruçar sobre os processos judiciais que o condenaram à pena de suspensão por um ano do serviço público.

‘Vil e detestado’: uma análise dos processos judiciais

Além dessas análises que envolvem a individualidade do professor, o exame dos processos judiciais permitiu identificar dois aspectos da cultura escolar: os castigos físicos que teriam sido aplicados em dois alunos e, indo além, a conduta de Joaquim como professor público de Primeiras Letras. Suas ações, vistas como condenáveis, nos ajudam a pensar o que era esperado dos docentes, os quais, através de seu exemplo e atuação, deveriam conduzir os estudantes a tornarem-se cidadãos civilizados. Por esse motivo, optamos por trazer palavras usadas na defesa desse professor, que aponta que essas acusações criminosas tornam o acusado um ser ‘vil e detestado’.

Através dos textos da contrariedade e defesa, cuja autoria podemos atribuir a Joaquim, pois são assinados por ele, é possível especular sobre sua expertise em questões jurídicas. Entretanto, não se descarta a possibilidade de que este professor teve alguma espécie de assessoria para a escrita desses textos, pois, em todos eles, sempre se defende e se justifica, fazendo referências ao Código Criminal e outras leis do período, além de citar teóricos do Direito Romano, como Catão. Embora não fosse formado em Direito21, podemos estimar que buscou informações legais e teve acesso a textos clássicos do Direito.

Os dois processos tiveram como causa o possível abuso de castigos aplicados pelo professor em dois alunos, José Maria Gomes, de 12 anos, e Joaquim Bernardino de Sena, de 6 anos. Ambas as investigações ocorreram paralelamente e algumas testemunhas aparecem nos dois processos, dessa forma, utiliza-se o nome desses alunos para identificar a qual processo nos referimos. Importa dizer que o Regulamento da Instrução Pública22, de 1842, que legislava a Instrução Pública Primária no estado, recomenda o uso da palmatória como forma de correção, limitando sua aplicação a ‘doze palmatoadas’. Observa-se, portanto, que o castigo físico permanecia como um recurso legítimo ao professor, desde que não houvesse abuso.

Um processo judicial inicia quando ocorre denúncia de um crime, que deve estar previsto em lei, por meio de um Código Criminal (Grimberg, 2015). No caso aqui analisado, chegou ao conhecimento das autoridades da Instrução Pública e do Presidente da Província que o professor Joaquim teria castigado excessivamente dois alunos. Portanto, a decisão de processá-lo por vias judiciais veio diretamente do Presidente da Província, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu. Em 19 de setembro de 1854, no Palácio da Presidência, em Porto Alegre, o Presidente escreveu ao Juiz de Direito da Comarca de Rio Grande:

Constando das informações juntas por copia que o Professor da 2ª Cadeira de 1as letras da Cidade de Rio Grande ‘Joaquim Pedro d’Alcantara Dourado tem applicado castigos immoderados a seos discípulos’, ficando um delles o de nome José Maria Gomes com um pequeno defeito no dedo indicador da mão direita, ‘alem de outras irregularidades no desempenho de suas funcções’, convêm que Vosmecê, proceda contra o referido Professor como for de direito (Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul [APERS], 1854, p. 3, grifo do autor).

Chama-se a atenção do leitor para as partes grifadas, indicativas de que o professor punia de modo desmedido os alunos, levando a entender que esse não teria sido um caso isolado. A possível recorrência dos castigos poderia ser a justificativa para a construção do processo judicial. Na sequência, tem-se início o segundo processo, também motivado por castigos infligidos ao aluno Joaquim Bernardino de Sena. Ao que indica a frase “[...] se cohiba de semelhantes excessos [...]”, a investigação seria uma forma de conter o professor para que não houvesse outras práticas semelhantes. Em correspondência ao Presidente da Província, o Diretor da Instrução Pública interpreta que o “[...] artigo 21 do Regulamento authorisa a pena phisica, e a de reclusão [...] más a vista do expendido, parece que o professor abusa”. Essa é uma ‘frase chave’ para análise dos desdobramentos das ações judiciais, pois a questão que se impôs não foi o castigo em si, mas o ‘abuso’.

Em ambos os casos, presumimos que os alunos fossem órfãos de pai. No caso de José Maria Gomes, seu padrinho23, de mesmo nome, participa como depoente. Já no caso de Joaquim Bernardino de Sena, nem ele nem seus pais ou tutores foram chamados a prestar depoimento, embora sua mãe, Benedicta Maria das Dores, seja citada. Predominantemente, são homens que servem como testemunhas, algo próprio da sociedade patriarcal da época, cuja atuação feminina estava centrada na vida doméstica.

Após serem selecionadas as primeiras testemunhas, no dia do interrogatório, ocorreu a ‘qualificação do acusado’, momento da audiência pública na qual foram feitas as seguintes perguntas a Joaquim: “Como se chama, qual sua nacionalidade, donde he natural, como se chama seo Pai e sua Mãe, a sua idade, estado e profissão?”24. Tendo em vista que os dois processos ocorreram em paralelo, os dias das audiências foram os mesmos ou próximos.

Pela análise das testemunhas arroladas, pode-se visualizar parte da sociedade em que o professor estava inserido. A partir do exame das profissões dessas pessoas, podemos inferir que se tratam, essencialmente, de homens dotados de prestígio social e, provavelmente, de posses. Ressalta-se que, das 29 testemunhas, apenas 5 são solteiras. Podemos supor que homens casados, chefes de família, tinham mais respeitabilidade. Outro dado interessante é que 21 testemunhas se apresentam como comerciantes, o que evidencia a cidade de Rio Grande como um centro comercial da região, provavelmente ligada ao porto marítimo.

No que diz respeito às mulheres, observamos que apenas duas serviram como testemunhas. Supõe-se que ambas aparecem arroladas, pelo fato de terem sido citadas pelo médico Dr. Augusto Candido, que faz acusações em seu depoimento. Atenta-se também para a profissão delas, Maria Helena Osório, costureira, atividade comum às mulheres pobres (Del Priore, 2020). Apesar de declarar-se costureira, foi acusada de ser prostituta pelo professor durante sua defesa, também uma situação característica do século XIX, na qual mulheres pobres e solteiras eram atacadas moralmente em momento de conflito com os homens. Maria Theodósia não apresenta profissão nem estado civil, mas foi apresentada como viúva ao longo dos processos.

Além das testemunhas, colaboraram na defesa correspondências enviadas aos pais dos alunos, nas quais o acusado questionava os destinatários acerca de possíveis castigos imoderados e solicitava respostas, por escrito. Essas cartas foram anexadas ao processo do aluno Joaquim. Também foram incluídos outros documentos que contribuíram em sua defesa, dentre eles, atestados concedidos pela subdelegacia de polícia e paróquia de Rio Grande. Esse ‘corpus documental’ reunido no processo reforça a capacidade do professor em construir sua própria defesa.

Traçado esse panorama dos trâmites legais da constituição desses processos, passamos a analisar a documentação judicial em três etapas: acusação, defesa e, por fim, a sentença.

“Sei por ouvir dizer”: testemunhos e acusações

“Sei por ouvir dizer [...]” é um relato recorrente das testemunhas de acusação25 nesse caso, seja porque ouviram alguém falar que o professor teria castigado os alunos, seja porque ouviram alguém mencionar que ele teria pedido dinheiro aos pais dos alunos. Porém ninguém o acusou diretamente, ou seja, perante o juiz, os intimados a depor não presenciaram o que testemunharam.

Na sequência, apresentamos as denúncias feitas pelas autoridades e testemunhas de acusação. Além de castigar ‘imoderadamente’ os alunos, outros aspectos relacionados à conduta profissional desse professor também foram levantados e serão analisados ao longo das próximas páginas.

Sobre a aplicação de castigos físicos, sabemos que estiveram presentes no ensino durante o século XIX, de forma legal, como estratégia para obter a obediência dos alunos, por meio de corretivos. O exame dos processos judiciais permite especular acerca da utilização dessas práticas punitivas na cultura escolar vigente. Dessa forma, a singularidade do caso de Joaquim não está no castigo em si, mas sim na construção de processos judiciais que o envolveram como réu.

Como apresentado pelo Diretor da Instrução Pública, outras ‘irregularidades’ se colocaram contra o professor que “[...] além desses castigos físicos excessivos tem por costume prender os discípulos na escola, sahir e fecha-los por fora”26. Tal insinuação parece ser uma tentativa de indicar sua crueldade com os alunos, comportamento considerado impróprio a um professor público.

Outra particularidade desse caso é que o médico, Augusto Candido, que tratou os dois alunos que teriam sido castigados (José e Joaquim), se ofereceu para depor nos processos. Entende-se que ele foi a principal testemunha de acusação, por ter sido a primeira pessoa a saber que os meninos estavam com as mãos machucadas, em função das supostas palmatoadas recebidas na Aula e por trazer a juízo aspectos condenáveis da conduta do professor. É possível que esse médico, ao saber da situação dessas crianças, tenha levado o caso ao Inspetor das Aulas em Rio Grande, o também médico José de Pontes França, que, por sua vez, escreveu para o Diretor da Instrução Pública em Porto Alegre, relatando o ocorrido. E o Diretor, como sabemos, acionou o Presidente da Província, que respondeu com a ordem de ‘proceder contra o professor’, ou seja, processá-lo judicialmente. Nesse aspecto, chama-se a atenção do leitor para a notoriedade da profissão médica no século XIX, visto que esses profissionais também detinham autoridade em relação aos assuntos relativos à Instrução Pública e exerceram funções ligadas ao ensino, como professores ou inspetores27.

Joaquim também foi denunciado por pedir dinheiro aos pais dos alunos, prática proibida, tendo em vista o Regulamento Para as Escolas Públicas de Instrução Primária (1842), o qual vetava aos docentes públicos a cobrança pelo ensino. Seguem-se outras gravíssimas acusações: infanticídio28, por ter agredido uma mulher grávida, e pederastia29, por supostamente ter tentado persuadir um aluno a ‘prostituir-se’, o que, conforme a fala da testemunha Dr. Augusto Candido, “[...] he facto público [...]”, evidenciando, mais uma vez, sua falta de moralidade. Considerar como ‘fato público’ a sexualidade de um indivíduo, ainda mais um professor, serve como indício para pensar o tratamento das questões sexuais no século XIX, sob uma perspectiva moralista.

É interessante refletir sobre as diversas possibilidades que esses processos apontam para se pensar a profissão docente no século XIX. O exercício do magistério era dotado de uma espécie de sacralização, em que o professor estava imbuído de ensinar aos alunos, além dos conteúdos previstos, comportamentos civilizados, em especial através do próprio exemplo. Como evidencia Nóvoa (1995), os professores são protagonistas do fenômeno educativo, e estão atrelados a um estatuto e imagem social da profissão, o que poderia explicar as proporções desses processos que condenaram atitudes do professor.

Diante de tantas acusações, Joaquim esclareceu que esse médico era um ‘desafeto seo’. O motivo dessa inimizade teria surgido, aproximadamente, em 1852, quando Augusto Candido foi chamado para examinar a sogra de Joaquim. O diagnóstico dado foi de que a mulher estava grávida, porém, com o passar do tempo, se percebeu que isso não procedia, de modo que o professor “[...] fez constar por toda a parte que o mesmo Doutor Augusto Candido não era perito em sua arte”. Pode-se perceber que entre esses dois homens havia conflitos, e Joaquim valeu-se disso em sua defesa, alegando ser vítima de uma ‘conspiração’. Um médico e um professor em disputa, ambos detinham prestígio social conferido por suas profissões, ambos exerciam funções de autoridade perante a comunidade. Entendemos que essas relações de poder explicam, em certa medida, o desfecho dos processos. Joaquim teve sua punição, mas não foi exonerado do magistério público, teve como penalidade uma suspensão de suas atividades profissionais por um ano, o que, muito provavelmente, abalou sua honra.

Das sete testemunhas de acusação que abordaram o tema de o professor pedir dinheiro aos pais dos alunos, apenas duas relataram que isso procedia, porém não falaram se teria sido empréstimo ou cobrança por ensinar os seus filhos. As outras cinco ‘ouviram dizer’, como mencionado anteriormente. A partir desses testemunhos, Joaquim teria solicitado dinheiro a apenas um pai, Claudio Berthelot. A resposta do professor a Claudio Berthelot foi “[...] nunca recebeo paga pelo ensino de seos alumnos e que era verdade que havia pedido emprestado a testemunha dinheiro, não como pagamento, mas porque d’elle necessitava”30. Joaquim confirmou que sim, que havia pedido dinheiro emprestado a Claudio, logo, conclui-se que esse ‘pedido’ foi de um ‘empréstimo’, e não o pagamento pelo serviço de ensinar.

Retornando à causa inicial dos processos, o qual foi a acusação de abuso de castigos, encontramos outra particularidade que merece destaque. O aluno José Maria Gomes foi chamado para prestar informações. Salientamos que, de acordo com as leis vigentes, por se tratar de uma criança, essa manifestação tinha característica de ‘informação’, portanto não carrega o peso de um depoimento. Portanto, o menino não é considerado, no processo, uma ‘testemunha juramentada’ que tem por responsabilidade falar a verdade, mediante juramento. Nesse momento, o juiz questiona por qual motivo o professor castigou o ‘informante’:

Juiz. Vossa mercê não teve uma mão inchada, na qual o Doutor Augusto Candido lhe fez uma operação?

Informante. Tive, sim Senhor.

Juiz. De que procedêo essa inflamação e esse tumor?

Informante. Procedeo de seis ou sete bolos, que o meo Professor me dêo, em consequencia de ter eu perdoado a lição a um menino e gaseado três veses á escóla.

Juiz. Vossa mercê era castigado seguidamente?

Informante. Eu apanhava sempre que não sabia a lição, mas nunca aconteceo de ser castigado duas veses no mesmo dia.

Juiz. Que porção de bolos apanhava vossa mercê na escóla?

Informante. Eu nem sempre apanhava seis bolos, algumas veses erão menos.

Esse excerto nos permite uma aproximação desse aspecto da cultura escolar oitocentista relacionado ao castigo. Os motivos que poderiam levar os professores a usar da disciplina física: ter o aluno ‘gaseado aula’ e também por ter ‘perdoado a lição a um menino’, provavelmente José não fez a lição e pediu a resposta ao colega. Conforme o Regulamento, o professor deveria:

Art. 53 § 13 - Mandar fazer todos os dias pelo Monitor Geral chamada de seus alunos, notando aquelles que faltarem, e dando no mesmo dia providencias necessárias, para vir no conhecimento, se aquelle que faltou teve cauza suficiente, a fim de o punir, além do castigo physico com a prisão solitária, se o contrário verificar.

Novamente, vê-se que Joaquim, em tese, agia dentro da lei quando se utilizava das práticas para punir. Lembremos que o Regulamento permitia aos professores castigarem seus alunos com até doze bolos/palmatoadas. No caso de Joaquim Bernardino de Sena, uma criança de seis anos, os castigos foram dois ‘bolos’. Já no caso de José Maria Gomes, que, em 1855, quando compareceu para prestar informações, já contava doze anos de idade, teria recebido, aproximadamente, seis bolos em dois castigos no mesmo dia de aula. Dessa forma, após todas as testemunhas ouvidas e tentativas de defesa, ainda assim o juiz entendeu que um crime foi cometido, as ações desse professor estavam previstas no Código Criminal - seções V (excesso, ou abuso de autoridade, ou influência proveniente do emprego) e VII (irregularidade de conduta).

O professor Joaquim foi ‘pronunciado como incurso’, termo referido para a acusação formal feita pela Promotoria, portanto, enquadrado nos artigos acima. Conforme o juiz e à luz do Código Penal, teria se excedido ao castigar os alunos, e a pena para esse crime era a suspensão do serviço público. Já para a conduta inapropriada, a pena era a perda do emprego e impossibilidade de atuar em outro. A imputação dessas duas punições é mais uma evidência da importância que era dada à imagem pública dos professores.

“Eis porque tanto nos afadigamos por provar nossa inocência”: Joaquim defende-se

As manifestações do professor tiveram a intenção de comprovar sua inocência, em diferentes momentos. Durante os interrogatórios, lhe foi dada a palavra para contestar as testemunhas; na sequência, redigiu o texto da ‘contrariedade’, após a acusação formal da Promotoria e, por fim, apresentou a redação da ‘defesa’. Atenta-se para o fato de que esses textos servem como indícios para pensarmos na capacidade intelectual de professores de Primeiras Letras, suas percepções sobre o ensino, seu possível conhecimento das leis e do funcionamento da sociedade, bem como sua apropriação dos discursos referentes a seus deveres para com o magistério.

Inferimos que Joaquim é o autor desses textos, embora use a primeira pessoa do plural. À pesquisa, interessa compreender como articulou seus argumentos, a escolha pelas testemunhas que lhe favoreceriam, a mobilização de atestados e documentos que buscou em órgãos públicos e anexou aos processos como forma de ratificar sua idoneidade moral.

Logo no início dos processos, Joaquim foi instado a se declarar a respeito dos castigos. O que pensar sobre a fala que coloca ‘seu religioso dever’ de corrigir os alunos, através dos meios que lhe eram outorgados pela legislação vigente? Vale lembrar que, no século XIX, a Igreja estava atrelada ao Estado, de forma que os ‘deveres religiosos’ se fundiam às demais responsabilidades da docência. Esse apelo ao ethos religioso da profissão de professor é característico de um legado medieval que remete às origens do magistério, em que a identidade dos clérigos se confundia com uma imagem de intelectuais e professores (Le Goff, 2019). Essas relações históricas permitem entender esse caráter quase messiânico na profissão docente, como condutores da mocidade31. Assim, recorre-se mais uma vez a Nóvoa (1995) quando aborda que a constituição histórica da identidade profissional dos professores é ambígua e intermediária, e, embora não fossem sacerdotes religiosos, se esperava deles o mesmo perfil de retidão, integridade, moral e senso de orientação quase religiosa. É dessa forma que a autoridade do professor se estendia para limites além da sala de aula.

Ainda nesse documento, em que Joaquim prestou os primeiros esclarecimentos a respeito dos castigos, justificou sua atitude, ao esclarecer que, segundo seu entendimento, o aluno José era negligente e todas as outras formas de punições para corrigir esse aluno foram esgotadas. Provavelmente, se referia aqui às admoestações verbais, ou seja, conversar, advertir o aluno sobre seu proceder, práticas essas que vêm desde o humanismo europeu. Chama-se a atenção do leitor para o fato de que o professor escreveu, em sua defesa, que o castigo seria dado de acordo com a gravidade do delito, provavelmente também fazendo referência à lei, ao afirmar que a pena física seria dada de acordo com a falta cometida. Joaquim disse que infligiu ‘apenas’ três palmatoadas, quando a lei permitia até doze. Mais uma vez, apostamos que o acusado estudou este Regulamento com afinco para melhor redigir os textos do processo.

Ainda tentando livrar-se do que lhe culpavam, ‘nosso personagem’ desenvolveu uma estratégia sagaz, como uma espécie de álibi: se sua palavra talvez não tivesse valor, então os próprios alunos poderiam informar se essas práticas punitivas ocorriam ou não em sua Aula. Entretanto, como menores de idade, não poderiam comparecer em juízo e testemunhar o que ocorria na sala de aula, seus pais falariam por eles, no sentido de atestar a boa conduta do professor. Confiante nas respostas que obteria, enviou cartas às famílias, solicitando que questionassem seus filhos se sofriam castigos cruéis na escola.

O professor afirmou, em juízo, ter cerca de 40 alunos frequentes. De acordo com os processos, constata-se que 34 pais responderam à solicitação de Joaquim, todos sem reclamações, alguns até o elogiaram. Considerando que dois alunos teriam sofrido ‘castigos imoderados’, restam apenas quatro, cujas respostas não foram anexadas aos processos. Podemos pensar que essas quatro famílias não se pronunciaram, ou talvez tenham respondido, mas não foram incluídas na defesa, possivelmente por apresentarem posições que não lhe favoreciam, visto que ele mesmo alegou ter inimigos na cidade.

Cabe ressaltar que, ao inserir essas correspondências aos processos, Joaquim demonstrou ter ciência da relevância do posicionamento desses homens, que mantinham seus filhos frequentando sua Aula. Desses 34 pais que responderam ao apelo do professor, apenas nove serviram como testemunhas de defesa; supostamente, podemos pensar que não lhe foi permitido trazer outros que depusessem a seu favor. Entretanto, toda essa mobilização não foi suficiente para inocentá-lo. Nem ao menos esses pais que falaram em juízo ou que se manifestaram através das cartas foram citados na sentença. O que pode suscitar questionamentos sobre uma possível pré-intenção de condenação.

Ainda sobre as correspondências, Francisco de Paula Cardoso elogiou o ‘adiantamento’ do filho e se disse satisfeito com os métodos do professor. Já no caso de Malaquias José Neto, valeu-se de uma hipótese de que, caso acontecesse de um afilhado seu ser castigado em Aula, iria tentar solucionar de uma forma pacífica, conversando com o professor. Tal posição pode indicar uma condenação ao fato de acusações de castigos escolares tornarem-se caso de Justiça. Malaquias também afirmou: “[...] não procuro saber do que me não interessa e menos por informaçoens de crianças [...]”, talvez pudesse ser uma crítica ao fato do aluno José Maria Gomes ter sido ouvido em Juízo. Jose Silveira Vilalobos ainda escreveu que julgava serem falsas as acusações que se faziam ao professor. Outro fato curioso é o de Claudio Berthelot, que respondeu à carta informando não saber desses castigos imoderados. Nesse ponto, atenta-se para as contradições, visto que, sendo Claudio testemunha de acusação em um processo, no outro alegou não saber de tais casos. Também é importante ressaltar que não consta resposta de nenhuma mulher. O que se pode pensar sobre isso? Novamente podemos pensar que as mulheres casadas, e pertencentes a posições sociais abastadas, não se ocupavam inteiramente da instrução dos filhos, papel este de responsabilidade dos homens, provedores das famílias. Também não podemos descartar a hipótese de algumas mulheres, em especial as de classes sociais mais baixas, não serem alfabetizadas. É importante lembrar que se trata de uma Aula de meninos, mais um fator relevante para que os homens estivessem à frente desse caso judicial.

Após as acusações formais da Promotoria, o ‘Libello Acuzatório’ produzido pelo Promotor de Justiça, o réu apresentou sua ‘contrariedade’, um documento escrito, no qual poderia expor suas posições. Nesse instrumento de defesa, é possível identificar diversos aspectos relacionados à compreensão que Joaquim tinha das leis, de suas ações e da situação em que estava envolvido, como comentado anteriormente. Ele faz uma referência à ‘verdade’, em latim, o que mais uma vez evidencia erudição por parte do autor do texto. Também se vê que atribuiu a ‘inimigos’ uma tentativa de lhe ‘arruinar’. É possível pensar que ele poderia identificar como inimigo, que tramou uma conspiração, a testemunha Dr. Augusto Candido, já sinalizado como um ‘desafeto seu’ durante os interrogatórios. Assim como as testemunhas que ‘ouviram dizer’ que o professor pedia dinheiro aos pais dos alunos, sendo que apenas um pai de aluno seu, Claudio Berthelot, que foi testemunha de acusação, efetivamente foi acionado por Joaquim com o pedido de dinheiro, ao que alegou ser um pedido de empréstimo, e não uma cobrança pelo ensino do seu filho.

Na defesa, também aponta que a aplicação do Código Penal estava incorreta, pois o Art. 144 dizia respeito à relação de um empregado público e subalterno. Não era essa a posição de um professor da Instrução Pública, além de que o próprio Código Penal, no Art. 14, proibia que se “[...] proceda contra professores por castigarem moderadamente seos alumnos, mesmo quando resulte dahi algum mal”. Novamente, atenta-se para a qualidade desta defesa ao evidenciar que o próprio Código Penal protegia os professores em relação aos castigos aplicados em alunos. Destaca-se que é por esse motivo que tantas vezes nos processos os castigos são apresentados como ‘imoderados’, ou que o professor se excedia ao aplicar os castigos.

Por fim, passamos às duas outras acusações: pederastia e infanticídio. Ambas foram levantadas pelo Dr. Augusto Candido, que informou ter ouvido uma conversa de Maria Helena Osório com seu afilhado Aprígio sobre o professor o ter aprisionado na Aula e ter tentado seduzi-lo. O primeiro argumento utilizado por Joaquim foi a impossibilidade de tal história ser ouvida ao caminhar pela rua. Joaquim informou que dava aulas particulares a Aprígio e José, ambos filhos de Francisco Bento de Lima, e anexou uma correspondência em que Francisco confirmou este fato. Dessa forma, refletiu se deixaria ele, Francisco, na “[...] posição de pai [...]” e “[...] na posição de um tutor, protector, consentisse que seu pupilo, protegido, continuasse na companhia de um curruptor assim demoralizado e desalmado?”32. Ressaltamos que, em nenhum momento, esse pai, Francisco Bento de Lima, compareceu para depor. E sobre este fato que foi contado por Maria Helena Joaquim escreveu:

Deve-se também dar fé ao depoimento desta, ‘que sacrificando o pudor e castidade devido ao seu sexo’, ao seo estado e a sua idade veio a Juizo contar uma asquerosa história que só uma consciência depravada e corrompida poderia inventar, e por húa outra ser repetida (APERS, 1854, p. 78v, grifo do autor).

O professor apelou para a condição feminina dessa testemunha como forma de desqualificar o depoimento. Maria Theodosia teria deixado de lado o ‘pudor e castidade’ de uma mulher para mostrar-se em um ‘Juizo’ e para contar uma história ‘depravada’ e ‘repugnante’. Ainda se referindo a ela, disse:

[...] por ‘quanto a mulher honesta que se deixa relacionar com mulher de maus costumes e ruim procedimento tornou-se igual a esta’ por que tal for a mulher com que tiver amisade, ta se deve regular o seu procedimento, juiso e qualidade [...] (grifo do autor).

Nesse trecho, referiu-se a uma possível amizade entre as duas testemunhas de acusação, Maria Theodosia Ribeiro e Maria Helena Ozorio. Esta o acusou como responsável por um aborto que teve, após ter sido agredida pelo professor, conforme seu depoimento. Joaquim informou que Maria Helena é “[...] manceba cortesan do mundo, além de ser inadmissível pelas leis, é indigna de fé [...]”, indicando que por ser prostituta não deveria ser acreditada. Conforme explicitado por Mary Del Priore (2020, p. 66), mulheres pobres, viúvas ou solteiras que exerciam algum tipo trabalho no século XIX eram alvos da “[...] maledicência masculina”. O réu se utilizou dessa ‘má fama’ e incluiu ao processo correspondência trocada com o Inspetor de Quarteirão, autoridade policial da época, que confirmou que:

[...] Maria Helena Ozorio rezide neste quarteirão, ‘he mulher publica’, e não tido ate o prezente queixa de seu comportamento, nem me consta que as autoridades tambem a tinhão tido (grifo do autor).

Para afirmar sua honra, o professor reuniu aos documentos de defesa um atestado emitido pela subdelegacia de polícia em que consta não existir ‘culpa alguma no rol dos culpados’, seu nome estava limpo. Além disso, incluiu também um atestado do Vigário da freguesia:

Joaquim Pedro d’Alcantara Dourado, Professor Publico de 1ªs letras, desta Cidade, re-quer a V.Sa. lhe atteste, em firma, que faça fé, se o suppe, seu parochiano, ‘tem bom comportamento moral e regiligoso, e se como casado he honesto e bom pai de familia[...]’

Para a V.S assim lhe defira, e bem assim se o suppe. Como empregado publico cum-pre com zelo as funcções de seu magisterio (APERS, 1854, p. 56, grifo do autor).

Como podemos ver, no século XIX, o vigário, assim como professores e médicos, também se constituía em autoridade na comunidade e tinha o poder de atestar o bom comportamento das pessoas. A presença desse documento escrito, concedido por um membro da Igreja, em um processo judicial, atesta a relação simbiótica do catolicismo com o Estado. O sacerdote informou que Joaquim cumpria suas obrigações religiosas e era um bom pai de família, e declarou que também era um empregado público zeloso em sua função de professor.

Segundo o réu, não havia como provar esse caso de aborto, nem mesmo o juiz teria mandado investigar essa situação, nem mesmo o Inspetor das Aulas havia tomado providências. Para o professor, tudo isso era fruto de uma vingança do Dr. Augusto Candido, que tinha por ele inimizade. Sobre essas duas situações, da pederastia e infanticídio, nenhuma outra testemunha falou sobre ou foi questionada a respeito. Talvez não fossem fatos publicamente sabidos, como alegou o Dr. Augusto Candido, ou se fosse de domínio público, poderiam ser comentados apenas como fofocas.

No caso analisado, as duas mulheres que foram a juízo, Maria Helena Osório e Maria Theodosia Ribeiro, não estavam sob a ‘proteção masculina’, visto que uma já era viúva e a outra acredita-se ser prostituta. Pressupõe-se que, justamente por estarem desvinculadas de um provedor masculino, essas mulheres puderam ir a juízo testemunhar fatos que presenciavam em seu cotidiano. Assim como também se entende ser possível que ambos os processos tiveram início com as reclamações das mães dos alunos sobre atitudes que poderiam ter entendido como maus-tratos aos seus filhos, como uma forma de protegê-los. Em todos os momentos que o acusado se dirigiu às mulheres que compareceram nesse processo, foi em tentativa de desqualificá-las, por questões devidas ao ‘seu sexo’, no intuito de enfraquecer essas narrativas, como estratégia de defesa.

Retornando à defesa, os nove pais que compareceram em juízo em favor do professor informaram não saber dos castigos imoderados, tanto que mantinham seus filhos na Aula Pública. A testemunha Desidério Antonio de Olivreira33 refletiu “[...] que não lhe parece possível que tantos Pais de familia, que tem seus filhos na escóla do responsavel, sabendo de todas as accusações, que lhe fasem quisessem conserval-os n’ella, se isso fosse verdade”. Outros pais informaram não saber de nada que fosse ‘desabono’ a conduta desse professor, o que consideramos ser mais um indicativo da autoridade dos professores sobre a comunidade, assim como uma evidência da confiança depositada pelos pais em Joaquim, um funcionário público. Ricardo Joaquim de Almeida34 informou que “[...] sabe que elle he bom Pai de familia muito virtuoso, e que trata muito bem a sua família”. Percebemos que a dimensão familiar, como pai e chefe de família, detinha uma força a favor desse professor, que era reconhecido por outros pais e pelas autoridades - polícia e religiosa -, conforme documentos analisados.

Consideramos que a defesa que esse professor reuniu a seu favor foi bem expressiva e diversa. É provável que esse processo possa ter se tornado um assunto delicado na cidade, pois, quando as testemunhas de acusação foram novamente chamadas a depor, ‘amenizaram’ seus depoimentos, informando que não tinham intenção de acusar o professor, e que não se ‘falava por mal’, como no caso de Claudio Berthelot. Porém as acusações eram graves e não ficaram impunes. Passamos agora a analisar com mais vagar a sentença proferida nos processos.

“Melhor he immudecer”: a sentença

Após dez meses de investigação e quase um ano desde o suposto castigo aplicado no aluno José, o caso foi concluído com sentença proferida pelo Primeiro Substituto do Juiz de Direito José Antonio da Rocha. Além dos dois casos de abuso de castigos físicos, o Juiz comentou que o Inspetor ainda havia relatado uma queixa recebida pela mãe de dois alunos que lhe pedia para ‘remover’ os filhos para outra escola “[...] por que barbariamente erão espancados pelo responsável”. O Juiz argumenta que “[...] para a aplicação de castigos é necessário ter muito em vista a idade e sensibilidade dos alunos”. Repetidas queixas contra o professor poderiam ser evidências de que ele não observava essa prerrogativa, pois:

O responsável por ocasião de castigar imoderadamente ao menor José Maria Gomes ‘cometteoo crime estando superior em forças’ conforme se mencionou no Libello, e abusou da confiança que nelle depositara o padrinho do dito menor (APERS, 1854, grifo do autor).

Dessa forma, o Juiz entendeu que, sim, a aplicação do Art. 144 do Código Penal sobre “[...] exceder a faculdade de corrigir [...]” estava correta. Por esse motivo, o professor foi condenado à pena máxima de suspensão do serviço público por dez meses em cada processo, totalizando vinte meses de suspensão.

Sobre o caso de pederastia, o juiz apontou:

[...] tanto ele [Aprigio] como seo pai Francisco Bento de Lima nenhum depos neste processo como era necessário para inteiro esclarecimento da verdade, antes o procedimento do dito Lima como se deduz do documento de f52 incluia a não existência de tal facto, por quanto não e de supor que elle permitiria a continuação do seo filho na aula do responsável uma vez que se teve essa imoralidade (APERS, 1854).

O documento a que se refere o Juiz é a correspondência que Joaquim anexou ao processo, na qual Francisco Bento de Lima explicou que seus filhos permaneciam frequentando a Aula do professor. As outras duas acusações, infanticídio e pedido de dinheiro aos pais dos alunos, não foram sequer citadas na sentença. Sobre estas, entende-se que ninguém mais foi chamado a depor, pois não consta anexada ao processo nenhuma intimação ou outro tipo de documento solicitando a presença de Francisco, pai de Aprígio, aluno que supostamente foi vítima do assédio. Talvez, pela gravidade do assunto, coubesse uma investigação mais detalhada, porém, como pai e filho não se manifestaram a esse respeito, concluiu-se que tal fato não ocorreu, como evidencia o juiz na sentença.

Exposto tudo isso, observa-se que essas três acusações contribuíram para que ‘nosso personagem’ fosse condenado com suspensão do trabalho, pois, durante aquele período, conduta, moralidade e reputação de um docente perante a sociedade eram muito valorizadas. Conforme afirma Boto (2017, p. 90), no ambiente escolar, ocorre um “[...] processo de regulação da vida e das condutas [...]”, em especial por parte dos professores, que deveriam servir de espelho para a sociedade. Qual pai gostaria de ter seu filho frequentando a Aula de um professor cuja reputação e bom comportamento estava em dúvida? Como disse a testemunha Augusto Candido, como “[...] um chefe de família, não poderia permitir um professor com tal comportamento”. A questão que se impôs parece ter impactado diretamente cada família que tinha uma criança na Aula de Joaquim, de acordo com a declaração dessa testemunha.

Relembramos ao leitor que, segundo o Código Penal, a pena por exceder os castigos era a suspensão do emprego público de um a dez meses, já para ‘incontinência pública’, ou seja, o comportamento inadequado, a pena era a perda do emprego. Analisando essa legislação, parece que a conduta dos professores detinha um peso maior que a prática de aplicar ‘castigos imoderados’, tendo em vista as penas por tais crimes.

Ainda sobre esse aspecto dos professores como modelo de civilidade, Boto (2017, p. 23) aponta que a “Escola de Primeiras Letras será acompanhada por todo um rol prescritivo de condutas a serem publicamente recomendadas [...]”; nesse aspecto, ressaltamos a centralidade da figura do professor diante da sua comunidade, a autoridade que emanava dele para toda a sociedade, em especial na sala de aula, a qual, “[...] como o Sol, ilumina seus alunos” (Boto, 2017, p. 16). Por esses motivos, consideramos que a gravidade da sentença de Joaquim - a suspensão -, ao mesmo tempo que operou sobre um funcionário, estendeu-se aos demais professores públicos, como um exemplo. Afinal, essa era a premissa da disciplina, agir sobre o indivíduo, mas atingir a coletividade, nesse caso, a classe dos professores.

Por fim, o último documento reunido aos processos é o de ‘Apelação’, ou seja, uma tentativa de recorrer dessa sentença. Entendemos que ela foi negada, por não ter mais documentos anexados ao processo e por correspondências que indicam que o professor faleceu antes de retornar dessa suspensão, como indicado no capítulo anterior. Procuramos imaginar quais sentimentos povoavam ‘seu interior’, talvez sentisse sua honra e moral feridas, talvez comentassem na cidade sobre ele e sobre as acusações e fatos expostos durante o processo. Talvez tenha sido o sentimento de vergonha e derrota que o fez mudar-se de Rio Grande para São João Baptista de Camaquan, local onde viveu até falecer, atual município de Camaquã, também ao sul do Estado, com uma distância aproximada de 194 quilômetros de Rio Grande.

Considerações finais

O professor Joaquim Pedro de Alcantara Dourado teve um curto percurso na Instrução Pública no Rio Grande do Sul. Iniciou em 1850, quando ingressou como professor de Primeiras Letras em Canguçu, e encerrou em 1855, no momento que foi suspenso do cargo de professor público, em Rio Grande, com a condenação dos processos em que esteve envolvido. Ao longo da pesquisa que buscou seus passos, foram consultados protocolos de correspondências da Instrução Pública do Rio Grande do Sul de 1850 a 1856. Nessa documentação, foi encontrado apenas mais um caso de processo judicial por castigos físicos, coincidentemente também foi com o professor da Segunda Cadeira de Primeiras Letras de Rio Grande, Francisco de Paula Soares, em 184835, mas este processo não seguiu adiante, por desistência da ‘parte queixosa’36. Esse dado da pesquisa nos permite inferir que mover processos judiciais contra professores públicos era uma situação incomum no século XIX. Assim, a singularidade deste estudo não está nos possíveis abusos de castigos aplicados pelo professor, mas sim no fato de o Estado mover um processo judicial e condenar à suspensão um professor público.

Consideramos que essa condenação se deu, principalmente, a partir de queixas relacionadas à sua conduta, que teria importunado pais de alunos com pedido de empréstimo de dinheiro, e que também teve sua moral atacada ao ser acusado de ser pederasta e de agredir uma mulher grávida. Também destacamos que o réu, por diversas vezes, apontou que seus inimigos queriam lhe arruinar, em especial, a testemunha Dr. Augusto Candido, supostamente um desafeto seu. A sociedade oitocentista esperava dos professores uma postura honrada, que fossem íntegros; que, por meio de seu exemplo, estivessem acima dos demais cidadãos, que fossem conselheiros e firmes com seus alunos. Além disso, se esperava que essa postura se estendesse automaticamente para além da sala de aula, pois os docentes eram figuras públicas que detinham autoridade em sua comunidade e confiança das famílias que matriculavam os filhos.

Neste texto, buscamos problematizar essas questões morais em que estavam envolvidos aqueles que se dedicavam a ensinar. Da mesma forma, nos propusemos a analisar o itinerário de um professor primário, em meio a processos judiciais que o responsabilizaram por atos considerados fora da lei. A pesquisa nos permitiu refletir acerca da profissão docente no século XIX, tendo em vista as diretrizes que precisavam seguir, bem como o ideal de comportamento que incidia sobre a sua categoria de servidores públicos.

Como dito anteriormente, não foi propósito a emissão de um novo julgamento ou veredito sobre essas acusações. Procuramos questionar e confrontar os argumentos localizados nas páginas de processos judiciais, exercitando a constante crítica das fontes. Entendemos que a pesquisa, mais do que elucidar práticas escolares, ‘deu vida’ a um professor que era também um homem do seu tempo.

Para concluir este texto, nos valemos do clássico O queijo e os vermes, de Ginzburg (2006, p. 192), parafraseando a última frase do livro37: “sabemos muita coisa sobre ‘Joaquim’ [...] e de tantos outros como ele, que viveram e morreram sem deixar rastros - nada sabemos”. O universo da Instrução Pública, ao longo do século XIX, no Brasil, é vasto. Muitas fontes aguardam para ser exploradas, assim como tantas outras vidas de professores e professoras, os quais, de alguma forma, transgrediram, driblaram as normas impostas e viveram vidas singulares, esperam para adentrar o terreno da História.

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Rodadas de avaliação: R1: três convites; duas avaliações recebidas.

Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Licenciamento: Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

1Nomenclatura dada à aula pública na qual o professor Joaquim atuava.

2A pesquisa opera com documentos relacionados à Instrução Pública e Administração da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul existentes no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) e processos judiciais custodiados pelo Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS).

3Como um funcionário público que comete um ato ilegal na execução de seu trabalho, o professor Joaquim foi investigado e condenado pelo ato de castigar seus alunos.

4Alguns exemplos de professores de Porto Alegre: Francisco de Paula Soares, o qual foi professor de Primeiras Letras em Rio Grande, mas seguiu sua carreira na Escola Normal em Porto Alegre, até 1880 (Scheneider, 1993), homenageado em nome de Escola. Apelles Porto Alegre, que, assim como seus irmãos (Apolinário e Achylles), atuou intensamente no âmbito intelectual em Porto Alegre, sendo também homenageado com nome de Escola. Ele foi professor, diretor da Instrução Pública e Escola Normal (Meira & Arriada, 2022). Hilario de Andrade e Silva Ribeiro, o qual foi professor de Primeiras Letras em Porto Alegre e professor na Escola Normal, escreveu diversos livros de leitura que eram utilizados em aula, bem como foi professor no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro, sendo também homenageado em nome de rua em Porto Alegre (Tambara, 2003).

5Segundo dados obtidos no livro Dicionário das famílias brasileiras (1999), no sobrenome Dourado consta: descendência mais antiga em Pernambuco e Paraíba (1600); Bahia (1881); Rio Grande do Sul. “Há outra família com este sobrenome estabelecida em Canguçu (RS), ligado por casamento aos Lang, também do RS” (p. 872). Provavelmente essa vertente da família em Canguçu pode ser a de Joaquim.

6Batismos de Rio Grande, livro nº 11, folha 298v.

7Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul [AHRS]. Livro de Registro Civil de Rio Grande (1778-1879). Inventários.

8Informações obtidas através do banco de dados Family Search e MyHeritage.

9Durante o Império o ensino era dividido entre Ensino Primário, em que se ensinava leitura, escrita, operações aritméticas, princípios de história e moral cristã, em aulas abertas em casas; Ensino Secundário, que funcionava como aulas preparatórias para o Ensino Superior, como latim, francês, geometria, e eram ministradas em Liceus ou em casas de professores; e Ensino Superior, em especial na Corte, onde existia a Faculdade de Medicina e Escola Politécnica para a formação de engenheiros e geógrafos (Cabral, 2015).

10AHRS, I.P, caixa 5, maço 10.

11A primeira Escola Normal do Brasil foi criada em 1835 em Niterói-RJ (Tanuri, 1970). Já no Rio Grande do Sul, a Escola Normal foi fundada em 1869, funcionando anexa ao Liceu D. Affonso (Schneider, 1993).

12Regulamento para as Escolas Públicas de Instrução Primária - 1842. Art. 36. Esta e outras leis relativas à Instrução Pública no Rio Grande do Sul pode ser consultada em Coletânea de leis sobre o ensino primário e secundário no Período Imperial Brasileiro, organizada por Elomar Tambara e Eduardo Arriada (2004).

13Regulamento para as Escolas Públicas de Instrução Primária - 1842. Capitulo IV. Do provimento das cadeiras vagas. Art. 35-38.

14Regulamento para as Escolas Públicas de Instrução Primária - 1842. Art. 33.

15AHRS, I.133.

16Segundo inventário produzido por Alves (2006), mais de 50 periódicos circulavam em Rio Grande no Século XIX, incluindo jornais diários e pequena imprensa. Muitas edições desses jornais encontram-se preservados pela Biblioteca Rio-Grandense.

17Segundo Grimaldi (2016), a construção de prédios exclusivos para fins escolares, em Porto Alegre, data do final do século XIX e início do século XX, principalmente para colégios particulares.

18Prática que permaneceu até as primeiras décadas da República, como evidenciado nas pesquisas de Grazziotin e Almeida (2013) sobre Malvina Tavares, professora pública no interior do Rio Grande do Sul em fins do século XIX. Em 1899 Malvina ‘abre’ sua aula em Encruzilhada do Sul, que funcionava em uma parte de sua casa.

19Regulamento... - 1842. Art. 50.

20Regulamento... - 1842. Art. 59, § 8.

21A Faculdade Livre de Direito do Rio Grande do Sul, situada em Porto Alegre, foi criada somente em 1900. Ao longo do século XIX, o curso superior mais próximo era em São Paulo, na Academia de Direito, fundada em 1827.

22Lei da Instrução Pública.

23As relações de apadrinhamento e tutela eram características marcantes do século XIX. Em especial, em casos de crianças ‘pobres’ nos quais os padrinhos eram homens de um certo prestígio social e poder aquisitivo. Relação que se dava principalmente em função das diferenças econômicas, visto que num país escravocrata, cujos negros escravizados encontravam-se na miséria, muitas famílias brancas e livres também se encontravam em situação de pobreza. Sobre esse assunto, sugiro a leitura do artigo ‘Sob(re) o silêncio das fontes: a trajetória de uma pesquisa em história da educação e o tratamento das questões étnico-raciais’, da pesquisadora Eliane Peres (2002), em que aborda a instrução de homens e meninos brancos e pobres, assim como de negros livres e libertos, em Pelotas no século XIX. Conforme as pesquisas da autora, as relações de tutelamento contribuíam para a manutenção de uma escola de primeiras letras noturna para o sexo masculino, na qual os alunos que frequentavam essa aula, em especial ‘menores’, estavam sob a ‘responsabilidade’ de homens ‘ilustres’ que eram também ‘protetores’ dessas crianças.

24APERS (1854), p. 18. Qualificação.

25Francisco Tosqui, 43 anos, solteiro, natural de Roma, profissão ourives. Faustino Fernandes de Lima, 37 anos, casado, natural da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, profissão músico.

26APERS (1854), p. 5.

27Sobre as diferenças de formação dessas duas categorias, ressalto que a primeira faculdade de Medicina no Brasil foi fundada em 1808, e a primeira Escola Normal, em 1835, ambas no Rio de Janeiro. Ainda no século XX, durante o Estado Novo, foi criado o ministério da Educação e Saúde Pública, que existiu até 1953, quando ocorreu a separação e criação dos ministérios da Saúde e Educação (Ghiraldelli, 2015).

28O crime de infanticídio também estava previsto no Código Criminal, Art. 197: “Matar algum recém-nascido. Penas - de prisão por tres a doze annos, e de multa correspondente á metade do tempo”. Art. 199: Art. 199. Occasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com consentimento da mulher pejada. Penas - de prisão com trabalho por um a cinco annos. Se este crime fôr commettido sem consentimento da mulher pejada. Penas - dobradas.

29A pederastia refere-se ao adulto do sexo masculino que mantém relações sexuais e afetivas com outros homens, geralmente mais jovens. Nada consta no Código Criminal de 1830 sobre essa prática.

30APERS (1854), 33v.

31Expressão comum na época para descrever a atuação profissional dos docentes.

32APERS (1854), p. 77.

33Testemunha Desidério Antonio de Oliveira, 59 anos, viúvo, profissão Administrador Thesoureiro da Mesa de Rendas, também empregado público.

34Testemunha Ricardo Joaquim de Almeida, 36 anos, casado, profissão ligada ao comércio.

35AHRS, I.P. I.001, p. 14v e 15.

36AHRS, I.P. I.001, p. 26v.

37Originalmente: “Sabemos muita coisa sobre Menocchio. De Marcato ou Marco - e de tantos outros como ele, que viveram e morreram sem deixar rastros - nada sabemos” (Guinzburg, 2006, p. 192).

Recebido: 10 de Novembro de 2022; Aceito: 27 de Fevereiro de 2023; Publicado: 30 de Julho de 2023; Publicado: 21 de Agosto de 2023

*Autora para correspondência. E-mail: gabriela.pmoreira@gmail.com.

Gabriela Portela Moreira:

Graduação em História (Unilasalle), Mestrado em Educação (2019), com ênfase em História da Educação, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS. Historiadora no Centro Histórico-Cultural Santa Casa. E-mail: gabriela.pmoreira@gmail.com https://orcid.org/0009-0004-3156-9360

Dóris Bittencourt Almeida:

Graduação em História (PUCRS), Mestrado e Doutorado em Educação (2001/2007), com ênfase em História da Educação, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS. Professora Associada III de História da Educação da Faculdade de Educação, atuando junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Editora da Revista História da Educação/ASPHE. Bolsista Produtividade em Pesquisa/CNPq (PQ-2). Líder do Grupo de Pesquisa/CNPq GARPE - Arquivos pessoais, patrimônio e educação. Vice-líder do Grupo de Pesquisa/CNPq, EBRAMIC- Educação no Brasil: memória, instituições e cultura escolar. E-mail: almeida.doris@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-4817-0717

Editor-associado responsável:

Raquel Discini de Campos (UFU) E-mail: raqueldiscini@uol.com.br https://orcid.org/0000-0001-5031-3054

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