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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 26-Set-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e292 

Artigo Original

Idílio e opressão na relação educação e natureza: eurocentrismo, desigualdade escolar e racismo

Idyll and oppression in the relationship between education and nature: Eurocentrism, school inequality and racism

Idilio y opresión en la relación entre educación y naturaleza: eurocentrismo, desigualdad escolar y racismo

1Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: cgreiveveiga@gmail.com.


Resumo

O texto discute a presença das dimensões do idílio e da opressão nos debates sobre a relação educação e natureza. Busca suas origens na experiência europeia de colonização da América e problematiza sua permanência. Destaca a apropriação dessa contradição pela Pedagogia, numa longa duração histórica, seja na perspectiva idílica desenvolvida por Rousseau, com desdobramentos nos séculos seguintes, incluindo a escola nova; seja na perspectiva opressora, com a prescrição de trabalho no campo para educação de ‘crianças desvalidas’. Especificamente demonstra a permanência dessas abordagens, de cunho eurocêntrico, no debate educacional brasileiro em início do século XX e problematiza as consequências para a desigualdade na oferta escolar e o racismo.

Palavras-chave: modernidade; colonialidade; civilização; barbárie

Abstract

The text discusses the presence of idyll and oppression dimensions in debates about the relationship between education and nature. It seeks its origins in the European experience of colonization of America and problematizes its permanence. It highlights the appropriation of this contradiction by Pedagogy, in a long historical period, whether in the idyllic perspective developed by Rousseau, with developments in the following centuries, including the new school; whether in the oppressive perspective, with the prescription of work in the field for the education of ‘underprivileged children’. Specifically, it demonstrates the permanence of these Eurocentric approaches in the Brazilian educational debate at the beginning of the 20th century and discusses the consequences for inequality in school provision and racism.

Keywords: modernity; coloniality; civilization; barbarism

Resumen

El texto discute la presencia de las dimensiones idilio y opresión en los debates sobre la relación entre educación y naturaleza. Busca sus orígenes en la experiencia europea de colonización de América y problematiza su permanencia. Destaca la apropiación de esta contradicción por parte de la Pedagogía, en un largo período histórico, ya sea en la perspectiva idílica desarrollada por Rousseau, con desarrollos en los siglos siguientes, incluyendo la nueva escuela; ya sea en la perspectiva opresiva, con la prescripción del trabajo en el campo para la educación de los ‘niños desfavorecidos’. Específicamente, demuestra la permanencia de estos enfoques eurocéntricos en el debate educativo brasileño a principios del siglo XX y discute las consecuencias para la desigualdad en la provisión escolar y el racismo.

Palabras clave: modernidad; colonialidad; civilización; barbarie

Introdução

A reflexão sobre a relação entre educação e natureza no Ocidente não é nova no campo da Pedagogia, pois esteve presente nos escritos dos filósofos clássicos desde a Antiguidade. Contudo, no contexto europeu da modernidade, quando ocorreu um incremento de escritos referentes à exaltação da natureza e sua dimensão educadora, as motivações foram outras. As elucubrações se fizeram inspiradas num diferencial determinante, pois foram produzidas no cenário das viagens transatlânticas, com relatos sobre paraísos reais, antes apenas imaginados.

Qual foi a participação da experiência de contato dos europeus com o ‘novo mundo’ e seus habitantes, vivendo em ‘estado de natureza’, na produção intelectual europeia sobre o tema educação e natureza? Esse fato é muito pouco explorado por autores contemporâneos que, em geral, analisam o assunto como uma ‘redescoberta da natureza’ ocorrida no século XVIII, ou ainda, como uma invenção iluminista intraeuropeia. Tal interpretação, ao tomar o Iluminismo como marco, reforça a perspectiva eurocêntrica da história, pois faz tábula rasa da vivência colonizadora na produção da consciência moderna, encetada não apenas pela economia, mas também nas relações com os povos originários e africanos, seus costumes e crenças.

No âmbito desse debate, o objetivo do artigo é problematizar a apropriação, pela Pedagogia, da elaboração europeia da dimensão idílica da natureza em contraste com a prática opressora do trabalho na ‘natureza pródiga’. O estudo é desenvolvido na perspectiva da longa duração (Braudel, 1949), visto que, para compreender as dinâmicas de romantização e opressão, optou-se por remontar às origens de sua elaboração durante o processo colonizador das Américas, no século XVI, e, desse modo, problematizar sua continuidade e influência na Pedagogia. Observa-se que, no século XVIII, Rousseau (1712-1778) desenvolveu suas concepções pedagógicas fundamentadas na teoria do ‘bom selvagem’, com desdobramentos nos séculos seguintes, especialmente na pedagogia da escola nova. Por sua vez, no mesmo contexto, proliferam-se as prescrições de trabalho no campo para a educação de ‘crianças desvalidas’, numa dimensão opressora. Como exemplo de análise mais específico, demonstrou-se a transferência desse ideário para o debate educacional brasileiro, problematizando as consequências desse processo para a desigualdade na oferta escolar e o racismo.

Uma primeira questão a ser explorada é a de que tal romantização não foi uma elaboração meramente intraeuropeia. Concordo com Freitas (2014, p. 157, grifo do autor) ao afirmar que, embora a concepção de natureza tenha sido melhor sistematizada no século XVIII, esse tempo “[...] longe de ‘inventar’ a natureza, fez apenas explorar, com intensidade e riqueza nunca vistas, o conjunto de suas potencialidades”. Ou seja, o conhecimento acumulado sobre a temática nas dinâmicas colonizadoras de América encontrou protagonismo num contexto de elaboração de novas críticas políticas e sociais.

Nesse contexto em diante, tanto na Europa como nas Américas, a exaltação da natureza teve como consequência pedagógica a prescrição de atividades diversas, tais como exercícios físicos ao ar livre, escotismo, colônias de férias, excursões, ações de civismo e natureza (dia da árvore), hortas escolares, divulgação de métodos de ginástica, construção de parques etc.1 Em contraste, há de se indagar sobre outra dinâmica que, sincronicamente, permeou os vínculos entre educação e natureza - a perspectiva de civilização/educação pelo trabalho no campo, na qual a natureza é modificada para o mercado, em condição de opressão, direcionada principalmente aos grupos sociais subalternizados. De longa duração histórica, essa prática possuiu origens na naturalização das relações escravistas, tanto na Europa como nas colônias, por meio da mercantilização do trabalho de crianças e jovens. A concretização dessa concepção se fez no século XIX, pela prescrição de instituições de ensino agrícola como fonte de ‘regeneração’, promovendo a desigualdade na oferta escolar e o racismo. Como é possível que os apelos por uma educação pela natureza atendam concomitantemente a dois propósitos tão distintos? Para o desenvolvimento dessa questão, esse texto se organiza em três itens.

No primeiro remonta-se às origens da elaboração do discurso idílico, privilegiando-se as fontes que retratam tal concepção, embora não se desconheça outras narrativas. Foram investigados relatos de viajantes e obras produzidos nos séculos XVI a XVIII, de modo a demonstrar as impressões edênicas dos europeus no contato com a natureza e os povos de América. Os documentos pesquisados foram: as cartas de Américo Vespúcio (1454-1512), escritas em 1502 e 1503; os relatos de André Thevet (1502-1590), em Singularidades de França Antártica (1557); e as obras Ensaios (1580), de Michel de Montaigne (1533-1592); Segundo tratado sobre governo civil (1690) e ‘Alguns pensamentos acerca da educação’ (1693), de John Locke (1632-1704); Emilio (1762), de Rousseau (1712-1778), dentre outras obras de época. Uma interlocução teórica fundamental para a escrita desse tópico é o conjunto de autores que, desde os anos de 1950, criticam a escrita eurocêntrica da história, e alertando sobre os efeitos nos estudos dos povos ‘não ocidentais’.

O segundo e o terceiro itens demonstram a dimensão eurocêntrica vigente nas concepções pedagógicas e práticas de ensino, difundidas no Brasil, que enfatizaram a relação entre educação e natureza. Mais especificamente, no segundo item, discorreu-se sobre as práticas educacionais na perspectiva romantizada, quando a celebração da natureza apareceu nos currículos, em sugestões de atividades e nas comemorações escolares, com ênfase no contexto de propagação do ideário do movimento da escola nova. Já o terceiro trata da dimensão opressora, presente na proposição de instituições educacionais rurais para regeneração de crianças e jovens pobres e pretos. Esses tópicos continuam o diálogo com os críticos do eurocentrismo, mas também com autores representantes do movimento da escola nova e da história da educação, estudos essenciais para o diálogo com as fontes documentais aqui pesquisadas, tais como legislação, jornais, revistas e anais de eventos.

A ‘descoberta da natureza’ no processo colonizador/civilizador

Certamente, se o ‘paraíso terrestre’ estiver em alguma parte da terra, creio não estar longe daquelas regiões, cuja localização como disse, é para o meridiano, em tão temperado ar, que ali nunca há invernos nem verões férvidos (Mundos Novus, 1503 apud Amado & Figueiredo, 2001, p. 319, grifo nosso).

Esse é um conhecido trecho da Carta de Américo Vespúcio, de 1503, para seu amigo Lourenço dei Medici, na qual relata sobre sua viagem às costas brasileiras em 1501. A perspectiva edênica registrada repete-se em outros escritos e iconografias dos séculos XVI e seguintes, em narrativas que expressam novas experiências sensoriais, culturais, econômicas e políticas. Ressalta-se que a Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, também repleta de referências edênicas, não teve a mesma difusão e circulação na Europa como as de Vespúcio2.

Os assuntos e fatos relatados eram desconhecidos no ambiente europeu e incitaram uma produção intelectual que destoava da tradicional, tais como a exaltação da natureza exuberante, da pureza e inocência dos corpos nus, dos bons hábitos, da dieta saudável, da estética e da bondade natural dos povos originários. Acresce-se a isso as reflexões sobre a propriedade comunal e autogoverno, as relações afetivas e a virtuosidade. Importante destacar que o discurso edênico não foi o único, apesar de predominante, sendo possível encontrar relatos que fantasiavam e demonizavam tanto a natureza como a sua humanidade (Souza, 1986). Por sua vez, a edenização prevaleceu na descrição da natureza, mas, no caso das pessoas, foi cada vez mais recorrente os questionamentos quanto à existência de humanidades diversas entre indígenas, pretos e mestiços (Souza, 1986).

A dinâmica da escrita se fazia em sincronia com os acontecimentos. Por exemplo, desde fins do século XVI, com o avanço da colonização, da intensificação da ocupação das terras dos povos originários e da sua escravização, além da mercantilização dos corpos africanos, os discursos enaltecedores da docilidade do gentio cederam lugar a adjetivações que expressavam seu comportamento de resistência ante a opressão: bárbaros, bestiais, cruéis, indolentes, preguiçosos etc. (Leonardi, 1996).

De outro lado, como estratégia de dominação/civilização, os relatos também disseminaram uma representação do ‘novo mundo’ como um mar de ausências: ‘sem terra, sem lei, sem rei’, fundamentando a bipolarização entre civilização e barbárie. Essa interpretação, por sua vez, favoreceu a sistematização dos principais conhecimentos fundadores da chamada civilização ocidental: propriedade privada, economia de mercado, exploração do trabalho, estado centralizado e educação como fonte civilizadora.

Dentre os vários relatos, os de Américo Vespúcio podem ser considerados como os mais importantes, uma vez que tiveram ampla circulação, disseminaram a narrativa edênica e noticiaram de primeira mão a existência de um novo continente, a “[...] quarta parte do mundo” (Lester, 2012, p. 17). Na mais famosa das cartas, Mundus Novus, de 1503, Vespúcio chega a colocar em questão a autoridade dos antigos, que afirmavam não haver terras ou vidas ao sul do Equador e além do Atlântico. Assim afirma,

[...] por mando desse Sereníssimo Rei de Portugal, às suas custas e com sua frota - procuramos e encontramos, as quais [as novas regiões] ‘é licito chamar de Novo Mundo: porque nenhuma delas era conhecida dos nossos maiores’, porque é coisa novíssima para todos os que ouviram falar delas; e porque isso excede a opinião de nossos antepassados [...]. Todavia, essa última navegação constatou que ‘essa opinião deles é falsa e totalmente contrária à verdade, já que encontrei naquelas partes meridionais um continente habitado por mais numerosos povos e animais do que na nossa Europa, ou Ásia, ou África’ (Mundus Novus, 1503 apud Amado & Figueiredo, 2001, p. 307-308, grifo nosso).

Vespúcio, além de contrariar a ideia de terra vazia, noticia o povoamento abundante de pessoas e animais silvestres, vivendo em uma terra fértil e amena, banhada por muitos rios e fontes. E mais,

[...] as árvores crescem sem cultivador, muitas das quais dão frutos deleitáveis no sabor e uteis aos corpos humanos [...] E, nenhuns frutos ali são semelhantes aos nossos. Ali são produzidos inúmeros gêneros de ervas e raízes, das quais fabricam pão e ótimas iguarias. Há muitas sementes totalmente diferentes dessas nossas (Mundus Novus, 1503 apud Amado & Figueiredo, 2001, p. 318).

Quanto à população nativa, descreve-a, no contexto dos primeiros contatos, como um povo bonito, saudável (sem doenças e longevos), forte, limpo; gente mansa e tratável, corpos bem-dispostos e proporcionais etc. E, lógico, o espanto por andarem todos nus e terem bens e terras em comum, além do que “Vivem ao mesmo tempo sem rei e sem comando, e cada um é senhor de si mesmo” (Mundus Novus, 1503 apud Amado & Figueiredo, 2001, p. 315). Essa carta de 1503 foi divulgada em várias traduções e versões, acrescidas de notas dos tradutores e comentaristas. De acordo com Roberto Levillier (1958, p. 105, grifo nosso),

[...] em 5 anos, de 1503 a 1508, e em nove cidades, fizeram-se ‘doze edições latinas do’ Mundus Novus e, no mesmo espaço de tempo, em sete cidades alemãs, ‘doze edições germânicas’. Em Antuérpia foi feita uma edição em ‘holandês’ e outros arranjos nessa língua e em inglês. Na Lorena, em 1507, a sua última carta, a Lettera, traduzida para o latim com o título de Quattuor Navegationis, apareceu na Cosmografia Introductio do Ginásio Vosgiano. Incluído nessa obra, que conheceu sete edições em um ano, circulou também pela primeira vez um mapa do mundo, datado de 1507 e assinado por Waldsee-müller, onde as novas terras são denominadas América [...] miscelânia de viagens de ultramar, na Espanha e Portugal, editada por Montalboddo com o título genérico de Paesi Novamente Retrovati incluiu a terceira viagem de Vespúcio relatada em Mundus Novus e alcançou em poucos anos ‘16 edições, italianas, latinas, alemãs e francesas’.

O sucesso editorial foi inquestionável e alguns autores destacam que as novidades do novo continente, difundidas na Europa, foram decisivas para o aparecimento de outras concepções de mundo e natureza3. Por exemplo, o conhecimento inédito sobre ervas e plantas medicinais estimulou as preocupações científicas do Renascimento europeu (Amado & Figueiredo, 2001); já a fantasia geográfica, a vida paradisíaca, de igualdade e liberdade, são temas presentes em Erasmus (Elogio da loucura, 1509), em Thomas Morus (Utopia, 1516), em Rabelais (Gargântua e Pantagruel, 1532), Montaigne (Ensaios, 1580), na teoria da bondade natural em Rousseau (Do contrato social e Emilio, 1762), dentre tantos outros autores. Por sua vez, os reiterados questionamentos sobre povos sem lei, sem propriedade privada e sem trabalho regular, ao que tudo indica, inspiraram autores do liberalismo e Iluminismo como John Locke (Segundo tratado sobre o governo civil, 1689) e Montesquieu (Do espirito das leis, 1748), autores que sistematizaram a ideia de lei, propriedade e trabalho como fontes de civilização4 (Franco, 2000; Echeveria, 2011).

Nos relatos de Vespúcio, como no de outros, a interpretação do habitante nativo se confunde com a própria natureza física, fonte principal da perplexidade e da retórica recorrente da ausência. Assim descreve:

Não têm nem lei, nem fé alguma. Vivem segundo a natureza. Não conhecem a imortalidade da alma. Não possuem entre si bens próprios porque tudo é comum. Não têm fronteiras de reinos ou província; não têm rei nem obedecem a ninguém; cada um é senhor de si. Não administram justiça, que não é necessária para eles, porque neles não reina a cobiça. Habitam em comum, em casas feitas à maneira de cabanas muito grandes [...] (Vespucci, 2013, p. 81).

Com perspectiva semelhante, anos depois, em 1557, o frade franciscano e cosmógrafo André Thevet (1502-1590) publicou ‘Singularidades de França Antártica’, um livro com ilustrações que relata a viagem feita ao Brasil, entre 1555 e 1556, no contexto da colonização do Rio de Janeiro pelos franceses (1555-1567). Conforme Estevão Pinto, prefaciador da edição brasileira (Thevet, 1944, p. 191), a obra também teve ampla circulação. Thevet não tinha nenhuma dúvida quanto à humanidade do povo nativo, como diz, “Os indígenas, não só os da Índia Oriental, mas também os da América, saem do ventre materno tão belos e limpos quanto as crianças nascidas na Europa”. E foi com deslumbramento que Thevet descreveu sua chegada à quarta parte do mundo:

Aproximando-se da América cerca de cinquenta léguas, observei um facto digno de memória e que não quero deixar no esquecimento: ‘comecei a sentir o ar da terra, um ar muito diverso do das marinhas. E a sentir o suave odor das árvores, ervas, flores e frutos do país, melhor e mais agradável que o de qualquer outra região’, mesmo a do Egypto. E deixo-vos imaginar quanta alegria sentiram os míseros navegantes, há tanto tempo privados e desesperançados do uso desses alimentos (Thevet, 1944, p. 141, grifo nosso).

Seu texto, rico em descrições detalhadas sobre a fauna e flora do Brasil, ao tratar dos seus habitantes, repete o bordão sem fé, nem rei, nem lei, senão vejamos,

E’ essa região, na parte mais bem conhecida e explorada (cerca do trópico brumal, ou mesmo mais os além) habitada por ‘povos maravilhosamente estranhos e selvagens, sem fé, lei, religião e civilização alguma’. Os selvagens vivem à maneira dos bichos, tais como os fez a natureza, alimentando-se de raízes e andando sempre nus, tanto homens como mulheres, pelo menos até que, ao contato dos europeus, se venham despojando, aos poucos, dessa brutalidade e vestindo-se de um modo mais conveniente (Thevet, 1944, p. 175, grifo nosso).

Já na contramão dos relatos que descrevem os povos nativos americanos como selvagens e brutos, devido ao seu estado de natureza, sobressai Michel de Montaigne (1533-1592). Em ‘Sobre os canibais’ na obra Ensaios de 1580, o autor trata dos índios do Brasil. Entretanto, Montaigne não viajou para as novas terras, sua obra sobre o índio brasileiro foi escrita com base nos registros de viajantes como Thervet, Léry, Girolamo Benzoni, além de relatos orais colhidos de marinheiros, mercadores, ou de participantes da frota de Villegaignon (Franco, 2000)5.

Montaigne repete as descrições de seus contemporâneos relativas à exuberância da natureza, fertilidade das terras, o clima ameno; faz referência à propriedade coletiva, da disposição dos indígenas, longevidade, ausência de doenças etc. Mas sua principal diferença em relação aos outros autores é a crítica à concepção daqueles povos como pessoas barbaras, e, para isso, o autor resgata o termo bárbaro na origem grega, usado para nomear povos de nações estrangeiras, e pondera: “[...] acho que não há nada de bárbaro e de selvagem nessa nação, a não ser que cada um chama de barbárie o que não é de costume” (Montaigne, 2010, p. 132). Para o autor, não era possível nomeá-los como bárbaros, se comparados aos europeus, uma vez que “[...] os ultrapassamos em toda espécie de barbárie” (p. 134). Para Montaigne, são os europeus os verdadeiros selvagens, aqueles que corrompem a natureza, ou seja,

Eles [os índios] são selvagens assim como chamamos selvagens os frutos que a natureza produziu por si mesma e por seu avanço habitual; quando na verdade ‘os que alteramos por nossa técnica e desviamos da ordem comum é que deveríamos chamar de selvagens’. Naqueles são vivas e vigorosas, e mais úteis e naturais, as virtudes e propriedades verdadeiras, e, nestes nós as abastardamos ‘adaptando-os ao prazer de nosso gosto corrompido’ (Montaigne, 2010, p. 132, grifo nosso).

Na continuidade da circulação das ideias, Locke, no Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil, de 1690, expõe a existência de um estado natural primitivo, com rudimentar organização social, mas não propriamente como um paraíso, em referência explicita ao ‘homem americano’ (Locke, 2014). E, em ‘Alguns pensamentos acerca da educação’, de 1693, Locke apresentou questões muito coerentes com os saberes elaborados no período, inspirados na natureza do mundo novo, especialmente na parte em que discorre sobre educação do corpo: a ideia da criança como tábula rasa, sugestão de banhos frios, andar descalço, levantar cedo, praticar atividades ao ar livre, dieta natural, líquidos frios, roupas soltas etc. (Locke, 1999).

No século seguinte, tanto Montaigne como Locke foram citados por Rousseau em duas de suas mais importantes obras, A origem da desigualdade entre os homens (1755) e Emilio ou da educação (1762), essa última um clássico da pedagogia, na qual as associações entre educação e natureza caracterizam toda a obra, com ampla repercussão nas pedagogias posteriores, incluindo a pedagogia da escola nova. O autor se propôs a romper com os modelos de educação que concebiam a criança como um pequeno adulto, portanto, lança mão da natureza como a primeira educadora, “A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de ser homens” (Rousseau, 1992, p. 75). Da experiência dos povos originários de América, orienta as mães sobre a importância da amamentação e da convivência afetiva com os filhos, critica a deformação dos corpos pelo uso de faixas e comenta: “Na multidão de crianças que, ‘entre os povos mais sensatos do que nós’, são criadas com inteira liberdade de seus membros, não se vê uma só que se fira ou se estropie” (p. 19, grifo nosso).

Entre as várias prescrições de educação, como a vida no campo e a exploração dos sentidos, Rousseau (1992) aconselha sobre a importância da atividade física na educação da criança. Ao comparar o camponês europeu com a autonomia dos ‘povos nativos americanos’, afirma: “[...] em geral, não há nada mais pesado que um camponês, nem nada mais fino que um selvagem” (p. 112). E, assim, explica a origem da discrepância:

O selvagem é diferente: não estando preso a nenhum lugar; não tendo tarefa prescrita, não obedecendo a ninguém, tendo por lei tão somente a sua vontade, é forçado a raciocinar em todas as ações de sua vida; não faz um movimento, não dá um passo, sem ter de antemão encarado as consequências. Assim, quanto mais seu corpo se exercita, mais seu espírito se ilumina, sai força e sua razão crescem juntas e se ampliam uma pela outra (p. 112).

É certo que a chegada dos colonizadores a um mundo novo, paraíso terrestre, colocou a Europa de ponta cabeça, pois muito do que se fez e se produziu desse contexto em diante teve a América, sua natureza e seus habitantes, como alicerces da produção de um novo padrão de vida na Europa, visto que a exploração da terra e das minas, pela escravização dos povos originários e africanos favoreceu o enriquecimento e fortalecimento político das cortes e da Igreja, bem como o protagonismo da burguesia comerciante. Por sua vez, junto ao desenvolvimento mercantil, as novas experiências colonizadoras foram também fontes de questionamento dos europeus quanto aos seus próprios valores, costumes e crenças, ocasionando a elaboração de novos aportes teóricos e conceituais, expressos em movimentos conhecidos como reforma religiosa, Renascimento e, principalmente, o Iluminismo. Assim, os registros sobre estado de natureza, inocência, bondade natural, vida em liberdade, fraternidade e comunitarismo tomaram conta dos pensadores europeus do século XVIII, bem como da vida nas cortes.

Não obstante, na perspectiva da historiografia eurocêntrica, a história de América Latina é periférica em relação a tais acontecimentos, interpretados como intraeuropeus (Dussel, 2005), o que ensejou críticas de vários historiadores e a formulação do pensamento decolonial. Embora o impacto causado pelo contato de pessoas oriundas de Europa com os povos e as terras banhadas pelo Atlântico, seja na América, seja na costa ocidental de África, já venha sendo estudado há tempos, ainda perdura com vitalidade uma historiografia eurocêntrica. Tal concepção é orientada pela ideia de Europa como fundadora da chamada modernidade e se apresenta como uma história única, pela imposição de um modelo racional/civilizacional de sociedade, por meio da invisibilização/negação do outro (Lander, 2005). Dentre muitas consequências, a tradição da história eurocêntrica na interpretação dos modos de vida de povos não europeus fez perdurar a retórica da falta/ausência, ainda muito recorrente na referência ao ‘outro’6.

Processo civilizador, educação e natureza

O processo de elaboração idílica da natureza, desenvolvido desde o século XVI, motivou a inserção do tema educação e natureza nos debates pedagógicos, a ser incorporado na educação das sensibilidades das crianças, e se afirmou como procedimento pedagógico alternativo aos métodos tradicionais de aprendizagem. A partir de meados do século XVIII proliferaram-se utopias pedagógicas fundadas no encontro criança e natureza ou criança e ‘povos primitivos’; já no século XIX em diante, a temática aparece nos currículos, nas práticas escolares e nas orientações didáticas. Por outro lado, no mesmo contexto, a relação dos corpos das pessoas com a natureza também se apresentou manipulada pela ciência com o desenvolvimento dos conhecimentos do higienismo, da biologia e eugenia, com ampla repercussão na educação escolar (Rocha, 2003; Stepan, 2005). Tais estudos científicos oportunizaram a naturalização das diferenças de gênero e raça, ao defender a inferiorização intelectual das meninas, bem como das crianças pretas, indígenas e mestiças, aprofundando o racismo.

No século XX, com a denominação pedagogia da escola nova, a perspectiva idílica da relação entre educação e natureza se consolidou, como podemos identificar no conhecido artigo de Adolphe Ferrière (1879-1960), no qual ele elenca as 30 características das escolas novas elaboradas pela Liga Internacional para a Educação Nova. Na terceira, afirma:

‘A nova escola está localizada no campo’. A) O campo é o ambiente natural da criança. Lá ela encontra a calma que seu sistema nervoso precisa. B) ‘Oportunidade de experimentar brincadeiras primitivas e trabalho de campo’. C) Para os adolescentes, a proximidade de uma cidade é desejável para a educação intelectual e artística (museus, concertos, etc.) (Ferrière, 1925, p. 5, grifo nosso, tradução nossa)7.

É muito curioso notar que Lourenço Filho (1897-1970), um dos expoentes do escolanovismo no Brasil, em seu livro Introdução ao estudo da Escola Nova (primeira edição em 1929), ao reproduzir as orientações da Liga, faz omissões/substituições que merecem ser questionadas. Por exemplo, no mesmo item três, ele omite/substitui a orientação de ‘experimentar brincadeiras primitivas e trabalho de campo’ por outras expressões como ‘empreendimentos simples’, ‘trabalhos rurais’, e acrescenta o ‘auxílio à cultura física e moral’, senão vejamos,

3) ‘A Escola Nova está situada no campo’, porque este constitui o meio natural da criança. O influxo da natureza, ‘as possibilidades que oferece para empreendimentos simples, os trabalhos rurais que permite realizar, representam o melhor auxílio à cultura física e moral’. Para progresso intelectual e artístico, é desejável, porém, que fique próxima a uma cidade (Lourenço Filho, 1974, p. 163, grifo do autor).

Qual teria sido o motivo da tal omissão/substituição? Dentre várias conjecturas, podemos indagar sobre quem seria o destinatário do discurso da escola nova brasileira, num contexto de índice elevado de crianças não alfabetizadas, poucas escolas e trabalho infantil? Seria prudente indicar ‘brincadeiras primitivas e trabalho de campo’ para filhos de classe média?

De qualquer modo, em que pese omissões e acréscimos, o livro de Lourenço Filho, com ampla circulação no Brasil e tiragens expressivas, divulgou a pedagogia da escola nova, originária de Europa (Monarcha, 2000). Nela a perspectiva da natureza educadora é recorrente, como pode ser observado nas atividades propostas de jardinagem e criação de animais, cultura do corpo e ginástica natural, excursões, acampamento etc. (Lourenço Filho, 1974). Há de se destacar a concepção rousseauniana de que a natureza aproxima as crianças do primitivo, contudo, para o desenvolvimento de habilidades refinadas, recomendava-se a vida na cidade, a ‘civilização’.

Portanto, como expressão da colonialidade do saber (Quijano, 2005), podemos questionar sobre a proposição de um modelo pedagógico, voltado para a sensibilização dos corpos das crianças com o ‘mundo natural’, cuja importante matriz inspiradora esteve o tempo todo por aqui, na quarta parte do mundo, mas invisibilizada pela dimensão eurocêntrica. Foi a partir dessa perspectiva que diferentes atividades escolares ou extraescolares foram propostas com divulgação em periódicos educacionais e jornais da época, vejamos alguns exemplos.

Em pesquisa realizada na Revista do Ensino, de Minas Gerais, das décadas de 1920-30, encontrou-se uma variedade de artigos que tratam do assunto, bem como fotografias de crianças em práticas de jardinagem e horta, tiradas em Grupo Escolar e Escola Infantil. Dentre os temas, ressalta-se: jardinagem, horticultura, lições ao ar livre, guia de excursão, museu natural, propostas para criação de Centros de Interesse para estudos sobre ‘A Água’, ‘O bicho da Seda’, ‘As Pedras’ etc.

Dentre outros artigos, selecionou-se o que trata da fundação de um ‘Club Agrícola Escolar’ (CA), no grupo de escolar do Butantã, São Paulo, na data de 19/11/1933, dia da bandeira (Revista do Ensino, 1935). Das atividades desenvolvidas, foram citadas, por exemplo, criação de bicho-da-seda e abelha, plantação de amoreira, canteiro de ervas e hortas, além de excursão ao ‘Parque de Indústria Animal’. No relato do aluno da professora fundadora, D. Noêmia, ele informa ainda sobre a confecção de um uniforme específico para os membros do CA e exalta o fato de os alunos estarem vendendo os produtos das plantações com lucro, além de fazerem hortas em suas casas. Ademais, há o relato da festa das árvores, realizada no ano seguinte, uma ‘festa das plantas ou do reino vegetal’, no gosto da D. Noêmia. Como preparo houve a ‘semana do inseto nocivo’, e, conforme o menino, “No dia da festa, 28 de abril, plantamos, em homenagem ao nome da nossa Pátria, duas mudas de pau brasil [...] cantamos hinos, brincamos [...]” (Revista, 1935, p. 105).

A festa da árvore foi um evento muito incentivado no contexto, e é curioso como a data da realização teve variações em algumas localidades do Brasil, no intuito de defini-la também como uma festa cívica. Esse foi o caso do evento realizado em Minas Gerais, em 7/09/1916. Conforme o governo, o dia da independência e o culto à natureza estão associados porque

[...] reside nela a nossa existência econômica, como depende a nossa evolução política, o combate ao analfabetismo. Dar combate a ignorância e simultaneamente, como corolário desse programa, ‘ensinar o povo a amar a terra e protege-la’ [...] é dever de quantos se preocupam com a nossa pátria (O Paiz, 1916, p. 2, grifo nosso).

Ainda, como exemplo de apelo à civilização e ao patriotismo, o Semanário da Criança O Tico-Tico (1918, grifo nosso) anunciava: “Bem hajam essas festas! Elas atestam a civilização de um povo e nos ensinam como devemos ‘amar sempre e cada vez mais a natureza em geral’, e acima de tudo, a do nosso Brasil”.

Conforme o jornal O Paiz, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, o Dia da Criança e o Dia da Árvore foram celebrados conjuntamente no dia 12 de outubro, também dia da comemoração da “Descoberta da América” (O Paiz, 1923a, p. 4). Na edição do dia 16/10, o jornal informava que a festa em Niterói estava confirmada, com adesão de várias outras cidades do Rio de Janeiro para a celebração cívica conjunta, da árvore e da criança (O Paiz, 1923b).

No século XX, a celebração da natureza, como culto cívico e moral, ou mesmo como higiene mental, proposto pelo ideário pedagógico do movimento da escola nova em diversas atividades escolares e extraescolares, nos atestam sobre as contradições entre uma natureza subjugada pela sua utilidade de mercado e a sua exaltação romântica, cujas origens remontam aos séculos anteriores.

Civilização dos pobres - natureza e opressão

A elaboração da concepção de natureza educadora também se fez de modo opressor. No mesmo contexto em que os povos originários de América eram exaltados pelos viajantes, como gente destemida, fraterna, virtuosa, os seus corpos e mentes foram submetidos pelos colonizadores e a natureza devassada. Com a chegada dos povos africanos, em meados do século XVI, traficados nos mercados negreiros, sob o poder de portugueses, consolidou o que Quijano (2005, p. 108) denominou divisão racial do trabalho, ou seja, “As novas identidades históricas produzidas sobre a ideia de raça foram associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho”.

No processo civilizador/colonizador, com repercussão nos dias atuais, não somente raça e divisão do trabalho foram estruturalmente associados, mas também o trabalho e a terra foram transformados em mercadoria. Sob esse ângulo, disseminou-se o entendimento de Europa como história e cultura e as colônias como barbárie e superstição, justificativa contumaz para a dominação e apropriação da natureza, da terra, dos seus recursos e produtos. No âmbito desse processo, constata-se que, para os grupamentos humanos diretamente dependentes da terra, a universalização da lógica dual entre natureza e cultura se fez pela desconstrução violenta de seus modos de vida. De modo paradoxal, o trabalho na terra, o contato do corpo dessas populações com a natureza, no âmbito da sociedade de mercado, passou a ser executado como opressão. Portanto, em uma análise de longa duração, podemos detectar que não é recente a prática de educar os corpos de crianças pobres, pretas e indígenas, na tirania da experiência do trabalho forçado na terra, uma vivência nada romântica com a natureza.

Já no período pós-independências, no contexto de desenvolvimento da escolarização, a concepção pedagógica de regeneração pelo trabalho na terra esteve presente nas proposições de educação agrícola para as ‘crianças desvalidas’. No Brasil, desde a lei do ventre livre (1871), intensificou-se o debate relativo à criação de instituições de educação agrícola para crianças pobres e pretas, questão amplamente debatida, por exemplo, no Congresso Agrícola de 1878, ocorrido no Rio de Janeiro e em Recife (Fonseca, 2002).

Por época da criação da Associação Protetora da Infância Desamparada, os proponentes afirmam o seguinte, em circular de 23 de julho de 1883,

Velar pela educação da geração que cresce e sobretudo a das crianças privadas do sustento de seus protetores naturais, como foi produzido pela Lei de 28 de setembro de 1871, é um objeto de importância incontestável. O número destes infelizes não é pequeno, as medidas tomadas pelo governo a este respeito o provam. [...] ‘Dar-lhes hábitos de trabalho e gosto pela agricultura’, fonte primeira da riqueza do país, inculcando-lhes ao mesmo tempo, os sólidos princípios da primeira educação, parece ser a tradução fiel do sentimento nacional (apud Almeida, 1989, p. 247, grifo nosso).

Mas foi no século XX que tais propostas se consolidaram, tanto a nível nacional como estadual. Por exemplo, em Minas Gerais, destacou-se a fundação do Instituto João Pinheiro em Belo Horizonte, no ano de 1909. Por época da realização do II Congresso de Instrução Primária e Secundária, na mesma cidade, essa instituição foi assim apresentada, “Além do ensino primário agrícola, de caráter prático que se ministra neste instituto, de par com a educação moral e intelectual; ‘ao menino apanhado no meio da rua, temos também o ensino prático agrícola’ que é feito na fazenda da Gameleira propriamente” (Annaes..., 1913, p. 206, grifo nosso).

Em 1919, o governo brasileiro determinou a fundação de Patronatos Agrícolas em todo o Brasil. Pelo Decreto nº 13.706, de 25/07/1919, artigo 2º, a escola foi definida como “[...] um instituto de assistência, proteção e tutela moral aos menores [...] recorrendo para esse efeito ao trabalho agrícola, sem outro intuito que não o de utilizar sua ação educativa e regeneradora, com o fim de os dirigir e orientar, até incorporá-lo ao meio rural” (Decreto nº 13.706..., 1919, grifo nosso).

A instituição era destinada a meninos entre 10 e 16 anos, não portadores de doenças, “[...] que os inabilitasse para serviços agrícolas ou de indústria rural” (apud Nagle, 2009, p. 202). De acordo com Nery (2009, p. 28), “Os Patronatos responderiam a um duplo aspecto: aquele voltado para o aprendizado de técnicas profissionais ligadas ao trabalho agropecuário e o voltado para a regeneração das crianças, tendo por arcabouço um rigoroso código disciplinar”. Portanto, nas práticas escolares de instituições destinadas à regeneração de crianças, observa-se uma trajetória de opressão. As correções dos corpos pervertidos se fizeram pela prescrição do trabalho no campo e da exaustão física, sendo que o ambiente rural e o contato com a natureza se apresentaram como pedagógicos, em detrimento ‘dos vícios das cidades’. Essa concepção é evidente na legislação que reorganiza o Instituto João Pinheiro, de 1920 (Decreto nº 5.387, de 22/7/1920). O artigo 1º estabelece que

Os fins do estabelecimento são, recolher e cuidar de menores desprovidos de assistência, ‘para trata-los preventiva ou regenerativamente’, dando-lhes educação moral, física e intelectual, e ‘sobre agricultura’, a prática necessária para que possam ser futuros colonos dos núcleos do Estado, ou seguir, de outra forma, sem dificuldades, a profissão de agricultor (apud Mourão,1962, p. 328, grifo nosso).

Ainda segundo a nova lei, estava previsto no regime de internato trabalho diário de 8 horas na agricultura, e, do lucro apurado com a venda da produção, somente 5% era para o aluno. Curioso observar que, no artigo 32, afirmava-se que o desenvolvimento físico seria garantido ‘pelo trabalho diário na lavoura’, orientação também presente no Regulamento da assistência e proteção a menores abandonados e delinquentes (Decreto nº 7680, de 3/6/1927). No capítulo XVIII do regulamento, relativo à escola de reforma para menores pervertidos, o artigo 157 estabelecia que “A educação física compreenderá a higiene, a ginastica, os jogos desportivos, ‘o trabalho diário na lavoura’, os exercícios militares e outros adequados” (Collecção..., 1927, p. 591, grifo nosso).

Esse regulamento não só estabeleceu a condição de ser uma criança abandonada, pervertida ou delinquente, como prescreveu a fundação de três tipos de instituições, destinadas a esse público, respectivamente, abrigo de menores, escolas de preservação e escolas de reforma. Para todas as instituições, consta a orientação de regeneração pelo trabalho na terra; o artigo 109 indica a existência de terreno para horta, jardim e pomar, e os artigos 109, 124 e 162, o ensino da agricultura como obrigatório. O documento consolidou um entendimento pedagógico, já em curso no Brasil desde a chegada dos portugueses e amplamente aplicado em crianças indígenas e crianças africanas escravizadas, qual seja, o princípio educador/regenerador do trabalho na terra, no contato com a natureza. O documento determinou

[...] a instalação de escolas regenerativas que acolherão os menores desassistidos de tratamento educativo e como complemento, ‘determina que as escolas se localizem em zonas rurais’, onde maiores são os estímulos para o seu funcionamento regular. Acentuam todos quanto se entregam ao estudo do problema da assistência, que ‘a estrutura dominante das casas de prevenção e regeneração da infância é a de feição agrícola’ [...]. Com efeito, não se pode negar, que o ‘contato constante e direito com a terra, o amanho desta pelas mãos da criança’; [...] é de excelentes resultados como ‘escola de educação física e moral da infância, cujo espirito se afeiçoa ao habito do trabalho’ (Collecção..., 1927, p. 551-552, grifo nosso).

Em relato sobre visita de autoridades ao Instituto João Pinheiro, feita por época da realização da II Conferência Nacional de Educação da Associação Brasileira de Educação, em 1928, afirmava-se que

O estabelecimento foi localizado na zona rural por motivos vários, avultando dentre deles o ‘fato de ser doutrina pacífica que a feição dominante das casas de prevenção e regeneração da infância é a feição agrícola sob o regime familiar’. Agrícola porque é o contato direto e constante com a terra e a ‘esperança de ter em breve, dadivosamente restituídas em frutos, as sementes atiradas a terra’; a realização dessa esperança é [...] o ‘afeiçoar-se a criança ao hábito do trabalho do qual irá mais tarde viver’ (Páginas..., 2004, p. 180, grifo nosso).

O principal argumento era de que ao habituar as crianças ao trabalho na terra também as habilitaria para uma atividade de autossustento. Na afirmação de outro político, no mesmo contexto, ele afirma:

Aqui prepara-se para a vida, aguando-lhe a inteligência, formando-lhe o caráter e ‘temperando-lhe a energia com uma propositada carência; dificultando-lhe o trabalho para que aprenda a utilizar-se das próprias mãos como a ferramenta para todo o oficio’ [...] semeie e veja crescer, florir, frutificar a sua lavoura, e, ‘feliz, à sombra do seu telhado’, sentindo o perfume da aroeira florida, abençoes a Providência que o salvou do vício, ‘o trabalho honesto garantindo-lhe a prosperidade e a honra’ (Páginas..., 2004, p. 180, grifo nosso).

Importante destacar que, nesse contexto, o Brasil era um país essencialmente rural, latifundiário, sendo péssimas as condições de vida e trabalho da população do campo, além de estampar alta taxa de mortalidade infantil. A possibilidade dos jovens, sobreviventes dessas instituições virem a ser proprietários de terra, ou mesmo de serem felizes à ‘sombra sob seu próprio telhado’, era nenhuma. Desse modo, um conjunto de circunstâncias contribuiu para a inferiorização das populações rurais, quais sejam, a impossibilidade de se estabelecerem como proprietários, o lastro das relações de trabalho escravistas e a própria existência de escolas reformatórias de característica agrária, com trabalho forçado das crianças. Diferentemente da fala da autoridade, não havia nenhuma garantia para ‘prosperidade e honra’, pelo contrário, as populações do campo foram estigmatizadas, denominadas jecas e caipiras, sem lugar para idílios.

Observa-se ainda que a perspectiva eurocêntrica presente na proposição pedagogia do trabalho opressor no campo para as classes menos favorecidas também contribuiu para a sua criminalização. O processo colonizador permanece, especialmente no caso do trato das populações pretas e mestiças, marginalizadas do progresso econômico. Ainda consoante o afirmado no regulamento de 1927,

[...] nos ‘países prósperos e cultos’, devido ao ‘avanço da sociologia criminal’, a orientação é de diminuir gradativamente os castigos e penas, reprimir a vadiagem, restringir a fabricação e venda de bebidas alcoólicas, e, dentro do possível o uso de tóxicos; organizam-se sociedades cooperativas ‘e colônias agrícolas’ (Colleção..., 1927, p. 551, grifo nosso).

Considerações finais

A chegada de europeus na América marcou definitivamente a dominação colonizadora do mundo pela colonização dos seres, dos saberes, das linguagens e das histórias dos colonizados. Na perspectiva decolonial, esse processo histórico culminou com a elaboração, nos séculos XVIII e XIX, de um imaginário de tempo e espaço mundial constituídos na narrativa de uma história única, tendo a Europa como centro (Lander, 2005). A perspectiva eurocêntrica se impôs pelo ocultamento da experiência de outros povos e culturas, eliminando-as e/ou submetendo-as.

Não obstante, o contato dos colonizadores europeus com o cotidiano de vida dos povos originários das Américas, povos ‘sem fé, sem rei, sem lei’, foi fundamental para a disseminação de novos questionamentos. Pelo menos duas vias podem ser detectadas nesse percurso - de um lado, a constatação real da possibilidade de existência de outras dinâmicas sociais da existência humana, de outro, a elaboração de um conjunto de teorias e conceitos que passaram a explicar e justificar o ‘mundo civilizado’.

Nessa época teve lugar um amplo movimento filosófico que refletiu, dentre outros assuntos, sobre a humanidade e a natureza, ou melhor, sobre a perspectiva da natureza educadora, como observado nos filósofos iluministas de referência na Pedagogia. O que demonstramos nesse texto foi a perceptiva aparentemente contraditória de como o debate se estabeleceu. De um lado, predominou a exaltação e romantização da natureza, como locus utilitário de conhecimento, mas também de prazer, sendo que desse discurso se beneficiaram as cortes europeias e a burguesia emergente, bem como fundamentou as propostas de renovação pedagógica, difundidas principalmente a partir do século XX. Mas, em contraposição, a prática colonizadora não teve nada de idílio, pelo contrário, desde seu início, os paraísos foram sendo destruídos pelos mandos dos reis, e os povos originários e africanos escravizados, que tinham na natureza o seu cerne legítimo da existência, tiveram suas histórias saqueadas.

Como parte do processo civilizador/colonizador, as elites, ao mesmo tempo que cultuaram a natureza, cuidaram também de monopolizar e mercantilizar os processos de sua exploração. Nesse contexto, reforçaram-se a práticas de subalternização dos povos colonizados, além de solidificar os estigmas de povos selvagens e bárbaros - numa mesma conjuntura, a natureza foi celebrada como elemento restaurador da vida, mas também vivida como elemento opressor, pelo trabalho forçado na terra. Se numa longa duração histórica, para as crianças escravizadas e subalternizadas, a relação educação e natureza já se estabelecia como opressão, pela exploração do trabalho infantil, o mesmo não aconteceu para as crianças de origem social privilegiada. Embora em ambas as situações a natureza se apresentasse como fonte de atividades educadoras, houve uma diferença radical nas intenções pedagógicas, conforme os seus destinatários.

No período pós-Lei do ventre livre e, principalmente, pós-abolição, com a criação das escolas de regeneração ou reformatórios para as crianças pobres e ‘desvalidas’, perdurava a tradição histórica de exploração do corpo infantil pelo trabalho agrícola e o uso da violência. Nessas escolas, a atividade rural não foi proposta como higiene mental ou cultura física, tal qual nas concepções da escola nova, mas esteve inserida no processo de produção econômica, no entendimento de terra e trabalho infantil como mercadorias. Por sua vez, na perspectiva idílica, a natureza se apresentava como revigorante, como identificado nas propostas pedagógicas, aqui analisadas, favorecedoras do encontro entre criança e natureza, tais como atividades ao ar livre, ginástica, banhos de ar e sol, excursões, plantio de hortas etc.; enquanto isso, na outra ponta, o sol quente e o trabalho na terra se estabeleceram como fonte de ‘educação física’ pela exaustão do corpo. Acresce-se ainda que a prescrição de escolas agrícolas para crianças pobres e desvalidas, além de cumprir o propósito disciplinar e produtivo, favoreceu a inserção desigual dessas crianças na sociedade, pela desigualdade da oferta escolar, favorecida pela divisão sociorracial da educação. Podemos afirmar que, vistas sob o ângulo de longa duração histórica, idílio e opressão, no âmbito das relações entre educação e natureza, não se opõem, pelo contrário, se complementam como processos de definição das dinâmicas de exclusão social e racial.

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Rodadas de avaliação:

R1: três convites; uma avaliação recebida.

R2: três convites; duas avaliações recebidas.

Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Licenciamento: Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

1Dentre os muitos autores que se dedicam ao assunto, cito Freitas (2014), Soares (2015) e Silva e Taborda de Oliveira (2021). Conferir também o livro de resumos do ISCHE 40, de 2018, cuja temática foi Educação e Natureza. https://www.ische.org/ische-conference/past-conferences/2018-ische-conference/

2A carta de Caminha foi escrita como relato de viagem para o rei de Portugal, D. Manoel I, em 1500, mas permaneceu por um bom tempo desconhecida do grande público. Em 1773 foi feita uma cópia, por ordem do guarda mor do Arquivo da Torre do Tombo, de modo a atualizar as letras, cópia essa encontrada por época da transferência da corte portuguesa ao Brasil, em 1808. Mas somente veio ao conhecimento do grande público em 1817, quando incluída na ‘Corografia Brasílica’, pelo padre Manuel Aires de Casal, tendo sido sua primeira versão impressa censurada, devido à sensualidade na descrição dos corpos (Silva, 2010).

3Após Vespúcio, ampliaram-se as publicações sobre o novo mundo, sua abundante natureza e o exotismo de sua população; dentre muitos exemplos, no século XVI, citamos: André Thevet (1516-1590), aqui analisado, Hans Staden (1525-1576), Jean de Léry (1536-1613). Acresce-se os escritos de religiosos, como os jesuítas Manuel da Nobrega (1517-1570) e José de Anchieta (1534-1597).

4Neide Gondin (2007) ressalta também que os historiadores Gonzalo Fernández de Oviedo (1478-1557) e Pietro Martire d'Anghiera (1457-1526) foram lidos por Humboldt (1769-1859) e Darwin (1809-1882).

5Embora não tenha ido ao Brasil, ele teve contato com três indígenas do grupo Tupinambá, em 1562, na corte de Carlos IX, em Rouen, França (Franco, 2000).

6Desde os anos de 1950, se avolumam o número de críticos a essa perspectiva. Autores como Aimé Cesaire (1978), Edmundo O’Gorman 1992), Edward W. Said (2007), Samir Amin (2021), Anibal Quijano (2005); Enrique Dussel (2012), Eduardo Subirats (1995); Jack Goody (2008), dentre vários outros, demostram que história europeia não pode ser escrita sem considerar as realizações seculares produzidas pela intelectualidade da Ásia, das populações árabes e da África, bem como não há como silenciar diante da fundamental importância da experiência colonial mercantil, vivenciada em África e América a partir do século XVI. Destaca-se, nessa perspectiva crítica, e com primeira edição em 1937, o brasileiro Afonso Arinos de Melo Franco (2000), em O índio brasileiro e a revolução francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural, embora com inexpressiva circulação no Brasil.

7“L’École nouvelle est située á la campagne. A) La campagne est la milieu naturel de lénfant. Il y trouve le calme dont son système nervous a besoin. B) Possibilité de se livrer aux ébats des primitifs et aux travaux des champs. C) Pour les adolescentes la proximité d’une ville est désirable pour l’édication intellectuale et artistique (musées, concerts, etc.)”.

Recebido: 31 de Janeiro de 2022; Aceito: 10 de Março de 2023; Publicado: 31 de Julho de 2023

Cynthia Greive Veiga:

Possui graduação em História (UFMG) e licenciatura curta em Pedagogia (IEMG). Mestre em Educação (UFMG). Doutora em História (UNICAMP). Pós-Doutorado em História (USP) e Educação (UNIFESP). Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (graduação e pós-graduação). Coordenadora Grupo de Pesquisa Processos Educadores e membro do Centro de Pesquisa GEPHE-FaE-UFMG. Vice-presidente da SBHE. E-mail: cgreiveveiga@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-7275-9209

Editor-associado responsável:

José Gonçalves Gondra (UERJ) E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

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