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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.24  Maringá  2024  Epub 06-Nov-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v24.2024.e300 

ARTIGO ORIGINAL

Universitárias contra regimes ditatoriais: Brasil e Espanha (1960-1970)

Female university students against dictatorial regimes: Brazil and Spain (1960-1970)

Estudiantes universitarias contra los regímenes dictatoriales: Brasil y España (1960-1970)

1Instituto Federal do Paraná, Capanema, PR, Brasil. E-mail: silvana.schmitt@ifpr.edu.br.


Resumo

Este artigo socializa pesquisa comparada realizada no Brasil e Espanha, sobre a militância feminina no movimento estudantil universitário, em períodos ditatoriais. Para tanto, parte de reflexões sobre o contexto histórico, a questão de gênero e a organização estudantil. As fontes utilizadas são essencialmente primárias, dos arquivos das polícias políticas de ambos os países. O artigo pretende recorrer e socializar sobre as condições comuns de inserção das mulheres na vida pública, as características específicas de militância e violência sofridas, em função da questão de gênero, bem como as contribuições fundamentais das mulheres no processo de luta contra as violências emanadas do estado, no processo de organização e reorganização do movimento estudantil universitário, em ambos os países.

Palavras-chave: educação; movimento estudantil; militância feminina

Abstract

This article shares comparative research conducted in Brazil and Spain on female militancy in the university student movement during dictatorial periods. To this end, it begins with reflections on the historical context, the gender question, and student organization. The sources used are essentially primary, from the archives of the political police of both countries. The article intends to resort to and socialize on the common conditions of insertion of women in public life, the specific characteristics of militancy and violence suffered, due to the gender issue, as well as the fundamental contributions of women in the process of struggle against violence emanating from the state, in the process of organization and reorganization of the university student movement, in both countries.

Keywords: education; student movement; female militancy

Resumen

Este artículo comparte una investigación comparativa realizada en Brasil y España sobre la militancia femenina en el movimiento estudiantil universitario durante los periodos dictatoriales. Para ello, parte de reflexiones sobre el contexto histórico, la cuestión de género y la organización estudiantil. Las fuentes utilizadas son esencialmente primarias, procedentes de los archivos de la policía política de ambos países. El artículo pretende recurrir y socializar sobre las condiciones comunes de inserción de las mujeres en la vida pública, las características específicas de la militancia y la violencia sufrida, debido a la cuestión de género, así como las contribuciones fundamentales de las mujeres en el proceso de lucha contra la violencia emanada del Estado, en el proceso de organización y reorganización del movimiento estudiantil universitario en ambos países.

Palabras clave: educación; movimiento estudiantil; militancia femenina

Introdução

O artigo pretende socializar reflexões em respeito à memória das mulheres que lutaram por justiça, liberdade, emancipação e igualdade nos períodos ditatoriais, com ênfase nas universitárias. Para tanto, a proposta pauta-se na pesquisa e levantamento de fontes sobre a participação feminina nos movimentos sociais, em especial, estudantil, durante as ditaduras brasileira e franquista, para analisar a forma como a militância estudantil feminina se fez presente no movimento estudantil universitário. Trata-se de um estudo com a finalidade de refletir sobre a história de mulheres, com a clareza de que representam a coletividade do gênero feminino e as contradições da sociedade de classes.

O método de conhecimento da realidade que baliza esta pesquisa é o materialismo histórico-dialético, com destaque para o fato de que foram as/os socialistas que sistematizaram as reflexões acerca da condição da mulher na sociedade capitalista com caráter científico, em especial, a partir das reflexões sistematizadas por Friedrich Engels, nos livros: A origem da família, da propriedade privada e do Estado (2019) e A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (Engels, 2010), os quais guardam os limites do tempo histórico que foram produzidos, no que diz respeito aos conhecimentos históricos sobre a condição da mulher. Nessa perspectiva, mais recentemente, algumas pesquisadoras têm se dedicado a avançar na questão teórica sobre o problema da condição da mulher, a partir do marxismo, iniciando pelos desafios enfrentados no âmbito do método; propõe-se a Teoria da Reprodução Social (TRS) como possibilidade de avançar nos limites do marxismo no que diz respeito à condição da mulher.

A pesquisa de fontes ocorreu a partir dos documentos nos arquivos da polícia política1, com base nos acervos do Arquivo Nacional, dos Departamentos de Ordem Polícia e Social no Brasil (DEOPS) e dos arquivos de Madri, Archivo General de la Administración de España (AGA), localizado na área metropolitana (cidade Alcalá de Henares); Archivo General Universidad Complutense de Madri e Sindicato de las Comisiones Obreras, com vistas a analisar a forma como a militância estudantil feminina se fez presente no ME universitário.

Além disso, as fontes de pesquisa foram alargadas, em especial, com o acesso aos documentos produzidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), do projeto Brasil nunca mais e outros sites de busca. Ao abarcar a problemática da condição feminina, a compreensão do conceito de gênero e a inserção da mulher na universidade, em ambos os países, também são analisadas.

Sobre a participação das mulheres na Espanha, foi possível recorrer aos arquivos da ditadura franquista, além de depoimentos de mulheres que militaram no período. Apesar de não ter acesso aos arquivos da Brigada de Investigación Social, conhecida popularmente como Brigada Político Social (BPS), órgão que desempenhou função equivalente aos Departamentos de Ordem Política e Social no Brasil, foi possível recorrer aos estudos sobre a polícia política espanhola durante o franquismo; assim, diferentemente do que acontece nos demais países que viveram regimes ditatoriais, o caso espanhol guarda especificidade sobre a BPS, uma vez que os estudos acadêmicos sobre essa temática são recentes, a partir dos anos 2000, inclusive, a Lei de Memória Histórica não cita essa instituição. Muitos documentos ainda não estão disponíveis para consulta e há muitos que ainda não foram consultados (Alcántara Pérez, 2021). Durante o tardofranquismo, a BPS atuou de maneira específica, em especial, nos anos de 1968 a 1975, avançando para enfrentar, além de estudantes e trabalhadores, também “[...] a luta armada ou o terrorismo, os sectores dos profissionais liberais, dos advogados laborais, que a polícia terá de analisar para lhes pôr fim” (Alcántara Pérez, 2021, p. 93, tradução nossa)2.

A pesquisa, no âmbito de um estudo comparativo, ocorreu com a intenção de explicitar que são as condições objetivas que determinam as relações sociais gerais, portanto, a condição da mulher na sociedade de classes, rompendo com limites geográficos, porém, marcados pelo período histórico vivido pela humanidade. Dito de outra forma, questões, como ditadura, condição da mulher, militância feminina, trazem características gerais, bem como específicas, que dizem respeito às questões locais.

A organização do texto abarca uma reflexão geral sobre gênero, patriarcado e marxismo, com a intenção de explicitar o método de conhecimento da realidade que subsidiou a pesquisa, bem como a condição das mulheres na sociedade de classes. Trata-se do arcabouço teórico metodológico que embasa todo o trabalho desenvolvido. No segundo item, são tecidas algumas considerações sobre a condição da mulher nos períodos ditatoriais em apreço, caracterizando as condições objetivas do período no Brasil e na Espanha. A última dimensão da pesquisa aborda alguns elementos específicos da militância feminina no movimento estudantil, em ambos os países.

Gênero, patriarcado e marxismo

Em consonância com a defesa de que a condição da mulher na sociedade capitalista é resultado das relações preconizadas para a manutenção do estado das coisas, o ponto de partida para análise do conceito de gênero está pautado nos estudos desenvolvidos por pesquisadoras e pesquisadores pautados no marxismo. Marx e Engels (2007, p. 32), em A ideologia alemã, já apontaram para o fato de que: “A primeira divisão do trabalho foi a que ocorreu entre homem e mulher visando a geração de filho [...]”; Engels (2019, p. 68) acrescenta: “[...] o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre homem e mulher no casamento monogâmico, e a primeira opressão de classe coincide com a do sexo feminino pelo sexo masculino”.

A questão da mulher implica a organização da sociedade como um todo (Marx; Aveling, 2021, p. 19); sem a mudança social mais ampla, as mulheres nunca serão livres. Dito de outra forma, os estudos precisam avançar para além das primeiras reflexões apresentadas, por isso, tomaremos, com base em Saffioti (2013), o trabalho como fio condutor para compreender a condição da mulher, bem como os estudos sobre a Teoria da Reprodução Social (TRS), a qual tem como base a defesa de que é necessário partir das sistematizações, mesmo que iniciais de Marx, Engels e Lenin, sobre a condição da mulher no capitalismo, por exemplo, o problema da desigualdade entre os sexos dentro da força de trabalho assalariada, para desenvolver os aspectos teóricos sobre a questão (Vogel, 1979).

Avançar nos estudos da teoria marxista é pressuposto para romper com a visão reducionista, fragmentada e alienante sobre a sociedade capitalista, já que se trata de uma totalidade versátil, contraditória, continuamente em movimento, com relações de exploração e alienação que estão constantemente em um processo de transformação. Nessa totalidade de relações sociais, é possível encontrar “[...] relações de poder conectadas a gênero, orientação sexual, raça, nacionalidade, e religião, e todas estão a serviço da acumulação de capital e sua reprodução, ainda que frequentemente de formas variadas, imprevisíveis e contraditórias” (Arruza, 2015, p. 48).

Nessa direção, há a clareza de que o conceito de gênero é embrenhado de condicionantes da sociedade patriarcal, portanto, trata-se de uma produção humana, que não é dada pela natureza, ou seja, é resultado das relações sociais estabelecidas ao longo da história. Saffioti (2015) reitera a defesa de uma postura de que o gênero é uma construção social que “[...] também diz respeito a uma categoria histórica [...]”; trata-se de colocar a defesa do conceito de gênero, no sentido de explicitar que a causa da desigualdade é social, cultural e não biológica, natural. Por isso, “[...] não se procede, pois, a uma naturalização da diferença, como faz a sociedade”. Ainda, nessa direção, consideram-se as considerações de Clara Araújo, no sentido de reiterar o debate levantado por diversas marxistas sobre a concepção de gênero, uma vez que esse conceito coloca-se a partir da “[...] tentativa de compreender como a subordinação é reproduzida e a dominação masculina é sustentada em suas múltiplas manifestações, buscando incorporar as dimensões subjetiva e simbólica de poder, para além das fronteiras materiais e das conformações biológicas” (Araújo, 2000, p. 68).

A mesma autora também destaca a necessidade de retomar e considerar os estudos de Engels, dada a sua contribuição ao explicitar que “[...] o lugar social das mulheres não era expressão de uma natureza feminina inata, identificando a relação entre homens e mulheres como relação de opressão e situando nos processos socioeconômicos os elementos que conduziram à dominação masculina” (Araújo, 2000, p. 68).

Nessa perspectiva, as reflexões sobre o alcance do patriarcado no processo de constituição da sociedade são fundamentais, porque não é somente um sistema de dominação proveniente de uma ideologia machista, mas “[...] ele é também um sistema de exploração. Enquanto dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente no campo político e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno econômico” (Saffioti, 1987, p. 50)

A história é marcada pela exploração das mulheres, sendo que, no período da transição do feudalismo para o capitalismo, essa exploração tornou-se fundamental e foi legitimada. Em síntese, no atual modo de produção, é possível identificar dois tipos de trabalhadores: os proletários e a dona-de-casa; dessa forma, é latente a desigualdade da inserção das mulheres como força de trabalho, ou seja: “[...] a proletarização não se processa do mesmo modo para homens e mulheres. Uma enorme parcela de mulheres, com o advento do capitalismo, perde suas funções na esfera da produção, sendo alocadas exclusivamente à esfera da reprodução” (Saffioti, 1988, p. 148). De acordo com a TRS, o avanço na superação da opressão da mulher só pode ser pensado a partir da superação da sociedade capitalista, como afirmam Marx e Avening (2021), Saffioti (1988) e Araújo (2000).

Sobre a importância da organização das mulheres na luta contra o capitalismo, é possível recorrer ao fato de que “As duas revoluções mais significativas do mundo moderno, a francesa e a russa, começaram como revoltas por pão, lideradas por mulheres” (Bhattacharya, 2019, p. 110). No caso das mobilizações contra a ditadura brasileira, fato semelhante ocorre com a organização contra a carestia3, que desencadeia a luta mais ampla contra o regime, pela anistia, pela democratização do país.

A história da inserção e participação da mulher brasileira na sociedade também é marcada pelo predomínio da tradição católica, segundo a qual, grosso modo, a mulher está destinada a funções maternais, sendo a castidade uma condição para o matrimônio e o estabelecimento de uma família. No que diz respeito à instrução feminina, ocorre de forma muito pauperizada, desde os jesuítas, sendo que a dualidade nesse processo perdura até a atualidade, apesar de muitos avanços terem ocorrido (Saffioti, 2013).

Nesse engendrado de contradições inerentes à sociedade de classes, em especial no que diz respeito a gênero, quando recorremos ao período ditatorial em que a violência é latente, destaque-se o fato de que:

Como a violência se organiza através das hierarquias sociais e das relações sociais de poder − elas próprias constitutivas da sociedade, das identidades coletivas e individuais −, a estruturação baseada na hierarquia de gênero e sexualidade transparece na violência estatal do período explicitando, por exemplo, o caráter tradicionalmente sexista e homofóbico da formação policial e militar, que constrói o feminino como algo inferior e associa violência à masculinidade viril (Brasil, 2014, p. 404).

Em função das contradições inerentes à sociedade capitalista, é recorrente, nos depoimentos de mulheres, a fala de que sofreram com a opressão de gênero, mesmo nas organizações de esquerda. “Para além do próprio assédio, as mulheres relatam se sentirem desprezadas, sabotadas e institucionalmente anuladas dentro das organizações” (Bhattacharya, 2019, p. 101). Esses relatos marcam a trajetória da militância feminina tanto no Brasil quanto na Espanha, uma vez que o modo de produção é comum em ambos os países, apesar de existirem peculiaridades entre o desenvolvimento desses, sendo caracterizados como um de primeiro mundo e o outro, ainda, em desenvolvimento. (Lerner, 2019; Saffioti, 2013)

Apesar de você: mulheres contra ditaduras

Na sociedade patriarcal, a dominação do homem sobre a mulher ocorre especialmente pelo poder político que é desempenhado pelo homem; na história, poucos são os dados de que mulheres estão à frente de grandes nações, de decisões que afetam o futuro de um país, por exemplo. Dessa forma, o poder político é destinado quase que exclusivamente ao homem e a história foi contada por homens, portanto, protagonizada por eles, apesar de serem as mulheres metade ou mesmo mais que metade da população. Então, a pergunta que persegue esta pesquisadora e esta pesquisa é: onde estavam as mulheres?

O processo educacional, no qual as mulheres foram inseridas, é condição sine qua non para o ingresso na militância, para a tomada de decisão no sentido de ocupar espaços públicos. O sair do espaço privado é alavancado pelo processo formativo, negado às mulheres no decorrer de um longo período da história (Saffioti, 2013; Lerner, 2019). Nessa direção, algumas reflexões que parecem óbvias precisam ser retomadas, para explicitar a relevância das mulheres, uma vez que a participação em movimentos sociais está marcada pela função a ela destinada, ou seja:

Convém lembrar que o espaço de luta destes movimentos não é o da política institucional. Isto é, estes movimentos ocorrem fora do espaço parlamentar, fora do espaço dos partidos políticos. Trata-se de lutas travadas em torno de certas reivindicações que seus militantes esperam ver atendidas pelo poder municipal, estadual ou federal; ou ainda pelo empresariado privado (Saffioti, 1987, p. 48).

Com a intenção de socializar a trajetória de lutas das militantes no ME, além de estudos acadêmicos sobre a temática, a história sobre a Ditadura Brasileira conta com os documentos elencados e elaborados pela Comissão Nacional da Verdade, a qual, a partir da análise dos arquivos da ditadura (1964-1985) e das vozes de mulheres e homens que tiveram seus direitos violados, apresenta novas possibilidades para a compreensão da história recente de nosso país, diferente da oficial sobre esse período da história brasileira, a qual, por muitas vezes, oculta as atrocidades cometidas pelo Estado, na figura de seus agentes (Brasil, 2014). Foram organizados treze grupos de trabalho para cumprir o objetivo de esclarecer casos de tortura e de morte e, por fim, identificar e tornar públicas as estruturas que permitiram essas atrocidades. Um desses grupos, ‘Ditadura e Gênero’, dedicou-se a identificar os diferentes impactos das práticas de repressão e tortura sobre homens e mulheres, bem como elaborou o capítulo 10 do Volume 1 do relatório final da CNV, ‘Violência sexual, violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes’. Esse grupo também ouviu testemunhos envolvendo 41 crianças e adolescentes que foram sequestrados, estiveram confinados em prisões com os pais, em juizados de menores e orfanatos, ou mesmo submetidos à tortura. Nos relatos das mulheres, essa ameaça e a materialização da violência contra os filhos e filhas é aterrorizante, além do fato de que muitas das mulheres que estavam grávidas tiveram abortos, por conta das torturas sofridas.

Sendo assim, o trabalho de pesquisa desenvolvido pelo projeto Brasil: nunca mais, na década de 1980, com resultados publicados pela Arquidiocese de São Paulo e disponibilizados de forma on-line para consulta/pesquisa4, elucidam algumas das trajetórias de homens e mulheres, vítimas da tortura do estado ditatorial brasileiro. Ao recorrer aos dados disponibilizados sobre homens e mulheres envolvidos e identificados com as violências do período, os números são significativos, quando, do total de 17. 420, 15.454 são do sexo masculino e 1.966 do sexo feminino (Arquidiocese de São Paulo, 1985).

Os dados apontam para uma porcentagem de 11,3% de mulheres que fizeram parte, em alguma medida, do processo de tortura no período. Quando recorremos à idade das pessoas que foram atingidas pela Ditadura, são 2.868, ou seja, “[...] 38,9% tinham idade igual ou inferior a 25 anos, realçando a forte participação dos jovens nas atividades de resistência ao Regime Militar [...]” (Arquidiocese de São Paulo, 2014, p. 83). Desses, 91 não tinham completado 18 anos. Outro dado importante diz respeito ao grau de instrução das pessoas envolvidas, pois sua maioria é de estudantes universitários ou possui curso superior, conforme quadro 1.

Quadro 1 Quantidade total de denunciados, indiciados, testemunhas e declarantes é dividida conforme seu grau de escolaridade. 

Escolaridade Número
Analfabeto 201
Primário incompleto 301
Primário 854
Secundário 864
Colegial 453
Universitário 2.286
Universitário incompleto 2.333
Escola profissionalizante 76
Escolas militares 503
n/c 9.546
Total 17.420

Fonte: Arquidiocese de São Paulo (1985).

Do total de 1843 pessoas torturadas, 1461 são do sexo masculino e 382 são do sexo feminino (Arquidiocese de São Paulo, 1985). Se considerarmos a porcentagem, são mais de 20% de pessoas do sexo feminino torturadas. Ademais, reiteramos que o processo de tortura destinado ao sexo feminino esteve permeado pela violência sexual, qualificando essa prática de forma hostil e causando sequelas, muitas vezes, irreparáveis.

A partir dos dados levantados e sistematizados pela CNV, é possível identificar que foram 45 mulheres mortas e/ou consideradas desaparecidas no período de 1964 a 1985. Muitas delas perderam a vida muito jovens; aqui estão alguns exemplos: Nilda Carvalho Cunha, que morreu aos 17 anos de idade; Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão, aos 22 anos, vítima da violência perpetrada pelo Estado. Com relação à profissão, 22 eram estudantes, sendo a maioria massiva universitária, o que reflete o público-alvo da violência de Estado.

Segundo os dados do BNM sobre a faixa etária das pessoas torturadas, o que também é elucidativo de que eram pessoas jovens, o maior número está concentrado até os 35 anos, sendo 1359 pessoas; isso representa 74% do total de torturados (Arquidiocese de São Paulo, 1985). Há casos de mulheres que morreram após o período de tortura e prisão, que tiraram a própria vida, em função dos traumas decorrentes de tamanha violência; em outros casos, há as situações vivenciadas em decorrência das condições físicas deixadas pela tortura, como é o caso de “Aurora Maria Nascimento Furtado morreu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 10 de novembro de 1972, depois de ter sido presa e torturada por agentes da repressão” (Brasil, 2014, p. 1082)

Todavia, a mulher também foi, nas palavras de Teles (2014), mobilizada para ser usada como base social dos golpistas. Ou seja, a direita, com o apoio da Igreja e de outras instituições, mobilizou mulheres para as manifestações denominadas ‘Marcha com Deus Pela Família e Pela Liberdade’, que representaram apoio das massas à intervenção militar contra a ameaça comunista.

Contudo, a condição da mulher para inserção na vida pública no período estava marcada pela legislação vigente, ou seja, até 1962, de acordo com o código civil, no caso de 1916, o homem tinha plenos poderes sobre as mulheres. Apenas com a aprovação do Estatuto da Mulher Casada, lei nº 4121 de 27 de agosto de 1962, que foi permitido à mulher casada a capacidade plena para os atos da vida civil; assim, foi retirada a necessidade de consentimento do marido para trabalhar fora. Porém, foi somente no ano de 1977 que o divórcio foi legalizado.

A condição da mulher na sociedade capitalista, em relação à produção e reprodução da vida humana, determina sua participação nos diversos espaços e contextos, as quais são sintetizadas por Saffioti a partir da incorporação desigual delas na força de trabalho: “[...] as discriminações salariais e outras naturezas que contra elas se praticam na esfera da produção, dupla jornada de trabalho, o trabalho considerado não-trabalho, enfim, a inferioridade social dos seres femininos” (Saffioti, 1988, p. 148).

As mulheres que militaram durante o período da ditadura brasileira e espanhola têm em comum muitas opiniões, uma vez que o machismo se encontrava arraigado nos diversos setores da sociedade e se manifestava de maneira similar até mesmo nos movimentos de esquerda (Ridenti, 1990). De maneira especial, Loreta Valadares (2005, p. 22) destaca: “No contar da história, não posso deixar de revelar minha condição de feminista, pois a luta de gênero permeia toda a sociedade”.

Os estudos sobre a militância feminina explicitam diferenças qualitativas na forma como mulheres militaram e foram torturadas, em função da condição feminina. Elizabeth Ferreira (1996), a partir do depoimento de treze mulheres militantes, presas e torturadas durante a Ditadura Brasileira, organiza categorias para analisar as especificidades da militância feminina no período, quais sejam: militância, clandestinidade, tortura, prisão e exilio.

Na militância, mesmo que algumas das entrevistadas relatem o cuidado com um tratamento justo entre homens e mulheres nos partidos políticos e movimentos sociais, na prática, isso não se efetivava na totalidade; em determinados trechos, algumas mulheres destacam que, para que se mantivessem na militância, precisavam explicitar características masculinas, ou entendidas como masculinas. Havia a cobrança com relação à maternidade, comumente não permitida; também há a questão de que muito raramente os cargos de direção dos grupos de esquerda foram exercidos por mulheres. “Fui mãe, professora e artista, em circunstâncias muitas vezes penosas, porque não me omiti à participação política” (Crespo, 2018, p. 15).

A clandestinidade foi vivida de diversas formas tanto em relação ao tempo de duração como no que se refere às condições de inserção nela, com regras a serem respeitadas e perigos assumidos, em especial, em caso de ser preso pela polícia política. Porém:

Na realidade, as regras rígidas que disciplinavam a conduta dos militantes afetavam todos, mas afetavam ainda mais as mulheres, que tinham que superar certas limitações impostas pelo repertório de seu papel de gênero - e que diziam respeito à posição que ocupavam anteriormente na sociedade - para se adaptarem à nova realidade. [...] O que diferia era o fato de que, para se afirmarem numa organização, as mulheres tinham que, além de prova sua competência individualmente, superar marcas determinadas por sua posição na estrutura de gênero, cuja hierarquia historicamente as aparta da esfera pública. Tratava-se, assim, de um processo de adequação a um novo status - com graus variados de adaptabilidade (Ferreira, 1996, p. 137).

Havia ainda o controle sobre os relacionamentos amorosos, em especial, sobre a gravidez, sendo repudiada por muitos dirigentes das organizações de esquerda. Além dessa opressão sofrida no meio das organizações de esquerda, coube às mulheres presas e perseguidas pela polícia política, em ambos os países, uma série de atrocidades, vivenciadas em função da condição feminina.

Provavelmente, a tortura foi a face mais nefasta desse período, sendo de caráter físico e emocional; é sem sombra de dúvida uma questão abominável para todo ser humano, sendo motivo de denúncia e luta contra todo tipo de tortura em qualquer período da história. A tortura sofrida pelas mulheres apresenta características específicas; basta recorrer aos depoimentos: “[...] na segunda sessão, durante aquela madrugada, fui novamente encapuzada, me puseram nua, me molharam o corpo e me deram choques nos bicos dos seios, na vagina e na boca” (Ferreira, 1996, p. 148). Também, havia questões sobre a vida privada das mulheres, em relação a com quantos homens tiveram relações sexuais; utilizando palavras ofensivas, questionavam a maternidade, com tom sarcástico e irônico.

Na prisão, aqui tratada como o momento em que as militantes saem da condição de desaparecidas e são oficialmente transferidas para prisões, elas destacam que a ida para esses locais era, em muitos casos, desejada, porque poderia significar o fim da tortura. Porém, mesmo na prisão, continuavam sendo presas políticas e comumente chamadas de terroristas, algo que muitas mulheres consideravam muito desagradável e injusto, pois distorcia a realidade dos fatos, com o agravante de ser mulher: “[...] Na nossa sociedade machista, nós já somos defeituosas porque somos mulher. Mas éramos ainda mais defeituosas porque éramos subversivas, porque éramos de esquerda [...]” (Ferreira, 1996, p. 170)

Outro aspecto inerente ao período ditatorial, não só brasileiro, mas também espanhol, é a condição de exílio, de viver fora do país, longe da família, amigos, deixando estudos, profissão, submetendo-se a condições adversas, sem residência, entre outras questões, o que levou muitas pessoas a tirarem sua própria vida, especificamente mulheres, como já mencionado. A condição de viver obrigatoriamente em outros países é retratada como algo muito doloroso, marcada pelo sentimento de abandono, solidão. São esposas, mães, filhas e amantes: “[...] as que perderem suas condições de trabalho e/ou que não puderam suportar as condições da ditadura” (Costa, 1980, p. 18)

As violências sexuais sofridas pelas mulheres, na condição de presas políticas, são denunciadas desde a década de 1970, como consta nos registros do Projeto Brasil Nunca Mais, e, de maneira mais recente, nos depoimentos da CNV. É possível recorrer ao depoimento de uma militante:

É interessante ver em como você se coloca na tua condição de mulher e você consegue resistir a partir dessa condição que a sociedade te dá. Aí foi perfeito: nos enquadramos e pronto. E [é interessante ver] como ele também nos ameaçava com o perigo de não casar, com o perigo de não cumprir com aquilo que toda mulher sonha (Brasil, 2014, p. 405).

Ocorreu recentemente a disponibilização, a partir da luta do historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de cerca dez mil horas de áudios de sessões do Superior Tribunal Militar com detalhes das torturas sofridas durante a ditadura militar, entre 1975 e 1979. O material foi liberado por meio de uma determinação do Supremo Tribunal Federal. Carlos Fico já analisou aproximadamente cinco mil horas de gravação, nas quais é possível confirmar aquilo que muitas vítimas já haviam anunciado em seus depoimentos, como os realizados para a CNV. Alguns desses áudios foram disponibilizados para a imprensa, dentre os quais é possível recorrer ao caso de julgamento, em 24 de junho de 1977, em que o assunto a ser julgado seriam ‘acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas’ apresentadas por ‘alguns réus’. Dentre as acusações descritas, está a do marido de uma prisioneira, grávida de três meses, mantida no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna), conhecido pelas operações de tortura, que, ao sofrer ‘choques elétricos em seu aparelho genital’, sofreu um aborto. Os estudos sobre a militância feminina já explicitaram diferenças qualitativas na forma como mulheres militaram e foram torturadas, em função da condição feminina. Agora, são ratificados por essa nova fonte sobre as atrocidades da Ditadura Brasileira. Porém, os crimes mais hediondos de torturas praticadas ainda permanecem em sigilo e os torturadores foram contemplados pela Lei da Anistia. Nesse processo, a questão de gênero está presente e tem consequências singulares, pois a ditadura foi impiedosa com as mulheres; muitas delas foram vítimas de assédio, abusos sexuais e estupros por parte dos agentes públicos.

O caso espanhol, no governo do general Francisco Franco (1949-1975), mostra que a vida das mulheres é marcada pela manutenção da condição historicamente imposta ao sexo feminino de submissão, alienação. Ocorre um retrocesso significativo na condição de vida das mulheres, em especial, no período denominado de primeiro franquismo, mas que se estende pelo tardofranquismo, com alguns pequenos ajustes que sinalizaram possíveis avanços no sentido de reconhecer os direitos das mulheres. Porém, mantém-se clara a defesa de que a história tem demonstrado que, em períodos revolucionários, as mulheres estão na linha de frente, desempenhando papel decisivo na luta. Sendo assim, é esse o interesse deste trabalho, a fim de explicitar as condições de luta das mulheres.

Sobre a legislação implementada durante o franquismo, no que diz respeito às mulheres, as principais são no período denominado de primeiro franquismo, até 1958. Em função do ideal de sociedade defendido pelo franquismo, uma vez que: “A ditadura baseou-se na convicção da necessidade de realizar uma contrarrevolução de âmbito social, político, económico e cultural” (Mitjans, 2016, p. 129, tradução nossa)5, bem como com uso das doutrinas da Igreja Católica, na defesa de um modelo de família, foi definido o papel da mulher nesse contexto, ou seja, seria “a nova mulher espanhola”. Diante disso, essa nova mulher estaria destinada a permanecer no espaço privado, do lar. Inclusive, havia a proibição de que mulheres casadas trabalhassem. Às mulheres, ficava a função de reprodução. Apesar de não ter um dispositivo legal que impedia a presença das mulheres nas instituições escolares, o regime franquista organizou a educação da mulher para atender às demandas de manutenção dos interesses dos que estavam no poder. Para tanto,

[...] O regime franquista criou um conjunto de mecanismos e instrumentos legais (escolas segregadas, complementos específicos nos planos de ensino baseados no género ou itinerários académicos diversos) que lhe permitiram promover uma concepção claramente definida de educação das mulheres: educar, de acordo com os princípios da Igreja Católica, como futuras mães e esposas a serviço da família e da pátria (Mitjans, 2016, p. 138, tradução nossa)6.

Dessa forma, a organização do currículo era distinta para homens e mulheres, sendo que, às mulheres, caberia aprender conhecimentos sobre a prática doméstica, denominada de Enseñaza del hogar. Isso, de acordo com a autora acima citada (Mitjans, 2016), evidencia que a legislação implementada no período estava permeada por três ideias principais: o direito inalienável da Igreja em matéria educativa; o princípio da complementaridade entre os homens e mulheres; a família e o casamento como organização social fundamental.

Para além da legislação educativa, no decorrer do primeiro franquismo, permaneceu vigente uma legislação que limitava, com inúmeras barreiras, que mulheres ingressassem e/ou permanecessem em atividade laboral fora do lar. Em contrapartida, o texto da Lei de 1961 assegura a igualdade entre os sexos; assim, trata-se de uma contradição, uma vez que essa legislação pode ser considerada um avanço nos direitos da mulher, porém, com limitações. Inclusive, porque nem todo texto legal materializa-se na organização da vida cotidiana (Fernández, 1998).

Diante desse contexto sombrio para as mulheres, María Campo Alange (1902 -1986) é um exemplo de luta; foi uma grande militante das causas femininas, tendo, como publicação mais conhecida, La secreta guerra de los sexos de 1948, na qual aborda a situação das mulheres de diferentes áreas. Esse livro foi publicado um ano antes do Segundo sexo (1949) de Simone de Beauvoir, com o qual coincide em algumas ideias, como a de alteridade. Ela era uma pesquisadora multidisciplinar, que criou o Seminário de Estudos Sociológicos da Mulher em 1960, com um grupo de acadêmicas para investigar e realizar mudanças sociais e políticas. Reiteramos que se trata de um exemplo de mulher espanhola na luta pela emancipação das mulheres, que contou com a contribuição de muitas mulheres, para que pudessem avançar na garantia de direitos para todas.

No que diz respeito à militância no período franquista, as mulheres foram vítimas de diversos crimes; muitas perderam a vida, foram presas, separadas dos filhos, ficaram exiladas e precisaram renunciar a interesses individuais para lutar por avanços para toda a sociedade7.

Mulheres e movimento estudantil: que medo você tem de nós?

Ao parafrasear o trecho da música Pesadelo, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, fazemos na defesa de que as mulheres representam uma ameaça ao capitalismo, por isso, precisam ser silenciadas, exploradas, deslocadas para os trabalhos domésticos, ter acesso limitado à educação e, assim, poderíamos elencar uma série de outras limitações postas às mulheres ao longo dos anos. Em contrapartida, esse silenciamento foi rompido, por elas próprias, em diversos tempos e espaços, de formas variadas.

Estudos sobre a militância feminina no ME brasileiro e espanhol são recentes, resultado do processo histórico da condição da mulher na sociedade capitalista, ao passo que estudos sobre o ME, em âmbito geral, já são bem sistematizados por autores tanto no Brasil (Sanfelice, 2008), (Poerner, 2004) quanto na Espanha (Sadoica, Carnicer, & Lacomba, 2007).

Para explicitar alguns elementos inerentes a essa temática, reiteramos a compreensão de que a condição da mulher, na sociedade capitalista, é resultado do processo histórico de sua constituição. Pautados nos dados de acesso ao ensino superior, é possível visualizar tal condição, uma vez que: “A altíssima porcentagem de mulheres entre os alunos do curso normal é, provavelmente, o dado mais importante para tornar clara a estratificação baseada no sexo[...]” (Barroso & Mello, 1975, p. 49)

Tal condição de “[...] concentração do elemento feminino em certos ramos do ensino menos valorizado” (Saffioti, 2013, p. 310) é oriunda do Império, acentuada na República e nos períodos subsequentes, como mencionado acima. Tal constatação permite evidenciar que, mesmo com o aumento da inserção das mulheres em espaços de escolarização, inclusive mais elevados, como é o caso do ensino superior, carrega marcas da segregação a partir do sexo. Os dados estatísticos, analisados por Barroso e Mello, comparando a décadas de 1950 e 1960, expressam que:

A mulher está participando cada vez mais dos benefícios do ensino superior, no qual sua representação aumentou em taxas maiores que a da expansão geral desse ensino. Um exame mais crítico todavia revela que esta é uma conquista apenas parcial. O padrão de escolha de carreiras das mulheres - em que pese estarem elas cada vez mais presentes em nossas faculdades - não sofreu alterações dignas de nota. Ao contrário, aumentou a concentração de mulheres em carreiras consideras femininas (Barroso & Mello, 1975, p. 73).

Vale destacar que a inserção da mulher nas lutas contra a Ditadura, em especial nos anos de 1966 e 1968, ocorre a partir do Movimento Estudantil, inclusive com um número significativo delas que ingressam em grupos de extrema esquerda, até mesmo na luta armada (Ridenti, 1990, p. 116).

Não é só nos movimentos sociais que as mulheres são invisíveis; mesmo com a inserção significativa delas na esfera da produção, em especial, a partir de 1970, a visibilidade dessa participação não ocorre. Portanto:

[...] Isto é, os movimentos sociais não são, via de regra, analisados em termos de relações de gênero. Impõe-se, pois a necessidade de se rever, através da análise das práticas políticas femininas, a forma de articulação entre as chamadas reivindicações ‘específicas’ e ‘gerais’, no contexto global da formação social brasileira (Saffioti, 1988, p. 155, grifo do autor).

Saffioti (1988) destaca também que o potencial transformador dos movimentos sociais só pode ser avaliado em circunstâncias concretas, nas quais outras forças sociais também atuam, ou seja, não pode ser analisado descoladamente das transformações sociais vigentes. Sob essas condições sociais, a análise da inserção e atuação da mulher no ME, em especial no universitário, a partir das fontes aqui analisadas, são elucidativas das lutas travadas. No que diz respeito à inserção em cargos dentro das organizações estudantis, utilizando dados do Paraná, o número de mulheres é ínfimo. Um exemplo é a composição dos Diretório Central de Estudantes e mesmo da União Paranaense de Estudantes, na gestão 1968/69, quando não há nenhuma mulher na UPE. Nos DCEs, consta apenas uma mulher na composição da entidade da Universidade Católica. No que tange à representação nacional, recorremos apenas ao exemplo de Helenira Resende, que foi eleita para o cargo de vice-presidente da UNE, no ano de 1968.

A participação feminina não se restringe aos cargos de direção, pois elas estiveram presentes nas diversas atividades organizadas pelas Instituições de Organização dos Estudantes; em um exemplo muito conhecido, o Congresso de Ibiúna, o

[...] exame das fichas e fotos policiais de 140 mulheres detidas durante o Congresso, nos informam que a grande maioria das meninas era composta por estudantes universitárias, com exceção de três (uma que era trabalhadora - revisora de provas tipográficas -, outra estudante secundarista e a terceira estudante de especialização). A faixa etária se concentrava entre 21 e 22 anos, mas pudemos encontrar referências que iam de meninas de 18 anos a mulheres de 37 anos (Garcia, 2010, p. 60).

De acordo com a mesma autora, as estudantes estavam matriculadas em cursos na área da educação, saúde e assistência social; havia algumas exceções em áreas como engenharia ou química. Ou seja, há caracterização da condição da mulher, já reiterada neste texto.

Quando o assunto é a perseguição sofrida pelos estudantes, os dados coletados pelas comissões estaduais da verdade podem ser utilizados novamente com a finalidade de explicitar a inserção ‘tímida’ das mulheres na militância; no caso de São Paulo, quando os dados comparados dizem respeito ao sexo das pessoas que militaram, os resultados são: desaparecidos foram 9 do sexo masculino e 4 do sexo feminino; do total de mortos, 35 homens e 5 mulheres.

A incorporação das contribuições das estudantes no ME possibilitam desvelar as contradições inerentes tanto ao próprio movimento quanto ao período vivenciado, marcados ambos pela condição de classe, gênero e raça. Em pesquisa recente sobre a representação das mulheres nos livros didáticos8, Rodeghero e Machado (2017) explicitam que o conteúdo sobre a ditadura militar, quando aborda a participação feminina no ME, o faz de maneira tímida. Na mesma pesquisa, indicam o aumento de pesquisas acadêmicas sobre a temática.

Tanto do Brasil quanto da Espanha, é recorrente a menção das militantes de terem grande dificuldade para ingressar na Universidade, bem como o fato de que foi a partir dessa inserção que conseguiram alcançar formação política no sentido de compreender as relações nas quais estavam inseridas, portanto, ingressar na luta contra a ditadura foi possível a partir da formação que acessaram. Dito de outra forma, há o reconhecimento de que foi o acesso à escolarização que permitiu a essas mulheres a compreensão da realidade, além da necessária articulação em partidos políticos e movimentos sociais para ‘derrubar’ a ditadura e toda violência dela emanada. Em seguida, há a inserção também na luta feminista, da qual trataremos mais adiante.

Sobre a militância no meio universitário, apesar de um caso isolado, já mencionado em outra pesquisa (Schmitt, 2018), houve situações de preconceito contra as estudantes que participaram do congresso de Ibiúna, emanados dos próprios colegas, que permitem refletir sobre a forma como as universitárias eram consideradas no período. Em um manifesto dos Autênticos Universitários do Paraná, estudantes assinam uma série de ofensas a eles, que foram presos por participarem desse congresso. A linguagem utilizada é agressiva e explicita o preconceito de gênero, em trechos como: “[...] em uma promiscuidade total, rapazes e moças dormiam nas mesmas barracas [...]”; foi apreendida “[...] uma enorme quantidade de ‘pílulas anticoncepcionais’ [...]”; “[...] dentre as moças presas várias tinham fugido de ‘internatos’ e ‘colégios de freiras’. houve um sururu tremendo para ver quem dormiria na última noite com a ‘mis universitária paranaense’ [...]”; finaliza-se com a explicitação de que o DCE e a casa da estudante são antros de perdição (Schmitt, 2018, p. 267, grifo do autor).

São muitos os casos de violação dos direitos humanos cometidos contra as mulheres/estudantes; todos guardam características qualitativas aterrorizantes direcionadas para a condição feminina. A violência sofrida pela estudante de 17 anos, Silvia Montarroyos, foi registrada em livro de sua autoria: Réquiem por Tatiana, no qual ela conta a história de fuga, prisão e tortura de uma menor de idade, militante estudantil dos cursos de Direito e Teatro, que foi presa, em 1964. Silvia conta sobre torturas sofridas no IV Exército e sobre sua internação compulsória no manicômio judiciário de Pernambuco, o hospital da Tamarineira.

Foram situações como essas, enfrentadas pelas estudantes, nas diversas situações do cotidiano da universidade e da vida, como um todo, que contribuíram para que as mulheres avançassem ao estudo e debate da condição da mulher, permeadas pelo movimento feminista.

Tomaremos novamente o exemplo, como ponto de partida, para análise da militância feminina no ME, da participação delas quando da realização do XXX Congresso da UNE, Congresso de Ibiúna, efetivado em 1968 em São Paulo. Tal decisão está pautada no fato de que, ao participarem desse Congresso, ou de qualquer outro organizado pelas entidades de representação estudantil, é pressuposto que essas universitárias estejam representando seu curso e/ou instituição. Outra questão considerada para pautar a análise nesse congresso diz respeito ao acesso às informações sobre as participantes; trata-se de uma vasta documentação elaborada e apreendida pela polícia política sobre o congresso, com relação detalhada das pessoas que foram presas. Foram presos, no total, 723 estudantes, dos quais 151 são mulheres, representando pouco mais de 20% dos estudantes. Os dados foram coletados de dois arquivos que podem ser facilmente acessados pelo Sistema de Informação do Arquivo Nacional (SIAN). Foi possível relacionar dados como: nome da estudante, filiação, data e cidade de nascimento e profissão.

Houve estados com delegações muito pequenas: Piauí (um estudante), Pará (dois estudantes), Rio Grande do Norte (seis estudantes), Alagoas (um estudante), Maranhão (três estudantes); só houve uma mulher do Maranhão; os demais não tiveram representação feminina. Com relação aos demais estados, a proporção é pequena se relacionada aos números de estudantes do sexo masculino, ou seja, sempre é maior o número de homens em relação a mulheres; não há um estado sequer com igualdade ou no qual as mulheres superem os números de homens. A título de exemplo, quando nos deparamos com a relação total9 de estudantes de alguns estados, temos os seguintes dados indicados no quadro 2:

Quadro 2 Quantitativo de estudantes por estado e sexo. 

Estado Mulheres Homens Total
Rio Grande do Norte 0 6 6
Pará 0 2 2
Piauí 0 1 1
Maranhão 1 2 3
Alagoas 1 0 1
Goiás 2 11 13
Santa Catarina 3 12 15
Sergipe 3 7 10
Rio de Janeiro 3 16 19
Espírito Santo 3 10 13
Paraná 4 36 40
Distrito Federal 6 15 21
Rio Grande do Sul 6 31 37
Paraíba 7 16 23
Ceará 8 22 30
Pernambuco 9 26 35
Minas Gerais 15 68 83
Bahia 18 38 56
Guanabara 28 77 105
São Paulo 35 164 199

Fonte: A autora (2022).

A partir da relação elaborada, com os nomes das mulheres que foram presas por participarem do Congresso de Ibiúna, ao consultar os documentos arquivados pelo SIAN, deparamo-nos com uma vasta documentação sobre a militância de algumas dessas mulheres, as quais podem elucidar a relevância da militância feminina, bem como avançar na compreensão das especificidades do período.

Em se tratando da Espanha, ao recorrer aos estudos sobre a inserção da mulher no ME, também nos remetemos ao ingresso da mulher na universidade, sendo que o processo é muito comum ao que ocorre no Brasil. Os estudos demonstram que, da quase não participação na Universidade no início do século XX, na atualidade, elas praticamente ultrapassam os homens. No caso específico do período em apreço, os dados demonstram, nos anos de 1960 a 1980, que o número de mulheres na universidade vai de 30% a 50% (Palermo, 1998).

Com o ingresso massivo das mulheres na universidade espanhola, ocorre a inserção delas no movimento estudantil, porém, apesar do número significativo de universitárias militantes, estudiosos da temática (Rodríguez Tejada, 2004) destacam que ainda há pouco interesse em explicitar a trajetórias dessas mulheres na militância estudantil, sendo recorrentes estudos pontuais sobre lideranças estudantis, massivamente do sexo masculino (Moreno Seco, 2020)

Por outro lado, o simples fato de mulheres ingressarem na universidade, na década de 1960, demonstra a ruptura com as imposições destinadas às mulheres, como já mencionado neste texto, mesmo que:

Aunque la gran mayoría provenía de las cla ses medias, la decisión de cursar estudios universitarios en los años sesenta suponía una transgresión de las normas que regían la vida de las jóvenes de la época, que se reflejaban en la pervivencia de prejuicios sobre su capacidad intelectual o su aspecto físico. Unos estereotipos que fueron cambiando len tamente en la década siguiente (Moreno Seco, 2020, p. 57).

Na pesquisa realizada junto aos arquivos espanhóis que possuem documentos sobre o ME nas décadas de 1960 e 1970, a questão da mulher evidencia-se nas produções das próprias mulheres, como é o caso dos periódicos; alguns exemplos: Periódico Mundo Femenino, no qual há o registro pela luta por educação, além das diferenças entre homens e mulheres para o ingresso e continuidade no processo de escolarização. Um outro periódico de Madri é o La Mujer y la Lucha - ano 1975 como ano internacional da mulher -; essa edição é dedicada a La enseñanza; o periódico foi criado em 8 de abril de 1968 com o propósito de explicitar as inquietações, esperança, pensamento e ideais de luta, não apenas temas domésticos e de beleza, como ocorria com revistas e demais periódicos destinados ao público feminino.

Mesmo com o ingresso significativo de mulheres nas universidades espanholas, nessa edição, consta um quadro com o número de matrículas de homens e mulheres em 1971-1972, o qual é reproduzido a seguir. A matéria destaca a necessidade de garantia de acesso à escolarização para todas as mulheres, inclusive com destaque para que pudessem ascender aos níveis mais elevados, bem como às profissões consideradas mais qualificadas pela sociedade vigente, as quais permaneciam majoritariamente masculinas (quadro 3):

Quadro 3 Matrículas de homens e mulheres 1971-1972. 

Etapas Homens Mulheres
Pré-escolar 374.650 385.627
E.G. B10 2.093.583 2.088,446
Bachilleratto 676.530 576.346
F. Profesional 144.604 14.401
Universidad 180.209 70.178

Fonte: Movimiento Democratico de Mujeres (1975).

Aqui, faz-se um adendo para relatar que também, na Espanha, a mulher insere-se no movimento estudantil pelo caminho do fascismo, sendo que, na ocasião da fundação da Falange Espanhola, cinco mulheres, que não foram permitidas de ingressar na Falange, inserem-se no SEU, Sindicato Espanhol Universitário.

Pilar, Inés y Dolores así lo hicieron, militando de esta manera en el SEU, por disposición de José Antonio Primo de Rivera, siendo así las primeras mujeres falangistas. El nacimiento de la Sección Femenina como tal, fue en junio de 1934, cuando empezó la persecución contra la Falange y se tomó la decisión de crear, todavía dentro del SEU, una Sección de mujeres con un cometido específico: realizar las labores de propaganda, con menos riesgos que asumían los muchachos, porque aún existía, por aquellos años, cierto respeto a la condición femenina. De todas formas, estas mujeres, realizaron antes y durante la Cruzada, acciones verdaderamente heroicas (Garcia, 2021).

Apesar dessa forma de organização estudantil, de ambos os sexos, porque, afinal, o SEU representava universitários e universitárias, houve a articulação dos estudantes no sentido de lutar contra a ditadura franquista. Ou seja, estudantes levantaram-se contra as atrocidades desse período. Assim como no Brasil, foram alvo de censura, perseguição, prisões, tortura e assassinatos. No caso do SEU, trata-se de uma entidade que, apesar de uma retórica revolucionária e populista, costumava ser a velha ideologia conservadora (Sandoica et al., 2007, p. 15).

Foi a partir da consulta ao acervo do Archivo de la Universidad Complutense de Madrid que dados sobre a organização estudantil, nos anos de 1968, foram levantados, bem como o nome de algumas mulheres que militaram no ME nesse período, quais sejam: Pilar Bravo Castell; María Dolorez González; Soledad Puértolas e Francisca Sauquillo. São mulheres que tiveram suas vidas marcadas pelo franquismo; ao pesquisar sobre elas, a título de exemplo, recorremos à trajetória de Soledad, que, aos 14 anos de idade, abandonou o colégio de freiras em que estudava, em Zaragoza, e mudou-se para Madri, tendo ingressado na antifranquista FUDE (Federación Universitaria Democrática Española). Da mesma forma, Pilar foi uma importante militante do PCE (Partido Comunista Espanhol), ingressando na militância pela inserção na Universidade, a qual permaneceu na vida política até sua morte, com apenas 50 anos.

No Arquivo Geral da Universidade Complutense de Madri, é possível ter acesso a um número significativo de documentos sobre a organização estudantil universitária; são documentos sobre as diversas associações, as mobilizações e demais atividades organizadas por estudantes. A presença das mulheres é incipiente nos arquivos que foram consultados. Também, na Espanha, a militância feminina foi sucumbida e, por muitas vezes, as mulheres foram relegadas a papéis pouco ou nada reconhecidos, sofreram diversas formas de preconceito e, pouquíssimas vezes, conseguiram organizar-se em entidades de caráter eminentemente feminino, na defesa da superação da opressão sofrida, em especial, naquele período da história. Além da Seção Feminina da Falange, presidida por Pilar Primo de Rivera, algumas outras entidades isoladas, de estudantes universitárias, organizavam-se com a finalidade de realizar atividades culturais, sociais, dentre outras. O objetivo seria voltado à prática de atividades culturais e ao fortalecimento da amizade entre os estudantes.

Os depoimentos de militantes universitárias espanholas, já realizados e sistematizados por pesquisadoras e pesquisadores da temática, coadunam-se na explicitação das condições de militância feminina. Da mesma forma, há o depoimento, concedido para a autora deste trabalho, da militante Rosa Garcia Alcon11, graduada em Nutrição humana e dietética, que participou das mobilizações estudantis nos anos 1970, foi vinculada à FUDE, presa em 1975 pela polícia secreta franquista, permanecendo na prisão de Yeserias, prisão de mulheres em Madri; atualmente, é ativista de La Comuna12. Ela reitera que, de maneira geral, a luta não era fácil, pois não havia muito dinheiro para que pudessem se organizar; assim, precisavam produzir, muitas vezes, manualmente, seus materiais para propaganda, de forma que utilizavam papel de embalar para fazer cartazes; quando presos e presas, era cobrada uma multa para que fossem soltos. Ela destaca que não percebia muita diferença na participação de mulheres e de homens nas diversas atividades estudantis; relata que percebia um acolhimento dos demais estudantes. Mas, claro, não era incentivada ou permitida uma ampla participação, em pé de igualdade com os homens; elas falavam pouco e as que se destacavam eram, muitas vezes, foco de agressões verbais.

Sobre a distinção de atividades, era destinado, às mulheres, por exemplo, distribuir propaganda, uma vez que é comum que as mulheres estejam com bolsas, por isso, não chamaria a atenção da polícia. Organizavam atividades diversas, inclusive com a finalidade de angariar fundos para pagamentos das multas para colegas serem soltas.

A militância feminina espanhola fez-se presente em diversos setores, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, representada por filósofas e sociólogas, dentre as quais, é possível mencionar Celia Amorós, Amelia Valcárcel, Victoria Camps, bem como a jurista María Telo Nuñez13. Sobre a trajetória de militância de María, é possível identificar sua participação na Asociación Española de Mujeres Universitarias (AEMU).

Considerações finais

A primeira questão a ser retomada diz respeito à necessária elucidação da história das mulheres, para a emancipação humana. Com essa intenção, toda a pesquisa foi desenvolvida, sempre com a clareza de que: “A solidariedade entre os elementos de uma categoria de sexo subordina-se, pois, à condição de classe de cada um” (Saffioti, 2013, p. 133).

Outra luta travada desde a gênese das reivindicações femininas está pautada na educação da mulher: “[...] Na educação feminina, cuja necessidade foi tão ressaltada por todas as líderes feministas, Flora Tristan vê uma das condições da própria libertação dos trabalhadores” (Saffioti, 2013, p. 162).

No que se refere ao objeto e objetivos da pesquisa realizada, é possível estabelecer reflexões sobre a luta das estudantes universitárias com a ditadura em ambos os países, visto que pagaram com a própria vida essa luta que é coletiva. O acesso à educação para as mulheres, apesar de ocorrer no período, ainda era restrito a alguns cursos, de difícil acesso e havia os limites da condição feminina para ascender profissionalmente, por conta da ideia que era vigente de que lugar de mulher era na criação dos filhos e cuidado da casa, da família, ou seja, no espaço privado. O fato de ingressar na universidade, em ambos os países, já era algo revolucionário para as mulheres; reitera-se que se tratava de uma situação possibilitada apenas a algumas delas. Inclusive, tal realidade se fazia presente pela condição de classe, ou seja, se eram oriundas da classe trabalhadora, o acesso era ainda mais limitado.

Quando o assunto era ascender a cargos de direção junto às entidades estudantis, as realidades coadunam-se, uma vez que são pouquíssimos os casos de mulheres que assumem cargos diretivos.

Apesar das limitações, elas não só ingressaram nas universidades, como também militaram de forma contundente, no movimento estudantil, engrossando e, por vezes, direcionando a luta contra as violências emanadas pelo Estado. Arriscavam suas vidas, enfrentavam familiares, trabalhavam arduamente de maneira voluntária para articulação dos estudantes na luta por educação e contra as ditaduras. Sem embargo, a violência contra as universitárias foi marcada pela condição feminina, por isso, permeada pela hostilidade da violência sexual, física e emocional. Outro dado importante diz respeito ao engajamento de muitas universitárias nos estudos sobre feminismo e, posteriormente, o ingresso nas lutas desse coletivo, em ambos os países.

Sobre a militância das universitárias espanholas, é importante destacar que ainda há muito a desvelar, em especial, a partir do acesso às fontes primárias, ou seja, esta é uma pesquisa de caráter inicial. Contudo, este estudo possibilitou reflexões sobre a necessidade de retomar as contribuições das mulheres na organização da sociedade como um todo, a partir de fontes históricas ainda não exploradas. Ou seja, dar visibilidade e reconhecer o trabalho da mulher ao longo da história. Nesse contexto, algumas questões permanecem para reflexão: quanto tempo ainda teremos que lutar para sermos ouvidas? Foram muitas mulheres que tentaram, lutaram, perderam e perdem a vida por lutarem pela liberdade, da mulher e da nossa classe; quantas ainda precisam perder a vida? Nessa direção, a luta é pela emancipação da classe trabalhadora.

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Rodadas de avaliação: R1: 3 convites: 3 pareceres recebidos.

Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

1“[...] um tipo especial de modalidade de polícia, que desempenha uma função preventiva e repressiva na história do Brasil, tendo sido criada com fins de entrever e coibir reações políticas e adversas, armadas ou não, que comprometessem a - ordem e a segurança pública” (Roncaglio, Szvarça, & Bojanoski, 1998, p. 32).

2“[...] la lucha armada o terrorismo, los sectores de profesionales liberales, los abogados laboralistas, a los que los policías tendrán que analizar para poder acabar con ellos”.

3Movimento Contra Carestia (MCC) foi um movimento organizado no final dos anos de 1970, de cunho popular, que reunia as mulheres, a juventude, porque sofria com a falta de empregos, e os homens porque eram afetados com a falta de emprego. De caráter popular e de reivindicações palpáveis, era um movimento que lutava por uma sociedade mais justa (Schmitt, 2018).

4Dados disponíveis no endereço: http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/.

5“La ditadura se asentó sobre la convicción de la necesidad de llevar a cabo uma contrarrevolución de alcance social, político, económico y cultural”.

6“[...] el régimen franquista creó un conjunto de mecanismos e instrumentos legales (escuelas segregadas, complementos específicos en los planes docentes en función del sexo o itinerarios académicos diversos) que le permitió promover una concepción de la educación de la mujer claramente definida: educar, según los principios de la Iglesia Católica, as futuras madres y esposas al servicio de la familia y de la patria”.

7Em 2022, foi realizada uma jornada em Madrid dedicada a tratar da condição da mulher nesse período; os estudos desencadeados sobre a condição das mulheres espanholas nesse período explicitam tais acontecimentos. As referências utilizadas no decorrer dessa jornada são elucidativas de todo esse processo, as quais podem ser acessadas no endereço: https://mujerestardofranquismo.org/bibliografia/.

8Na contramão dos livros didáticos, Teresa Urban (2008) elabora um material para subsidiar o processo de socialização da história recente de nosso país, destinado a adolescentes e jovens. Trata-se de um material riquíssimo, com vários documentos, tanto da polícia política quanto do ME; há algumas propagandas da época, além de ter uma mulher como protagonista, junto com demais colegas, no processo de organização estudantil nos pós-golpe militar.

9Dados disponíveis no dossiê: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.81000899 (Arquivo Nacional, 2022).

10Ensino geral básico.

11A entrevista foi realizada pela autora, via google meet, após contato presencial com a militante em Madri. Ocorreu no dia 03 de maio de 2022.

12La Comuna. Asociación de presxs y represaliadxs por la dictadura franquista. O acesso ao site da associação pode ser realizado pelo link: https://www.lacomunapresxsdelfranquismo.org/.

13O arquivo pessoal de María Telo Núñez foi doado pela família ao Arquivo Histórico Nacional, com sede em Madrid, em 2017, por vontade expressa da jurista, para a sua conservação, divulgação e custódia, no referido arquivo. Acesso para maiores informações, pode ser realizado no endereço: http://pares.mcu.es/ParesBusquedas20/catalogo/description/12765731?nm.

Recebido: 10 de Janeiro de 2023; Aceito: 24 de Abril de 2023; Publicado: 15 de Setembro de 2023

Silvana Schmitt:

Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2018); mestra em Educação (2011) e graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2004). Realizou estudos pós-doutorais junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unioeste, campus Cascavel (2020-2022. É docente de pedagogia do Instituto Federal do Paraná, campus Capanema. Desenvolve pesquisa sobre a história do movimento estudantil no período da ditadura brasileira. Atualmente é coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Pedagogia Histórico-crítica (GEPPHC). E-mail: silvana.schmitt@ifpr.edu.br https://orcid.org/0000-0002-9327-7329

Editor-associado responsável:

Olivia Morais de Medeiros Neta (UFRN) E-mail: olivia.neta@ufrn.br https://orcid.org/0000-0002-4217-2914

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