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Revista Educação e Cultura Contemporânea

versión impresa ISSN 1807-2194versión On-line ISSN 2238-1279

Rev. Educ. e Cult. Contemp. vol.15 no.40 Rio de Janeiro jul./set 2018  Epub 22-Jul-2018

https://doi.org/10.5935/2238-1279.20180045 

Artigos

Entre o feijão e o sonho: discursos ciberativistas sobre a meritocracia na Educação Pública no Rio de Janeiro

Beans and Dreams: cyberactivist discourses on meritocracy in Public Education in Rio de Janeiro

Rosa Maria Cardoso dos SantosI 

Marcio Silveira LemgruberII 

IUniversidade Estácio de Sá

IIUniversidade Estácio de Sá


Resumo

O presente artigo tem por objetivo estabelecer uma reflexão sobre os discursos de professores ciberativistas acerca da meritocracia aplicada à educação pública no Rio de Janeiro, investigando, a partir da análise retórica proposta pela Teoria da Argumentação de Chaïm Perelman, as crenças, valores, visões e práticas que servem de base para as argumentações adotadas por esse grupo. Além disso, tecemos uma análise acerca das possibilidades e limites do apelo discursivo dessa retórica praticada online, para fins de mobilização social e política dos professores. Os resultados mostram que os discursos dos oradores do grupo se baseiam, principalmente, em uma dissociação de noções para o termo "escola pública", que serve de suporte à adoção dos discursos que têm como função exaltar ou execrar valores e hierarquias de valores, e gerar uma comunhão em torno deles, pelo auditório. O lócus do encontro argumentativo foi utilizado, na maior parte das vezes para externar slogans críticos às postagens contrárias, com pouco desenvolvimento dos pontos de vista.

Palavras-Chave: Ciberativismo; Educação Pública; Análise Retórica; Argumentação

Abstract

The purpose of this article is establishing a discussion on the speeches of cyberactivist teachers about meritocracy applied to public education in Rio de Janeiro. We investigated, based on the rhetorical analysis proposed by the Theory of Argumentation, the beliefs, values, visions and practices adopted as a basis for the arguments used by this group. In addition, we analyzed the limits and possibilities of the discursive appeal of this digital rhetoric, for social and political mobilization of the teachers. Results suggest that discourses of the groups orators are based mainly on dissociation of concepts for the term public school. This supports the adoption of discourses that have the function of exalting or decrying values and hierarchies of values, as well as generating communion among members of the audience. The locus of the argumentative encounter was used, in most cases, to convey critical slogans, with little development of perspectives.

Key words: Cyberactivism; Public Education; Rhetoric; Argumentation

Introdução

Em agosto de 2013, os professores da rede pública municipal e estadual do Rio de Janeiro uniram, pela primeira vez, as lutas de suas categorias, e usaram as redes sociais online a fim de dar visibilidade às suas reivindicações, convocarem para greves e protestos nas ruas.

A principal pauta de ambos os seguimentos era o fim do sistema de meritocracia ou plano de metas. De acordo com os professores municipais e estaduais, com esse tipo de sistema, os docentes estavam perdendo autonomia de ensino, uma vez que precisavam ensinar apenas o necessário para atenderem às necessidades do mercado, exigidas pelos exames externos impostos pelo governo. As escolas que atingissem a meta seriam premiadas com bonificações e as que não a atingissem, por sua vez, seriam responsabilizadas e culpabilizadas pelo fracasso escolar. Os professores que se recusavam a participar desse processo eram individualmente punidos e perseguidos. Esse procedimento, de acordo com os docentes, gerava uma divisão na categoria, não melhorava o nível da educação no estado e município e aumentava a insatisfação dos professores com a profissão.

Mesmo após esse episódio, que não resultou no fim do sistema questionado, os professores mantiveram suas discussões na internet, principalmente em grupos no Facebook, valendo-se da rede para lamentar, denunciar e criticar as atuais políticas públicas educacionais, sugerir propostas de melhorias para as condições de trabalho, estrutura das escolas, organização do sindicato, comportamentos, convocar para manifestações e greves, elaborando argumentações que envolvem os problemas enfrentados na realidade e as expectativas em torno do sistema educacional público no Rio de Janeiro.

A internet é usada como uma ágora virtual para o ativismo realizado por parte desses usuários, também chamados de "ciberativistas", que se envolvem em ações coletivas online, demandando transgressão e solidariedade para a consecução de um objetivo comum (BATISTA, 2012), que, neste caso, é questionar a política pública educacional adotada no Rio de Janeiro, baseada na meritocracia, e angariar a adesão para suas lutas em prol do que chamam de uma "educação pública de qualidade".

Araújo(2012) afirma que os estudos acerca dos movimentos ativistas demonstram que estes são mobilizados principalmente em busca de mudanças simbólicas na sociedade.

Consequentemente, as construções discursivas destes grupos possuem grande relevância entre suas atividades e esse panorama se acentua nas manifestações ciberativistas, pois, diante do ambiente de rede, as construções discursivas passam a ser uma ferramenta com um bom potencial de mobilização e geração de apoio e colaboração.

O mesmo autor, em um levantamento feito sobre o estado da arte das pesquisas acerca do netativismo no Brasil (ARAUJO,2011), aponta que os aspectos relativos à construção discursiva como arma de mobilização são levados em consideração em poucos trabalhos sobre o tema. Dessa forma, analisar a retórica e argumentação de professores engajados em ativismo nas redes sociais online em prol da educação pública nos parece de extrema relevância para a pesquisa sobre práticas ciberativistas e os discursos adotados para fins de mobilização política e social na área educacional.

O presente artigo é resultado de uma pesquisa de doutorado, cujo objetivo foi realizar uma análise retórica dos discursos adotados por professores em um grupo de discussões no Facebook que lutam na defesa de uma "educação pública de qualidade" no Rio de Janeiro, investigando suas crenças, valores, visões e práticas que servem de base para suas argumentações, com o propósito de angariar adesão aos seus ideais e causas. Além disso, tecemos uma análise acerca das possibilidades e limites do apelo discursivo dessa retórica praticada online, para fins de mobilização social e política na área educacional.

Referencial teórico

Castells(2013) explica que os movimentos sociais que repercutiram no mundo inteiro nos últimos anos, tais como a Primavera Árabe, nos países do Norte da África e Oriente Médio, os movimentos Occupy nos Estados Unidos e outros na Europa, como os Indignados de Barcelona, apresentam diversas características em comum. Dentre elas, está o fato que, embora geralmente se iniciem nas redes sociais da internet, esses movimentos online se tornam posteriormente um movimento de ocupação do espaço urbano. Obviamente, os blogs, Facebook ou Twitter não causam revoluções, mas fornecem a infraestrutura que pode estabelecer laços de comunicação e capacidade de organização entre os grupos de ativistas, antes que os protestos de rua se formem.

Ugarte (2008) descreve que o ciberativismo, hoje, está baseado no desenvolvimento de três vias unidas: o discurso, as ferramentas e a visibilidade. Para o autor, um ciberativista é alguém que utiliza a internet para difundir um discurso e colocar à disposição pública ferramentas que possam devolver às pessoas o poder e a visibilidade que costumam ser monopolizadas pelas instituições midiáticas e governamentais. Para o autor, o discurso como prática ciberativista é de extrema importância, uma vez que são as construções discursivas que estabelecem os componentes identitários elaborados pelos grupos ativistas diante do ambiente distribuído da internet. Os usuários da rede, ao se identificarem com o sujeito destinatário da enunciação e seu discurso, podem se engajar na causa ciberativista, facilitando "a comunicação entre pares desconhecidos sem que seja necessária a mediação de um 'centro', ou seja, assegura o caráter distribuído da rede e, portanto, sua robustez de conjunto" (idem, p. 57). A extensão da ação ciberativista depende da quantidade de enunciadores que se identifiquem com a identidade criada pelos ativistas através do ato de linguagem adotado na rede.

Esta empatia criada entre os ciberativistas e seus enunciadores remete-nos às noções de ethos e pathos apresentada na Retórica, de Aristóteles, que, segundo Lemgruber e Oliveira (2011), seriam, respectivamente, as características do orador e do auditório. Além disso, inclui-se na tríade retórica o logos, ou seja, a racionalidade do discurso, que tem o propósito de persuadir o auditório a aderir a uma tese, por meio dos diferentes tipos de acordos e dos tipos de argumentos que expressam a intenção do orador e os efeitos que pretende sobre seu auditório.

Enquanto que Aristóteles, na Retórica Clássica, se preocupava em analisar a estrutura da argumentação em discursos orais e preseciais, na Nova Retórica, Perelman e Olbrechts-Tyteca enfatizaram a modalidade escrita, devido à importância que ela adquiriu na sociedade moderna. Na atualidade, a retórica novamente se adapta às inovações tecnológicas dos homens, e, por isso, ela tende a se renovar. Diante de diferentes hábitos e comportamentos comunicativos diversos, a retórica também sofre modificações e emerge no espaço real e virtual de comunicação com outra roupagem. O formato e outras características típicas das mídias e tecnologias digitais criam um ambiente propício ao surgimento de uma forma contemporânea de retórica, já chamada de Retórica Digital (XAVIER, 2010), que permite a evolução dos argumentos para além daqueles conhecidos e praticados na oralidade e na mídia impressa, como, por exemplo, a possibilidade de inclusão de imagens em movimento, sons, entre outros recursos.

No entanto, mesmo com todas as suas evoluções, a Retórica, independente de como, onde e para quem é propagada, guarda características, técnicas e estruturas que são recorrentes, e que, em conjunto, asseguram a sua eficácia. Perelman (1999) afirma que o objetivo de toda argumentação é aumentar a adesão dos espíritos às teses apresentadas. Para o autor, uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar a intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno.

Ferreira (2001) explica que uma das regras a ser levada em conta nas novas mídias é a da economia da significação "que consiste em otimizar a eficiência da mensagem e de adaptá-la às necessidades do meio de comunicação, com o mínimo de esforços de forma a obter a maximização dos efeitos" (FERREIRA, 2001), alcançando, assim, da melhor forma, o possível auditório no ciberespaço. Esse objetivo resulta em uma mensagem com um número relativamente restrito de caracteres e signos e que, ao mesmo tempo, expresse muita informação.

Os ciberativistas, por exemplo, com o propósito de darem mais visibilidade às causas defendidas, utilizam-se, muitas vezes, de uma linguagem atrativa e alarmista - semelhante à da publicidade e propaganda nos meios de comunicação em geral - que chame a atenção da sociedade civil em meio a uma profusão acelerada de informações disponibilizadas no espaço virtual a todo momento (MARQUES; NOGUEIRA, 2012).

Rodriguez (2014), por exemplo, tece uma crítica aos discursos ativistas nas redes sociais online, por darem a impressão de que, ao se apropriaram da linguagem da publicidade e utilizarem palavras e imagens de impacto, além de slogans e clichês, na maioria das vezes, acabam reforçando o senso comum ou defendendo ideologias, de esquerda ou de direita, prontas para o consumo rápido, parecendo que há mais propaganda do que militância na internet. A preocupação excessiva com a visibilidade, concisão, e a "venda" de uma ideia, em detrimento da obtenção de juízos de valores razoáveis, ainda que provisórios e circunstanciais, passíveis de reformulação, que são extremamente importantes para a vida social (MAZZOTTI, 2011) podem causar o esvaziamento dos debates em geral e, especialmente os educacionais, objetos dessa pesquisa.

Metodologia

Os dados para a pesquisa foram coletados entre setembro de 2013 a 2016, em um grupo público de discussões de professores no Facebook. Optamos por restringir nossa pesquisa às discussões relacionadas à educação pública no Rio de Janeiro, resultantes do questionamento em relação à adoção do sistema de metas e a meritocracia, adotado pelos governos municipal e estadual, e a luta desses docentes em prol da "educação pública de qualidade", por ser um assunto recorrente nessas discussões.

Como os dados da pesquisa são organizados em argumentos na modalidade escrita, a tipologia utilizada para essa análise é a sugerida na Teoria da Argumentação (TA) que "cobre todo o campo do discurso visando convencer ou persuadir, qualquer que seja o auditório ao qual se dirija, e qualquer que seja a matéria sobre a qual se sustenta" (PERELMAN, 1999).

De acordo com a TA, os objetos de acordo são os pontos de partida para o debate, que são escolhidos na própria argumentação, uma vez que a ambiguidade não pode ser excluída, a princípio. Por esse motivo, os acordos são premissas que o locutor adota a partir das quais seu raciocínio se desenvolverá durante a argumentação. Os tipos de objetos de acordo podem se referir ao real (fatos, verdades e presunções) ou se basearem no preferível (valores, hierarquias e lugares do preferível). Para os que se referem ao real, fatos são situados no tempo; verdades se referem a situações atemporais, consideradas não controversas e as presunções remetem ao que é esperado (normal) e ao plausível. Com relação ao preferível, destacam-se os valores que acabam tendo a mesma força dos fatos ou verdades quando são reconhecidos por um grupo social, pois influenciam a tomada de decisões e orientam as ações. Existem também as hierarquias de valores, que fundamentam as preferências, assentando-as nos lugares que julgamos preferíveis.

Assim que estabelece os objetos de acordo, o orador se vale de técnicas discursivas para persuadir, e a argumentação pode ser categorizada em esquemas. Os argumentos podem se apresentar por ligação ou dissociação de ideias. Na apresentação por ligação de elementos do raciocínio, busca-se a transferência das premissas para a conclusão, ou seja, a união entre elementos do discurso, enquanto a dissociação visa o oposto, a ruptura. Perelman (1999) ressalta que ambas as técnicas, na realidade, são complementares, pois um argumento que dissocia uma noção visa solidarizar outros elementos, e vice-versa.

Observamos que a dissociação de noções tem sido usada como base para a criação dos conceitos de qualidade da educação pública adotados pelos grupos pesquisados. Nesse esquema, o orador separa os elementos do discurso para uma melhor exposição, pois, em conjunto, estes parecem incompatíveis. A dissociação de noções divide para comparar seus termos, sendo o segundo termo aquele que expõe as qualidades consideradas superiores, expressando o que se considera preferível fazer ou ter, instituindo uma hierarquia entre os significados das coisas, o que vale mais e o que vale menos.

Além disso, Perelman (1999), seguindo a divisão Aristotélica, classifica os gêneros retóricos em três tipos: deliberativo, judiciário e epidítico. Na presente pesquisa, observamos que o gênero epidítico é amplamente utilizado, conforme apresentado nos resultados parciais. Esse gênero retórico tem como principal objetivo louvar e/ou censurar uma ação, e tem o papel de intensificar a adesão a valores sem os quais os discursos que visam à ação não comoveriam e persuadiriam seus auditórios.

Por fim, utilizamos o MEA - Modelo da Estratégia Argumentativa (CASTRO; FRANT, 2011) como instrumental de apoio à análise e interpretação dos argumentos coletados da pesquisa, que resumidamente, se apresenta em três momentos: a) organização dos dados, com a codificação, categorização e construção do corpus de análise; b) estudo comparativo dos dados, esboço dos resultados e interpretação, buscando destacar os acordos e as controvérsias e tornar as informações encontradas de fácil compreensão para os leitores; e c) apresentação dos resultados, sendo as interpretações sustentadas por uma argumentação, ou, seja, tudo o que sugerimos que os sujeitos da pesquisa disseram deve ser apoiado por alguma evidência retirada do próprio discurso.

Análise dos dados

Os resultados da pesquisa mostram que o discurso ciberativista adotado nos grupos de discussões no Facebook pelos professores tem como objetivo principal criticar as políticas educacionais públicas adotadas no Rio de Janeiro, que, segundo os docentes, transformaram a escola pública em uma mercoescola, ou seja, introduziram na escola a lógica da empresa, centrada nos valores da competição, da produtividade, da eficiência, da eficácia e da avaliação seletiva e classificatória, na quantificação e no produto final, com uma gestão baseada na política de meritocracia e bonificação por metas. Além disso, os professores (oradores) têm como finalidade angariar adesão às suas lutas a favor do que acreditam ser a verdadeira escola pública de qualidade, que se baseia na concepção de escola cidadã, enfatizando a solidariedade, criticidade, cooperação, autonomia moral e intelectual, humanização e avaliação com ênfase nos processos, tempos e ritmos dos alunos, como visto nas falas dos professores a seguir:

Quando a educação pública deixar de ser um negócio para seus administradores gestores ou seja lá o nome que queiram dar e mais que isso, forem efetivamente fiscalizados por aquele que é o custa legis (MP), talvez nesse dia nasça a tão esperada e necessária qualidade de ensino, mas enquanto isso não acontecer seguiremos fingindo que ensinamos, os alunos fingindo que aprendem e os gestores felizes da vida com os números estampados nos jornais.

Vejam quem se preocupa de fato com uma educação de Qualidade! Muito bom esse relato. Por tudo isso eu também desobedeço as orientações da secretaria de educação, prefiro dar aulas de verdade! Não aplico o SAERJ, nem currículo mínimo, nem lanço nota, e prefiro ser uma boa professora! Dou aula inovadoras! Busco uma formação Cidadã! Faço Greve! E estou na luta por uma Educação Pública Gratuita, Laica, de qualidade e emancipatória!

A campanha poderia ser coletiva para a não adoção de material da fundação Roberto Marinho e da Ayrton Senna. Uma percepção que tenho é que não guiamos a nossa militância pela legislação em vigor (LDB, parâmetros e diretrizes curriculares, pareceres), como também não provocamos o Ministério Público com essas questões. Todas as pesquisas sobre educação de qualidade apontam para duas realidades: o papel dos gestores e a autonomia da escola para realizar o seu projeto.

Dessa forma, podemos constatar que as práticas voltadas para a qualidade da educação pública apresentam-se, nessas discussões no Facebook, cindidas entre: a) mercadológicas, que são adotadas pelos governantes, e altamente censuradas pela maioria dos docentes e b) cidadãs, que são louvadas pelos professores:

A qualidade do ensino público é ruim. Com aprovação automática, desvalorização do professor, o que esperar? Não somos mágicos. Mais um absurdo com objetivo de impedir o projeto de democracia escolar e educação de qualidade. A concentração do poder nas mãos de uma categoria nos levará a uma escola esquizofrênica, habitada por duas castas absolutamente separadas: professores e gestores. Receita perfeita para uma fábrica sob o capital, desastre para um centro de cultura.

Desde sempre dizemos que os nossos governantes não acreditam nos planos que eles próprios fazem para a Educação pública. Se acreditassem, seus filhos estudariam na escola pública. E agora a prefeitura do Rio solta na imprensa uma propaganda que mostra alunos apáticos sentados em cadeiras que são carregadas por uma esteira como na linha de produção de uma fábrica. Acabaram deixando escapar o que tinham escondido há tanto tempo: que o objetivo deles é simplesmente formar mão de obra barata, apática e sem nenhum senso crítico.

O esquema argumentativo adotado é o da dissociação de noções, em que o orador separa os elementos do discurso para uma melhor exposição, pois, em conjunto, estes parecem incompatíveis. Uma mesma noção é cindida para separar o que se julga real do aparente ou enganoso. Ao solucionar incompatibilidades, a dissociação reorganiza as concepções do real, divide para comparar seus termos, sendo o segundo termo aquele que expõe as qualidades consideradas superiores, expressando o que se considera preferível fazer ou ter, instituindo uma hierarquia entre os significados das coisas, o que vale mais e o que vale menos (PERELMAN, 1999).

O quadro a seguir sintetiza essa dissociação, sendo que, ao lado esquerdo temos o primeiro termo, representando a visão dos governantes, e ao lado direito, o segundo termo, com a visão defendida pelos professores pesquisados.

QUADRO 1 Quadro 1: Dissociação de noções do termo “escola pública” 

Termo I: Escola pública conforme os governantes Termo II: Escola pública conforme os professores
Plano de metas Plano de carreira
Meritocracia Plano de cargos
Avaliação externa Avaliação com ênfase nos processos de aprendizagem
Obtenção de resultados Desenvolvimento da autonomia e crítica
Bonificação Plano de salários
Adoção de material didático unificado Autonomia para escolha do material
Produtividade Respeito ao tempo e ritmo do aluno
"Mercoescola" Escola cidadã

Quadro 1 – Dissociação de noções do termo “escola pública”

Observamos que a dissociação acima separa os aspectos que pretende desqualificar na coluna do termo I e os que quer valorizar na coluna do termo II. Quando pegamos uma noção tradicionalmente apresentada como unitária e a dividimos em dois termos, para que possamos compará-los, estamos querendo apresentar o que consideramos ser o real e superior, no termo II, em detrimento do que é aparente e inferior, no termo I. O termo I se apresenta como o carente das qualidades presentes no termo II, e, por meio da dissociação, é instituída uma hierarquia de valores (PERELMAN; TYTECA, 2000)

Assim, ao classificarem as práticas das políticas meritocráticas no termo I e aquelas da "escola cidadã" no termo II, os oradores do grupo tentam persuadir seu auditório a acreditar que a "mercoescola" é nociva, prejudicial, enganosa e, por isso, figura como termo I da dissociação. Por outro lado, a "escola cidadã" aparece na coluna do termo II, sugerindo que esta é considerada superior em relação à primeira, na visão dos oradores.

A constatação dessas visões dicotômicas nos remeteu ao romance "O Feijão e o Sonho", de Orígenes Lessa, da década de 1930 (LESSA, 2000), que aponta a exacerbação entre o Discurso Utilitário e o Estético - isto é, de um lado o ser racional, representado por Maria Rosa, preocupada com o feijão que alimenta o corpo e, do outro, o ser sonhador, representado pelo poeta Campos Lara. Maria Rosa censura o comportamento do marido, enquanto que Campos Lara enfrenta o dilema de querer viver de sua arte, mas se vê obrigado a dar aulas para manter sua família e abrir mão de seu sonho.

Podemos constatar, por meio das discussões analisadas, que uma parcela significativa dos professores vive um dilema, entre "o feijão e o sonho", pois defende mudanças nas atuais políticas públicas, clama, no mundo virtual, pelo fim da meritocracia, bonificação e outras medidas adotadas pelos atuais governos estadual e municipal no Rio de Janeiro, participando ativamente das discussões online, porém, acaba cumprindo o que é imposto pelo governo por medo das represálias, conforme se observa na fala a seguir:

Estou vivendo uma crise existencial dentro da minha profissão. A categoria tem horror deste governo e de tudo o que ele representa de negativo para a educação. Não precisamos relatar todos os atropelos, covardias e desmandos contra nossa categoria nestes últimos 8 anos. (...) Mas como pode falar mal do governo e cumprir currículo mínimo, lançar nota num sistema que desvia dinheiro da educação, aplicar uma prova que mascara o sistema e ainda alimenta a justificativa falsa de se estar empregando verbas na melhoria da qualidade do ensino público? Se alguém puder me explica, por favor o faça. Eu só vejo incoerências.

Além disso, quando há convocações para assembleias e adesão às greves, passeatas e manifestações no mundo "real", boa parte dos professores se omite, por não acreditar mais em mudanças ou por temer punição com o não pagamento da bonificação, inúmeros descontos na folha de pagamento ou perda da lotação em suas escolas de origem, como podemos ver nos comentários abaixo:

O que angustia é que no momento da greve e das lutas mais difíceis, muitos colegas que aqui estão preocupados com bônus, lançamentos no conexão etc. se mantem em silêncio, estão nas escolas adiantando tempo vago por grevistas, fazendo o papel de "bons profissionais" e de que não estão nem aí (sempre falo isso: é mais cômodo fingir que está tudo bem). O silêncio é ensurdecedor! Vejo as postagens aqui diariamente, e esses mesmos colegas não fazem nenhum pronunciamento durante a greve.

Será um imenso prazer ver colegas que já nos acompanharam no movimento de greve, no momento em que se abstém da luta, curtir, comentar ou compartilhar as postagens que fazemos, pois o silêncio deles dá a impressão que não estamos juntos na mesma luta!!! o nosso inimigo comum é o governo e não o colega!! estamos do mesmo lado!!

Ao priorizarem o "feijão" em detrimento do "sonho", os docentes, que participam das discussões online, mas que não aderem aos movimentos offline de transgressão das regras, ou que discordam das teses defendidas pelos oradores acabam sendo vistos como traidores por parte daqueles ativistas que correm riscos reais, atuando fora do mundo virtual, gerando uma divisão no grupo e enfraquecendo o movimento.

Observamos também que o tipo de retórica adotada em grande parte dos discursos é do gênero epidítico, na tentativa de reforçar a disposição à ação, censurando os atos de governos e colegas e elogiando as práticas que consideram superiores em relação às criticadas.

Ao amplificarem os valores louváveis, que não são postos em discussão, os ativistas têm a intenção de promover a coesão social do grupo, criando um consenso entre seus membros, exaltando o que é belo e virtuoso e censurando o que consideram o mal, o vício, alicerçando uma "comunidade de espíritos" (BRANDÃO, 2011).

A finalidade principal do gênero epidítico não é necessariamente suscitar uma ação imediata, mas sim criar uma disposição para a ação futura, ao reforçar a comunhão em torno de certos valores, crenças e interesses. Comunhão essa que não se constrói do dia para a noite, mas que, futuramente, poderá servir de suporte para persuadir e motivar a tão esperada ação offline em massa dos professores, para além do mundo virtual.

E, nesse contexto, a rede social online Facebook, que é acessada por mais de um bilhão de usuários de todo mundo, todos os dias, de acordo com informações fornecidas pela própria empresa em abril de 2016 (O GLOBO, 2016), apresenta-se como um espaço virtual propício para ampliar as estratégias de visibilidade pública. Por meio dela, é possível sensibilizar, gerar empatia e convocar futuros seguidores para a causa defendida, potencializando o discurso do grupo, a fim de mobilizar não somente profissionais da educação, mas também a sociedade, de forma que essa reflita, junto com eles, os rumos que a educação pública vem tomando no Rio de Janeiro.

Conclusões

A pesquisa evidenciou que os professores se encontram desunidos e vivendo um dilema: resistirem à politica meritocrática na educação e lutar pelo sonho coletivo de uma escola mais cidadã, democrática, correndo riscos de terem descontos em salários, dentre outras sanções, ou se renderem às políticas meritocráticas estabelecidas pelos governantes, pois não podem abrir mão de seus salários e das bonificações, uma vez que precisam sustentar a si e suas famílias. Os esforços dos oradores que adotam o discurso epidítico em meio às discussões sobre a educação pública no Rio de Janeiro vão ao encontro da tentativa de resgatar, nos docentes, os valores humanistas, da escola cidadã, democrática, que, para esses oradores, são superiores aos valores reforçados pela política meritocrática do governo, baseada no individualismo, na competição e em práticas mercadológicas que tratam a educação como um bem e não como um direito.

No discurso do gênero epidítico, o auditório não é considerado mero espectador, mas é chamado a reagir, a dar uma resposta, que, no caso da presente pesquisa, seria: aderir a ou rejeitar a luta pela escola pública cidadã defendida pelos oradores do grupo, que inclui a não adesão ao sistema meritocrático exigido pelos governantes.

Consideramos importante a insistência na adoção do discurso do gênero epidítico durante as discussões a fim de aumentar a adesão do auditório aos valores que os oradores querem defender e contribuir para a criação de uma futura disposição para a ação dos professores. A comunhão em torno dos valores exaltados deve ser o objetivo principal dos oradores que querem persuadir o auditório para a luta, "independentemente das circunstâncias precisas nas quais essa comunhão será posta à prova" (AMOSSY, 2011).

No entanto, os oradores devem ter em mente que todo argumento pode ser questionado, pois não almeja alcançar a verdade, mas sim trazer uma relativização das posições, conduzindo-nos a repensar os enunciados que defendemos e aqueles sustentados pelos outros.

Mazzotti (2016), por exemplo, questiona a oposição entre valores democráticos e meritocráticos na educação, ao indagar se há, de fato, incompatibilidade entre a democracia e a meritocracia, uma vez que, nas escolas, o mérito é permanentemente estabelecido por meio dos diversos instrumentos de aferição e que as escolas, tradicionalmente, são instituições dedicadas a desenvolver culturalmente seus alunos, dando grande valor ao mérito pessoal, sem considerar suas origens sociais. Nesse caso, democracia e meritocracia andariam de mãos dadas, uma vez que todos são considerados capazes de se tornarem melhores, pois a escola reconhece e valoriza o trabalho, o esforço e a dedicação do aluno individualmente, por meio de notas e classificações, no processo de aperfeiçoamento pessoal para alcançar a excelência, o que merece ser reconhecido. O inverso seria considerar que apenas os "bens nascidos" é que poderiam e deveriam ser reconhecidos, pois seus méritos são inatos.

Mészáros (2005) acredita que as escolas vêm, ao longo dos últimos séculos, legitimando a lógica do capital e que uma mudança verdadeiramente radical deve passar pelo rompimento com essa lógica no âmbito da educação. Os reparos institucionais formais não funcionam e servem para nos manter aprisionados ao círculo vicioso institucionalmente articulado e protegido por essa lógica. Alega também que essa abordagem reformista é elitista mesmo quando se pretende democrática, pois define a educação como uma atividade intelectual e como a única forma adequada de preservar os "padrões civilizados" daqueles que são designados para "educar e governar", contra a "anarquia e subversão". Simultaneamente, exclui a maioria da humanidade do âmbito da ação como sujeitos e os condena, para sempre, a serem apenas objetos, em nome da suposta superioridade da elite: meritocrática, tecnocrática e empresarial.

Conforme podemos observar, nos exemplos acima, é praticamente impossível impedirmos que os litígios intelectuais surjam nesse tipo de debate. Entretanto, o que percebemos é que, apesar de se intitular um grupo de debates, os discursos presentes no lócus da pesquisa apresentam características muito próximas às que Marques e Nogueira (2012) apontam em relação aos discursos ativistas em geral: eles normalmente não se sentem obrigados a discutir com aqueles que divergem de seus interesses. A principal tática de combate é protestar fora dos âmbitos em que ocorrem deliberações institucionalizadas (sobretudo nas redes sociais) de modo a fazer com que o amplo público se torne consciente de erros e injustiças. Essa atitude ativista não é deliberativa no sentido de trocar argumentos em debate, mas ela serve para comunicar ideias e valores específicos ao público, desafiando os discursos hegemônicos.

Provavelmente no afã de aumentar a adesão às teses defendidas e reforçar uma disposição para a ação imediata do seu auditório, impulsionado pelo ambiente onde as discussões ocorrem, ou seja, o Facebook, os oradores do grupo acabam criando uma "bolha ideológica", formando grupos polarizados, em que há, em vez do debate, uma ressonância de seu sistema de crenças, a "câmara de eco". Com isso, os oradores não se interessam muito em argumentar com aqueles que divergem de suas teses ou valores propostos, e tendem a excluir as vozes divergentes.

Pesquisas recentes realizadas por Quattrociocchi (2016) mostram que as discussões realizadas dentro de grupos do Facebook com pessoas de opiniões semelhantes parecem influenciar negativamente as emoções dos usuários e reforçam ainda mais a polarização do grupo. Adicionalmente, os resultados experimentais evidenciam que as informações que se adequam aos argumentos defendidos são aceitas mesmo se contiverem premissas deliberadamente falsas, enquanto que informações divergentes, ainda que verdadeiras, são normalmente ignoradas ou acabam até aumentando a polarização do grupo. E para complicar ainda mais, os usuários, com o objetivo de maximizar as "curtidas" nas suas publicações, acabam achatando ou simplificando o debate. Em um ambiente onde não há intermediações, a opinião pública acaba lidando com uma grande quantidade de informações enganosas que podem influenciar tomadas de decisões importantes.

Dessa forma, como os oradores ativistas do grupo têm a intenção de promover o debate, ainda que com o intuito de obter a adesão futura do auditório às causas defendidas contra a meritocracia na educação, tecemos algumas considerações na tentativa de aumentar o apelo discursivo para fins de mobilização do grupo e evitar a polarização e as câmaras de eco nas discussões observadas.

Primeiramente, para que o auditório melhor entenda os valores defendidos pelos oradores, evitando a disseminação de informações distorcidas ou mal-entendidas, os oradores poderiam criar uma dissociação de noções do polêmico termo "meritocracia", que, conforme mencionado anteriormente, pode dar margem a diferentes interpretações.

Se a intenção dos oradores é criticar a meritocracia apresentada pelos governantes do estado e município do Rio de Janeiro na avaliação do desempenho dos servidores da educação, então, seria interessante deixar claro, ao auditório, que seus questionamentos se baseiam no modo como a política meritocrática vem sendo aplicada, na prática, e não em tese. O reconhecimento do mérito pessoal é um procedimento que vem sendo adotado nas escolas há séculos, para avaliar o alunado. Acreditamos ser importante que os oradores reconheçam que criticam a meritocracia na educação, não porque julgam que esse modelo jamais poderá dar certo (o que pode ser rebatido, uma vez que a própria escola utiliza a meritocracia para avaliar seus alunos), mas por acharem que, conforme é aplicado no sistema educacional público no Rio de Janeiro para avaliação do desempenho dos servidores, este modelo é perverso. Com a desculpa de "valorizar" o esforço pessoal, a meritocracia na educação pública acaba, na prática, punindo a maioria, por meio da culpabilização e responsabilização pelo fracasso escolar dos alunos, desconsiderando os inúmeros problemas enfrentados pelos servidores, como, por exemplo, a remuneração indigna e o excessivo número de alunos por turma. Dessa forma, os oradores esclarecem, a seu auditório, que tipo de meritocracia questionam, além dos valores e as hierarquias de valores que pautam suas teses, e evitam a querela por mau entendimento do que está sendo discutido.

As discussões precisam avançar para além das polarizações exacerbadas, a fim de que não caiam na armadilha do maniqueísmo das filosofias monistas, que adotam somente uma visão como a verdadeira, execrando tudo o que for contrário a ela, conforme mostrado na fala a seguir:

Sempre que alguém discorda com o outro aqui e lá é massacrado!!!! Principalmente quando o assunto é greve. O governo divide a categoria de várias maneiras... Cargos comissionados, bônus, opressão... E a gente se divide mais ainda quando se ofende! (...) Covarde? Fura greve? Filhos da p*? Conformados? Adjetivos não faltarão pra quem escolher outro caminho... A minha pergunta é se vale a pena toda esse desperdício de energia contra nós mesmos... Não somos inimigos. A mídia e o governo tentam nos convencer o contrário todos os dias!!! Vamos argumentar e convencer com o carinho que merecemos. O governo já nós dá porrada demais.

Diversas críticas costumam ser feitas às discussões realizadas nas redes sociais online por fomentarem a polarização de opiniões e agressões verbais, por meio de deboches e insultos entre os debatedores. Rocha (2016) aponta que parte considerável dos embates entre ideias diferentes (no Facebook)

se caracteriza, quase sempre, por dois monólogos, andando em paralelo, com o reconhecimento da outra parte ocorrendo apenas através de ofensas ou sarcasmo. Muito se fala, e pouco se ouve. Muito se prega, pouco se debate. E quando há troca, esta acontece menos como debate e mais como disputa, sempre com cada lado buscando ter a última palavra e "vencer".

Meyer (1994) afirma que, para persuadir, devemos negociar as distâncias entre o que o orador profere e o que auditório admite como tese. Para o autor, a retórica trata de causas a defender ou teses a sustentar, mas que, no fundo, todas elas são questões, que podem ser problematizadas.

Podemos diminuir as distâncias, construindo pontes, de forma que a comunicação entre orador e auditório fique mais eficaz. No entanto, as distâncias também podem ser aumentadas quando, por exemplo, nos indignamos com as opiniões ou atitudes de colegas e acabamos nos afastando cada vez mais deles. A utilização de insultos e deboches com aqueles que discordam das teses defendidas pelos oradores é um exemplo de postura que só contribui para distanciar e desunir ainda mais o grupo que já se encontra distanciado e desunido.

Ao não negociarem suas distâncias em relação ao auditório, os oradores acabam sendo propagadores de discursos de intolerância, ou seja, de sanção aos sujeitos considerados como maus cumpridores de certos contratos sociais, que, neste caso, seriam os profissionais da educação que discordam dos argumentos defendidos pelo grupo. Ao adotarem esse tipo de discurso, os oradores do grupo reproduzem os atos dos opressores, que não aceitam negociar, discutir ou mesmo flexibilizar suas ideias e práticas que julgam corretas, impondo-as verticalmente, perseguindo e punindo quem não compartilha com ou se rebela contra elas. E aí, neste caso, toda e qualquer argumentação se torna inútil, pois não conseguirá atingir seu principal objetivo: obter a adesão dos espíritos e persuadi-los a agir, ou, pelos menos, criar neles uma disposição para uma ação futura.

Em O Feijão e o Sonho, o professor/poeta vivia seu dilema - entre sonhar e lutar por um ideal ou enfrentar a realidade e trabalhar para comprar o feijão de cada dia - sozinho, sem ter com quem compartilhar suas angústias, frustrações, desejos e aspirações. Os docentes da educação pública do Rio de Janeiro, por outro lado, têm um precioso fórum virtual onde podem discutir seus problemas, trocar ideias, obter informações e conhecimento. Porém, acima de tudo, devem ter em mente, sempre quando forem argumentar, que os discursos se constituem de elementos de acordo e desacordo, envolvem negociações de significados, mas, não necessariamente, a supressão das divergências, a menos que haja um critério comum às partes, o que não é o caso do grupo pesquisado.

Meyer (1994) também lembra que, ao mobilizar os saberes, as opiniões comuns e os valores partilhados pelo auditório, o orador anula o efeito de distanciamento, pois os conflitos vêm do desacordo sobre seus valores.

Se os valores andam meio esquecidos, difusos ou se mostram incompatíveis, tornando difícil ou impossível a persuasão, criando um distanciamento muito grande entre o que os oradores defendem e o entendimento do auditório, então, que os oradores insistam em reforçar os valores que servem de base para seus argumentos, por meio do já utilizado discurso epidítico, elogiando o que consideram virtude, criticando o que consideram vício, a fim de amplificar e dar importância aos feitos louváveis, mas, sem necessariamente excluir aqueles que sustentam valores diferentes ou que se encontram em um dilema. Desse modo, poderão aumentar a adesão, por parte do auditório, ainda indeciso, aos valores que querem exaltar e às teses defendidas, e, quem sabe, conseguirão a tão sonhada "comunhão dos espíritos" e, futuramente, uma maior disposição para a luta contra as políticas meritocráticas na educação pública do Rio de Janeiro por parte de seu auditório.

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Recebido: 04 de Dezembro de 2017; Aceito: 22 de Julho de 2018

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