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Revista Educação e Cultura Contemporânea

versão impressa ISSN 1807-2194versão On-line ISSN 2238-1279

Rev. Educ. e Cult. Contemp. vol.15 no.40 Rio de Janeiro jul./set 2018  Epub 22-Jul-2018

https://doi.org/10.5935/2238-1279.20180046 

Artigos

Memória, aprendizagem e tecnologia: uma experiência com os alunos do ensino fundamental

Memory, learning and technology: an experience with students of fundamental teaching

Maria Auxiliadora Silva FreitasI 

Luis Paulo Leopoldo MercadoII 

Dirlene Márcia Costa FerreiraIII 

Fernando Silvio Cavalcante PimentelIV 

IUniversidade Federal de Alagoas, Maceió (AL), Brasil; afreitasmcz@gmail.com

IIUniversidade Federal de Alagoas. Maceió (AL), Brasil; luispaulomercado@gmail.com

IIIUniversidade Federal de Alagoas. Maceió (AL), Brasil; hanny_caroline@hotmail.com

IVUniversidade Federal de Alagoas; Maceió (AL), Brasil; prof.fernandoscp@gmail.com


Resumo

O artigo apresenta a análise de uma experiência vivenciada com alunos de uma escola pública do Ensino Fundamental, por meio do Projeto didático “O Lugar Onde Moro”, abordando o conceito de memória como categoria chave, articulada à linguagem digital na construção da leitura. Com ênfase nos fatos existenciais contidos na memória das pessoas mais velhas, o projeto se propôs a trabalhar a temática do lugar, o pertencimento de alguém em um espaço histórico-geográfico, constituído de relações sociais, econômicas e políticas. Destaca o envolvimento dos alunos para conhecer e interagir na comunidade na qual vivem e estudam, a partir da historicidade do bairro, levando-os a questionar, compreender, participar, criticar e apresentar sugestões que valorizem suas raízes e o meio cultural. Nesse percurso, o uso da Língua Portuguesa trouxe avanços significativos na formação dos alunos e professores, com destaque aos aportes linguísticos, a intertextualidade entre poetas e os problemas locais, as fontes orais, digitais e imagéticas, disponibilizadas pelas tecnologias educacionais. Finaliza mostrando os resultados para o ensino-aprendizagem, para a identidade pessoal dos alunos, e profissional de professores e gestores.

Palavras-Chave: Tecnologias na Educação; Programa Um Computador por Aluno; Memória; Aprendizagem

Abstract

The article presents the analysis of a lived experience with students from a public school of primary education through the educational project "The Place Where I live", addressing the concept of memory as a key category, linked to the digital language in reading construction. With emphasis on existential facts contained in the memory of older people, the project proposed to work the theme of the place, ones belonging in a historical and geographical space, made up of social, economic and political. Highlights the involvement of students to meet and interact in the community in which they live and study, from the historicity of the neighborhood, leading them to question, understand, participate, criticize and make suggestions that value their roots and cultural environment. Along the way, the use of the Portuguese language brought significant advances in the training of students and teachers, especially the linguistic contributions, intertextuality between poets and local problems, oral, digital and imagery sources, provided by educational technologies. Terminates showing the results for teaching and learning, for personal identity of students and professional teachers and managers.

Key words: Technologies in Education; Program One Computer per Student; Memory; Learning

Introdução

Este artigo tem o objetivo de apresentar e analisar uma experiência vivenciada com alunos de uma escola pública do Ensino Fundamental, por meio do Projeto Didático “O Lugar Onde Moro”, vinculado ao Programa Um Computador por Aluno (UCA) desenvolvido em Alagoas, abordando o conceito de Memória como categoria have, articulada à linguagem digital na construção da leitura.

O projeto iniciou a princípio, dentro da sala de aula, mas posteriormente envolveu o bairro onde a Escola está situada, não só para expor graficamente a representação espacial do local, mas também as práticas socioespaciais, motivando o uso da oralidade, da leitura e da escrita digital, por meios de ferramentas de colaboração online, compartilhando ideias, na busca de novos conhecimentos.

O projeto de pesquisa constituiu uma das ações colaborativas de pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL, 2015), direcionado à Escola Estadual Engenheiro Edson Salustiano dos Santos, localizada no município de Maceió/AL, cujos objetivos contemplaram, não só proporcionar aos alunos a possibilidade de estabelecerem comunicação e socialização com a comunidade onde vivem, como também compreender o sentido e o significado do que é memória.

Em meio a essas considerações, algumas questões tornaram-se fundamentais: o que as crianças realmente conhecem do meio onde vivem? Qual a relevância de articular esse conhecimento à aprendizagem e à construção de suas identidades? Nesse processo, de que forma as tecnologias poderiam contribuir na realização das atividades didáticas?.

Sensibilizar os alunos sobre o valor da memória e do respeito às histórias contadas por pessoas mais velhas foi um dos objetivos mais importantes. Ouvir histórias sobre o lugar onde o aluno mora, o bairro Jacintinho, abriu portas para muitas respostas que estavam guardadas no baú. As crianças realmente não conheciam o lugar onde vivem, nem utilizavam esse conhecimento em suas aprendizagens.

Nesse sentido, o projeto possibilitou estudar as variações linguísticas de um povo que se diferencia bastante, dependendo da região, com ênfase nos aspectos linguísticos e gramaticais a partir de narrativas, de reescrita centrada nas produções de textos e intertextos, mediados por ferramentas tecnológicas.

A pesquisa privilegiou a abordagem qualitativa (LUDKE e ANDRÉ,1986), na medida em que evidenciou a inter-relação dos alunos, professores, gestores, pesquisadores e suas implicações nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas; abriu espaço para refletir as questões que envolvem a função social da escola, os conteúdos das disciplinas de Língua Portuguesa, História e Geografia, a relação entre o conhecimento sistematizado e a variedade de informações oriundas dos dados encontrados pelos alunos.

O projeto trabalhou com os valores culturais, morais e físicos, integrando elementos da vida social aos conteúdos trabalhados. Os professores atuaram principalmente como mediadores, orientando os alunos, motivando-os a interagir e construir conhecimentos, por meio de estratégias metodológicas que envolviam a procura de documentos e vestígios de suas histórias e do lugar onde vivem, a pesquisa documental e online, entrevista com as pessoas mais velhas da família e da comunidade; produção de textos e intertextos, troca de ideias entre professor-aluno, aluno-aluno e escola-comunidade.

Fundamentando o projeto: marcos teóricos

A memória é uma categoria chave composta por vivências, emoções, sentimentos, sensações, lembranças e esquecimentos a um só tempo, não havendo nela separações, divisões do tempo, como na História. Apesar de a história e a memória manterem relações intrínsecas, o elemento comum a estas é o passado. Temos consciência de que o homem é um ser social e, como tal, é moldado e/ou transformado pela construção histórica e cultural da sociedade em que está inserido.

Resgatar a memória do lugar é dar ênfase às raízes culturais direcionadas à memória cultural do povo. Não é um trabalho arqueológico, não se pretende escavar o passado, mas sim, promover um resgate para manter viva a história, a construção da cultura de um povo, de um bairro, de uma cidade. É possível dizer que não se vive do passado; vive-se do presente e do futuro. Porém, para compreender as transformações pelas quais a cultura de um povo tem passado, no decorrer dos tempos, se faz necessário conhecer como era antes, no início de sua construção. Há de se estabelecer parâmetros, para que se possa definir em que aspectos essa cultura foi transformada.

Ao analisar o passado de uma sociedade, podemos constatar que a memória histórica constitui uma das formas predominantes e discretas da dominação e do inicio da vida de cada pessoa, em todos os anos de vida. Para Pedroso (1999), é necessário que cada pessoa saiba viver suas raízes, pois elas dão sentido à vida. O passado não pode ser celebrado apenas como um culto de recordação, mas como análise constante para o crescimento do presente em direção ao futuro, inclusive pelo fato de que as raízes dão legitimidade ao que somos.

A memória pode ser entendida também como a característica do ser humano de conservar algumas informações. Um conjunto de funções psíquicas atualizam estas informações do passado (LEGOFF, 1990), sendo importante por ser um dos vestígios de que se serve para que seja produzida uma leitura do passado, a memória é experiência humana, experiência cultural, sendo individual ou coletiva e, como fonte, oferece o vivido, o sentido, o experimentado pelos indivíduos, no tocante às lembranças e esquecimentos, relembrados por objetos antigos. A memória, segundo Russel, implica em dois elementos: “a formação da imagem do evento e uma crença de que a imagem refere-se a algo que ocorreu no passado” (RIBEIRO, 2007). Estes dois elementos revelam como o ser, conscientemente, recorda o que se passou com ele.

Na busca de querer entender melhor o conceito de memória, chega-se a seguinte definição de Ribeiro (2007, p.1): “A lembrança e o esquecimento são componentes da memória, um não existe sem o outro, no processo de atualização do passado, quando evocado”. A memória possibilita ao ser o sentimento de que pertencimento e existência, o que destaca o significado que os lugares de memória são para as sociedades humanas e para os indivíduos, tais como os templos, museus, etc.

Partindo desses pressupostos, é imprescindível conhecer momentos do passado, para entender as mudanças ocorridas no presente e refletir sobre elas, pois o futuro depende da postura crítica que assumimos frente ao mundo.

Outro conceito chave, articulado à memória, se dá por meio da linguagem, com os diferentes gêneros textuais, inclusive digitais. Para apontar características dos gêneros textuais digitais é preciso relacionar os discursos que neles são produzidos, reconhecendo suas situações de uso. Esses gêneros são apontados por serem instrumentos de comunicação, interação e atualização.

Ao falar das possibilidades de atualização de um texto, a partir da interlocução e significação do leitor, é significativo observar que implica em na constituição do próprio leitor, ao escutar, olhar e ler o texto. Ao abrir-se ao esforço de significação que vem do outro possibilitamos a construção do sentido de cada um. Para Levy (1996, p.35) isso se faz “trabalhando, esburacando, amarrotando, recortando o texto, incorporando-o em nós, destruindo-os (...). O texto serve de vetor (...) à atualização de nosso espaço mental”.

Compreendemos que, no ato de ler, é importante estar atento aos aspectos materiais, linguísticos e de conteúdos do texto, mas também, considerar um conjunto de fatores inter-relacionados, entre eles, o lugar social do leitor, seus conhecimentos, valores e vivências (KOCH, 2010). Em nossa realidade, quando um indivíduo ingressa no mundo escolar, geralmente, cria-se em torno dele um verdadeiro circuito de expectativas referentes à organização da leitura e da escrita, porém, sem levar em consideração a pluralidade de sentidos decorrentes da interação autor-texto-leitor.

A leitura é condição indispensável para o acesso a qualquer área do conhecimento e, mais ainda, à própria vida do ser humano, uma vez que ela apresenta função utilitária transformadora na vida das pessoas. Por tal motivo, ler é estabelecer relações entre o texto e o contexto, internalizado sob a forma de conhecimentos.

Apesar de todo o esforço que se tem empregado, aprender a ler ainda é uma atividade complexa, que precisa ser repensada, antes de iniciar uma aula. Esse pressuposto leva a perceber que o aluno, quando interage, aprende de forma contínua, dando ênfase a sua leitura e a sua escrita, principalmente quando associadas às suas experiências. Como destaca Koch (2010, p.19) é preciso considerar a materialidade linguística do texto, como também levar em conta os conhecimentos do leitor, tendo em vista a “concepção de leitura como uma atividade baseada na interação autor-texto-leitor”.

Nesse contexto, a intertextualidade ganha espaço como mais uma alternativa para a leitura/escrita no meio digital, na medida em que minimiza os limites impostos pela leitura linear e explora, de forma flexível, as possibilidades de construção de sentidos viabilizadas pelo computador.

A presença de um intertexto acontece quando um texto remete a outros textos já produzidos, ou seja, um já-dito que faz parte da memória discursiva dos leitores/ouvintes, sendo fundamental o repertório de leitura e conhecimento dos sujeitos interlocutores (FREIRE, 2001). Uma forma de diálogo entre dois ou mais textos usados para se formar um novo texto, com uma nova significação, podendo ser construído com suportes digitais.

Quando se evidencia a importância da leitura na formação de alunos críticos, não se entende, apenas, a situação de decodificar palavras e frases para depois proclamá-las pensadamente, porém compreender os textos para além das linhas, identificando seu sentido e expondo opiniões e raciocínio próprio sobre o conteúdo lido. É indispensável oportunizar diferentes leituras aos alunos, estabelecendo uma ampla rede de relações de indivíduos que buscam, no universo da leitura, o aprendizado, o gosto em ler e a formação de cidadãos críticos, reflexivos e atuantes.

Esses pressupostos, quando associados à linguagem digital, permitem refletir que a educação se serve de técnicas, mas sem se reduzir a elas. A exemplo disso, Freire (2001, p.98) concorda que o uso dos computadores pode ampliar a capacidade crítica e criativa dos alunos, a depender de como é usado pelos gestores, professores e pelos próprios alunos. A tecnologia pode ser usada a favor da humanização e libertação do ser humano, dependendo da forma como é usada e qual a sua intencionalidade.

O uso das tecnologias em sala de aula, aponta para a necessidade de planejamento e organização de atividades educacionais, mediadas pelas tecnologias, as quais demandam novas habilidades dos professores, estratégias e dinâmicas diversificadas no ensino-aprendizagem (KENSKI, 2013) que, muitas vezes, a sala de aula formal não oferece oportunidade para isso, principalmente se levarmos em consideração a realidade dos alunos que chegam às escolas com conhecimentos voltados para o entorno digital.

Essa forma de aprendizado vem permitindo a criação de textos graficamente mais criativos e novas formas de comunicação e interação que superam limites de tempo e espaço, proporcionando uma nova concepção sobre o trabalho na sala de aula, a partir da existência de diversos gêneros textuais como representação de sujeitos ativos que, dialogicamente, se constrói e são construídos no texto.

O projeto em ação: aspectos conceituais, metodológicos e tecnológicos

O Projeto “O Lugar Onde Moro” foi realizado frente a um grande desafio à prática docente e discente da escola. De início trazendo muitas inquietações e inseguranças, sobretudo no que diz respeito à sua implementação, em conformidade com os objetivos e metodologia propostos. Após os momentos de sensibilização feitos pelos coordenadores do projeto (professores e estudantes da Ufal) com a equipe pedagógica e gestora da escola, aos poucos, as dúvidas foram substituídas por definições teórico-metodológicas, principalmente quando havia reuniões para planejar e avaliar cada etapa concernente às atividades.

Apresentamos o processo em ação, seu entendimento, envolvimento, estratégias metodológicas e os resultados na formação dos alunos e profissionais envolvidos.

Percursos didáticos: memória, reescrita e intertextualidade

A primeira etapa do projeto objetivou sensibilizar os alunos para compreender o sentido e o significado do que é memória, através das histórias “Velhos Amigos” (BOSI, 1979), “Aprendendo com o Menino Guilherme Augusto” (PRADO, 2006) e “Quando eu era pequeña” (PRADO, 2006). Nesse processo, a proposta consistía em trabalhar a reescrita centrada nos aspectos de leitura e produção de texto, com relato pessoal e reescrita da memória; pesquisa na internet sobre a biografia dos autores; registros individuais de dados marcantes no editor de texto digital e socialização desses registros.

Alguns textos soltavam a imaginação para entender que “as histórias não estão escondidas como um tesouro na gruta do Aladim” (BOSI, 1979) e sim, elas vêm dos livros, da mente, da memória, do passado, da infância, dos idosos, da natureza, do pensamento, das fotos, dos objetos antigos, da tristeza, da alegria, das músicas e da imaginação.

Logo surgiram muitas histórias sobre suas vidas e das pessoas conhecidas, em meio a fatos marcantes que eram resgatados, descritos e interpretados. Seria impossível escutar tantas coisas, em tão pouco tempo, por isso, foi sugerido que eles deveriam fazer um relato pessoal, contanto a história de vida de cada um e, em seguida, registrar tudo o que foi escrito no editor de texto digital do laptop disponibilizado.

Para compartilhar os seus relatos, alguns alunos se prontificaram a ir à frente da sala para fazer a leitura do seu texto. Foi um momento de total silêncio, pois todos queriam descobrir fatos ligados à vida de seus colegas. Com a correção coletiva dos textos, tiraram suas dúvidas sobre as questões gramaticais e ortográficas.

O momento seguinte analisou a elaboração das perguntas destinadas à entrevista com o morador mais antigo do bairro Jacintinho, lócus onde mora a maioria dos alunos. O entendimento não foi muito fácil, pois as perguntas se tornaram repetitivas. Foi preciso dividir a turma em grupo e haver um consenso de que todos precisavam participar, de forma direta ou indireta.

1 Você nasceu aqui mesmo? Quanto tempo você mora aqui? Fale-me um pouco sobre o bairro do Jacintinho.

2 O que você recorda de bom aqui nesta rua?

4 O que você acha que mudou para melhor?

5 Em sua opinião, o que tem de ruim aqui no bairro e o que precisa melhorar?

Visitar a comunidade local, identificando as suas características culturais, de saúde e saneamento básico, levou os alunos a novas descobertas quanto às necessidades do cidadão e até sugerir melhorias em função dos moradores do bairro. Entrevistar os moradores mais antigos em busca de informações foi o passo mais importante dessa visita, no tocante à da coleta de dados, levando em conta que foram utilizadas outras fontes de investigação, tais como: arquivos, fotos e objetos do passado. Essas fontes históricas serviram como base para comprovar como o bairro era no passado e como ele se desenvolveu até os dias de hoje, destacando acontecimentos passados, histórias e costumes.

É importante refletir sobre os textos pesquisados no laptop, contando a história do Bairro Jacintinho. A responsabilidade de levar o aluno a imaginar o passado, através da leitura de um texto informativo, mostrou que o seu mais ilustre morador, Senhor Jacinto Athayde, que na época era médico e delegado, sempre esteve tão próximo, pois passavam sempre em frente à casa dele. Para provocar o gosto pela leitura e o interesse na aprendizagem de cada um, foram mostradas nos textos, não só a vida do antigo morador que fez história no bairro, como a importância dele na vida dos moradores de hoje. Alguns fizeram questão de procurar a antiga casa onde ele morava que fica na subida da Ladeira do Jacintinho, com o objetivo de passar informações para o restante da turma. Fatos interessantes foram mencionados, a exemplo de como se encontrava o estado da casa e sua localização.

Descobrir que há uma situação de carência social, que irá perdurar por longos anos, que o bairro tem uma infraestrutura de péssima qualidade, uma demanda enorme de pessoas carentes que sobrevivem do programa governamental Bolsa Família, os locais de moradias que ficam nas grotas aos arredores da Escola em que estudam, foram dados importantes para refletirem os aspectos sociais do bairro que, até então, não estavam acostumados.

No dia seguinte, as entrevistas estavam prontas com fotos do local no qual foi realizada a entrevista e filmagem de pessoas entrevistadas. Para finalizar essa etapa, os alunos produziram um texto no processador de texto do laptop com base nas informações coletadas. Alguns fragmentos estão sendo mostrados, com nome fictício, para manter o anonimato:

De acordo com o senhor Anderson, a vida no Jacintinho era muito tranquila e calma. Mas, agora é só violência. As ruas não eram asfaltadas. A feira era ao ar livre. Ele veio morar aqui em 1982 com seus pais que já faleceram.

O Jacintinho tinha esgotos, matos e poucas casas. À medida que foi crescendo a violência também aumentou. Hoje o Bairro já não é muito bom e apresenta sérios problemas sociais.

Em meio a essas reflexões, outras histórias iam sendo contadas com o objetivo de sensibilizar, conhecer e valorizar a experiência das pessoas mais velhas para o conhecimento histórico e socioespacial do lugar, associado às atividades didáticas que contribuíam no desenvolvimento da leitura e interpretação de textos. Dessa vez, o propósito foi conhecer um texto com uma linguagem não verbal, ou seja, aquela que não utiliza palavras para se comunicar com o leitor, caracterizada por meios comunicativos, tais como: as placas, as figuras, os gestos, os objetos etc. Assistir a um vídeo sobre a história “O menino, o jabuti e o menino” (PACHECO, 2008), contada a partir de imagens, proporcionou ao aluno o exercício da capacidade de imaginar e realizar associações e inferências ao texto de imagens (não verbal). Essa experiência deu oportunidade para desenvolverem atividades orais e escritas, reproduzindo e recriando, a partir de outras linguagens.

Assim, os alunos não ficaram somente na escrita de um texto, com gênero textual descritivo e narrativo, mas produziram uma história em quadrinhos, com base na reescrita que fizeram do texto não verbal. Utilizaram o laptop, ilustrando no Paint e criaram um diálogo entre o menino e o jabuti, através de balões, utilizando na escrita vários advérbios. Vejamos o exemplo de uma história em quadrinho:

Reescrita não-verbal elaborada por alunos do 5 º ano

Figura 1: Figura 1: Reescrita não-verbal elaborada por alunos do 5º ano 

Um momento significativo ocorreu por meio da leitura dos poemas “Canção do Exílio” (DIAS, 1960), da releitura de “A Canção” com (QUINTANA, 1985), o qual faz intertexto com (DIAS, 1960) e “Vou-me embora pro passado” (QUIRINO, 2014), para relembrarem acontecimentos importantes.

Essa atividade contribuiu para que alunos e professoras fizessem uma releitura do “Lugar onde Moro”, a partir desses poemas, conhecendo, refletindo e problematizando as questões sociais, culturais, ambientais e educacionais que permeiam as suas realidades. Os alunos, após terem aguçado seus desejos na leitura, fizeram comparações entre os textos, identificando semelhanças e peculiaridades. Quando solicitados para elaborarem um poema, em forma de intertexto, as rimas começaram a surgir apresentando características do meio em que vivem. Parte desses trabalhos são apresentados, mantendo o anonimato dos alunos que serão identificados por A1, A2, A3, A4, A5, etc.

A1: O meu bairro tem favelas/ onde fico a passear/ sei que aqui é perigoso/ mas eu gosto de brincar/ tem polícia todo dia/ quer ordem quer botar/ só que tem os marginais/ que só pensam em matar. Atividade Canção do Jacintinho

A2:Meu bairro tá sofrendo/ ninguém olha pra lá/ tem uma visão tão bonita/ as praias veem de lá/ tem as grotas e passarinhos/ tem feirinha no Jacintinho/ nosso bairro tá sofrendo/ com a morte dos menininhos. Atividade Canção do Jacintinho.

Nessa direção, o poema “Meus oito anos” (ABREU, 1960), fez os alunos entrarem em sintonia com o poeta. Ver o vídeo, cantar, pesquisar a biografia do autor no site do Google, incentivou-os, mais uma vez, a falarem de suas memórias, trazendo situações próprias da infância e recriando o poema com traços do lugar onde eles moram. Os alunos não só produziram um poema, mas, sobretudo, fizeram intertexto com suas histórias, além de ficaram atentos com as acentuações e pontuações gráficas existentes no poema original.

Os fragmentos, a seguir, revelam esse momento.

A3: Oh que saudade que tenho/do amanhecer da minha vida/ dos anos que não voltam mais./ Da alegria de ser criança/ naquelas noites estreladas/ à sombra das mangueiras/ debaixo de uma jaqueira/ ai que saudade que eu tenho! Atividade Meus oito anos.

A4: Oh que saudade que tenho/ da escola da minha vida/ da professora querida/ que os anos não trazem mais!/ Que saudades do cheiro da rosa/ nas tardes ensolaradas/ na sombra dos coqueirais. Atividade Meus oito anos.

O momento culminante que se deu na escola foi a socialização do projeto, com a exposição: “Marcas do Passado: O Olhar do Aluno sobre o Lugar onde Mora”, com a participação dos alunos, professores, gestores, equipe de pesquisadores (UFAL, 2015), profissionais da escola, família e comunidade.

O destaque na socialização do projeto foi a apresentação dos trabalhos feitos pelos alunos que passaram alguns meses ansiosos e preparando esse momento, resultante do envolvimento de cada um, dentro e fora da sala de aula, mostrando todas as produções feitas, o que aprenderam em relação ao desenvolvimento da leitura, escrita, produção e pesquisa. Acrescendo à esses trabalhos, a exposição de objetos antigos – fotografias, cartas, utensílios domésticos, ferramentas, máquinas antigas, roupas, discos de vinil, etc.; gêneros textuais e digitais, narrativas, produção de textos e intertextos, entre outros trabalhos realizados.

A última etapa foi a avaliação do projeto entre todos os envolvidos, através de entrevistas e depoimentos. O uso de recursos tecnológicos, como câmara fotográfica, celular e gravador de voz foi bastante útil para, posteriormente, analisar os dados, servindo de referências na produção de relatórios, trabalhos de conclusão de curso (TCC) e artigos.

Percursos metodológicos

A metodologia é o principal caminho da pesquisa, pois é através dela que chegamos à abordagem da realidade (SANTOS, 2000).

A pesquisa qualitativa apresenta algumas características básicas, entre elas, destacamos: os dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é muito maior do que o produto; o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador, e a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo (LUDKE e ANDRÉ, 1986).

O projeto elencou como procedimentos metodológicos: entrevistas junto à comunidade local; pesquisa a objetos antigos, pesquisa biográfica dos poetas indicados, trabalho com diferentes gêneros textuais e digitais, narrativas, produção de textos e intertextos, entre outros.

Trabalhar o conceito de memória, associado aos gêneros textuais e digitais (narrativas, história em quadrinhos, conto de aventura, poemas e parlendas), foi ponto de pauta em todo o projeto, procurando atender aos seguintes conteúdos: leitura e produção de texto; formação de palavras; gênero textual descritivo e narrativo; reescrita centrada em acentuação gráfica; reescrita centrada em advérbios; reescrita centrada em substantivos, artigos e pronomes; variedades linguísticas por meio de poesias; reescrita centrada nas locuções prepositivas. Todo esse processo ocorreu em meio a uma aprendizagem dinâmica, com autoria e coautoria de alunos e professores.

Outro recurso metodológico foi o uso do glossário. Uma referência onde se encontram listadas palavras e expressões de uma língua, geralmente por ordem alfabética, com informação linguística sobre cada uma delas, com a respectiva significação, a classe a que pertencem, bem como a informação fonética e etimológica. Cada grupo produziu seu próprio glossário, em pequenos cadernos, colocando as palavras-chave desconhecidas, como apoio para compreender os conteúdos estudados, buscando os seus significados nos dicionários contidos no acervo da escola e no site de busca do Google.

As crianças que apresentavam dificuldades especiais tiveram um avanço de suma importância, no desenvolvimento da leitura e na participação das aulas, passando a utilizar os dicionários para pesquisar os significados das palavras. Antes dos glossários, elas precisavam da ajuda da professora e dos colegas para desenvolver a atividade; no decorrer das aulas, passaram a não pedir mais ajuda, pois elas mesmas achavam as palavras, muitas vezes antes de outros alunos. Nas produções autônomas de textos, havia o momento de usar a variedade linguística adequada, dando sentido ao fato do gênero do texto produzido e ênfase aos objetivos que haviam de cumprir. Na hora da correção coletiva, havia a participação de todos e assim faziam escolhas adequadas ao vocabulário e à gramática.

Quando chegava o momento do uso do computador para digitalização do texto produzido, a sala entrava em agitação, pois as ferramentas tecnológicas utilizadas na aprendizagem era de maior prazer para os alunos. Para tanto, a professora precisou orientar, oferecendo interfaces e ferramentas adequadas, criando ocasiões para que eles pudessem ser motivados a digitar seus textos. Realmente, fazer uso dos recursos interativos, naquele momento, foi um grande progresso, para que fossem alcançados os objetivos pedagógicos do projeto, tanto na leitura como na escrita. Por isso, concordamos com (HAIDT, 2003) quando argumenta sobre a motivação na aprendizagem. “A autêntica aprendizagem ocorre quando o aluno está interessado e se mostra empenhado em aprender, isto é, quando está motivado. É a motivação interior do aluno que impulsiona e vitaliza o ato de estudar e aprender. Daí a importância da motivação no processo ensino- aprendizagem.”

Nas ações realizadas nos laptops, como digitar textos, criar histórias em quadrinhos, usar o Google para pesquisas de biografia de autores estudados, usar dicionário online, vídeos e Google maps, observou-se que, em nenhum momento, houve a recusa por parte dos alunos em participarem das atividades propostas. O ponto de partida da pesquisa foi analisar e, depois, focar na questão de como a tecnologia pode ser usada em favor da produção de conhecimentos, em sala de aula.

Essa constatação foi de grande importância para as interlocuções cotidianas, considerando que as tecnologias possibilitam abrir espaços inovadores no campo do ensino-aprendizagem como forma de superar os reducionismos técnicos, a favor de uma prática pedagógica dialógica. Dessa maneira, os jovens e as crianças se identificam com os recursos tecnológicos e são atraídos pela mixagem de linguagens que elas oferecem. Para Patrocínio (2001, p.216), as TIC promovem um novo modelo relacional com a informação e com o próprio saber. Esta nova relação pode contribuir com a atualidade em que se encontra a sociedade, formando “cidadãos mais criativos, mais reflexivos, mais competitivos e mais habilitados”, numa “globalidade localizada e para o progresso, para a intervenção e para a transformação social”.

Atualmente, os recursos digitais de aprendizagem, também chamados objetos de aprendizagem, possibilitam melhorar a prática dos professores preocupados em motivar seus alunos para que participem, de forma efetiva, do processo de ensino- aprendizagem, dentro da linguagem abordada.

Nesse contexto, foi interessante observar a interação simultânea dos alunos na produção de textos e intertextos, fundamentada na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que se constroem e são construídos no texto (KOCH, 2010, p.10).

No momento em que se falou sobre as entrevistas com pessoas mais velhas do bairro, houve mobilização por parte dos alunos, em saber como seria feita a entrevista e que recursos seriam disponibilizados. A interação da turma foi total, quando souberam que iriam usar os laptops como ferramenta para realizarem a atividade. Assim, o projeto privilegiou não só o conhecimento, mas também a interação dos alunos, na medida em que possibilitou a troca de informação e vivências em comum.

Dessa forma, em que pesem as dificuldades surgidas com o uso das tecnologias, principalmente de ordem técnica, certamente que elas possibilitaram novas formas de ensinar e de aprender, uma vez que, é na ênfase e na interação que reside seu diferencial.

Resultados do projeto para a escola, alunos, professores, gestores e demais envolvidos

Na abordagem da construção da linguagem, foi possível refletir a vivência com os alunos que estavam em constante desejo de aprender, quando o assunto era o projeto “O Lugar Onde Moro”. Entre tantas ocorrências significativas, merece especial destaque a de um aluno com necessidades especiais (autista), ao levar sua foto quando pequeno e descrever partes de sua história para toda a turma, sem medo nem constrangimento, demonstrando sentir-se satisfeito com sua aprendizagem e consequente melhoria na sua vida particular. O momento foi de grande alegria e reflexão.

A atenção de todos era de grande curiosidade às temáticas que iam surgindo no percurso do projeto. Perguntas surgiam de todos os lados, mas as respostas vinham juntas e dadas por eles também. Não era algo fictício, mas havia interação, parceria, uma espécie de magia nessas aulas diferenciadas, onde o interesse e a participação estavam sempre presentes.

Poucos alunos na sala tinham o hábito de ler em voz alta, porém, a partir daí, muitos venceram o impasse, levados pelo prazer da leitura. Poderia ser qualquer tipo de texto e lá estavam eles querendo participar.

Essa inquietude dos alunos, sem dúvida, atendeu às necessidades de um público que demonstrou gosto e interesse em todas as atividades propostas, como: leitura, produções, desenhos, pinturas, falas dos personagens, confecção de maquetes, painéis, por meio dos quais os alunos soltaram a imaginação e a criação na elaboração de trabalhos, posteriormente apresentados na Exposição Marcas do Passado. Não houve melhores nem piores. Houve simplesmente a busca pela imaginação criativa.

Na fala dos alunos, avaliamos os resultados do projeto, na construção de suas identidades e na melhoria do processo ensino-aprendizagem:

A5: Adorei o Projeto O Lugar Onde Moro. Aprendi a fazer poemas, falei um pouco da minha vida, descobri o passado do meu Bairro, produzi textos e usei o Laptop.

A6: Este projeto foi muito importante. Eu aprendi muitas coisas, principalmente sobre o meu Bairro o Jacintinho. Agora sei usar o parágrafo, as letras maiúsculas e produzir poemas. Gostei muito de usar o dicionário e assim descobrir o significado de várias palavras”.

A7: Foi muito importante esse projeto. Ficará marcado na minha vida. Aprendi tantas coisas sobre o lugar onde moro. Escutei histórias, pesquisei no Laptop sobre a biografia dos autores. Fiz histórias em quadrinhos e produzi poemas. Fiz entrevistas e aprendi músicas. Foi muito legal mesmo.

A8: Eu gostei demais desse projeto, porque aprendi a fazer poemas e usei muito o Laptop. Gostaria que ele continuasse para eu aprender mais o significado das palavras que eu não conheço.

A9: Nunca aprendi tantas coisas. Toda aula eram novas descobertas. Aprendi sobre a autora Adélia Prado. Usei o Laptop muitas vezes. Entramos no Google e fizemos pesquisas. Produzi textos. Gostei muito das músicas de Hugo e Thiago, cantando “No Lugar onde eu Moro” e do poema “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu. Gostaria que o pessoal da UFAL voltasse mais vezes.

Por sua vez, os gestores mostraram que o trabalho com projetos, na instituição de ensino, apresentou pontos positivos, tais como:

O Projeto contribuiu para que os alunos acelerassem sua aprendizagem dentro do contexto social do seu Bairro, para que a inclusão digital dentro da escola fosse bastante eficiente, aumentando as informações e conhecimentos dos alunos (Gestora da Escola).

O Projeto trouxe para os alunos uma aprendizagem significativa, com grandes avanços na leitura e escrita, sem deixar de mencionar sobre o uso do Laptop, que levaram as turmas do 5º ano a ter aulas produtivas, tornando-os críticos e reflexivos (Coordenadora Pedagógica).

A contribuição do Projeto foi de extrema importância para a aprendizagem dos alunos, em diversos níveis: permitiu realizar atividades pedagógicas de forma diferente, levou a um ensino-aprendizagem de ótima qualidade, tornou os alunos mais motivados dentro da escola e promoveu descobertas de características do bairro e da cidade, aumentando o conhecimento de todos, sobre diversos aspectos sociais da comunidade (Assistente Social).

Para a professora, que teve uma participação mais direta com os alunos, o êxito do projeto relaciona-se a vários fatores: a) o interesse, a curiosidade, a participação e o aprendizado dos alunos em todas as etapas do projeto; b) a possibilidade de trabalhar a temática da memória, articulando-a aos conteúdos programáticos, principalmente de Língua Portuguesa; c) a experiência de participar efetivamente de uma pesquisa, enquanto docente de duas turmas envolvidas, e aluna do curso de Pedagogia a Distância da UFAL; d) o desafio de reconstruir constantemente sua prática pedagógica, frente a uma ação pedagógica mais significativa; e) o apoio da equipe gestora e pedagógica da escola, por acreditar, participar e acompanhar o desenvolvimento do projeto; f) a escolha da escola – campo de pesquisa, pela Cied/UFAL, com o Projeto de Pesquisa Redes Sociais e interatividade: projetos didáticos colaborativos interescolas no Prouca/AL (UFAL, 2015), com a participação de professores e alunos; g) a oportunidade de o aluno imergir em um ambiente de aprendizagem do laptop (Uquinha), desmistificando o lado pessimista e tecnicista das tecnologias na educação.

Na avaliação do projeto, tomamos como referência que avaliamos para conhecer, buscando assegurar o progresso formativo dos alunos (que aprendem) e dos professores (que ensinam). “Nesse procedimento dialético, a avaliação transforma-se em atividade contínua do conhecimento” (MENDEZ, 2002).

Com esses pressupostos, buscamos conhecer o processo em ação, na intenção de identificar os resultados no aprendizado dos alunos, na escolha dos conteúdos programáticos, utilização das estratégias metodológicas, aportes teóricos, procedimentos de avaliação e, naturalmente, na participação da professora responsável pela mediação do projeto, levando-se em consideração que a avaliação deve ser de todo o processo e o sujeito a ser avaliado, lembrando Luckesi (1986): “quando se lança o olhar para avaliar alguém ou alguma ação no âmbito da sala de aula, lança-se também o olhar sobre si próprio”.

A avaliação do projeto foi de caráter emancipatória que leva à descrição da realidade do lugar onde o aluno mora, à análise crítica desse aluno diante de fatos reais, e à participação coletiva do grupo, frente às pesquisas e aos trabalhos realizados (SAUL, 2007).

Na perspectiva de uma avaliação processual - formativa, o projeto foi avaliado seguindo os seguintes momentos: a) sensibilização e planejamento inicial, com professores, equipe gestora da escola e pesquisadores da Ufal, para conhecimento e definição dos aspectos teórico-metodológicos; b) com os alunos, explicitando os objetivos, o conceito de memória a partir da história de vida de cada um; c) durante todo o desenvolvimento, em meio às atividades previstas, a participação e interação dos alunos; d) nas reuniões pedagógicas; c) na exposição “Marcas do Passado: o olhar do aluno sobre o lugar onde mora”; d) na avaliação final, com todos os envolvidos no projeto.

Dessa forma, a avaliação tornou-se presente em todas as etapas como um desafio para superar os modelos até então alimentados por uma postura pontual e classificatória, sem nenhum sentido para o processo de ensino e aprendizagem.

Considerações Finais

Na execução do projeto, percebemos diversas contribuições para a escola, principalmente para a formação dos alunos e dos professores, no âmbito do ensino-aprendizagem, possibilitando, em primeiro lugar, que o professor formador repense suas concepções e práticas, para além das aulas com o livro didático; em segundo lugar, perceber o aluno como parceiro desse processo, o que implica pensar novos papeis que o faça participar efetivamente de sua aprendizagem.

Nesse contexto, o estudo da memória dos moradores do bairro que circunda a escola, proporcionou, entre outros fatores, levar o aluno a percorrer diferentes caminhos do conhecimento, por meio do diálogo entre os conteúdos curriculares e os saberes provenientes da comunidade, permitindo pensar a produção do conhecimento numa perspectiva de integração, bem como refletir questões sociais ligadas à moradia, ao trabalho, à dignidade e à educação.

Trabalhar com diferentes gêneros textuais, como práticas sociocomunicativas, trouxe a inserção de estratégias mais dinâmicas, despertando o estímulo à oralidade, ao diálogo e à liberdade de expressão, especialmente quando mediados pelo uso das tecnologias educacionais como recursos pedagógicos. Nesse sentido, o projeto contribuiu para que os alunos aprendessem a ler com fluência e evoluíssem na escrita, motivando-os a serem protagonistas de suas aprendizagens, além de ter proporcionado a reformulação das aulas no cotidiano da prática pedagógica.

Por conseguinte, o projeto “O Lugar Onde Moro” foi de grande valia para a escola, na medida em que possibilitou uma reflexão teórico-metodológica da prática pedagógica dos professores; do resgate da memória do bairro, articulando-o às questões da linguagem na construção da leitura e da escrita e, nesse contexto, o uso das tecnologias na perspectiva de uma aprendizagem investigativa e colaborativa. Também contribuiu para que os gestores repensassem seus papéis, frente ao apoio às ações pedagógicas, ao estímulo e à melhoria do processo ensino-aprendizagem na formação de cidadãos.

Enfim, o trabalho apresentado é fruto de um processo de investigação e formação e, enquanto tal, sinaliza uma tentativa de apresentar novas formas de ensinar e de aprender.

Espera-se, portanto, que outras pesquisas aprofundem a temática aqui apresentada, contribuindo para a mudança dos níveis educacionais de nossos alunos e professores da educação pública.

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Recebido: 07 de Março de 2016; Aceito: 22 de Julho de 2018

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