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Revista Educação e Cultura Contemporânea

Print version ISSN 1807-2194On-line version ISSN 2238-1279

Rev. Educ. e Cult. Contemp. vol.15 no.40 Rio de Janeiro July/Sept 2018  Epub July 22, 2018

https://doi.org/10.5935/2238-1279.20180050 

Artigos

Vivências Docentes em Dança e Folclore na Educação de Jovens e Adultos

Teaching experiences in dance and folklore in youth and adult education

Cristina Rolim WolffenbüttelI 

Sílvia da Silva LopesII 

Helenice Paula Verde da RosaIII 

IUniversidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil; cristina-wolffenbuttel@uergs.edu.br

IIUniversidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil; silvia-lopes@uergs.edu.br

IIIUniversidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil;heleniceverde@gmail.com


Resumo

O artigo apresenta duas vivências docentes na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Uma delas ocorreu durante um estágio curricular, no curso de Licenciatura em Dança, em uma escola pública estadual, na cidade de Montenegro/RS. Nesta vivência, o estágio foi desenvolvido com vistas ao desenvolvimento dos conteúdos específicos da Dança, oportunizando aos estudantes a percepção de seus próprios corpos, e relacionando as movimentações ocorridas em seus cotidianos às qualidades de movimentos fundamentadas em Laban. A segunda experiência foi desenvolvida por uma professora já formada, tendo ocorrido na disciplina de Artes, em uma escola pública municipal da cidade de Porto Alegre/RS. Objetivou desnaturalizar alguns padrões estabelecidos em relação ao Folclore, como algo sem valor, relacionado ao antiquado e sem uso. Foi estruturado como um projeto desenvolvido em sala de aula, durante um semestre. O foco deu-se no resgate do Folclore, particularmente nos contos e nas lendas, tendo como referencial teórico a compreensão de conceitos de Folclore e Folclore na Escola, transversalizados à Educação e à EJA. Considerando-se o atual contexto educacional de relativamente pouca oferta de atividades corporais na EJA, e o trabalho ainda incipiente com Artes nas escolas, a experiência com a docência em Dança e o trabalho com as Artes e o Folclore apresentaram-se desafiadores e contributivos para os estudantes desta modalidade de ensino. Entende-se que, ao apresentar e discutir ambas as vivências docentes, uma em Dança e a outra em Folclore, seja possível apontar limites e possibilidades para o avanço da Educação de Jovens e Adultos.

Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos; Dança; Folclore; Vivências Docentes

Abstract

This article presents two teaching experiences in Youth and Adult Education. One of the experiences occurred during the degree Dance curricular intership in a state public school in Montenegro/RS. In this experience, the trainee student developed the specific contents of her area, giving the students the perception of their own bodies, relating the movements that occurred in their daily lives to the qualities of movements based on Laban. Considering the current educational context of relatively little provision of body activities in Youth and Adult Education, the experience with teaching in dance has proved challenging and contributory for students of this modality of teaching. The second experience was developed by an already trained teacher, having taken place in the Arts discipline, in a municipal public school in Porto Alegre/RS. The objective was to denature some established standards in relation to folklore, as something worthless, related to the old-fashioned and, thus, unused. It was structured as a project developed in the classroom during a semester. The focus was on the rescue of folklore, particularly in tales and legends, with the theoretical reference being the understanding of concepts of folklore and folklore in school, which are mainstreamed in the education and education of youths and adults. It is understood that, in presenting and discussing both teaching experiences, one in dance and the other in folklore/culture, it is possible to point out limits and possibilities for the advancement of Youth and Adult Education.

Key words: Youth and Adult Education; Dance; Folklore; Teaching Experiences

Introdução

Este texto é fruto de discussões e reflexões a partir de duas experiências docentes desenvolvidas junto à Educação de Jovens e Adultos (EJA), envolvendo as cidades de Montenegro e Porto Alegre, ambas localizadas no estado do Rio Grande do Sul.

Uma das experiências ocorreu em uma escola pública estadual, na cidade de Montenegro/RS, durante o estágio curricular vinculado ao Curso de Graduação em Dança: Licenciatura, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. A estudante que desenvolveu seu estágio no curso de licenciatura em Dança foi desafiada a trabalhar conteúdos específicos de sua área, procurando oportunizar aos estudantes da EJA a percepção de seus próprios corpos, relacionando as movimentações ocorridas em seus cotidianos às qualidades de movimentos de Laban (FERNANDES, 2002).

A segunda experiência docente foi desenvolvida junto aos estudantes da EJA em uma escola pública municipal de Porto Alegre/RS, inserida na disciplina de Artes, sendo implementada por uma das professoras da escola. Estruturou-se como um projeto desenvolvido em um semestre em sala de aula, tendo como título "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra". O projeto contribuiu com a escolarização de jovens e adultos, pois tornou possível a compreensão do que seja cultura como um todo e, principalmente, desvelando aspectos de Folclore no cotidiano de todas as pessoas.

Ao apresentar e discutir ambas as experiências docentes - em Dança e em Folclore - entende-se que seja possível apontar limites e possibilidades para o avanço da Educação de Jovens e Adultos. Apresenta-se, portanto, a seguir, o estágio ocorrido na cidade de Montenegro/RS.

O Estágio Curricular em Dança: Licenciatura

Este é um relato de algumas experiências e reflexões realizadas no Estágio Supervisionado em Dança II. Esse estágio é pré-requisito para a finalização do Curso de Graduação em Dança: Licenciatura, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs).

A escola na qual foi realizado o estágio em Dança é uma das mais antigas da cidade de Montenegro, possuindo um grande número de estudantes matriculados; são estudantes de bairros vizinhos que possuem uma carência estrutural e econômica, além de situações de violência doméstica e social. É uma escola marcada pela depredação, muitas vezes efetuada pelos próprios estudantes e comunidade. Possui uma heterogeneidade, tanto na relação social, quanto no credo, na formação ética, nos valores, nos anseios por parte dos estudantes, necessidades e expectativas. A instituição prima por resgatar, através de trabalhos em sala de aula, a confiança dos estudantes, buscando trabalhar de forma afetiva, sem perder o profissionalismo e a seriedade.

A Dança é uma área de conhecimento e, quando trabalhada como linguagem artística, conforme afirma Marques (2010), "abre campos de relações entre pessoas, entre leitores que a produzem, a assistem e a (re)criam. As múltiplas leituras da Dança/Arte articulam e constroem valores, posicionamentos, atitudes de caráter eminentemente social, tecem rede de relações sociais" (p. 164).

Em seus vários estudos, Marques (2012, 2010, 2007) propõe importantes discussões sobre a Dança e docência, apresentando sua metodologia de ensino da Dança no contexto. Sua proposta aponta valiosas contribuições para que o ensino da Dança possa alcançar tais objetivos.

Em se tratando da Dança na escola, observa-se que a mesma é contemplada como área de conhecimento pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 1996 (LDB 9.394/96), juntamente com as Artes Visuais, a Música e o Teatro. Posteriormente, a Lei nº 13.278/2016 incluiu as Artes Visuais, a Dança, a Música e o Teatro nos currículos dos diversos níveis da Educação Básica, alterando a LDB 9.394/96.

No Rio Grande do Sul, a presença da Dança na escola ganhou força a partir do novo milênio, com a criação de seis cursos de Graduação em Dança (licenciaturas), quais sejam, em Cruz Alta (UNICRUZ, 1998), Montenegro (Uergs, 2002), Canoas (ULBRA, 2003), Pelotas (UFPel, 2008), e Porto Alegre (UFRGS, 2009), e Santa Maria (UFSM). Infelizmente, o curso de Cruz Alta teve suas atividades interrompidas em 2010 e o de Canoas está sendo encerrado no ano de 2018; mas, os demais cursos continuaram preparando os profissionais para atuarem em diferentes espaços do ensino da Dança e, principalmente, nas escolas.

Porém, em termos históricos, esta presença ainda é recente. Por esses motivos, ainda são poucas as escolas de Educação Básica que possuem a Dança em seus currículos. Assim, os estudantes destes cursos precisam realizar seus estágios em outras disciplinas, sendo uma das opções as aulas de Artes Visuais.

Da mesma forma, o currículo para os estudantes da EJA, normalmente não inclui atividades físicas, pois a Educação Física, usualmente, é a única atividade, nas escolas, que envolve mais especificamente o uso do corpo, sendo facultativa na EJA, ou ainda, quando é ofertada, essa disciplina se dá através da realização de jogos de mesa. A Dança, porém, é uma Arte que trabalha o corpo em movimento de forma a "[...] criar interações com o mundo" ( MARQUES, 2010, p. 111).

Em Dança, o trabalho é construído a partir do estudante. É necessário promover momentos na aula quando os alunos deverão conectar-se ao corpo, de modo a conhecê-lo e senti-lo melhor; conectar-se à Dança para além do movimento e dos seus estilos, conectar-se aos conteúdos da Dança e conectar-se ao outro, aos outros ( MARQUES, 2010).

Na maioria das vezes, quando se inicia um trabalho de Dança na escola, os estudantes não tiveram experiências anteriores e, no caso das turmas de EJA, esta situação é recorrente, pois o trabalho precoce não possibilita tais oportunidades. Assim, aumentou a responsabilidade da estagiária, que deveria começar um trabalho com total autonomia. É imprescindível que o professor de Dança tenha autonomia para realizar seu trabalho. Essa autonomia gera, assim como aponta Giovanni (2000), a necessidade de estudo e reflexão durante todo o processo pedagógico. Porém, também pode trazer maior insegurança e ansiedade nos futuros profissionais da Dança.

Após a apresentação do estágio em Dança, passa-se, a seguir, a apresentar os aspectos que fundamentaram o projeto na EJA, na escola de Porto Alegre/RS.

O Projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra"

O projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra" foi desenvolvido com 37 estudantes da turma da Totalidade 6 da EJA - que corresponde, na escolaridade regular, ao 8º e 9º anos - em uma escola pública municipal de Porto Alegre/RS. Vinculou-se à disciplina de Educação Artística1, sendo desenvolvida por uma das professoras da escola. Estruturou-se como um projeto realizado em um semestre em sala de aula, o qual foi construído pelos próprios estudantes.

Foi fundamentado em conceitos como Tema Gerador ( GOUVEA, 1996; FREIRE, 1991), Complexo Temático ( PISTRAK, 2003), Interdisciplinaridade ( FAZENDA, 1993; JAPIASSU, 1976) e Folclore (GARCIA, 2000; CÂMARA CASCUDO, 1984; LIMA, s/d), tendo a participação, em um momento inicial, dos professores que trabalhavam com esta turma, sendo as disciplinas integrantes Língua Portuguesa, Educação Física, Língua Estrangeira (Inglês), Matemática, História, Geografia, Ciências, além da própria Educação Artística, espaço em que efetivamente transcorreu este trabalho.

Considerando-se que Freire (1991) desenvolve sistematicamente uma metodologia do tema gerador, expondo as etapas necessárias para atingir um trabalho verdadeiramente dialógico e conscientizador junto aos estudantes, o trabalho pretendeu uma educação libertadora. Nesse sentido, o primeiro passo foi a pesquisa do vocabulário cotidiano dos estudantes. Esta fala revela os sentidos, a visão de mundo, os saberes e aponta para as contradições sociais implícitas na realidade cotidiana. Este foi o procedimento realizado no projeto em questão. O objetivo da realização coletiva do projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra", em sala de aula, relacionou-se à concepção de que o processo educativo deve considerar a importância da pesquisa para o aprendizado. Concordando com Freire (1999), entende-se que:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, contatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1999, p. 16).

Entende-se, também, que a educação deve constituir um diálogo, um "processo cotidiano, integrante do ritmo de vida, produto e motivo de interesses sociais de confronto, base de aprendizagem que não se restrinja à mera reprodução; na acepção mais simples, pode significar conhecer, saber, informar-se para sobreviver, para enfrentar a vida e de modo consciente" (DEMO, 2001, p. 35).

Além do propósito do trabalho pedagógico com a pesquisa, a inclusão do tema Folclore na prática de ensino fundamentou-se na leitura reflexiva da Carta do Folclore Brasileiro que, além de tantas contribuições quanto às diretrizes do Folclore no Brasil, quer seja na pesquisa, na salvaguarda, bem como no Ensino e na Educação - apenas para citar algumas - enfatiza a relevância do Folclore como "parte integrante do legado cultural e da cultura viva, "meio de aproximação entre os povos e grupos sociais e de afirmação de [...] identidade cultural" (CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE, 1995, p. 197).

Para contextualizar a proposta mencionada, convém entender um pouco sobre as Totalidades de Conhecimento e a proposta da EJA - à época ainda denominada de SEJA2 - na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. O projeto político-pedagógico do SEJA estava "organizado em três Totalidades de Conhecimento (T1, T2, T3) que correspondem às quatro séries iniciais" e o restante do Ensino Fundamental em mais "três Totalidades de Conhecimento equivalentes da quinta a oitava séries (T4, T5, T6)" (PORTO ALEGRE, 1997, p. 18). Além destes aspectos fundamentadores das Totalidades de Conhecimento, é importante ressaltar a concepção de educação e de currículo do, então, denominado SEJA. Desse modo, a

concepção de educação, de aprendizagem e de currículo do SEJA passa pela compreensão de que se aprende de forma interdisciplinar, pois se constroi o conhecimento a partir da relação com o outro e com o objeto a ser conhecido. O processo de ensino-aprendizagem parte do conhecimento dos estudantes, das "experiências feitas", e problematiza o conhecimento acumulado pela humanidade, não o assimilando, mas recriando-o e reelaborando-o. O currículo é crítico, democrático e transformador; e representador da consciência reflexiva sobre o desvelamento da realidade. Os dois grandes aportes teóricos que sustentam a ação do SEJA são a Educação Popular e o Construtivismo Interacionista. (PORTO ALEGRE, 1997, p. 18).

Relacionando esta proposta de ensino ao projeto de pesquisa desenvolvido junto aos estudantes da Totalidade 6, é relevante salientar que se procurou fundamentá-lo no Complexo Temático que estava sendo construído coletivamente na escola. O Complexo Temático é tratado por diversos educadores, dentre eles Pistrak (2003), que aborda a questão numa perspectiva de organizar mais apropriada e significativamente o ensino escolar. Para o autor, o professor deve estar preparado para educar os estudantes nas condições de ruptura com as antigas estruturas da sociabilidade do capital. Para Pistrak (2003), a pedagogia e os fundamentos da escola do trabalho devem estar objetivados para compreender e transformar a realidade concreta.

De acordo com Pistrak (2003), para que a organização do ensino nas escolas e os estudos dos conteúdos escolares sejam trabalhados numa perspectiva dialética, é importante que o trabalho pedagógico seja pensado e organizado em complexos temáticos, pois este modo de trabalhar garante uma compreensão da realidade de acordo com o método dialético. Nas palavras do autor (2003):

O objetivo do esquema do programa oficial é ajudar o aluno a compreender a realidade atual de um ponto de vista marxista, isto é, estudá-la do ponto de vista dinâmico e não estático. Estuda-se a realidade atual pelo conhecimento dos fenômenos e dos objetos em suas relações recíprocas, estudando-se cada objeto e cada fenômeno de pontos de vista diferentes. O estudo deve mostrar as relações recíprocas existentes entre os aspectos diferentes das coisas, esclarecendo-se a transformação de certos fenômenos em outros, ou seja, o estudo da realidade atual deve utilizar o método dialético. (PISTRAK, 2003, p. 134).

Existem, assim, posicionamentos que apontam a necessidade de uma maior compreensão da realidade do cotidiano, considerando-se uma postura dialética e, neste ponto de vista, Pistrak (2003) explica que o planejamento escolar deve estar visceralmente fundamentado no plano social, permitindo aos participantes do processo toda uma sorte de relações, percepções críticas e intervenções ativas na sociedade da qual fazem parte. Assim, "o complexo deve ser importante, antes de tudo, do ponto de vista social, devendo servir para compreender a realidade atual". A "realidade atual é tudo o que, na vida social da nossa época, está destinado a viver e a se desenvolver" (PISTRAK, 2003, p. 32).

Com base nestes pressupostos, e procurando construir coletivamente o Complexo Temático que seria desenvolvido, o grupo de professores organizou uma série de ações pedagógicas, juntamente com os estudantes da Totalidade 6, e da escola como um todo. Ao final deste processo foi possível sintetizar todo o trabalho. Porém, é muito importante destacar que foram necessários diversos momentos de estudo e pesquisa, a fim de se chegar a uma síntese. De um modo geral, foram percorridas a seguintes etapas: 1ª etapa: Realização de uma pesquisa participante (BRANDÃO, 1990, 1985), a fim de conhecer o contexto escolar e da comunidade. 2ª etapa: Leitura e análise da pesquisa, buscando apontar as "falas significativas" e representativas do coletivo. 3ª etapa: Estruturação do Complexo Temático. 4ª Etapa: Organização e socialização dos princípios das áreas de conhecimento, a luz do Complexo Temático. 5ª etapa: Avaliação e replanejamento do trabalho, durante as reuniões sistemáticas.

Conforme Freire (1991), a utilização de temas geradores na prática pedagógica permite ao educador a inserção no universo cultural do educando. Ao realizar uma pesquisa prévia neste universo, é possível extrair palavras que permitam iniciar um planejamento voltado aos interesses do educando. Estas palavras, chamadas de "geradoras", são responsáveis pela formação de outras que fazem parte deste "universo vocabular do alfabetizando". Esta "leitura de mundo" permite uma reconstrução em que os educandos recriam criticamente seu mundo (FREIRE, 1991). Além disso, para Freire (1991), o conteúdo a ser trabalhado em aula não pode ser de exclusiva eleição dos educadores, mas deles e dos educandos, pois:

É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação. O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo, ou o conjunto de seus temas geradores. (FREIRE, 1991, p. 87).

Freire (1991) explica que a linguagem não existe sem um pensar, e ambos não existem sem uma realidade à qual se refiram. Dessa forma, para que haja comunicação eficiente, é necessário conhecer as condições estruturais em que o pensar e a linguagem se constituem dialeticamente. Isso também acontece com o conteúdo programático para a ação educativa.

Ao captar o tema gerador no trabalho pedagógico na escola e, além disso, para elaborar a redução temática, não se procurou tratá-lo, apenas, esquematicamente, mas abordá-lo em uma dimensão de unidade de aprendizagem, buscando núcleos fundamentais de aprofundamento e procurando ampliar um pouco mais a visão inicial. Nesse sentido, e procurando aproximar o projeto de propostas de educação inclusiva, a intenção centrou-se na tentativa de realizar uma interlocução dialógica entre a escola e o mundo cotidiano. Freire (1979) elucida neste sentido:

Procurar o tema gerador é procurar o pensamento do homem sobre a realidade e a sua ação sobre esta realidade que está em sua práxis. Na medida em que os homens tornam uma atitude ativa na exploração de suas temáticas, nessa medida sua consciência crítica da realidade se aprofunda e anuncia estas temáticas da realidade. (FREIRE, 1979, p. 18).

Tentou-se, desse modo, levar em consideração os conhecimentos advindos da bagagem cultural dos envolvidos no processo, sendo que cada um se constituiu num elemento precioso na construção da identidade individual e coletiva e, por consequência, auxiliou na construção da representação imagética desta comunidade pelos próprios estudantes. É prudente não perder de vista que o panorama e as perspectivas de vida desta comunidade são bastante difíceis, o que foi referendado na fala "muita marginalidade e desemprego", apresentada anteriormente. Além disso, a necessidade de uma maior organização por parte da comunidade também se apresentou como uma espécie de clamor coletivo, conforme é possível perceber na fala: "As pessoas têm que se propor a ajudar".

Com base em toda a organização e planejamento anteriormente descritos, cada professor, juntamente com seus estudantes, procurou desenvolver esta proposta em sala de aula, na sua disciplina. Em Educação Artística ocorreu o mesmo e, especificamente neste caso, foi realizada junto a uma turma de estudantes da Totalidade 6. Neste particular, o trabalho considerou a prática da pesquisa e o resgate do Folclore numa perspectiva de auxílio na "organização social e política da comunidade", ou seja, na própria organização dos estudantes em uma dimensão de comunidade. Convém chamar a atenção para o fato de que muitos dos estudantes que estudam na EJA trabalham durante o dia, não dispondo de tempo livre, a não ser à noite quando, então, direcionam-se à escola para finalizar sua educação escolar. Neste sentido, foi necessário um tempo maior para a realização deste projeto, o qual aconteceu durante um semestre, aproximadamente.

Apresentados os pressupostos básicos de cada uma das duas vivências docentes - em Dança e em Folclore - passa-se, a seguir, a explicitar quais foram os procedimentos metodológicos percorridos pelas mesmas.

Trajetórias Metodológicas das Vivências na EJA

As trajetórias metodológicas apresentam os procedimentos empreendidos com vistas à realização dos dois projetos descritos neste artigo. Esta parte do texto encontra-se, portanto, subdividida em duas partes principais, Estágio em Dança com uma Turma da EJA e o Projeto Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra.

O Estágio em Dança com uma Turma da EJA

A ansiedade é o primeiro sentimento que envolve os estagiários em Dança, pois além de todas as problemáticas que envolvem a iniciação ao exercício pedagógico, ainda existem as questões específicas que permeiam o ensino da Dança, pela sua recente entrada no ensino formal. A autonomia do professor e o fato de os estudantes da EJA não estarem acostumados a realizar atividades físicas geram várias perguntas, destacando-se: Que dança ensinar? Como organizar os conteúdos da dança para o seu ensino? Qual seria a reação dos estudantes da EJA ao terem aulas de Dança na escola? Qual a sua disponibilidade em participar das práticas corporais em Dança?

Os estudantes da turma de 7ª série variavam suas idades entre os 18 e os 50 anos, e a estagiária sentiu-se provocada, neste momento, pois sabia que não seria fácil elaborar uma proposta de ensino que agradasse a todos, devido à diversidade que parecia existir na turma. Dança? Que dança? Este questionamento, certamente, percorreu os pensamentos de seus futuros estudantes, afinal de contas, nunca tinham dançado antes e, também, tampouco faziam atividades físicas.

O que a estagiária trabalharia com aquelas pessoas que nunca tinham dançado em uma escola e que, normalmente, optavam por não fazer Educação Física, justamente por estarem cansadas após uma jornada de trabalho? Estaria ela capacitada para trabalhar? No bloco de anotações em que registrou os dados sobre a primeira observação de aula da turma em que realizaria o estágio, ela destacou o seguinte: "Tenho vontade de mudar algo na vida deles". Esta anotação remeteu, quando de uma análise sobre o assunto, aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Nestes documentos encontra-se explicitado que toda a ação humana envolve a atividade corporal.

A criança é um ser em constante mobilidade e utiliza-se dela [a atividade corporal] para buscar conhecimento de si mesma e daquilo que a rodeia, relacionando-se com objetos e pessoas. A ação física é necessária para que a criança harmonize de maneira integradora as potencialidades motoras, afetivas e cognitivas. (BRASIL, 2000, p. 67).

A partir das observações que a estagiária realizou na turma, a mesma pôde concluir que o grupo com o qual trabalharia havia pulado uma etapa da vida, aquela em que brincamos, dançamos e nos movimentamos inquietamente em casa e nas salas de aulas. Tratavam-se de adultos que pouco tinham brincado, pois tiveram de começar muito cedo a trabalhar, não podendo frequentar a escola, e tendo compromissos de adultos, ainda na infância. Assim, a mobilidade deixou de fazer parte de suas vidas.

Em seu trabalho de planejamento da experiência docente, a estagiária deveria levar em conta, também, que estes estudantes da EJA chegavam cansados em sala de aula, pois tinham passado por uma longa jornada de trabalho durante o dia. Além disso, deve-se considerar o senso comum que impõe a existência de uma idade ideal para aprender a dançar.

Sabe-se que corpos mais jovens aprendem certas habilidades com mais facilidade na infância. Mas, "isto não exclui nem o adulto nem o idoso de interagirem em atividade de dança" (MARQUES, 2007, p. 41).

A este respeito, os PCNs apontam o lugar das Artes como cultura e conhecimento. Não se trata de reproduzir repertórios de Dança, mas de conhecê-los. A prática em Dança deverá respeitar a individualidade de cada um, independente da idade; deverá possibilitar que os estudantes trabalhem dentro de sua própria limitação (BRASIL, 2000). Marques (2007, p. 43) enfatiza que o trabalho em Dança estimulará a ideia de "aceitação, a valorização e a crença de que diferentes corpos criam diferentes danças" e que, consequentemente, todos podem dançar.

Realmente, os estudantes da EJA não eram mais crianças, mas estavam cursando o equivalente ao 8º ano do Ensino Fundamental, e era preciso, de certo modo, buscar o tempo perdido. Esses estudantes deixaram de experienciar e desenvolver habilidades, e o papel da estagiária seria apontar caminhos possíveis através da Dança.

Nesta perspectiva, alguns questionamentos auxiliaram no processo: O que eu consigo acionar no meu corpo experimentando a dança? O que eu consigo expressar? Como me sinto depois do movimento? Os movimentos falam? É possível dançar sem procurar nenhum estilo ou uma técnica? É possível dançar sem música? As respostas a essas questões pareciam importantes para aquele grupo, e vinham ao encontro do que a estagiária entendia por Dança, e ao que ela gostaria que seus estudantes entendessem também em um contexto escolar.

Após a observação da turma, a estagiária buscou fatos do cotidiano dos estudantes da EJA, mais precisamente dos seus trabalhos. Lembrou-se, neste momento, do pensamento de Paulo Freire (1999, 1991, 1981, 1979, 1967), refletindo sobre seu papel junto àqueles estudantes da EJA. Tinha em suas mãos uma riqueza de movimentos para serem explorados: seu grupo era recheado de pedreiros, padeiros, atendentes de lojas, garçonetes, entregadores de ranchos e babás. Marques (2010, p. 111) afirma que "atividades humanas que envolvam o movimento, dependendo, claro, de como forem propostas, dizem respeito à liberdade do corpo, à confiança mútua, às conexões e relações entre as pessoas: dizem respeito ao sentido da vida", como pregava Laban (1978). Que qualidades de movimentos essa diversidade a partir das suas profissões poderiam expressar? Ela estava curiosa, e foi assim que decidiu começar seu processo de estágio.

Com estes pressupostos conceituais, a estagiária programou, para sua primeira aula, uma atividade chamada "caixa dançante". Porém, diante do medo ou, talvez, da vergonha que os estudantes da EJA demonstraram diante da possibilidade de dançar, a estagiária resolveu modificar tal atividade. Ao invés de solicitar que os estudantes se movimentassem pela sala de aula, ela solicitou-lhes que fizessem uma roda com as cadeiras para que pudessem passar a caixa de mão em mão, ao som de uma música, como acontece na brincadeira folclórica "Ó Limão" (NOVAES, 1983, p. 82). Dentro da caixa estavam algumas questões que a estagiária havia preparado para introduzir o seu trabalho, como: O que é Dança? Que estilo de dança te agrada? Existe preconceito na dança? O que gostaria de dançar? É possível dançar sem música? A dança beneficia o corpo? De que forma? Fale sobre respeito ao corpo. Qual a parte do corpo mais dançante?

Esse momento possibilitou uma boa conversa. Aproximou a estagiária dos estudantes e, assim, ela pôde conhecer um pouco mais sobre a turma, saber sobre quais tinham sido suas experiências com dança e, também, o que pensavam a respeito.

Na segunda atividade proposta, os estudantes da EJA tinham que demonstrar movimentos do cotidiano; muitos desistiram e ficaram apenas observando. Mas, o grupo de estudantes de idade mais avançada participou até o final. Com essa atividade, a estagiária pôde descobrir um pouco mais sobre a profissão dos estudantes e seus afazeres diários, fora da escola. Foi interessante perceber quantas barreiras existem quando demonstravam um movimento, pois deixava de ser espontâneo e passava a ser mecânico. O grupo se divertiu bastante, tanto os estudantes da EJA, que faziam a prática, quanto os estudantes que observavam a aula. A estagiária concluiu a aula solicitando que os estudantes escrevessem palavras que lhes vinham à mente quando se falava em Dança. Todos realizaram o trabalho.

A estagiária gostou do primeiro encontro; percebeu a aceitação e o respeito pela proposta. Saiu feliz e motivada para retornar. Conforme os PCNs recomendam, não seria tão produtivo que a estagiária trabalhasse em uma perspectiva tradicional para a realização do ensino da Dança, separando corpo e mente, razão e emoção (BRASIL, 2000, p. 67). Se a estagiária tinha como objetivo desenvolver um trabalho baseado nas possibilidades que um movimento pode expressar, precisava que os estudantes com os quais desenvolvia seu estágio estivessem de "corpo inteiro", um corpo que carregasse as sensações do dia, da semana, do cansaço, do stress. Não é produtivo e eficaz, por exemplo, em um trabalho pedagógico o preconizado no ditado popular: vou deixar meus problemas do lado de fora da porta. Isto não ocorre, pois nosso corpo carrega as características do que estamos vivendo. Essa experiência de vida poderá constituir uma "expressividade (que) refere-se à teoria e prática desenvolvidas por Laban, onde qualidades dinâmicas expressam a atitude interna do indivíduo com relação a quatro fatores (dispostos na ordem de seu desenvolvimento na infância): fluxo, espaço, peso e tempo" (FERNANDES, 2002 p. 102).

Foi esta expressividade que a estagiária desejou buscar no seu grupo de estudantes; porém, ela tinha consciência de que, apenas dez encontros - o que estava combinado para a realização do estágio - seria pouco tempo para conseguir acionar movimentos há muito adormecidos, em função de impedimentos oriundos das escolhas de vida. Muitos destes impedimentos têm origem, inicialmente, no trabalho e nas responsabilidades familiares e, posteriormente, no estudo. Dançar dentro de uma sala de aula era uma atividade nova para aquele grupo de estudantes. O desafio, portanto, era lançar movimentos sem constrangimentos, sem concepções de certo ou errado, tampouco modismos.

Assim, em seu plano de ensino, a estagiária preparou atividades que objetivavam proporcionar aos estudantes momentos de percepção de seus corpos, relacionando a movimentação cotidiana às qualidades de movimentos, conforme propõe Laban.

Rudolf Laban é considerado uma referência, tanto para a produção artística, quanto para o ensino e aprendizagem da Dança. Laban realizou um estudo aprofundado sobre o movimento humano, que contribui para muitas áreas de conhecimento, principalmente a Dança (MARQUES, 2010). Laban "queria que suas teorias e descobertas fossem vistas como os primeiros passos na estrada para a compreensão do significado do movimento e não a palavra definida sobre o assunto" (THORTON apud MARQUES, 2010, p. 95). É possível construir conhecimento em Dança, a partir do estudo das qualidades de movimentos que ele menciona e, para essa turma precisamente, foi o conteúdo que a estagiária percebeu ser mais relevante, pois proporcionaria um reconhecimento dos corpos dos estudantes da EJA e o que eles estariam expressando.

Partindo do aluno e de sua expressividade para poder realizar a análise, que é o foco do seu trabalho: que movimentos poderão explorar? E o que eles poderão expressar?

A partir da "Abordagem Triangular", desenvolvida por Ana Mae Barbosa (RIZZI,2008, p. 335), a estagiária proporcionou momentos para que seus estudantes da EJApudessem apreciar, fazer e contextualizar a Dança. Dentre os objetivos específicos,pretendia-se que os estudantes realizassem movimentos do cotidiano, refletindo sobrecomo transformá-los em Dança; conheceriam as qualidades de movimentos eperceberiam nas suas experimentações; discutiriam a importância da Dança dentro daescola; respeitariam a capacidade de movimento de cada um dos colegas; participariamde jogos que estimulassem outras possibilidades de movimentos e a integração entre osestudantes; assistiriam a um filme de Pina Bausch3, e analisariam tanto os movimentospraticados em sala de aula, quanto os observados nas coreografias assistidas no filme,nomeando suas qualidades.

Partindo destes conhecimentos e possibilidades, a estagiária solicitou aos estudantes da EJA que realizassem uma pesquisa sobre os estilos de Dança refletindo, a seguir, sobre a Dança contemporânea. Além da proposta do estudo, a partir da análise do movimento, conforme Laban, a estagiária desafiou-se ainda mais, trazendo para a sala de aula o Filme Pina Bausch. A diversidade de suas obras foi um aspecto de grande riqueza para a discussão sobre Dança. Contextualizou Laban e Bauch e, a partir deles, buscou desenvolver os objetivos de seu estágio. Trabalhou com um poema e, a partir das coreografias que apareceram no filme, realizou outras práticas com ênfase nos sentimentos e análises dos movimentos dos bailarinos.

Este trabalho, extremamente rico em uma turma de EJA, possibilitou pensar emdiversas outras possibilidades. Nessa perspectiva, apresenta-se o projeto a seguir,realizado em Porto Alegre

O Projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra"

Como dito anteriormente, o projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra" foi desenvolvido com uma turma da Totalidade 6, em uma escola de Porto Alegre/RS. Este trabalho levou em consideração conceitos de interdisciplinaridade e Folclore, transversalizados à concepção da importância da prática da pesquisa, de modo a auxiliar na organização social e política da comunidade.

Em sentido geral, a interdisciplinaridade significa uma relação entre as disciplinas. Uma interação entre duas ou mais disciplinas, na busca de um conhecimento construtivo aberto a novos mecanismos de aprendizagem.

Japiassu (1976) explica que a "interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa" (p. 74). O autor complementa sua arguição, explicando que "essa escolha é compreendida como uma forma de trabalhar em sala de aula, no qual se propõe um tema com abordagens em diferentes disciplinas. É compreender, entender as partes de ligação entre as diferentes áreas de conhecimento" (JAPIASSU, 1976, p. 74). A interdisciplinaridade exige uma reflexão profunda e inovadora sobre o conhecimento que demonstra a insatisfação com o saber fragmentado. Neste sentido, a interdisciplinaridade propõe um avanço em relação ao ensino tradicional, com base na reflexão crítica sobre a própria estrutura do conhecimento, na intenção de superar o isolacionismo entre as disciplinas (JAPIASSU, 1976).

Na concepção de Fazenda (1993), a interdisciplinaridade é caracterizada:

Pela intensidade das trocas entre os especialistas e pela integração das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa (...). Em termos de interdisciplinaridade ter-se-ia uma relação de reciprocidade, de mutualidade, ou, melhor dizendo, um regime de copropriedade, de interação, que irá possibilitar o diálogo entre os interessados. A interdisciplinaridade depende então, basicamente, de uma mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária pela unitária do ser humano. (FAZENDA, 1993, p. 31).

Com base nestes teóricos e, entendendo a importância de um estudo aprofundado e organizado, foi elaborado um planejamento para o projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra", constituindo-se de cinco etapas: 1ª etapa: Busca do assunto da pesquisa. 2ª etapa: Escolha do título do projeto. 3ª etapa: Construção do projeto de pesquisa. 4ª etapa: Realização da pesquisa. 5ª etapa: Elaboração dos registros escritos do projeto. Sobre essas etapas trata-se a seguir.

A Busca do Assunto da Pesquisa

A escolha do assunto a ser investigado foi realizada com a participação da turma da Totalidade 6. Inicialmente, solicitou-se aos estudantes que os mesmos se organizassem em pequenos grupos com, aproximadamente, quatro ou cinco componentes, e que os mesmos conversassem sobre algum assunto do Folclore que lhes interessassem. Esta escolha seria uma prévia dos interesses da turma. Ressalta-se que já havia ocorrido, anteriormente, um vasto trabalho relacionado ao Folclore em sala de aula. Enfatizou-se, à época, que cada grupo deveria eleger um dos assuntos surgidos na conversa em grupo. Depois desta etapa, todos os grupos expuseram suas ideias para o restante da turma, ocorrendo o registro escrito no quadro da sala de aula, para que todos pudessem visualizar. Sobre este modo de realizar a tarefa, enfatiza-se que é por "meio das experiências educativas" que o "indivíduo torna-se um membro ativo e participativo do seu grupo à medida que vai compartilhando a cultura" (SALVADOR, 1999, p. 142).

Feita esta explanação inicial pelos grupos, partiu-se para a seleção, procurando escolher o assunto que contemplasse os interesses e anseios da maioria. Selecionou-se, ao final, o tema "Contos e Lendas".

Contos, lendas, tradições, e outros termos surgidos durante o desenvolvimento do projeto, são terminologias que podem remeter ao Folclore. O Folclore, como o conjunto de diferentes criações humanas, faz parte da diversidade cultural presente na sociedade, em todos os povos, e em todas as épocas. A este respeito, Garcia (2000) explica:

Folclore é constituído pelos saberes populares selecionados como elementos valiosos e identificadores de cada povo. As diversidades regionais marcam as características predominantes das maneiras de pensar, viver e agir; indicam os padrões culturais aceitos pela maioria dos habitantes; mostram as habilidades desenvolvidas, as soluções criadas/encontradas para resolver seus problemas; evidenciam a adaptação ao meio ambiente e os condicionamentos determinantes deste ou daquele modo de vida. Situam a comunidade no tempo e no espaço; apresentam as contribuições étnicas recebidas. (GARCIA, 2000, p. 16).

Corrobora o uso de conceitos do Folclore o fato de o mesmo ser oriundo da experiência humana (CÂMARA CASCUDO, 1984). E, neste sentido, se fazem parte da experiência humana, é pertinente considerá-los no trabalho pedagógico. A respeito da origem da experiência humana do fato folclórico - que constitui o Folclore - Lima (1985) explica:

Encontra-se em constante reatualização. Portanto, sua concepção de sobrevivência, como anacronismo, ou vestígio de um passado mais ou menos remoto, reflete o etnocentrismo ou outro preconceito do observador estranho à coletividade, que o leva a reputar como mortos ou em via de desaparecimento os modos de sentir, pensar e agir desta. (LIMA, 1985, p. 20).

Estudiosos do Folclore têm sustentado que, onde estiver o homem, aí estará uma fonte de criação e divulgação folclórica. Câmara Cascudo (1984) complementa:

Desde que o laboratório químico, o transatlântico, o avião atômico, o parque industrial determinem projeção cultural no plano popular, acima do seu programa específico de produção e destino normais, estão incluídos no Folclore... Não apenas contos e cantos, mas a maquinaria faz nascer hábitos, costumes, gestos, superstições, alimentação, indumentária, sátiras, lirismo, assimilados nos grupos sociais participantes. (CÂMARA CASCUDO, 1984, p. 334).

Após a busca do assunto da pesquisa passou-se à etapa da escolha do título.

Escolha do Título do Projeto

A escolha do título do projeto antecedeu à construção propriamente dita do mesmo. Iniciou-se, novamente, com a técnica da organização dos estudantes em grupos, sendo a tarefa, naquele momento, a escolha de um título que se referisse ao tema já escolhido, ou seja, contos e lendas.

Da mesma maneira que mencionado anteriormente, foram registradas todas as sugestões no quadro elegendo-se, ao final, aquela que contemplasse a vontade da maioria. O título resultante foi "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra". Explica-se que, tanto no processo de escolha do título, quanto do assunto da pesquisa, o trabalho não foi fácil, tampouco tranquilo. Houve muitas discussões até que fosse possível chegar a uma concordância. Porém, foi um processo fundamental, considerando-se que a realização se deu com pessoas que, engajadas e cientes da importância da proposta, queriam o predomínio de sua ideia individual.

A reflexão sobre este processo pode remeter a Freire (1981). De acordo com o autor (FREIRE, 1981), "estudar é, realmente, um trabalho difícil. Exige de quem o faz uma postura crítica, sistemática. Exige uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-a" (p.8). Freire (1967) avança nesta reflexão, apontando o conceito de radicalização, o qual foi utilizado como iluminador e balizador no contexto do projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra":

A radicalização, que implica no enraizamento que o homem faz na opção que fez, é positiva, porque preponderantemente crítica. Porque crítica e amorosa, humilde e comunicativa. O homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo. Tenta convencer e converter, e não esmagar o seu oponente. Tem o dever, contudo, por uma questão mesma de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam impor silêncio. Dos que, em nome da liberdade, matam, em si e nele, a própria liberdade. A posição radical, que é amorosa, não pode ser autoflageladora. Não pode acomodar-se passivamente diante do poder exacerbado de alguns que leva à desumanização de todos, inclusive dos poderosos. (FREIRE, 1967, p. 49-50).

Por sugestão dos próprios estudantes chegou-se a um consenso, unindo-se todas as ideias. Acredita-se que, desta forma, tenha sido possível fazer justiça ao empenho de todos.

Percorrido o processo de escolha do título, passou-se à construção do projeto de pesquisa.

A Construção do Projeto de Pesquisa

A construção do projeto de pesquisa foi antecedida de explicações sobre o significado de um projeto, bem como de seu objetivo. Além disto, foram propostos alguns elementos-base para esta elaboração.

Constaram, portanto, como itens do projeto, os dados de identificação, a justificativa, os objetivos e as etapas da pesquisa. É oportuno esclarecer que a elaboração desta trajetória para a pesquisa serviu para facilitar a sua realização, visando ao planejamento e à organização de cada etapa, que seria, portanto, a realização da pesquisa propriamente dita.

A Realização da Pesquisa

A realização da pesquisa, caracterizada pela coleta dos dados, registro dos mesmos e análise do material coletado, foi feita em diversos momentos, porém, sempre em sala de aula. O motivo para isto foi garantir a presença dos estudantes envolvidos, sendo possível comentar acerca dos dados obtidos na pesquisa de campo e as decisões necessárias sobre os mesmos.

A primeira coleta dos dados ocorreu em sala de aula, quando foi orientado aos estudantes que conversassem em duplas, procurando escutar as histórias, os contos e as lendas que conheciam e entendiam serem integrantes da cultura de seu bairro. Estas conversas, que se traduziram em entrevistas, foram registradas por escrito, no caderno, pelos estudantes que entrevistavam seus colegas. Assim, foram obtidos 37 registros - pois a turma de Totalidade 6 possuía 37 estudantes - dentre os quais figuraram contos, lendas e histórias comumente contadas no bairro.

Posteriormente, solicitou-se que cada estudante conversasse com familiares, amigos, entre outros, procurando registrar essas conversas. Pretendeu-se trabalhar na perspectiva da coleta dos dados, através de uma entrevista, tentando descobrir os contos e as lendas existentes. Posteriormente, esta entrevista também foi relatada em sala de aula, sendo registrada por escrito e, a seguir, comentada. Ao final deste registro, resultaram 37 contos e lendas. Alguns foram excluídos, por decisão dos estudantes, por se tratarem de variantes do material já existente.

Como foi muito rico o resultado deste trabalho, todos entenderam a relevância de elaborar o registro dos contos e das lendas pesquisados.

A Elaboração dos Registros Escritos do Projeto

Como registros elaborados coletivamente resultou o projeto propriamente dito - contendo os dados de identificação, justificativa, objetivos e etapas da pesquisa - explicações sobre o que são contos e lendas - com base em uma revisão bibliográfica - os contos e as lendas coletados no bairro, as lendas "Negrinho do Pastoreio" e "Obirici" recontadas pelos estudantes da EJA. Além desses itens, os estudantes optaram por inserir desenhos que foram elaborados em aula, a partir das duas lendas. Do mesmo modo, foram acrescidas explicações e comentários sobre o projeto, denominadas de conclusões sobre o projeto (WOLFFENBÜTTEL, 2002).

As lendas "Negrinho do Pastoreio" e "Obirici" foram inseridas como parte especial nesta investigação, pois foram selecionadas antes mesmo da ocorrência da pesquisa decampo, por serem do conhecimento da turma e, principalmente, por se constituírem aslendas preferidas dos estudantes. Os textos foram, assim, as lendas recontadas pelaturma, valorizando-se algumas possíveis variantes. É o que o trecho da Lenda da“Obirici”, recontada pelos alunos, apresenta:

Contam os antigos que, há muitos anos atrás, os índios Tapes, atravessando o grande rio, vieram para Guaíba e, aqui, se dividiram. Uns para o Gravataí, outros para Belém, até Viamão. Os índios não tinham um chefe que fosse permanente. O que era o melhor guerreiro chefiava a tribo. Porém, este comando era apenas para as guerras. A escolha deste chefe era feita pelo Conselho dos Anciãos, que realmente comandava durante os períodos de paz. Sendo assim, foi escolhido um moço bem forte que, por sua vez, tinha que escolher uma moça para se casar. Esta moça deveria ser bem saudável, para poder ter muitos filhos que também fossem guerreiros no futuro. Para o espanto do guerreiro, duas moças se apresentaram, sendo que uma já estava apaixonada por ele há muito tempo. Ficou muito indeciso, e não soube escolher. Os mais velhos da tribo chegaram a um acordo, dizendo que deveria haver uma disputa. Por sua vez, a índia que morria de amores pelo moço, chamava-se Obirici. Ela era tímida, e a sua rival, ousada. Só pensava no título que receberia depois de casada. A disputa consistiria em acertar um alvo, utilizando arco e flecha. Obirici foi a primeira a acertar. Porém, a rival também acertou. Colocou-se o alvo mais longe e, novamente, as duas acertaram. Portanto, decidiu-se colocar ainda mais longe e, desta vez, Obirici tremeu, com medo de perder o seu amado. Errou o alvo. A rival, que não estava apaixonada, muito fria e calculista, acertou, sendo a vencedora. Obirici ficou tão triste, que chorou durante toda a noite do casamento de seu amado. Ela chorou tanto, que se formou um pequeno riacho, o Passo da Areia. (WOLFFENBÜTTEL, 2002, p. 58-59).

Além de registrarem por escrito os contos e as lendas, os estudantes quiseram, também, elaborar desenhos, através de pinturas, utilizando tintas, pinceis e folhas de desenho. Os trabalhos ficaram muito bons e, acima de tudo, foi prazerosa a sua realização. Estas pinturas, bem como o registro escrito do trabalho, foram expostos, posteriormente, para os demais estudantes da escola, em um momento de confraternização. Na ocasião, os estudantes explicaram todo o trabalho de pesquisa e puderam responder às perguntas dos colegas de outras turmas. Foi um momento muito produtivo para todos.

Como conclusão do projeto solicitou-se que os estudantes produzissem um texto, contando como foi todo o desenvolvimento da investigação. Esta produção foi organizada servindo de finalização para o relatório. É o que revela a conclusão de um dos estudantes que participou do projeto:

O tema da pesquisa foi contos e lendas. Esse assunto foi escolhido em aula, sendo feita uma votação. Escolhemos a lenda do Negrinho do Pastoreio, que foi a mais votada. Para fazer o projeto, nos organizamos com caderno, lápis, caneta e borracha a princípio para anotarmos os dados que começavam a ser colhidos ainda em aula. Depois, passamos a pesquisar fora de aula, com entrevistas e leituras. Ouvimos essa lenda do Negrinho do Pastoreio de várias formas, com muitas variantes. O título foi escolhido, também, em votação. Foram organizados quatro grupos. Cada grupo deu um tema, para que ninguém ficasse descontente. Pegamos um pedacinho da ideia de cada grupo e montamos o título. Eu aprendi muito com esse trabalho, porque eu não tinha ideia de como se organizava uma pesquisa. Para mim, foi importante fazer a pesquisa, porque a gente ouve muitas histórias contadas de maneiras diferentes, e outras eu não conhecia. Foi ótimo! (WOLFFENBÜTTEL, 2002, p. 72).

Como um dos aspectos fundamentadores do processo, não se pode deixar de salientar "os vínculos entre o desenvolvimento, a aprendizagem e a cultura, e a educação" como sendo "a chave que explica essas relações. É evidente a função socializadora da educação, que nos permite conservar, compartilhar e aprofundar nossa cultura, fazendo-nos partícipes do conjunto de valores, de normas, de estratégias e conhecimentos próprios do grupo social que nos acolhe; é evidente também a sua natureza social" (SALVADOR, 1999, p. 143).

Reflexões sobre as Vivências na Educação de Jovens e Adultos

O Estágio em Dança: Algumas Reflexões

Estagiar em Dança com uma turma de EJA foi desafiador e estimulante. Talvez, por isso, o estágio tenha alcançado os objetivos. Entende-se, a partir de Giovanni (2000), que nenhuma avaliação pedagógica tem valor se o professor não se colocar em uma posição de reflexão profunda sobre como está o seu trabalho.

Conseguir avaliar a sua proposta é um mérito, pois é nesse processo que se encontram os acertos, os desafios, as atividades que podem ser repetidas ou que devem ser repensadas e aquelas que jamais deveriam ter saído do papel. E é importante que esse processo ocorra a cada aula.

Uma das maiores dificuldades encontradas no estágio foi elaborar as dez aulas em uma unidade, pois a cada encontro uma nova ideia surgia, e a aula da próxima semana era alterada. Sabe-se que, pedagogicamente, isso é extremamente desejável, pois o planejamento deve ser flexível. Porém, a estagiária procurou não perder o objetivo inicial do trabalho. Deve-se lembrar que esta era uma situação de estágio, portanto, de alguém que está no início da docência, e se construindo neste processo, e não alguém que já possuía experiência docente. O objetivo, conforme mencionado, tratava de trabalhar as qualidades de movimento, observando a movimentação cotidiana. Isso foi cumprido e assimilado pelos estudantes da EJA. No final dos encontros, eles já associavam os movimentos às qualidades, nomeavam e estavam familiarizados com conceitos como fluxo, peso, tempo e espaço, qualidades de movimento conforme Laban (FERNANDES, 2002). Experimentaram várias movimentações, e uma mesma movimentação com várias intenções. Dançaram, assistiram aos vídeos, discutiram sobre Dança e construíram muitos conhecimentos. Foi gratificante observar que os alunos ampliaram suas concepções sobre Dança e verificaram, no corpo, que os movimentos que faziam diariamente, no seu trabalho, poderiam se transformar em Dança.

Para alcançar esse objetivo foi necessário observar e conhecer a turma da EJA, demonstrar conhecimento pela proposta, respeitar as particularidades e potencialidades dos estudantes e, por fim, construir vínculo afetivo com o grupo.

A aceitação do trabalho foi importante para garantir a confiança dos estudantes. No início, alguns integrantes da turma realizavam a parte prática; outros, porém, apenas observavam. Em metade dos encontros, alguns estudantes da EJA só observavam e expunham conceitos, e a maioria realizava a parte prática da aula. No final, as cadeiras eram logo colocadas de lado, e todos experimentavam e comentavam a prática do encontro, sem medo dos julgamentos de "certo e errado", ou dos conceitos "gosto" e "não gosto". O processo pedagógico cresceu visivelmente, e isso foi recompensador. Perceber que os estudantes interessavam-se pelas aulas de Dança e esperavam por elas, foi um ponto positivo, principalmente por se tratar da arte da dança que está construindo seu território dentro do espaço escolar.

Ao final do estágio foi possível apontar mais aspectos positivos que negativos. A

Ao analisar o estágio realizado foi possível verificar que houve exploração da própria postura de "silêncio" assumida pelos estudantes, percebendo-se a promoção de uma escuta de seus próprios corpos. Corpos marcados por uma vida difícil, mas que, em sua maturidade, têm muito que expressar. Na escola, os estudantes da EJA foram acolhedores, e isso trouxe conforto à estagiária. Aos poucos, o seu trabalho foi se desvelando; na difícil realidade da escola na qual o estágio foi realizado, as pessoas apresentaram-se sensíveis e dispostas a aprender através do corpo. Foi prazeroso o trabalho do estágio; porém, reflexões foram produzidas pela estagiária, como a necessidade de dispor de um número maior de encontros para poder experimentar mais e aprofundar os conteúdos.

A estagiária teve pouca experiência em Dança antes do ingresso no Curso de Graduação em Dança: Licenciatura, na Uergs. Talvez, esse fosse outro motivo para a sua ansiedade quanto ao estágio. Mas, ela própria motivou-se, a partir da fala de uma professora: "A Arte não está dentro da gente, ela precisa ser ensinada e com referencial" (informação verbal). De acordo com a estagiária, este comentário tem-lhe estimulado a continuar trabalhando na área da Dança e a manter-se em permanente atualização.

A arte de educar realmente fascina. E este fascínio nos move a buscar elementos

"Cada linguagem artística que conhecemos - vivenciamos, fruímos, compreendemos - possibilita-nos outro olhar e formas diferentes de vivenciar o mundo" (MARQUES; BRAZIL, 2012, p. 27). Marques e Brazil (2012) explicam que as diferentes vivências não verbais proporcionarão diversas leituras de mundo, "impregnando de sentidos a vida em sociedade" (p.27). "Arte é o conhecimento universal, ao qual todos têm direito". Dessa forma, o acesso à arte, através da escola, é uma possibilidade de "interagir no mundo de forma diferenciada" (MARQUES; BRAZIL, 2012, p. 26). Entende-se que, tanto a estagiária, quanto os seus estudantes, deram um importante passo para essa inserção.

"Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra": Desdobramentos e Avaliações

O resultado de todo o trabalho desenvolvido no projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra" foi partilhado pelos estudantes que desenvolveram a pesquisa, o que se traduziu na publicação de um livro - com o mesmo nome - e na realização de ações de divulgação (WOLFFENBÜTTEL, 2002).

No primeiro momento, o livro foi lançado na própria escola, contando com a presença da comunidade escolar e do entorno do bairro. Posteriormente, houve o lançamento em um grande evento literário na cidade, chamado "Feira do Livro"4, que ocorre anualmente em Porto Alegre/RS. Por fim, foi promovido um terceiro evento de lançamento do livro, o qual ocorreu em um espaço cultural de relevância na cidade, chamado Santander Cultural5.

Em todas as ocasiões foram os estudantes que apresentaram o trabalho,

Ao finalizar o projeto "Resgatando os Contos e as Lendas da Nossa Terra" enfatiza-se sua relevância. Importante, porque o assunto não foi, de forma alguma, imposto aos estudantes. Concorda-se, neste sentido, com Brandão (1990) que explica que a "definição do conteúdo programático da ação educativa não pode ser feita apenas pelo educador. Essa definição implica um trabalho conjunto de pesquisa e discussão no qual participam educador e educandos midiatizados sempre pela realidade a ser conhecida e transformada" (BRANDÃO, 1990, p. 19).

Tudo o que se fez foi amplamente discutido e ponderado, para que o resultado fosse o melhor possível. Importante, porque os estudantes puderam conhecer mais e melhor o Folclore da própria comunidade, o que auxiliou, certamente, na construção cidadã individual e coletiva do grupo de estudantes. Acredita-se que, através da disciplina de Artes - à época Educação Artística, como dito anteriormente - tenha sido possível contribuir positivamente com o projeto coletivo da escola, "A Cultura e a Questão Social".

Espera-se que, com a partilha deste trabalho, seja possível vislumbrar possibilidades de efetivação de algumas práticas de pesquisa que, constantes e engajadas, proponham-se a ser propulsoras do aprendizado. Conforme Brandão (1990) "o estudo da realidade vivida pelo grupo e de sua percepção desta mesma realidade constituem o ponto de partida e a matéria-prima do processo educativo" (p. 19), e não somente a reunião de atividades organizadas, em função da proximidade de comemorações de datas festivas. A constância é algo fundamental no ensino e, se isto não ocorrer, sem dúvida, os estudantes perceberão que se está forçando e as propostas, de extrema relevância, perder-se-ão. Não se alcançará nem o conhecimento, muito menos a valorização das tradições e da cultura. Por fim, é pertinente acrescentar que, para o bom desenvolvimento de um projeto desta natureza, o professor deve estar preparado. Desta maneira, o estudo inicial do docente, que antecede à própria proposta de resgate com os estudantes, é imprescindível, sob pena, também, de se perder a objetividade e a clareza de todo o projeto.

Algumas Considerações sobre as Vivências na Educação de Jovens e

Entende-se que, ao apresentar e discutir duas experiências docentes, uma durante a formação inicial em Dança, e a outra em Folclore, seja possível apontar limites e possibilidades de avanço para a Educação de Jovens e Adultos.

Considera-se este um avanço, pois poucos são, ainda, os trabalhos existentes e disponíveis que relatem e discutam experiências com turmas de estudantes da EJA, principalmente relacionadas às Artes. A presença da Dança e dos estudos em Folclore, como possibilidades na educação, talvez possa ajudar na elaboração e implementação de propostas pedagógico-artísticas nestes ambientes. Os relatos apresentados neste artigo, talvez, possam contribuir nesta perspectiva.

A aprendizagem, assim, originada desse processo dialógico e dialético, pode se tornar relevante (PÉREZ GÓMEZ, 1998), pois estará partindo de uma cultura viva e próxima do aluno, impulsionando transformações e reelaborações de conceitos anteriores provenientes de suas interações no cotidiano, bem como reflexões e questionamentos em torno do senso comum e da manutenção do status quo. Ao propiciar essa relação com o ensino, a escola cumpre suas funções de socializadora, instrutiva e educativa (PÉREZ GÓMEZ, 2001), favorecendo a reconstrução do conhecimento previamente existente, na busca de uma ressignificação, gerando novos conhecimentos.

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11 À época da realização deste projeto a disciplina ainda era denominada de Educação Artística. Posteriormente, devido às mudanças na legislação educacional, passou a ser denominada Artes.

22 Na ocasião da realização do projeto a denominação era Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA). Posteriormente, quando passou a se constituir uma modalidade de ensino, foi denominada Educação de Jovens e Adultos (EJA).

33 Sobre Pina Bausch vale destacar que ela foi uma coreógrafa alemã que trabalhou na companhia Thanztheather Wuppertal de 1973 a 2009, quando faleceu. “Através da repetição de gestos, palavras e experiências passadas, a dança-teatro nas obras de Bausch pode ser definida como a consciência do corpo quanto a sua própria história” (FERNANDES, 2007, p. 31). Pina Bausch é conhecida por romper as fronteiras da dança. Ampliou as possibilidades de criação em dança, a constituição de cenários usando elementos naturais transformando-o numa realidade irreal. Em seu elenco possui bailarinos de diferentes nacionalidades e culturas. Ela usava essa diversidade como inspiração para as suas coreografias.

44 A Feira do Livro de Porto Alegre, RS, é uma das mais antigas feiras existentes no Brasil.

55 Santander Cultural é um centro cultural mantido pelo Banco Santander em um prédio histórico na Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre, RS.

Recebido: 30 de Janeiro de 2017; Aceito: 22 de Julho de 2018

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