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Revista Educação e Cultura Contemporânea

versão impressa ISSN 1807-2194versão On-line ISSN 2238-1279

Rev. Educ. e Cult. Contemp. vol.15 no.41 Rio de Janeiro out./dez 2018  Epub 15-Out-2018

https://doi.org/10.5935/2238-1279.20180066 

Editorial

Perspectivas teórico-metodológicas e diálogos sobre pesquisas na formação de professores: apontamentos sobre o caráter político e pedagógico da produção de conhecimento em educação

Reginaldo Celio Sobrinho1 

Edson Pantaleão2 

Valdete Côco3 

1Universidade Estácio de Sá, Programa de Pós-graduação em Educação, Brasil

2Universidade Federal do Espírito Santo

3Universidade Federal do Espírito Santo


Vivemos um momento histórico peculiar em nossas sociedades recentes. Ianni (1998) e Barroso (2005) indicam-nos que, em tempos de globalização do capitalismo, a dinâmica da nova divisão transnacional do trabalho tem lugar destacado em um cenário social abalizado por imperativos políticos, ideológicos e teóricos assentados em projetos neoliberais e neoconservadores que buscam "libertar" a sociedade civil do controle estatal, acentuando a importância da privatização da atividade pública. Tais projetos, recorrendo à tradição e ao fundamentalismo cultural, atuam no sentido de legitimar a "boa sociedade" fomentando xenofobias, etnicismos, preconceitos e intolerâncias em um cenário profundamente marcado por tensões e lutas de diferentes naturezas e que envolvem indivíduos, grupos, instituições sociais, e também nações e nacionalidades.

Em território brasileiro, esse processo histórico-social assume especial particularidade. Em pleno movimento político de redefinição do papel do Estado no âmbito da execução das políticas sociais, as políticas de restrição econômica seguem alinhadas ao crescimento do conservadorismo (LIMA, 2018). Suas pautas, baseadas numa concepção de sociedade orgânica e hierarquizada, ganham eco num contexto marcado por, ainda, modestas mudanças no quadro das desigualdades sociais.

Todavia, os processos sociais vividos no Brasil no curso das últimas décadas também trazem outras especificidades. Inegavelmente, a eleição de governos vinculados ao pensamento de esquerda colaborou na proposição de políticas que minimizaram os alcances das heranças coloniais e reorientaram a materialização das políticas de cunho neoliberal em nosso país. Foi nesse cenário que o compromisso do Estado com o desenvolvimento das forças produtivas e com a divisão técnica do trabalho pôde ser ampliado, sustentando, inclusive, uma maior reafirmação da soberania nacional (POCHMANN, 2017).

Em decorrência das políticas efetivadas, o ambiente universitário foi impactado, alterando-se diferentes aspectos da dinâmica educativa vivenciada nesse contexto. A ampliação do acesso à universidade, marcada pela diversidade do corpo discente, repercutiu no trabalho docente e isso influenciou uma redefinição nas agendas de pesquisas. Lima (2018) destaca que a mudança no perfil discente trouxe consigo novos temas e novas demandas para a pesquisa, o ensino e a extensão na universidade. No que interessa ao debate que aqui trazemos, vale considerar que, desde então, "[...] a interface entre produção acadêmica e implantação de políticas públicas ganhou outra dimensão e consequentemente maior visibilidade [...]" (LIMA, 2018, p. 99). O trabalho docente realizado na educação básica ganhou novos enfoques e pôde ser problematizado sobre outras bases, ampliando o escopo do debate sobre a formação de professores, bem como sobre a própria produção de conhecimento nesse campo. Diferentes questões passaram a ocupar a agenda investigativa em todo o território nacional. Como exemplo, assinalamos os pressupostos do quase-mercado, expressos na adoção dos princípios da qualidade total, da competitividade, da eficiência e eficácia que puderam ser tematizados e problematizados sob diferentes abordagens e perspectivas teórico-metodológicas.

Não diferente, também observamos um crescimento significativo de produções acadêmicas no campo da formação inicial e continuada de professores, abarcando as etapas de ensino no nível da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), as modalidades de ensino (educação especial, educação de jovens e adultos, educação profissional, entre outras) e o ensino superior. Nessa direção, uma parte significativa da literatura passou a problematizar mais intensivamente as políticas deformação dos professores em estreita vinculação com a melhoria nas condições em que eles/as exercem sua profissão (ALMEIDA, 2004).

Ocorre que esse crescimento nas produções acadêmicas não se realizou e nem mesmo se realiza apartado dos aspectos políticos e econômicos que narram os processos sociais vividos pelo estado-nação na atualidade. Assim, mesmo diante da ampliação da agenda de pesquisas e de estudos sobre a escola, seus profissionais e, particularmente, sobre o trabalho e a formação docentes, a produção científica no campo das ciências humanas tem encontrado inúmeros desafios relativos ao seu reconhecimento como importante dispositivo para a compreensão mais aprofundada sobre desenvolvimento humano e social. Uma abordagem mais consistente e aprofundada tem sido exigida dos pesquisadores para que possam responder às demandas da realidade social, política, cultural e econômica do nosso tempo.

Desse modo é que, para nós, o espaço da pesquisa e da produção de conhecimento tem se configurado como espaço-tempo de correlação de forças, crescentemente marcada por posicionamentos teóricos, ideológicos e políticos, inclusive,divergentes entre si. É reconhecendo esse cenário que, no âmbito de nossa atuação profissional, temos investido esforços no sentido de garantir estudos e reflexões mais sistemáticos sobre a elaboração de projetos de pesquisa.

Observamos que nos processos de orientação/supervisão acadêmica ocorrem constituições múltiplas de pesquisadores. Trata-se de uma sociodinâmica que, para nós,expressa o ato de "formar formando-se" (PANTALEÃO, 2009). Em outros termos, essa sociodinâmica de orientação/supervisão acadêmica durante o trabalho de elaboração de projetos de pesquisa, tem-se configurado para nós como uma possibilidade de promover processos contínuos de produção de conhecimento e formação-autoformação (PANTALEÃO, SOBRINHO, GOMES, 2017).

Nessa perspectiva, sem perder de vista a riqueza do compartilhamento de saberes, nos espaços de interlocução com os estudantes (iniciação científica, mestrado e doutorado) evidenciamos que a construção de um projeto de pesquisa pode ser organizada em "etapas" não lineares, porém articuladas e complementares entre si. Uma dessas etapas diz respeito à organização "operacional" da pesquisa. Nela trabalhamos com a definição dos objetivos de pesquisa (o objetivo geral e os objetivos específicos) em articulação com a problemática ou a indagação do estudo e com os caminhos metodológicos. Estes implicam a delimitação do campo empírico de investigação; a definição do(s) participante(s); a descrição dos procedimentos e a elaboração dos instrumentos que utilizaremos para a coleta e para a produção dos dados.

Diante das dúvidas e das questões trazidas pelos orientandos, vimos trabalhando no sentido de esclarecer que o objetivo geral deve expressar a questão mais ampla, delineando o "o quê?" da investigação que se propõe alcançar. Porém, como ocorre com outros elementos de um projeto de pesquisa, a construção do objetivo geral é processual. Dificilmente teremos, imediatamente, uma definição precisa (e determinada) do objetivo geral, de maneira que ele não venha necessitar de ajustes e/ou acréscimos determos/palavras que colaborem na comunicação do "o quê?" pretendemos alcançar. Sendo assim, o objetivo geral é construído e (re)construído no diálogo e na articulação com outros elementos que compõem o próprio projeto. Entre esses outros elementos, destacam-se os objetivos específicos.

Na tarefa de elaboração do projeto de pesquisa, evidenciamos que os objetivos específicos são um desdobramento do objetivo geral. Em outros termos, trabalhamos com a compreensão de que cada objetivo específico expressa "uma parte" do objetivo geral. Isso significa que, ao atender àquele propósito específico, o pesquisador estaria atendendo a "uma parte" do propósito investigativo mais amplo, expresso no conteúdo do objetivo geral. Desse modo, acentuamos a importância de que os registros dos objetivos específicos iniciem com verbos que indiquem o máximo de precisão para o "o quê?" esperamos alcançar em nossa investigação. Ponderamos que essa intercomplementaridade entre objetivo geral e objetivos específicos pode ser trabalhada por meio das seguintes questões: Para responder à expectativa expressa no objetivo geral, o que preciso identificar? O que preciso conhecer? O que preciso compreender? O que preciso produzir? Etc.

Uma indagação/dúvida sempre presente nas reuniões de orientação refere-se à quantidade (mínima e máxima) de objetivos específicos que pode/deve ser registrada no projeto de pesquisa. Admitimos que o objetivo geral é o indicador mais apropriado para avaliar "se" e "quando" temos um número adequado de objetivos específicos. E isso se justifica pela estreita vinculação (e intercomplementaridade) entre o objetivo geral e os objetivos específicos, decorrentes da problemática proposta no estudo.

Ao buscar a intercomplementaridade entre o objetivo geral e os objetivos específicos, o pesquisador pode deparar-se com a necessidade de alterar o conteúdo do objetivo geral. Nesse ajuste, retirar ou acrescentar termos, buscando palavras que informem com mais clareza sobre o "o quê?" é abordado na investigação. Reiteramos que o objetivo geral se constrói processualmente, de maneira que ele expresse a síntese do conjunto dos objetivos específicos. Então, os objetivos específicos lhe conferem contornos mais precisos, em articulação com a questão focalizada no estudo.

Ainda na interlocução com o conteúdo expresso no objetivo geral, nos ocupamos da definição do campo empírico de investigação. Nesse momento, vislumbramos "onde" realizaremos nossa investigação e definimos os (potenciais) sujeitos de pesquisa. Ou seja, considerando os objetivos elencados (na sua intercomplementaridade), indagamos: a pesquisa demanda a participação ou o envolvimento de alguma pessoa? Quantas pessoas? Quem seria (seriam) essa (s) pessoa (s)? Registramos a possibilidade determos sujeitos mais centrais, ou seja, pessoas que terão um envolvimento mais ativo durante o trabalho de investigação. Então, conforme esse delineamento, indagamos também: quais pessoas ou grupos serão envolvidos mais diretamente no processo de coleta e de produção de dados? Aqui, novamente, o objetivo geral e os objetivos específicos devem/podem ser "colocados à prova". Ao mesmo tempo em que orientam nossa escolha pelo espaço empírico e a eleição dos sujeitos de pesquisa, os objetivos (geral e específicos) podem ser reelaborados e/ou redimensionados a partir "das fontes de dados" (os documentos, o contexto e/ou os sujeitos que pretendemos focalizar/envolver na investigação).

A definição sobre "como" a pesquisa poderá ser realizada se constitui como outro momento de especial importância no processo de elaboração do projeto de pesquisa. Em muitas situações, isso implica estabelecer o período de duração do trabalho de campo; o tempo de permanência diária no espaço/local de pesquisa e as atividades de coleta e de produção de dados. Nessa direção, significa avançar no planejamento do estudo considerando, especialmente, o desenvolvimento dos procedimentos e a utilização dos instrumentos, associados às estratégias que poderão ser utilizadas na produção e no registro dos dados/informações. Nesse momento, refletimos sobre a eventual utilização de entrevistas, de aplicação de questionários e/ou de outros procedimentos e instrumentos de abordagem aos sujeitos. Também, se, quando e como realizaremos observação e/ou outros procedimentos de participação mais direta do/no contexto de investigação, atuando mais sistematicamente junto aos sujeitos da pesquisa.

Nessa dinâmica, paulatinamente, ampliamos nosso olhar sobre o projeto de pesquisa em elaboração, buscando evidenciar a intercomplementaridade entre objetivo geral, objetivos específicos, campo empírico de investigação, sujeitos de pesquisa, procedimentos e instrumentos para a coleta e produção de dados. A busca pela conexão entre esses elementos do projeto de pesquisa supõe, desde logo, que todo esse movimento é flexível, marcado por um "ir e vir" que auxilia no "amadurecimento" da intencionalidade investigativa. Afinal, a imbricação desses momentos/elementos de pesquisa se constitui como dispositivo fundamental para/no delineamento do projeto investigativo que se encontra em elaboração.

Mas, ainda assim, a intercomplementaridade desses elementos/aspectos que compõem o eixo básico de elaboração de um projeto de pesquisa se delineia de maneira mais consistente somente se e quando o pesquisador toma como referência os desafios e tensões que marcam a área de estudos na qual sua pesquisa se insere, bem como, as tendências e os focos das pesquisas desenvolvidas nessa área de estudos. Mais exatamente, durante o processo de elaboração de seu projeto, o pesquisador (iniciante ou o mais experiente) precisa investir esforços no sentido de conhecer a área, para identificaras lacunas e/ou as questões ainda não resolvidas, os aspectos pouco abordados; os dilemas e problemas que vem alcançando importância, etc. A compreensão dessas questões nos permite evidenciar a relevância da proposta investigativa, possibilitando-nos, inclusive, demonstrar: por que pesquisar/tematizar essa questão? Por que envolver esses sujeitos no estudo? Por que assumir esse campo empírico?

É nesse sentido que, para nós, a definição dos objetivos de pesquisa, a definição do campo empírico e dos sujeitos de pesquisa; a enumeração dos procedimentos e dos instrumentos metodológicos devem manter, cada um deles (e no seu conjunto), um importante diálogo com a produção na área. A proposição de uma pesquisa implica considerar a entrada numa cadeia dialógica em movimento. Nessa cadeia, muito já foi dito sobre a temática, implicando reconhecer os acúmulos que, consistentemente, podem ajudar na continuidade dos esforços investigativos no escopo temático circunscrito. Também, muitos dizeres estão em circulação implicando uma atenção às produções discursivas em curso, observando as várias (nem sempre de fácil apreensão) entradas informativas, os distintos sujeitos implicados e, sobretudo, os processos de disputas que visam a marcar as ações implicadas com o tema, impactando as pesquisas. Então, reconhecemos um espaço em aberto para novos dizeres, permitindo indagar, mais detidamente, as opções do pesquisador na participação nesta cadeia dialógica, com a configuração do projeto de pesquisa que vem sendo proposto (VIEIRA; CÔCO; VENTORIM, 2017).

Nessa perspectiva, a elaboração do projeto de pesquisa escapa à mera seleção de tema, reunião de procedimentos, somatória de técnicas e busca dos melhores termos e expressões para comunicar os propósitos de investigação. É fato que isso ocorre, mas estas ações não podem invisibilizar a compreensão de que o estudo tem, responsavelmente, uma conotação política e teórica, tão fundamental quanto necessária nesse momento histórico. A atenção aos diferentes (e divergentes) posicionamentos ideológicos que tem ocupado a cena social demanda elaborações teóricas cada vez mais consistentes, pautadas no rigor acadêmico e na seriedade do tratamento dos dados.

Nesses termos, o conhecimento da área de estudos colabora para tornar relevante a investigação que se levará a cabo, e os aspetos teórico-metodológicos têm lugar de destaque no trabalho de elaboração do projeto de pesquisa. Afinal, eles constituem as lentes a partir das quais o pesquisador vai ler a realidade social, estabelecendo recortes, delimitando categorias que sejam capazes de fornecer uma compreensão mais rica, abrangente e consistente sobre a temática que abordará em seu estudo e que, certamente, se presentifica na realidade social.

Nesse debate é importante considerar a realidade social vivida no Brasil, especialmente a partir de 2016, quando as teses conservadoras ampliaram seu espaço político e ideológico de atuação no cenário social, aprovando leis que afetam o conteúdo programático da prática docente (LIMA, 2018, p. 97). Nesse contexto, compreendemos que nos anos vindouros precisaremos atuar, ainda mais sistematicamente, no sentido de reiterar o caráter político e pedagógico da pesquisa e da produção de conhecimento em educação.

Trata-se de um desafio de grande envergadura e que, portanto, supõe a constituição de espaços que incentivem o debate sobre a pesquisa e a produção do conhecimento, em especial, na área da educação. Nesse sentido, torna-se importante reunir interlocutores que, congregando suas produções, nutrem as possibilidades de dizer. Com isso, evidenciar a importância de fortalecer os movimentos de discussões e de cotejar as distintas proposições que buscam marcar o tom para as ações. Nesses debates, entre outras importantes questões, há que se atribuir centralidade às preocupações com a qualificação da formação de professores e com suas condições de trabalho. Esta Edição Temática foi organizada com este propósito.

Diante do crescimento significativo de produções acadêmicas no campo da formação inicial e continuada de professores, intentamos reunir artigos nos quais diferentes etapas, níveis e modalidades educacionais fossem contemplados, fornecendo ao leitor uma visão abrangente sobre os dilemas, desafios e as questões que vêm impulsionando as pesquisas que versam sobre formação (inicial e/ou continuada) de professores.

Complementarmente, propusemos que os autores apresentassem em seus artigos: o aporte teórico, o delineamento metodológico (natureza e tipo de pesquisa; procedimentos de coleta e de sistematização de dados), os principais resultados e questões que emergiram do/no trabalho investigativo realizado.

Desse modo, os autores dos artigos que compõem esta Edição temática assumiram duas tarefas fundamentais: a) apresentar subsídios teórico-metodológicos que instrumentalizem os pesquisadores na realização de investigações sobre a formação de professores e, b) contribuir no avanço da produção de conhecimento sobre a temática "formação de professores".

Abrimos a edição temática com o artigo intitulado "Formación docente, subjetividade incertidumbre en México", escrito por Maria Teresa Prieto Quezada e José Claudio Carrillo Navarro. Nesse artigo, os autores partem do pressuposto de que a subjetividade docente é constituída a partir de dimensões relacionadas umas às outras, sustentadas em estruturas que a tornam uma função aberta às contradições do mundo social. Os autores abordam a tese de que os paradoxos da ordem estabelecida se refletem na profissão docente, tornando-a uma ocupação onde a subjetividade e a incerteza desempenham papel fundamental em seu processo de formação. No debate em torno dessa questão, destacam que, no México, a reforma educacional focalizou a avaliação dos professores, esquecendo o universo e as condições em que essa profissão é exercida.

No segundo artigo desta edição, Rosana Carla do Nascimento Givigi, Juliana Nascimento de Alcântara, Alfrancio Ferreira Dias e Helma de Melo Cardoso problematizam as questões de gênero e da deficiência a partir do debate sobre o cenário de contradições em práticas formativas. Para os autores, a escola produz um processo de aniquilamento sutil das diferenças: seja racial, gênero, étnico entre outras. Por outro lado, há uma resistência cotidiana que recusa a homogeneização, que luta pelo poder da vida num cenário de contradições. Utilizando o aporte metodológico da pesquisa-ação colaborativo-crítica foi construído um processo de formação continuada com os professores. A pesquisa objetivou analisar como as temáticas de corpo, gênero e sexualidades estão sendo introduzidas nas práticas formativas das licenciaturas de Química e Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe- IFS/Campus Aracaju.

Formação pedagógica no curso de letras, com habilitação em Língua Inglesa, é atemática discutida por Clara Corrêa da Costa e Helenice Maia Gonçalves. A investigação foi desenvolvida em quatro universidades do Rio de Janeiro, envolvendo 30 professores que atuam no referido curso. Por meio da análise de Conteúdo proposta por Laurence Bardin, a pesquisa identificou a simultaneidade de dois modelos de formação: o dos conteúdos culturais-cognitivos e do pedagógico-didático, com mais peso para o primeiro, o que ratifica a persistência do modelo "3+1" registrada na fala dos professores.

Elmo de Souza Lima desenvolve reflexões teórico-metodológicas sobre a formação continuada como espaço de reorientação curricular. Argumenta que o desenvolvimento de projetos educativos críticos está associado à implementação de políticas de formação de educadores que favoreçam a compreensão crítica do contexto sócio-histórico e cultural e o desenvolvimento de práticas educativas fundadas nos princípios políticos crítico emancipatórios. A pesquisa investigou como as reflexões críticas desenvolvidas a partir da formação-investigação possibilitaram a reorientação do currículo nas escolas de educação básica. A partir das contribuições teórico-metodológicas da pesquisa-ação foi possível problematizar o contexto sócio-histórico e cultural, bem como o projeto educativo da escola, favorecendo a identificação dos desafios e possibilidades quanto à reorientação da proposta curricular na perspectiva da contextualização e da interdisciplinaridade.

Raquel Souza Silva e Rosana Carla Nascimento Givigi discutem a formação continuada dos professores a partir de uma perspectiva de atuação em contexto, tendo como aporte teórico-metodológico a pesquisa-ação colaborativo-crítica. Assim, o estudo procurou analisar o processo de formação continuada de professores a partir de espaços de diálogo/formação sobre alunos com deficiência/dificuldades numa escola pública de ensino fundamental. Utilizando o referencial teórico Foucaultiano, considera os sujeitos construídos por históricos processos de subjetivação imbricados em uma complexa redede micropoderes. O estudo sugere que há necessidade de a escola reinventar outras relações, de instituir outros espaços de diálogo/formação, produzindo outros processos de subjetivação de ser aluno e ser professor.

Na sequência, Maria Beatriz Rocha Ferreira, Marina Vinha e Veronice Lovato Rossato apresentam o artigo "Formação de professores indígenas guarani e kaiowá em Mato Grosso do Sul: o empoderamento que circula entre dois mundos". Problematizando se a formação dos professores guarani e kaiowá reflete as relações de poder, inseridas nas figurações históricas desse grupo, as autoras buscam compreender as redes de interdependência que figuram nos cursos de formação de professores indígenas da etnia guarani e kaiowá, na Secretaria de Educação de Mato Grosso do Sul e na Universidade Federal da Grande Dourados.

Processos inclusivos, formação continuada de professores e educação profissional é o artigo escrito por Graciela Fagundes Rodrigues, Liliana Maria Passerino. O artigo investe na temática da formação de professores associada à educação profissional e os processos inclusivos de pessoas com deficiência. A partir do contexto de ação pedagógica, em cursos profissionalizantes, discute-se a formação continuada e se analisam as dimensões emergentes nos discursos e percepções dos atores envolvidos. As autoras assumem abordagem teórica Histórico-Cultural, a partir de Vygotsky, para análise do processo de formação de professores.

A partir de uma pesquisa documental, Maria Nalva Rodrigues Araújo Bogo e Luzeni Ferraz Oliveira Carvalho promovem uma reflexão sobre os desafios e as possibilidades do Tempo Comunidade na formação de educadores do campo, a partir da experiência do curso de Pedagogia da Terra, realizada pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB. Destacam que há um longo caminho a percorrer no sentido de fazer avançar e concretizar um projeto nacional de educação que, afiance aos trabalhadores do campo e da cidade as condições objetivas para o desenvolvimento pleno e integral dos indivíduos e do gênero humano.

À luz das teorias das representações sociais, na perspectiva de Serge Moscovici, e a da identidade profissional de Claude Dubar, Camila Lima Miranda, Vera Maria Nigro de Souza Placco e Daisy de Brito Rezende escrevem sobre as atribuições dos "outros significativos e dos outros generalizados" na constituição identitária de licenciandos em Química. Utilizam a entrevista semiestruturada e a análise de conteúdo proposta por Bardin, como ferramentas para a produção dos dados.

Formação docente, educação infantil e arte: entre faltas, necessidades e desejos, é o artigo escrito por Luciana Esmeralda Ostetto e Greice Duarte de Brito Silva. Nesse artigo, as autoras discutem sobre a presença e as formas de inserção da arte nos cursos de Pedagogia e na Educação Infantil. O artigo dá visibilidade a investigações que utilizaram os aportes teórico-metodológicos da pesquisa (auto)biográfica e discutiram a centralidade das dimensões estética e cultural como princípios formativos. A análise empreendida articula aspectos das determinações legais sobre formação de professores, questões conceituais e exigências da prática docente.

Reginaldo Celio Sobrinho, Giselle Lemos Schmidel Kautsky e Edson Pantaleão escrevem o artigo intitulado "A Sociologia Figuracional como aporte teórico-metodológico: trabalho e formação docente em Educação Especial". Argumentam que os conceitos e as noções desenvolvidos por Norbert Elias vêm constituindo como aporte teórico metodológico nos estudos realizados no âmbito do grupo de pesquisa "Políticas, gestão e inclusão escolar: contextos e processos sociais" (CNPq). As reflexões desenvolvidas subsidiam a compreensão de que a formação de professores constitui um aspecto absolutamente relevante das políticas educacionais, repercutindo positivamente na qualidade da educação ofertada, sobretudo quando, pela via do diálogo coletivo, nesse espaço-tempo sistemático de estudos, os atores envolvidos nos processos formativo educativos (professores, diretores escolares, estudantes, comunidade local) problematizam as condições objetivas e subjetivas que marcam e narram a realização do trabalho docente.

Formação de professoras, tradicionalismo e a feminização do magistério no Brasil, é o artigo escrito por Renata Porcher Scherer. A partir da análise documental da produção acadêmica da pesquisadora Aparecida Joly Gouveia identifica que, na década de 1960,uma das críticas das normalistas à sua formação era pautada pela falta de um caráter prático nos cursos de magistério, que estariam aquém do desejado para o futuro exercício profissional. Entre outros aspectos, destaca a investigação pioneira da pesquisadora acerca das decisões vocacionais da mulher em um Brasil que vivenciava um processo de rápida industrialização, inaugurando o debate sobre a feminização do magistério e o papel da mulher nessa sociedade.

Em seguida, Carlos Soares Barbosa, José Carlos Lima Souza e Lucília Augusto Lino debatem a formação de professores para a educação de jovens e adultos. Abordam, nessa discussão, os desafios curriculares e fazem considerações sobre o direito à educação. Os argumentos centrais dos autores buscam contribuir para uma melhor compreensão das mediações objetivas e subjetivas que determinam as disputas internas no atual momento em que as Instituições de Ensino Superior (IES) voltam a reformular seus cursos de licenciaturas. Essas reformulações buscam atender as normatizações determinadas pela atual política de formação docente, a partir da Resolução CNE nº02/2015, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e para a formação continuada, em nível superior, de Profissionais do Magistério para a Educação Básica. Essa Resolução define princípios, fundamentos, dinâmicas formativas e procedimentos a serem observados nas políticas, na gestão, nos programas e cursos deformação. Segundo os autores esses aspectos têm desencadeado movimentos nas IES que precisam ser problematizados, principalmente relativos à formação de professores para a atuação na educação de jovens e adultos.

Finalizando a sequência de artigos desta seção temática, apresentamos a produção de Patrícia Bastos de Azevedo e Ana Maria Marques Santos, que escrevem o artigo intitulado "Autoria e empoderamento: formação de professores e a escrita monográfica de conclusão no PARFOR-HISTÓRIA/UFRRJ". O artigo é produzido a partir do projeto de pesquisa "Tornar-se professor de História: correlações de poder e força nas práticas de letramento na licenciatura de História PARFOR/UFRRJ". As autoras apresentam o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), assim como os referenciais teóricos que mobilizam para pensar este campo de pesquisa e seus indícios. O foco principal é compreender, a partir da formação do professor de História/PARFOR, as correlações de força e poder que constituem as práticas de oralidade e letramento no processo formativo.

Não poderíamos deixar de destacar que os trabalhos dos/as autores/as sistematizados nos artigos desta edição temática chegam à nossa leitura em um contexto marcado pela inflexão no padrão de políticas públicas, construído entre os anos de 1985 e2016. Guardadas significativas diferenças entre si, no período de 1985 a 2016, pode-se observar que os seis presidentes brasileiros pautaram seus governos na legitimidade democrática e no cumprimento da Constituição Federal de 1988 (POCHMANN, 2017). Cabe lembrar que esta constituição tem como centralidade a defesa da garantia dos direitos sociais.

Analisando a ação estatal no Brasil no quadro do desenvolvimento capitalista mundial, Pochmann (2017) destaca que os acontecimentos políticos de 2016descortinaram um horizonte de submissão externa que tende a desencadear o realinhamento do nosso país com a onda de globalização capitalista coordenada pelos Estados Unidos. Nesse cenário social, político e econômico, vimos experimentando um grave retrocesso na garantia dos direitos humanos básicos (LIMA, 2018), com fortes impactos no campo educacional (ANPED, 2016). Nesse sentido, nossas relações sociais vêm se efetivando em meio aos imperativos do rentismo, que busca determinar – nãosem questionamentos e resistências – a "naturalização" das desigualdades. O progressivo fortalecimento do capital, reunindo condições para encaminhar intervenções no contexto social, requer obediência para continuar seu percurso de intensificação, garantindo que a sanha do lucro seja interminavelmente nutrida (mesmo que à custa da fome de um grande contingente populacional, da mobilização de novos fluxos migratórios, da destruição do meio ambiente e da emergência de outras agruras).

Nesse quadro político, lembramos a nossa condição de comunidade política (ARENDT, 1989), ativa na negociação da vida social, com vistas a aventar um futuro que não seja a continuidade da mesma vida (BAKHTIN, 2012), de intensificação da desigualdade. Com as reflexões trazidas nesta edição temática esperamos colaborar na compreensão de que as políticas públicas não devem ser interpretadas como ação concatenada de atos sucessórios nos quais as pessoas se apresentam, tão somente, como meras expectadoras da história em curso. Considerando os múltiplos intervenientes implicados nas (des)articulações entre os níveis das decisões governamentais, da disseminação e administração e da efetivação das políticas (BALL, 1994), convidamos a observação dos eventos, em especial no campo educacional, mais particularmente, da formação de professores (em sua vinculação com a produção de pesquisas) com espaços de tensionamentos.

Com isso, reconhecemos os vários esforços no sentido de marcar distintas possibilidades de dizer (abordar os eventos), fortalecendo a compreensão de que muito ainda temos por dizer/fazer na atenção à articulação de nossas pesquisas com o contexto social. Nesse movimento de afirmação do diálogo (FREIRE, 2003), no escopo deste dossiê buscamos fomentar o debate sobre diferentes perspectivas teórico-metodológicas em pesquisas sobre a formação de professores, convidando à mobilização de novos dizeres, no entendimento de que este debate se renova e ganha outros contornos na articulação com a trajetória de transformações no contexto social.

REFERÊNCIAS

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