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Revista Educação e Cultura Contemporânea

versão impressa ISSN 1807-2194versão On-line ISSN 2238-1279

Rev. Educ. e Cult. Contemp. vol.15 no.41 Rio de Janeiro out./dez 2018  Epub 15-Out-2018

https://doi.org/10.5935/2238-1279.20180074 

Artigos

Processos inclusivos, formação continuada de professores e educação profissional

Inclusive processes, continued teacher training and professional education

Graciela Fagundes Rodrigues1 

Liliana Maria Passerino2 

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Resumo

O artigo investe na temática da formação de professores associada à Educação Profissional e os processos inclusivos de pessoas com deficiência. A partir do contexto de ação pedagógica, em cursos profissionalizantes, discute-se a formação continuada e se analisam as dimensões emergentes nos discursos e percepções dos atores envolvidos. Além disso, busca identificar quais os saberes mobilizados e necessários, na perspectiva dos participantes, em relação à prática pedagógica com alunos com deficiência. Diante dos propósitos mencionados, a escrita associa-se à abordagem teórica Histórico-Cultural, a partir de Vygotsky, e autores relacionados à formação de professores e a Educação Profissional. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, na qual o material investigativo envolveu entrevistas realizadas com professores e coordenadores que atuam em instituições de Educação Profissional do estado do Rio Grande do Sul. Os dados indicaram que o espaço institucional constitui-se como potencializador da formação continuada dos professores investigados, o que leva a caracterizá-la como uma formação com/no espaço de trabalho. Evidenciou-se a necessidade de uma formação continuada que ultrapasse a dimensão técnica como indicativo para minimizar a ênfase pragmática na ação docente, pois os resultados revelaram a valorização de aspectos relacionais como componentes importantes da formação que almeje qualificar os profissionais para a atuação com pessoas com deficiência. Destaca-se que a presença de alunos com deficiência na Educação Profissional tem suscitado à formação continuada, uma vez que a profissionalização desse público implica em processos inclusivos mais amplos que a Educação Básica, requer pensá-los também naquela modalidade.

Palavras-Chave: Formação de professores; Formação Continuada; Educação Profissional; Pessoas com deficiência

Abstract

The article invests in the theme of teacher education associated to Professional Education and the inclusive processes of people with disabilities. From the context of pedagogical action, in vocational courses, the continued formation is discussed and the emergent dimensions in the discourses and perceptions of the involved actors are analyzed. In addition, it seeks to identify which knowledge is mobilized and necessary, from the perspective of the participants, related to the pedagogical practice with students with disabilities. Considering these purposes, the writing is associated with the historical-cultural theoretical approach, based on Vygotsky, and authors related to teacher training and Professional Education. This is a case study qualitative research, in which the research material involved interviews with teachers and coordinators who work in Professional Education institutions in the state of Rio Grande do Sul. The data indicated that the institutional space is constituted as a potentiator of the continuing education of the investigated teachers, which leads to characterize it as a training with / in the workspace. The need for continued training that overcomes the technical dimension as an indication to minimize the pragmatic emphasis on the teaching activity was evidenced, because the results revealed the appreciation of relational aspects as important components of the training that seeks to qualify the professionals to work with people with disabilities. It should be emphasized that the presence of students with disabilities in Professional Education has led to continued formation, once the professionalization of this public implies broader inclusive processes than Basic Education, it also requires thinking about them in that modality.

Key words: Teacher training; Continued Formation; Professional Education; People with disabilities

Introdução

Temos convivido, no Brasil, com dilemas e desafios vinculados à formação de professores da Educação Profissional (EP), com nuances da própria construção sóciohistórica dessa modalidade, que emerge de um âmbito utilitarista e desarticulado da formação intelectual (GARIGLIO; BURNIER, 2012).

No âmbito da Educação Especial, essa visão repercute na carência de pesquisas e estudos sobre a formação do professor da EP e os processos inclusivos referentes ao ingresso de alunos com deficiência nessa modalidade (MANICA, 2011, 2015; MANICA; CALIMAN, 2015).

Para Cartaxo, Romanowski e Martins (2017) os processos formativos estão impregnados com a forma como os professores concebem o ensino e alicerçado nas experiências e crenças produzidas ao longo do processo de formação e da atuação profissional. No caso da EP, um grande número de docentes não tiveram esse processo de formação inicial, e suas experiências se baseiam na sala de aula da formação técnica ou científica recebida. Desta forma, os professores da EP que não tem uma formação em licenciatura tenderão a reproduzir modelos de práticas pedagógicas experenciadas em suas carreiras.

Se, como afirmam as autoras, "os professores, como trabalhadores da educação, gestam novas práticas em função das necessidades do contexto sócio-histórico em que atuam" (CARTAXO; ROMANOWSKI; MARTINS, 2017, p.8), essas "novas práticas", numa educação que não contemplava a educação inclusiva, poderá estar permeando ações excludentes a partir de uma ótica da educação normalizadora. Sendo assim, a experiência dos formadores, no caso da formação continuada, pode complementar ou modificar práticas apreendidas em diferentes momentos e espaços da formação inicial. Pois, como mostram Ziesmann e Frison (2017) em seu estudo, as formações precisam abordar a desconstrução de estereótipos específicos (no caso do estudo sobre a cegueira) pois reduzem as práticas possíveis a partir de uma visão limitada do sujeito aprendente.

Percebemos, ainda, que há um descompasso entre a oferta da EP, por meio de várias ações governamentais, e a atenção dada à formação desses profissionais. Os autores citados anteriormente, colaboram com essa afirmação, ao mencionarem que:

Essa desatenção da produção intelectual para com o tema da formação de professores da EP vem contribuindo para reforçar a tese de que esses profissionais não pertencem à área da educação, e que a estes cabe, apenas, o domínio dos conhecimentos da(s) área(s) que pretendem ensinar e a experiência no chão de fábrica (GARIGLIO; BURNIER, 2012, p.214).

Remetemo-nos tais reflexões ao âmbito da formação de professores em diálogo com os profissionais que atuam em cursos profissionalizantes de nível básico, principalmente pelo Programa de Aprendizagem Profissional (PAP), resultante da Lei da Aprendizagem Profissional (BRASIL, 2005). No entanto, reconhecemos que as discussões trazidas contemplam elementos de análise e reflexão para os demais tipos de formação docente, independentemente do nível de formação ou atuação.

Para Agapito e Ribeiro (2015), a discussão da inclusão escolar, em qualquer nível de ensino deve passar necessariamente por três eixos: a formação de professores, a atual política de Educação Especial na perspectiva inclusiva e o debate acerca da qualidade educacional. Os autores realizaram um estudo com estudantes de licenciatura que na sua formação inicial contaram com uma grade curricular que atendia as demandas da política pública, em contraposição com a percepção dos alunos em formação. Esta aparente inconsistência seria, segundo os autores, porque existem lacunas no processo de formação destes professores, especialmente no que diz respeito às experiências deles com pessoas com deficiência, seja nas suas vidas escolares, seja nas suas práticas experimentais. Outro motivo, apontado pelos autores, refere-se à desarticulação presente no currículo entre teoria e prática da formação na organização dos cursos de licenciatura. Além disso, o estudo também mostrou que mesmo após a formação inicial subsistem imprecisões conceituais que são incompatíveis com a formação.

Torna-se necessário mencionar a política de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva vigente no Brasil (2008), que estabelece os princípios e ações a serem empreendidas na Educação para os alunos público-alvo da Educação Especial os quais compreendem estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, além de tornar explícita que a Educação Especial constitui-se em uma modalidade da Educação que perpassa todos os níveis (básico e superior). Uma análise do contexto dessa legislação é realizada pela Teixeira; Oliveira e Sousa (2018), na qual suas inquietações direcionam-se à contradição entre o que política coloca como compromisso do Estado e o que, em termos de financiamento, está instituído para a Educação. Um dos dados expostos pelos autores é a Emenda Constitucional 95/2016, que institui o "Novo Regime Fiscal" que congela os gastos federais pelos próximos 20 anos. Em decorrência, resulta na dúvida de como garantir um sistema educacional inclusivo sem investimentos, considerando que para isso há elementos que precisam ser previstos e implementados nas instituições educacionais como: "salas de recursos multifuncionais bem equipadas, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados com professores especializados" (TEIXEIRA; OLIVEIRA; SOUSA, 2018, p. 476). Com base nessa análise crítica dos autores, ressalta-se a implicância da formação docente como aspecto primordial para o alcance da proposta de educação inclusiva sejam em que nível e modalidade estiver implicada.

Nesse sentido, o olhar sobre a formação dos professores no contexto da EP é necessário, tendo em vista tratar-se de profissionais oriundos de diferentes áreas do conhecimento. Admitimos, que o investimento na formação, ao longo da sua prática docente, configura-se como estratégia necessária de qualificação perante os cenários educacionais que se apresentam cotidianamente, especialmente nos processos inclusivos de pessoas com deficiência nos diferentes espaços da sociedade.

A partir disso, que ações de formação continuada são realizadas ou são necessárias para o desenvolvimento de cursos profissionalizantes, diante da presença de alunos com deficiência? Quais os saberes mobilizados pelos profissionais que atuam nos Programas de Aprendizagem Profissional (PAPs) em relação à prática pedagógica com alunos com deficiência? São alguns dos questionamentos que buscamos responder neste artigo.

Processos inclusivos, formação de professores e educação profissional: "não fui formado para isso!"

A afirmação mencionada no título deste tópico é comumente expressa, ouvida, registrada no âmbito da Educação, anunciada por gestores, professores, estagiários e demais profissionais, quando se deparam com o tema inclusão. No entanto, problematizamos tal afirmação ao rebatê-la com outra pergunta: qual é a formação almejada para ser um professor "preparado" para a inclusão? O que essa formação precisa contemplar?

Ao trazermos para o debate esse complexo tema, temos a pretensão de não colocarmos como saber secundário a formação docente aliada aos conhecimentos relativos à Educação Especial e às áreas das deficiências, por exemplo. O que chama a nossa atenção é que, quando mencionamos esse tema, a formação ou a falta dela emerge em primeiro plano, como se fosse algo pronto e acabado, minimizando seu significado de permanente, contínua.

Tão relevante quanto nossa formação inicial, oriunda de variadas áreas - ainda mais quando falamos da EP -, é a formação continuada do professor. Compreendemos que será esse tipo de formação que possibilitará a promoção de elementos teóricos e reflexivos para que a prática como docente mobilize o ensino e a aprendizagem tanto nos alunos quanto no próprio professor. Convém afirmar, a partir de Pimenta (2012), que na prática docente, muitos aspectos estão em jogo.

[...] estão contidos elementos extremamente importantes, como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não está configurada teoricamente (PIMENTA, 2012, p. 30).

É essa prática docente que fomenta os processos de formação continuada, fornecendo as pistas investigativas para a formação que o professor necessita. Azzi (2012) denomina de saber pedagógico aquele que se origina e advém das relações desencadeadas em sala de aula, no contexto da escola: "[...] é o saber que o professor constrói no cotidiano de seu trabalho e que fundamenta sua ação docente, ou seja, é o saber que possibilita ao professor interagir com seus alunos, na sala de aula, no contexto da escola onde atua" (AZZI, 2012, p. 49). Essa interlocução com a autora, justifica-se pela importância desse saber pedagógico para pensarmos a formação de professores e sua relação com a inclusão de alunos com deficiência no contexto das salas de aula, seja de um curso profissionalizante ou em outros espaços de educação formal. Será a soma do que Pimenta (2012) chama de conhecimento pedagógico com o saber pedagógico que permitirá ao professor pensar acerca do processo de ensino. Pimenta (2012) afirma que saber e conhecimento são elementos diferentes. O saber constitui-se como uma fase do desenvolvimento do conhecimento, aquele de característica flexível, emergente do contexto da ação, enquanto que "A construção do conhecimento requer investigação e sistematização, desenvolvidas com base metódica" (AZZI, 2012, p. 51). No domínio dessa diferenciação, emerge o saber pedagógico "como elemento que contribui para uma nova leitura da (des)qualificação docente, pois mostra a atividade do professor como uma atividade que demanda uma capacidade que vai além da execução" (AZZI, 2012, p. 51). Disso decorrem os desafios a serem discutidos no âmbito da formação de professores da EP, tendo em vista as configurações técnicasi que a caracterizam e com as quais esses profissionais constituíram e constituem-se como docentes.

David Rodrigues, professor português, escreve em um artigo de 2006, denominado "Dez ideias (mal) feitas sobre a educação inclusiva", uma passagem muito pertinente a respeito da versatilidade da profissão de professor. Ao mencionar as inúmeras queixas advindas de professores sobre a falta de formação ao depararem-se com situações de ensino com alunos com dificuldade de aprendizagem, o autor reporta-se para a complexidade da profissão de professor, pois, segundo ele, "o professor não é um técnico" que aplica técnicas previamente definidas e que solucionam todas as suas necessidades, tampouco o professor é um "funcionário" que desenvolve funções organizadas hierarquicamente e definidas estaticamente. Por isso, Rodrigues (2006) ressalta a versatilidade implicada nessa profissão "[...] dado que se lhe pede que aja com grande autonomia e seja capaz de delinear e desenvolver planos de intervenção em condições muito diferentes" (p. 306). Para isso, "não basta uma formação acadêmica; é necessária também uma formação profissional" (RODRIGUES, 2006, p. 306). E essa formação profissional citada, diz respeito ao âmbito do desenvolvimento profissional do docente, aspecto que consideramos fundamental ao buscarmos pistas investigativas nessa esfera da formação docente. Por isso, mantemos nossa aposta na formação continuada, como elemento significativo para a melhoria dos processos tanto da prática docente quanto do ensino e da aprendizagem.

Assim, chamamos para apoiar nosso diálogo, Baptista (2013), ao afirmar:

Não ter sido formado para isso. É uma evidência de que a vida do docente é repleta de desafios, em uma sociedade que muda rapidamente, das formas aceitas para o chamado ‘respeito’ ao outro às contínuas novidades no campo da comunicação e das trocas de informações (BAPTISTA, 2013, p. 18).

Isso anuncia a dinâmica com que nosso trabalho como professores caracteriza-se. Hoje minha aula foi de um jeito, obtive um retorno positivo dos alunos, porém, amanhã esses mesmos alunos me darão outros retornos e, quem sabe, outras pistas para, inclusive, modificar minha ação. Quando pensamos na docência, em que nível ou modalidade for, a dinamicidade dos processos educacionais não pode ser desconsiderada.

Nesse ponto, essas ideias nos impulsionam a pensarmos na relação pedagógica, já que esta se funda em constantes olhares de um sobre o outro (professor e aluno), que carregam significados e desejos. Pensar acerca da relação pedagógica requer compreender: O que é essa relação, o que nela está implicado? Quem participa? Como essa relação se constrói quando se fazem presentes alunos com deficiência, por exemplo?

O grande desafio docente da educação profissional inclusiva está em enxergar o aluno na sua totalidade e concretude e a escola como meio de desenvolvimento. Acreditar que docente e aluno são afetados um pelo outro e ambos pelo contexto em que estão inseridos, reconhecendo que a não satisfação das necessidades afetivas, cognitivas e motoras prejudica tanto professor como aluno, interferindo diretamente no processo ensino-aprendizagem (MANICA, 2011, p. 8).

Relação nos remete à aproximação, encontro. No contexto de aprendizagem, esse encontro materializa-se em diferentes momentos, sendo a sala de aula o espaço onde ocorre essa aproximação, esse envolver-se pedagogicamente com os alunos, onde a aprendizagem é o aspecto central dessa relação pedagógica. Meirieu (2002) nos direciona a pensarmos no momento pedagógico em que essa relação está implicada, porém, representada não como empatia entre professor e aluno, mas como uma relação que atravessa esse aspecto.

O momento pedagógico pode ser compreendido como esse encontro exigente de duas pessoas que se envolvem em uma partida em que nada é jogado com antecedência e em que a ‘dureza’ do objeto de transação, sua coerência interna, sua estrutura própria regulam permanentemente a relação (MEIRIEU, 2002, p. 90).

Envolvidos nesse momento pedagógico estão os diferentes olhares e intencionalidades de um professor que tem algo a ensinar e de um aluno que é o alvo desse ensinar. Sob esse olhar, reduzimos a relação pedagógica a dois âmbitos - o professor e o aluno -, como se ambos não fossem participantes da rede de relações que fundamenta a própria Educação.

Na busca, de ampliar essa relação pedagógica, é que os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, a partir de Vygotsky, podem nos fornecer subsídios epistemológicos para não cairmos no reducionismo dos processos educativos que nos remete a olhar somente o professor e o aluno na relação pedagógica. Se considerarmos a sala de aula sob esse paradigma, veremos que não se trata apenas de entender o aluno a partir das respostas que ele emite ao ser questionado, de modo que, quando este não corresponde às expectativas que o professor tem, essa relação fica comprometida. Destarte, com outros modos de olhar e significar esses alunos, a relação pedagógica vai formando-se, muitas vezes, a partir da limitação. Quando Vygotsky (1991) nos afirma que a instrução deve ir além do que o aluno já sabe, isso significa, nessa prática, ter um olhar prospectivo, e esse olhar prospectivo, quando trabalhamos com alunos com deficiência, nos mostra que há possibilidade de superar as representações de que esses alunos não avançam e, com isso, não haveria necessidade de investir em suas aprendizagens. Isso ocorre em virtude de que, com frequência, o aspecto orgânico ganha relevo em detrimento de outros que nos constituem, ou seja, o "defeito" expressa-se como sinônimo de incapacidade para a sociedade, culminando na transformação da deficiência primária em secundária (VYGOTSKY, 1997).

O "ser deficiente" e o não aprender aparecem muito próximos. Prioriza-se o "é" e não o "é constituído por", ou seja, ele é deficiente, é hiperativo, é violento, e o "construído por relações sociais" e os processos de transitoriedade são deixados em segundo plano ou considerados inexistentes, como se os fenômenos sociais fossem previsíveis e o ser humano, imutável. Apresenta-se o "trabalhador deficiente" e não o "trabalhador", o "aluno deficiente" e não o "aluno". No entanto, chamamos a atenção à proposição de Vygotsky anunciada na década de 1924, ao afirmar que "[...] a humanidade vencerá cedo ou mais tarde a cegueira, a surdez e a deficiência mental. Porém, mais cedo ela as vencerá num nível social e pedagógico do que no nível de medicina ou de biologia" (FICHTNER, 2010, p. 74).

Trata-se, então, de (re)criarmos relações pedagógicas nas quais os olhares possam ser ampliados e a mobilização de outras estratégias de ensino e aprendizagem possam ser consideradas e colocadas a serviço de práticas pedagógicas favorecedoras de uma Educação que possibilite contemplar a diversidade dos alunos e as formas de acesso ao conhecimento.

O que mencionamos, dialoga com o início do texto ao questionarmos qual a formação ensejada para ser um professor "inclusivo"? Oferecer uma formação é o suficiente? Qual é a dimensão da formação docente que precisa, em alguns momentos, ser avaliada com mais atenção e criticidade?

[...] não é pela instalação de salas [multifuncionais] e tecnologias que o processo educativo mudará, mas, sim, pela compreensão da dimensão transformadora que esses espaços podem propiciar ao longo de um processo de mudança cultural (PASSERINO, 2015, p.194).

Acreditamos que a afirmação de Passerino (2015) nos dá possibilidades de resposta ao relacionar, por exemplo, o Atendimento Educacional Especializado, nos espaços das salas de recursos multifuncionais, quando o mesmo não se relaciona com o contexto geral da Escola a qual pertence. As mudanças sejam elas de que âmbito for, não traduzem, imediatamente, os seus propósitos, estes são concretizados na medida em que seus agentes assumem protagonismo aliado a constantes processos de (auto)avaliação. Como assinala Pimenta (2012, p. 19) "É na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os referenciais para modificá-la". A partir desse contexto, decorre a associação entre os conhecimentos especializados, inerentes à formação dos professores, e os saberes emergentes, oriundos da presença, por exemplo, de pessoas com deficiência nas turmas (saberes pedagógicos).

As considerações desenvolvidas nos impulsionam, nesta escrita, a olhar a aproximação da Educação Especial com a Educação Profissional, requerendo desta outras formas de organizar as práticas nos cursos profissionalizantes, como também as relações pedagógicas que são estabelecidas com alunos que possuem formas de pensar, falar e escrever não convencionais e com o professor que "não foi formado para isso!"

Procedimentos metodológicos

A metodologia da presente pesquisa associou-se a abordagem qualitativa, a qual nos permite situar os diferentes atores e contextos sob uma perspectiva em movimento, na qual o dinamismo entre pesquisador, participantes e contextos implicam-se dialeticamente. Ao considerarmos essa abordagem no processo da pesquisa, os fenômenos, sejam eles sociais ou não, devem ser vistos e compreendidos como interrelacionados. E, ao intervirmos nessa realidade, todos os envolvidos modificam-se. Com isso, os sujeitos e os fenômenos necessitam ser olhados e envolvidos em uma rede de relações, revelando diferentes maneiras de apresentarem-se "[...] essa combinação de solidez e areias movediças, que é tão típica da experiência humana quando a olhamos de perto" (MATURANA; VARELA, 2001, p. 263).

Trata-se de um estudo de caso do tipo casos múltiplos (YIN, 2005). Conforme o autor, questões de pesquisa que se prestam a responder o "como" e o "por que" constituem-se como apropriadas para a estratégia do estudo de caso. Ressaltamos que a pesquisa insere-se no Projeto Solassist - Biblioteca de Soluções Assistivas, o qual foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob número 21.620, aprovado em 17/11/2011. A pesquisa investigou a profissionalização de pessoas com deficiência pelos PAPs em duas cidades da região norte do estado do Rio Grande do Sul (RS), evidenciando aspectos relativos à formação dos profissionais que atuam nessa profissionalização e a repercussão dos PAPs para viabilizar processos de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Diante disso, o recorte analítico para este contexto, concentra-se na identificação e análise das ações de formação continuada que são realizadas e necessárias, a partir dos participantes, para o desenvolvimento dos cursos profissionalizantes e que saberes são mobilizados pelos professores em relação à prática pedagógica com alunos com deficiência.

Ademais, para a condução da pesquisa foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) tanto para as instituições participantes quanto seus profissionais. Por esta razão, garante-se o anonimato de todos os segmentos envolvidos, identificando-os pelas seguintes siglas: "Prof_" quando mencionados os professores e "Coord_" os Coordenadores.

Participantes

As escolhas sobre "quem" e "em que" cada participante poderia colaborar articularam-se tanto com o problema de pesquisa quanto com os objetivos delineados. As escolhas realizadas, portanto, derivam dessas considerações, apesar de termos ciência de que ao fazermos determinadas escolhas, deixamos de lado também outras possibilidades. Assim, a pesquisa contou com a participação de três (03) segmentos a partir de critérios justificados na sequência: coordenadores de instituições de EP que estivessem diretamente vinculados na organização e promoção dos cursos de qualificação profissional de nível básico e que nestes cursos existisse a matrícula e frequência de pessoas com deficiência; os professores que ministram as aulas nas turmas em que há a presença de pessoas com deficiência e dois (02) Auditores Fiscais do Trabalho do RS em virtude de serem partícipes imprescindíveis na compreensão da conjuntura do tema, em nível de estado. Para o propósito deste artigo, nos remetemos para o segmento coordenadores e professores.

Em relação aos coordenadores foram cinco (05) participantes, todos com formação em nível superior e com tempo de atuação na função diversificada, quatro (04) anos o mais recente e vinte (20) anos o profissional com maior tempo. As instituições nas quais atuam, são todas da esfera privada e com trajetória significativa, em âmbito nacional, em relação à oferta de EP.

Sobre os professores, foram quatro (04) o total de participantes, com áreas de formação diversas: uma professora formada em Letras; uma em Ciências Contábeis e a outra em Processos Gerenciais; o professor possui formação em Administração de Empresas. O tempo de docência dos profissionais é relativamente recente, três (03) com percurso de três (03) anos e uma professora com nove (09) anos de atuação em cursos profissionalizantes.

Procedimentos de coleta e análise dos dados

Os procedimentos de coleta dos dados foram planejados a partir de entrevistas semi-estruturadas, individuais, aplicadas a cada um dos participantes com base em quatros eixos organizativos, a saber: a formação inicial de cada participante (aproximadamente 5 perguntas), o acesso a formação continuada nas instituições (2 perguntas), os elementos e expectativas de formação relativos à inclusão de alunos com deficiência nos cursos profissionalizantes (9 perguntas), as lacunas e necessidades de saberes específicos para atuação profissional e os desafios na práxis com a EP de pessoas com deficiência (6 perguntas). Cada entrevista foi gravada em áudio e transcrita para proceder à leitura e posterior análise. Além disso, foi composta com perguntas abertas que permitiram que o entrevistado pudesse complementar informações que nos eixos não foram previstas.

As categorias de análise, para o propósito de investigar quais os saberes mobilizados pelos professores no contexto de atuação pedagógica, com vistas à profissionalização de pessoas com deficiência, desdobraram-se nas seguintes: 1) que tipo de formação continuada é proporcionado pelas instituições nas quais os professores atuam; 2) quais são os assuntos necessários em uma proposta de formação continuada; 3) que conhecimentos um professor precisa ter para atuar com turmas que tenham alunos com deficiência e por fim, 4) qual a necessidade da formação pedagógica para a atuação na EP e de que forma essa formação qualifica ou não a ação docente.

Cada entrevista, analisada a partir das categorias expostas acima, foi posteriormente unificada para "dialogar entre si". Não houve intenção de comparar ou consolidar respostas, mas sim de compreender as dimensões de formação que emergem na fala dos participantes, as lacunas na formação e as expectativas que não são atendidas pelos cursos propostos.

Resultados e discussões

Elucidar as categorias citadas, em diálogo com os dados oriundos das entrevistas e com referenciais teóricos atinentes às temáticas envolvidas, configuram o objetivo dos tópicos analisados a seguir.

Formação continuada: o que as instituições têm a oferecer?

Ao iniciarmos esta categoria intitulando-a como "Formação continuada: o que as instituições têm a oferecer?", justificamos a nomeação pelo fato de querermos compreender o processo de qualificação da atuação dos professores investigados, todos eles atuantes em cursos pertencentes ao Programa de Aprendizagem Profissional (PAP) das três instituições participantes. Quem é ou quem são os ofertantes da formação continuada para esses professores; que tipo de formação e quais as temáticas que se sobressaem foram as principais questões que nortearam a análise desta categoria.

No cenário atual, caracterizado pela presença de pessoas com deficiência nos processos de profissionalização, principalmente pela via dos PAPs, a formação continuada torna-se uma premissa relevante para a atuação dos docentes nos cursos, ao lado de outros aspectos que permeiam essa ação como a ética, as políticas públicas e as relações pedagógicas. Na pesquisa, constatamos que a busca pela formação continuada não se dá externa ao espaço de trabalho como, por exemplo, em cursos, seminários e congressos. Há menção sobre este tipo de atividade, mas concernente à própria instituição como organizadora. Nos chama a atenção que essa formação também é entendida como trocas de experiências com um colega, pela busca de uma leitura, uma pesquisa sobre determinado assunto que naquele momento demanda necessidade. Por conseguinte, observou-se que a formação continuada dos docentes pesquisados, desdobra-se para o que chamamos de "formação com/no espaço de trabalho", como característica fundamental.

Em diálogo com os pressupostos teóricos de Nóvoa (2009) de uma "formação de professores construída dentro da profissão"ii (tradução nossa) o dado evidenciado acima, nos fornece importantes elementos para discutirmos acerca da formação tanto inicial quanto continuada. O autor nos direciona a pensarmos na articulação de três elementos que participam da constituição do ser professor: "compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais experientes" (NÓVOA, 2009, p. 207, tradução nossa).iii Considerando esses três elementos, o que a pesquisa nos apontou é que o "aprender com os colegas mais experientes" aparece em alguns momentos, porém de forma descontínua e em situações isoladas quando nos debruçamos a respeito da formação continuada.

Com base nisso, os coordenadores, ao serem interrogados sobre o tipo de formação que é proporcionada pela instituição aos professores que atuam ou poderão atuar em turmas com alunos com deficiência forneceram os seguintes depoimentos:iv

Coord_1: "[...] troca de experiências entre as Unidades. Assessoria com a gestão do [programa institucional que visa assessorar os professores nas questões de inclusão de pessoas com deficiência nos diferentes cursos]."

Coord_2: "Temos formação constante por EAD, presencial, regional, anualmente e sempre que preciso. Focamos a tirar o preconceito e o medo, que todos são capazes, metodologias, especificidades, perfil e avaliação por habilidades".

Coord_3: "As reuniões são voltadas para o desenvolvimento do programa de aprendizagem. Não houve formação para atuar em turmas com PCD; em termos de formação ocorreram reuniões e palestras pela própria instituição. Quando há uma demanda muito específica o [menciona o nome da instituição] proporciona formação".

Nesses depoimentos, ficam evidentes que as formações são institucionalizadas e que o movimento de resgatar e valorizar as próprias experiências em curso na instituição mostram-se como estratégias de formação. Contudo, ao ouvirmos o segmento docente, as falas emergem para outras direções, nos indicando que as instituições pouco colaboram para a formação continuada no momento em que os questionamos de que forma eles buscam a formação:

Prof_1: "Primeiramente eu vou nos livros. E se eu tiver muitas dúvidas, aí sim eu procuro um colega que seja especialista nessa área".

Prof_2: "É o professor que vai atrás, que nem eu falei, no [menciona o nome da instituição] tem todo esse processo de reuniões periódicas que ele faz, tem os seminários que são realizados. [...] vem mais por parte do professor a busca pela formação. E os cursos são mais nas áreas específicas dos cursos. Mas também cursos da área de metodologias de ensino".

A Prof_3, que possui nove (09) anos de atuação na instituição – a mais experiente em relação ao tempo de docência – prossegue com o mesmo indicativo: "por conta própria, leituras, cursos grátis e pagos online" (Prof_3).

Observamos, com base no exposto, a mobilização individualizada dos professores pelos conhecimentos que precisam contemplar. No contexto investigado, prevalece o pouco debate entre os professores assim como o desconhecimento do que Nóvoa (2009) denomina de "compreender os sentidos da instituição escolar", pois no segmento docente, existe uma invisibilidade de políticas de formação continuada em nível institucional como também de implicação no conhecer os princípios da própria instituição de trabalho. Essa situação revela também, a pouca valorização das ações que são promovidas pelas instituições, em consequência, dos profissionais desconhecerem os valores e os princípios que as regem, pois os vínculos de trabalho são, em grande medida, temporários. Esse panorama agrava-se, na medida em que as legislações vigentes no Brasil, em relação à formação de professores da EP não deixam explícito "como deve ser o currículo de formação para trabalhar nesta área [...], nem orienta os pré-requisitos para atuar nessa modalidade" (LIMA; MERCÊS, 2017, p. 102). Em consequência, a partir dos autores, os currículos dos cursos concentram-se em bases pragmáticas e seus docentes selecionados com ênfase nas competências técnicas, minimizando a formação pedagógica e não propiciando espaços para a formação continuada.

Quais são os assuntos necessários em uma proposta de formação continuada?

Dentre os assuntos necessários em uma proposta de formação continuada, os dados nos possibilitam classificá-los em: relacionais e de ensino. Aparece muito forte a ênfase em aprender como relacionar-se com pessoas com deficiência e qual é a atuação adequada para cada tipo de deficiência. Foram citados, inclusive, cursos de inteligência emocional e relações interpessoais, "relacionamento emocional e espiritual para lidar com deficiências" (Prof_3). Essa ênfase no aspecto relacional revela o estranhamento que ainda persiste quando nos remetemos a pessoas com deficiência e a emergência da condição "deficiente" que se sobressai sobre os demais aspectos que integram a personalidade da pessoa. Sendo assim, ao direcionarmos essa dimensão para o contexto da profissão docente, tais elementos são reveladores de que na formação continuada não somente o conhecimento teórico e prático devam ocupar os espaços de formação, porém, além deles, precisa-se olhar para essas dimensões que ficam circunscritas e manifestamse na prática pedagógica ora apostando nas possibilidades de aprendizagem dos sujeitos ora desacreditando dessa condição. Isso implica, nas palavras de Nóvoa (2009), ao expresar

[...] a importância de um conhecimento que vá além da teoria e da prática e que reflita sobre o processo histórico de sua constituição, as explicações que prevaleceram e as que foram abandonadas, o papel de certos indivíduos e de certos contextos, as dúvidas que persistem, as hipóteses alternativas, etc. (NÓVOA, 2009, p. 210, tradução nossa).vi

Atribuir relevância ao que esses professores mencionam como necessário a sua formação, pressupõe superar a centralidade que tanto a teoria quanto a prática assumem, comumente, na condução de uma formação. O que representa não tornar marginal esses conhecimentos relacionais e sim implicados na tentativa de ultrapassar o paradoxo da teoria versus prática.

Os dados advindos dos coordenadores relacionados aos principais assuntos que deveriam estar contemplados em uma proposta de formação continuada e que são necessários à docência com alunos com deficiência abrangem os seguintes aspectos:

Coord_1: "Conhecimentos das deficiências, para saber até onde vai o aluno. O manejo com cada tipo de deficiência".

Coord_2: "Especificidades das deficiências, critérios para deficiência na educação profissional e ocupações, sensibilização para esta formação e temática nas instituições educacionais com gestores, [...] metodologias e softwares acessíveis."

Chama a atenção, na fala do Coord_1, a referência ao ato de conhecer uma deficiência para então dimensionar "até onde vai o aluno" que, no nosso entendimento, orienta-se à aprendizagem do aluno com deficiência ao que é possível ensiná-lo. Em relação ao que a Coord_2 mencionou, o que é consensual para ambos os coordenadores é o aspecto de conhecer as deficiências, pois na sequência a coordenadora inclui outras temáticas que extrapolam a dimensão do sujeito e sua condição, nesse caso, "orgânica", para mencionar outras que permeiam os processos de aprendizagem na EP, como "metodologias e softwares acessíveis". Contudo, sabemos da complexidade que envolve cada tipo de deficiência, principalmente a intelectual que não é potencializada somente com a disponibilidade de um software ou uma metodologia específica que, para um deficiente visual, por exemplo, seriam fatores importantes. No entanto, na deficiência intelectual, a qual se associa a fala do Coord_1, tendo em vista que é o público-alvo que basicamente a instituição tem atuado dentro da área da profissionalização de pessoas com deficiência, a insistência por saber mais até onde pode ir o aluno é fator preponderante para amenizar os desafios da prática nos cursos.

No âmbito específico das pessoas com deficiência intelectual e as concepções de gestores acerca da sua atuação no trabalho, as contribuições de Silva (2014) consideram que a diminuição da segregação social passa pela via do trabalho e que o conhecimento e a experiência com o público-alvo estudado, a partir dos gestores participantes da sua pesquisa, mostraram-se incipientes o que indica, segundo a autora, fatores limitantes às possibilidades de desenvolvimento deste público. Essa constatação irá revelar-se no processo de contratação de pessoas com deficiência, que foi objeto de estudo da pesquisa de Lorenzo (2016), que analisou as características do processo de contratação de pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho pelas empresas em um município do interior paulista. Os dados da investigação citada, revelaram o predomínio dos fatores limitantes oriundos dos tipos de deficiência expressos pelos profissionais do Recursos Humanos das empresas participantes, além das dificuldades de preparo profissional associado ao conhecimento das legislações referentes a políticas de ações afirmativas. Somam-se aos dados mencionados os desafios da inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho como, por exemplo, a centralidade da Lei de Cotas (Lei nº 8.213 de 1991) como fator representativo para esta contratação; a tipologia da deficiência como critério para a ocupação de determinados postos de trabalho; e a formação e qualificação profissional tanto da pessoa com deficiência quanto dos profissionais implicados nos cursos de aprendizagem profissional (coordenadores e professores) e na contratação desse público nas empresas.

Os docentes manifestaram-se a partir de múltiplos olhares sobre os assuntos que devem pautar uma formação continuada. A Prof_1 falou, na entrevista, de um olhar mais caridoso, uma abordagem de formação pelo viés social, pois diz:

Prof_1: "A gente tem muito o que aprender com eles [alunos com deficiência], porque eles podem parecer que são pessoas ingênuas, mas na verdade eles têm um outro sentido [...] eles são muito mais inteligentes do que qualquer outra pessoa. E eles só precisam de amor e afeto como todos nós precisamos".

Amor e afeto, valores que resgatam um passado, dentro da história do movimento político das pessoas com deficiência, que deve (deveria) ficar mesmo como legado histórico, porém manifesta-se (ainda) no tempo presente. Essa fala da professora torna-se antagônica diante do que hoje a sociedade reivindica em prol das pessoas com deficiência. O que elas mais querem é concretizar as políticas públicas que lhes proporcionem protagonismo e que a sociedade não as veja como sujeitos merecedores somente de amor e afeto. Anseiam estudar, trabalhar, serem vistas nas ruas, nos parques, nos espaços que desejarem. Ainda nessa direção, observamos a presença de estigmas (GOFFMAN, 1988) associados à condição de deficiência e que corroboram para que essas pessoas sejam desacreditadas na sua voz e vez, pela razão de não corresponderem ao padrão imaginável de cidadão posto pela sociedade.

O Prof._2, menciona como assuntos eminentes para uma formação continuada os que provêm de situações pontuais de sala de aula:

Prof_2: "Uma metodologia de ensino para pessoas com deficiência. Situações de sala de aula: aconteceu tal fato, como que o professor vai lidar com essa situação. Que são diversas situações que acontecem dentro de uma sala de aula".

Por outro lado, há menção, por parte da Prof_3, de aspectos direcionados aos processos pedagógicos. Apesar de a formação dessa professora não ser em curso de licenciatura, nos chama atenção o que manifesta sobre este tópico: "recursos para aulas especiais; parâmetros curriculares para pessoas com deficiência, as tipologias das deficiências" (Prof_3). Essa insistente busca por metodologias "especiais", reforçada novamente aqui, revela a compreensão por parte destes professores de que existam modos de ensinar associado às tipologias das deficiências. Não descartamos e nem desvalorizamos esse anseio dos profissionais, ainda mais que não são oriundos da área da Educação, apesar desta demanda estar em sintonia também com aqueles. Por isso, é salutar a formação continuada para fornecer elementos referente à aprendizagem, para que sejam discutidos e assim consigam viabilizar práticas que não estejam baseadas por tipologias, mas que antes de tudo possibilitem aos docentes conhecerem os processos de aprendizagem de modo geral, e percebam que, ao tratarem disso, estarão, inevitavelmente, problematizando seus modos de ensinar.

Tal formação continuada em contexto deve ter como foco as diferentes situações que constituem o ato educativo, a análise das práticas docentes e a criação de espaços para a reflexão coletiva, esforçando-se, sempre, para criar na escola a crença de que é possível pensar soluções para as questões que se presentificam (JESUS; EFFGEN, 2012, p.17).

No âmbito do aprender a relacionar-se com as pessoas com deficiência, a escrita da Prof_4 revela: "Relações: integração, cooperação e convivência entre pcd e sem deficiência" (Prof_4). É necessária a aposta nas relações sociais como uma das propulsoras dos processos de aprendizagem, pois o sentido para uma pessoa com deficiência estar realizando um curso profissionalizante não pode ser o de "passagem" para o ingresso no mercado de trabalho por si só. Sua presença, em um curso profissionalizante, demanda a garantia do acesso, da permanência com aprendizagem e da construção de relações sociais.

Não obstante, Araujo e Schmidt (2006) discutem as contradições entre o que o mercado de trabalho espera das pessoas com deficiência e o que as instituições educacionais realizam para que estas pessoas estejam aptas a ingressarem em atividades laborais, sendo que, por parte das empresas investigadas no estudo das autoras, os dois empecilhos para o não cumprimento da Lei de Cotas são a baixa escolaridade e qualificação profissional das pessoas com deficiência. Por outro lado, as instituições afirmam que as empresas adotam processos de contratação inadequados como a "falta de tolerância, solidariedade e paciência das empresas para com a PNE [pessoa com necessidades especiais]" (ARAUJO; SCHMIDT, 2006, p. 253).

Pelos dados apresentados, evidenciamos que os assuntos possíveis dessa formação continuada dentre eles: currículo, tecnologias, políticas públicas ficaram sombrios, não emergem como norteadores de aspectos formativos. Neste sentido, há situações que emergem do contexto da aprendizagem profissional que, a priori, não teriam relação com o currículo do curso que está sendo desenvolvido, revelando que o ensino precisa ir além das competências demarcadas a partir de um currículo.

Que conhecimentos um professor precisa ter para atuar com turmas que tenham alunos com deficiência?

Em relação ao tipo de conhecimento que um professor precisa ter para atuar com turmas que tenham alunos com deficiência, os professores afirmaram que:

Prof_1: "[...] quem for trabalhar com eles têm que estar mais preparado psicologicamente". Eles vão precisar de mais atenção, e o docente também vai ter que explicar para os demais alunos como também não excluir esse colega ou vice-versa [...]".

Prof_2: "O conhecimento específico do professor de acordo com a área do curso. Seja na área administrativa, seja na área mecânica, esse conhecimento, o professor precisa ter". Prossegue sua fala afirmando: Prof_2: "algum conhecimento específico em relação à metodologia de ensino com pessoas com deficiência" e, para finalizar, desabafa: "A gente não faz nenhuma faculdade nesta área".

O preparo psicológico, narrado pela Prof_1, é curioso e expõe o desconhecimento e a necessidade que ela sente de agir de outro modo com esse aluno, ou seja, parece que ela visualiza uma barreira de "proteção" que impede que o contato interpessoal aconteça da mesma maneira como os demais. Nesse sentido, entram em cena dois conceitos que estão muito implicados que é o de marginalização e o de segregação, válidos para refletir sobre a preocupação da Prof_1 em fazer com que o aluno com deficiência não seja excluído pelos demais colegas.

Conforme Crochík (2012), os dois conceitos citados, derivam do preconceito. Marginalizar significa não investir na participação, mesmo que o sujeito esteja no grupo e segregar é não o autorizar a pertencer a este grupo. Então, marginalizar remeteria a "estar sem pertencer", pois este pertencer estaria associado a ter voz e vez dentro do grupo.

[...] marginalização implica ser deixado à margem do grupo, mas não à parte, apartado: faz parte, mas não é muito considerado pelos que se situam mais ao centro do grupo, instituição ou sociedade, e segregação se refere quer ser posto para fora do grupo, quando a ele se pertence, quer o não pertencimento a ele (CROCHÍK, 2012, p. 48-49).

Por isso, no espaço de sala de aula e não somente, a visualização das atitudes que ora promovem situações de inclusão ora marginalizam ou segregam merecem atenção e foram aspectos mencionados pela docente. Eliminar preconceitos é uma ação que representa idas e vindas, retrocessos e avanços e que não possui um fim previsível, mas a possibilidade de mudar atitudes sim.

Para o Prof_2, o conhecimento requerido perpassa pela associação entre a área técnica e a pedagógica. A respeito disso, Pimenta (2012, p. 08) afirma: "Não se pode mais educar, formar, ensinar apenas com o saber (das áreas de conhecimento) e o saber fazer (técnico/tecnológico)", o que concordamos plenamente com a autora. Contudo, a atividade docente não se restringe a dois lados: o lado técnico e o pedagógico, trata-se de mais dimensões que participam da atividade e que Pimenta (2012) denomina de "cultura profissional da ação", entendida como o somatório das várias perspectivas que entram na cena pedagógica e que estão sendo declaradas nas falas e nos registros dos professores aqui investigados, em virtude da dinâmica dos assuntos emergentes que oscilam entre o relacional e o ensino propriamente dito (metodologia).

No que se refere aos saberes associados à docência, Tardif (2012) nos apresenta os múltiplos saberes que estão presentes, como os saberes disciplinares, os curriculares, os profissionais e os experienciais. Sendo cada um deles, oriundo

[...] de fontes diversas (formação inicial e contínua dos professores, currículo e socialização escolar, conhecimento das disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional, aprendizagem com os pares etc.) (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 212).

Ao não mencionarem um conhecimento específico, os professores entrevistados colocam em destaque os saberes que Tardif e Raymond (2000) denominam de profissionais, que são os:

saberes mobilizados e empregados na prática cotidiana, saberes esses que dela se originam, de uma maneira ou de outra, e que servem para resolver os problemas dos professores em exercício e para dar sentido às situações de trabalho que lhes são próprias (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 211).

Princípio que se aproximou do que revelou a Prof_4 que indicou conhecimentos básicos para atuar na docência, independentemente da presença ou não de alunos com deficiência, desde a disciplina que vai ministrar em um curso de EP aos aspectos pedagógicos do ensinar. Porém traz um recorte específico ao afirmar: "Saberes específicos das deficiências do aluno para compreender sua forma de aprender" (Prof_4). Desse modo, concordamos com Lima e Mercês (2017) ao criticarem a redução da docência na EP quando a mesma é atrelada à formação de competências técnicas para o mercado. Conforme observamos no relato dos docentes da pesquisa, em contextos de inclusão de pessoas com deficiência nos cursos, outros saberes concorrem para a viabilidade das práticas pedagógicas.

Formação pedagógica e suas relações para a atuação na EP: essa formação qualifica a ação docente?

Ao questionarmos acerca da necessidade de formação pedagógica para a atuação na EP e de que forma esta formação poderia qualificar a ação docente, as entrevistas indicaram:

Prof_1: "Para ter mais autoridade frente aos alunos, ‘mais firme’". Eu recebi uma vez uma informação de um professor que me falou, que a gente nunca poderia ser amigo de aluno. Então, eu ajo muitas vezes com o coração. Eu acho que tem que tem que ter um equilíbrio entre a razão e a emoção. As exigências são necessárias pois as empresas vão exigir deles [alunos] isso depois".

Prof_2: "A falta desta formação pedagógica acarreta a ênfase na prática. Eu acredito que o profissional que não tenha um curso de metodologia de ensino, ele vai mais prezar pela prática, do que pela parte de conceitos. Então, eu acredito que a formação na área pedagógica, ou que ter algum curso relacionado à metodologia de ensino seja fundamental, [...] para sair um pouco então da questão extremamente só prática".

Sobre o discurso da Prof_1, elementos como "autoridade", "equilíbrio entre razão e emoção", são disparadores para compreendermos o quanto tornar-se professor implica movimentos entre o que eu sou e aquilo que devo ser na figura de professor e que no entanto, "[...] é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos" (NÓVOA, 2009, p. 212).vii No que se refere à formação pedagógica, Castaman e Vieira (2013), empreendem um olhar para a formação pedagógica de professores da EP associada às experiências de formação continuada. As autoras demonstram que as práticas pedagógicas de docentes que atuam nesta modalidade e que não são oriundos de cursos de licenciatura ou bacharéis que não realizaram formação pedagógica, retomam as práticas e os modos de ensinar dos professores que estiverem presentes na sua formação e referem-se que alguns profissionais

[...] tornam-se autodidatas e superam dificuldades movidos pelo entusiasmo da profissão e outros aprendem por erros e acertos. Há também os que só buscam a preparação pedagógica quando se deparam com situações desafiadoras na sala de aula (CASTAMAN; VIEIRA, 2013, p. 08).

A contribuição da formação pedagógica representa, para o Prof_2, a possibilidade de ultrapassar um ensino com ênfase somente na questão prática, subtraindo questões que ele chamou de "conceitos", em razão da ausência desse tipo de formação. Em interface com esse excerto da entrevista com o Prof_2, ressaltamos as palavras de Pimenta (2012, p. 18) de que "[...] professorar não é uma atividade burocrática para a qual se adquire conhecimentos técnico-mecânicos". Implica conhecimento para transmitir aos estudantes os conceitos que resultam das atividades profissionais concernentes à área do curso na qual atua o professor da EP, e que se concretizam, pelas ações pedagógicas.

A Prof_3, registrou que sente falta da formação pedagógica, uma vez que sua formação é em Processos Gerenciais e afirma que tal lacuna é suprida por leituras sobre o assunto. A Prof_4, única participante com curso de licenciatura, revelou que a "experiência de vida ajuda muito a ser docente de todas as pessoas" e que a "Formação é fundamental para gerenciar os processos didáticos". Encontra-se nessa passagem a valorização das experiências de vida como subsídio para a atividade de professor, o que reforça o que temos indicado no decorrer das análises da indissociabilidade entre o que somos como pessoa e entre o que somos como professor, além dos saberes da experiência (PIMENTA, 2012; TARDIF, 2012) repercutindo na construção deste professor. Contudo, para "gerenciar os processos didáticos", conforme defendeu a Prof_4, a formação pedagógica não pode ficar abreviada e sim no mesmo patamar de importância dos conhecimentos técnicos e das experiências, pois "[...] para saber ensinar não bastam a experiência e os conhecimentos específicos, mas se fazem necessários os saberes pedagógicos e didáticos" (PIMENTA, 2012, p. 26).

Concluindo, não basta para um professor saber o que vai ensinar, dominar as técnicas da profissão ou ensinar bem uma profissão:

Me refiro a necessidade de elaborar um conhecimento pessoal (um autoconhecimento) no interior do conhecimento profissional e de captar (de capturar) o sentido de uma profissão que não restrinja-se apenas em uma matriz técnica ou científica (NÓVOA, 2009, p. 2013).viii

Por outro lado, nos são provocativas as considerações de Barato (2010) ao criticar a ênfase atribuída à formação pedagógica para os professores da EP em detrimento da valorização dos seus saberes no e do trabalho. Desse modo, ele nos direciona a seguinte crítica:

não conseguimos ver o conhecimento que se estrutura no fazer das profissões que supostamente queremos ensinar. Os próprios trabalhadores chamados para exercer docência costumam desconsiderar o conteúdo do trabalho de suas profissões de origem, pois estas são desqualificadas pela sociedade (BARATO, 2010, p. 205).

Com espaços e oportunidades para a formação continuada enfraquecidos, e ainda, com pouco potencial para propiciar processos de formação como ação institucionalizada, apesar da grande maioria das oportunidades de formação serem promovidas pelas instituições, o processo de ensino fica defasado e propaga-se um ecletismo no modo de olhar para o sujeito com deficiência e sua educabilidade. Soma-se a isso, a pouca reflexão sobre a "cultura profissional da ação" que resulta na invisibilidade de perspectivas pedagógicas e profissionais com e nas diferenças sejam elas biológicas, de gênero, sociais e/ou culturais que, cada vez mais irão (estão) nos espaços da EP.

Conclusões

Este artigo teve como propósito investir na temática da formação de professores associada à modalidade da Educação Profissional e os processos inclusivos de pessoas com deficiência, a partir do contexto de ação pedagógica, em cursos profissionalizantes vinculados ao Programa de Aprendizagem Profissional. Nesse sentido, direcionamos as reflexões e as análises para as ações de formação continuada desenvolvidas, a partir da presença de alunos com deficiência nas salas de aula da EP. Foram identificados dois tipos de saberes mobilizados e necessários, na perspectiva dos profissionais participantes do estudo, em relação à prática pedagógica com alunos com deficiência. Esses saberes foram classificados em relacionais e de ensino, destacando-se, prioritariamente, o conhecimento sobre os tipos de deficiência como subsídio fundamental tanto para o planejamento das ações pedagógicas quanto para a relação entre professor e aluno. Essa necessidade, mencionada pelos docentes, não configura-se em saberes irrelevantes, pois diz respeito à construção sócio-histórica da nossa própria sociedade, que até pouco tempo atrás, pessoas com deficiência encontravam-se em situação de invisibilidade social. Desse modo, o que até então não era conhecido ou se era, ocupava uma espaço de não participação, reverte-se para um contexto de oposição da lógica histórica. Logo, o querer saber mais, neste caso uma deficiência, contém elementos que impulsionam para a ação e portanto desfazer possíveis anseios de atuar com o que eu ainda desconheço. Por isso, ambos os saberes emergiram associados e que nos permitiu inferir que saberes voltados à aprendizagem posicionam-se como dependentes daqueles.

Os dados da pesquisa revelaram a importância do espaço institucional como o potencializador da formação continuada desses professores, investindo no que se denomina formação em serviço dimensionada a partir das necessidades que emergem no espaço de trabalho. Lamentavelmente, poucas são as iniciativas nesse sentido que não sejam a partir de espaços públicos. A iniciativa privada, com algumas exceções, parte de uma concepção de completude do seu funcionário como obrigatória para o desempenho da função e, em poucas oportunidades, percebem-se instituições privadas que valorizem a formação em serviço considerando-a como investimento e não um gasto.

A valorização das próprias experiências vivenciadas na instituição revelou-se como um tipo de formação mencionada pelos coordenadores e os professores, embora de caráter informal. Todavia, vem à tona, momentos de invisibilidade de políticas de formação continuada em nível institucional como também dos princípios, metas e objetivos da própria instituição que trabalham. Uma das possíveis interpretações para esta situação, deriva da rotatividade e precariedade dos vínculos empregatícios, na sua maioria temporários, que caracterizam a vida funcional desses professores.

Ao olharmos para os dados relacionados ao possível currículo para uma proposta de formação continuada, é possível classificá-lo em duas temáticas principais: as do tipo relacionais e de ensino, conforme citado. Como necessidade de conhecimento, apresentou-se a dimensão do aprender a relacionar-se com pessoas com deficiência e qual é a maneira adequada para cada tipo. Nessa perspectiva, verificamos que ao serem referenciados assuntos específicos dentro da área da deficiência, colocou-se em relevo a necessidade deste conhecimento para conduzir a prática, ou seja, delimitar até onde o professor deve ir, a partir do limite da aprendizagem oriundo da condição orgânica do aluno, obscurecendo o aspecto do ensino ir além daquilo que o aluno já é capaz de fazer que, na perspectiva histórico-cultural, revela-se para além do desenvolvimento real. Esse indicativo associou-se a um discurso com viés assistencialista em alguns momentos e a pouca ênfase aos processos de aprendizagem, corroborado pelos dois segmentos de participantes.

Referenciamos outros movimentos relevantes nesse percurso que se articularam à abrangência de uma formação continuada que vá além de uma formação técnica, indicando a possibilidade de ultrapassar a ênfase na questão prática, por isso a menção aos aspectos relacionais. Os professores reportaram-se à valorização de experiências de vida como subsídio para a atividade como docente, o que ratifica nossa defesa concernente a indissociabilidade entre o que somos como pessoa e entre o que somos como professor.

Então, revela-se o seguinte desdobramento desta pesquisa, a saber: Que proposta de formação continuada é possível planejar e desenvolver oriunda das reflexões em diálogo com os dados emergentes da pesquisa? Qualquer tentativa de resposta não esgota a complexidade do tema. Contudo ao olharmos para o contexto de investigação e seus dados em diálogo com estudos acerca do tema, depreendemos que é a partir do contexto de atuação dos profissionais que apresentam-se os elementos epistemológicos para planejar e viabilizar processos de formação docente. Porém, não é suficiente detectar as fragilidades na ação pedagógica e contrastar com a falta de formação, aspectos que convergem, frequentemente, para o discurso: "não foi formado para isso!" Implica, articular o contexto de atuação com as ações já empreendidas e quais dimensões devem ser subtraídas e/ou acrescentadas. Essa perspectiva, alia-se a Tardif (2013, p. 561) ao revelar que "[...] o ensino não é mais uma atividade que se executa, mas uma prática na qual devemos pensar, que devemos problematizar, objetivar, criticar, melhorar".

Com base no exposto, uma formação de professores necessita transcender os conhecimentos pedagógicos (PIMENTA, 2012) e adicionar dimensões alicerçadas nas experiências de vida e de trabalho, principalmente quando nos remetemos a docência na EP.

Partimos da premissa de que na atualidade, tão importante quanto à formação inicial dos professores, a formação continuada repercute para a qualificação das práticas pedagógicas, pois são essas que fornecem os elementos que configuram as necessidades de formação e as temáticas implicadas. Acrescentamos, que a presença de alunos com deficiência na EP tem provocado ainda mais este tipo de formação, uma vez que entendemos que ao falarmos da profissionalização de pessoas com deficiência devemos nos remeter a um contexto mais amplo que a Educação Básica, isso requer portanto pensá-la também na EP.

Com esse entendimento, rupturas com os discursos pedagógicos que delimitam a aprendizagem em função das condições socioeconômicas ou pessoais dos estudantes dão margem a discursos direcionados a mudanças de fato ou a possibilidades relacionadas a estas. Essas dinâmicas pelas quais a sociedade vem se organizando repercutem diretamente na Educação, especialmente nas estratégias que os professores desenvolvem para alcançar os objetivos de ensino, em consonância com as necessidades e demandas da atualidade.

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Recebido: 28 de Maio de 2018; Aceito: 11 de Outubro de 2018

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