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Revista de Educação Pública

versión impresa ISSN 0104-5962versión On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.28 no.68 Cuiabá mayo/agosto 2019  Epub 21-Ene-2020

https://doi.org/10.29286/rep.v28i68.8399 

Artigos

O papel da universidade pública: práticas de formação e gestão em contexto

The role of the public university: formation and management pratices in the context

Ricardo Antonio Castaño GAVIRIA1 

1Sociólogo, Ms. em Motricidade e Desenvolvimento Humano. Universidade de Antioquia Colômbia. Doutor em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estado da Bahia- Brasil. Pós-doutorado em Educação no PPGE-UFMT, Universidade Federal de Mato Grosso. Membro dos grupos de pesquisa em Antropologia Pedagógica e Histórica. Formaph, Universidade de Antioquia e Grupo de Estudos e Pesquisa em Política e Formação Docente, IE-UFMT.


Resumo

Neste texto se procura colocar em questão a Universidade Publica nestes tempos, seu papel na sociedade e seu projeto político pedagógico. As questões de pertinência e modelo pedagógico e curricular atendem os planos da gestão educacional universitária e tem relação com os processos de formação profissional docente e a capacidade de ajustes nos currículos nos contextos de territórios. Também se coloca aqui a importância e o compromisso dos programas de pós-graduação na consolidação do projeto educativo universitário.

Palavras-chave: Universidade Pública; Gestão Educacional; Currículo; Formação docente

Abstract

In this text, we seek to question the Public University in these times, its role in society and its political pedagogical project. The questions of pertinence and pedagogic and curricular model attend the plans of the university educational management and have relation with the processes of professional teacher training and the capacity of adjustments in the curricula in the contexts of territories. It also places here the importance and commitment of graduate programs in the consolidation of the university education project.

Keywords: Public University; Educational management; Curriculum; Teacher training

Introdução: repensar o conceito - do público - desde a Universidade

É necessária uma epistemologia crítica da Universidade latino-americana hoje, uma re-conceptualização de seu fazer situada nos contextos sociais e políticos atuais, uma tarefa que nos leve a redescobrir a Universidade como espaço social e cultural público, vivo e propositivo e não apenas como meio das meritocracias e dos tecnicismos segregacionistas de saberes, de corpos e das maneiras diversas de construir e interpretar o mundo. Nesse proposito de pensar o sentido da Universidade Pública: qual é o papel e compromisso dos programas de Pós-graduação nesse debate do papel e formação da Universidade de hoje?

Este texto procura colocar algumas questões que nos levem a identificar as tarefas necessárias para a potenciação do conceito de Universidade Pública, do papel sociopolítico e crítico da Educação Superior nestes tempos de simplificação e dos desafios pedagógicos e curriculares da Pós-graduação como parte importante do projeto político-pedagógico universitário.

Uma entrada no debate sugere repensar a ideia de organização educativa universitária com suas práticas curriculares e pedagógicas. O sentido crítico nos convida a refletir o que significa hoje a Universidade Pública na sociedade. Para quem e desde quais orientações trabalhamos hoje o projeto universitário? Essas perguntas nos permitem aproximação com a complexidade do processo da gestão educacional da Educação Superior e particularmente das especificidades da Pós-graduação no contexto latino-americano. A Educação Superior, como sinalizam vários autores, é um campo de muitas demandas, disputas políticas e sociais, um espaço governamental estratégico do século XXI; assim, hoje, as organizações educativas universitárias passaram a se tornar espaços onde se colocam os interesses econômicos e também modelos de formação de sujeitos e desenvolvimento de sociedades para esses fins.

As organizações como espaço de governo onde conflui saberes e práticas que ordenam e diferenciam a indivíduos e populações, produzindo efeitos muito diversos. Esta formulação transborda amplamente os enfoques mais tradicionais da teoria da organização, expressão e síntese do conhecimento positivo para a análise das organizações. Em seu lugar, se começa a considerar as relações e processos que explicam a constituição e mudança dos espaços institucionais nos que operam indivíduos, grupos e comunidade. (IBARRA, 2001, p. 322).

A gestão educacional, como discurso administrativo e de governo na contemporaneidade, contém complexas estratégias de produção e controle que funcionam como modelo de direção e práticas de desenvolvimento profissional. Esse discurso descreve uma longa trajetória de relações de poder e saber, de ideais de sujeito e de cultura, de práticas e discursos formativos trazidos até o campo da Educação Superior desde o âmbito corporativo empresarial. Vivemos uma realidade fundamentada no paradigma da administração neoliberal; nisso, se fundamenta o governo das instituições educativas e, em consequência, complexamente seu projeto educativo formativo:

A Universidade corporativa tipo Phoenix é o modelo que predomina. As universidades são quase “pseudo universidades” com programas específicos orientados as necessidades específicas do mercado. A educação superior se considera uma mercadoria e não um valor ético. Produz-se uma competência fera entre IES por estudantes. Os serviços educativos e da investigação se incluem nas negociações do GATS. Reforça-se a tendência de alguns países - Austrália, EE.UU, Malásia, Nova Zelândia, Cingapura, o Reino Unido; de converter seu setor de educação superior em uma indústria de exportação. Estão os sistemas de educação superior dos países em desenvolvimento preparados para competir globalmente? O que acontecerá com aquelas áreas do conhecimento - enfermidades tropicais, contaminação ambiental - que não são comercialmente viáveis? Que impacto terá isto nas culturas e linguagens nacionais? Poderão sobreviver? Ou sucumbirão a uma homogeneidade cultural e linguística global? (LÓPEZ, 2007, p. 392).

Então, nessa complexidade, a Universidade como espaço público na contemporaneidade nos desafia a pensar como atores institucionais e socioculturais em perspectivas e práticas alternativas da gestão, das possibilidades da construção de sociedade e cultura, no contexto do desenvolvimento local e nacional. Reconhecer o papel político e governamental do projeto de Universidade se faz fundamental para estabelecer o protagonismo e o compromisso da Educação Superior no desenvolvimento dos territórios e suas populações:

Parece inegável que a questão peremptória é desenvolver as capacidades da atividade universitária para satisfazer demandas cruciais das sociedades, preparando as novas gerações de profissionais, intelectuais, cientistas e técnicos que devem atuar no mundo supeditado a mudanças incessantes e transcendentes, processados com uma rapidez inédita na história.

Por isso é razoável pensar que resulta imprescindível deixar de lado a pretensão de abordar a renovação das universidades com a direção exclusiva do marco de ideias e categorias tradicionais sobre a mudança educativa, aquelas que se conceberam para satisfazer outras necessidades e vitalizar instituições que atuavam em um cenário econômico, social e cultural que, nas últimas décadas, há variado substancialmente até perder continuidade e diligência. (GENTILI et al., 2009, p. 207).

Em nossa postura, temos que prestar atenção a como a Universidade pública participa na construção das políticas atuais de configuração e dinâmicas territoriais, desde seu projeto político-pedagógico e curricular. Esse aspecto da relação com o cenário governamental e o projeto educativo e a formação de sujeitos se constitui em uma perspectiva propositiva ativa enquanto se visualiza o problema do governo educativo, nas dimensões e particularidades dos contextos e das reformas macro educativas.

A gestão educacional, na nossa proposta, é uma gestão que ensina e aprende simultaneamente, exige de processos de formação profissional docente, não se dirige de maneira instrumental aos propósitos; nesse processo, encontrassem e construíssem alternativas e instrumentos para estabelecer processos mais participativos e alternativos.

Universidade pública e descentralizada: desafios da gestão educacional em contexto

O modelo de gestão modifica uma Universidade historicamente centralizada, propõe uma organização com processos mais autônomos, eficientes e viáveis no tempo. Mas, também, tem que significar uma mudança em seu caráter pedagógico-curricular e suas concepções da formação de sujeitos, colocando a tarefa de transformar valores e princípios que configuram sua tradicional institucionalidade, seus sentidos e formas de atuação, em processos técnicos e estratégias administrativas, que muitas vezes vão contrariando os contextos históricos e a realidade interna e externa da Universidade pública.

O denominado planejamento estratégico, como necessidade do discurso organizacional do management, tem sido levado ao campo educativo como prescrição curricular, mas esse implica outros desafios metodológicos, ou seja, o planejar educacional não deve restringir-se à ideia de ordenar um processo para obter um resultado controlado, se trata de poder assimilar e adaptar a organização educativa ao contexto, às dimensões culturais que desde as práticas cotidianas expressam o universo das relações micropolíticas e as diferenças, tensões e contradições entre o singular e o plural, entre o planejado e obtido, o percebido como instituído (formal) e o expresso como informalidade, como particularidades dos contextos locais, onde as dinâmicas do planejamento e a gestão educacional tomam seus matizes particulares no território.

O planejamento para a gestão educativa universitária exige confrontar aquilo que foi pensado em princípio no campo das ideias e problemas gerais, com as possibilidades reais que emergem da familiarização com o contexto específico, de tal maneira que se identifiquem recursos físicos e intelectuais, que se reconheçam níveis de desenvolvimento e tarefas específicas a fim de planejar a gestão educacional universitária. Deveria assumir-se a tarefa de levar a cabo o traçado, pesquisando e analisando cada ajuste necessário; trata-se de reunir as ferramentas necessárias, sem ficar restringido mecanicamente a elas.

A descentralização da Universidade pública nos coloca uma permanente reflexão pedagógica, que necessariamente nos deveria levar a pensar na proposta formativa da Educação Superior: qual é o critério que se veem estabelecendo com o crescimento e a expansão da Universidade como instituição pública? Assim, a descentralização universitária, como processo de democratização e desenvolvimento territorial, deve conter novos compromissos sociais para repensar a Educação Superior e seu projeto político e social.

Se o processo da descentralização universitária reorganiza os poderes e estamentos dentro da Universidade, isso não pode ser encarado como um processo só de reengenharia administrativa. A questão é muito mais complexa, trata-se de como podemos aprender das experiências, reconhecendo no sistema atual as novas relações de poder tanto a nível interno como externo e o marco de referências da política internacional. Compreender esses aspectos da relação entre a dimensão local e global se faz muito importante para um posicionamento crítico e também propositivo da Universidade pública.

Na atualidade, os países da América Latina enfrentam um dos desafios mais difíceis entre os que têm marcado sua história. O desafio das formas hegemônicas da globalização, entendida como a integração complexa do capital, tecnologia, informação e comunicação, superando as barreiras econômicas, políticas e culturais das fronteiras geográficas, fundamenta a necessidade de desenvolver as atividades educativas no marco de Estados Nacionais com sua força normativa diminuída e sociedades cada vez mais interdependentes. Como consequência, se trata de encontrar os espaços de presença e ação em um mundo de inequidade crescente, dominado pela gravitação das métricas exigências do capital transnacional, renovando a vigor da democracia e construindo alternativas que permitam perseguir a justiça social a partir dos projetos capazes de propiciar sociedades mais coesivas (GENTILI et al., 2009, p. 211).

Nesse panorama, descentralizar a Educação Superior implica não só instalar os mecanismos administrativos, as tecnologias e ferramentas de avaliação que garantam a qualidade da gestão educacional, mas também se trata de gerar melhores programas de formação profissional, construindo o sentido de referência desde as próprias experiências educativas, permitindo fazer sinergia entre as diferentes dinâmicas acadêmicas e administrativas dos estamentos universitários.

A descentralização, em seu ponto mais complexo, significa também o desafio de descentralizar o projeto formativo, o discurso pedagógico e curricular que orienta tradicionalmente um tipo particular de sujeito e de vocação regional, deixar que o modelo educativo e sua política curricular se enriqueçam desde as realidades socioculturais e históricas que planteiam os territórios e suas populações, de modo que as práticas pedagógicas e os saberes locais entrem de maneira efetiva a fazer parte do projeto educativo descentralizado.

Tradicionalmente a produção do conhecimento científico e humanista na universidade foi uma produção separada. Se há dito de muitas maneiras: a rua, a realidade, o povo, as bases, a sociedade, produziam um conhecimento vulgar, prático no sentido comum, enquanto a excelência do conhecimento rigoroso e científico era de hegemonia universitária. A lógica racional que inspira este pensamento é que o conceito espera paciente, a que a realidade lhe alcance. Por outra parte, esta forma de conceber a produção do conhecimento é intelectualista no sentido do desprezo a habitar e a produzir-se desde o concreto, situacional, experiencial e corporal de cada um de nós, para pensar desde nós o que vai além de nós. É um intelectualismo falsamente universalizado que procura essências invariantes com caráter universal, e é precisamente isto o que aqui se questiona. (BONAFÉ, 2012, p. 11)2.

A Universidade tem sido concebida, durante muitos anos, hegemonia do conhecimento e espaço de elite; por tudo isso, sua expansão e descentralização não pode restringir-se à transposição do modelo administrativo inspirado no crescimento corporativo da eficiência, pelo contrário essa experiência de reconfiguração, esse processo de crescimento, pode e deve ser uma importante referência para construir uma alternativa de Universidade pública.

Um projeto universitário: formação e identidades professionais

Os processos formativos dos sujeitos universitários no contexto da descentralização universitária são complexos e as imagens dos professores e dos estudantes no contexto sub-regional se constroem nos contrastes do intercultural-transcultural. A descentralização universitária trouxe o desafio de outros rostos e paisagens, ou seja, sujeitos ampliaram as perspectivas da formação (bildung) e as maneiras de construir conhecimentos, mas ainda não temos conseguido colocar essa experiência em perspectiva da gestão educacional e curricular para a Universidade pública latino-americana.

Olhado os processos de descentralização (regionalização3), no caso da Universidade de Antioquia, na Colômbia, encontramos uma multiplicidade de novas referências culturais e sociais com as quais a Universidade tem tentado redefinir processos formativos. E, particularmente na formação profissional docente, emergem as perguntas: quem são os professores e como fazem a educação nas sub-regiões? Talvez estejamos diante de novas tipologias profissionais, perante outras possíveis formas de geração de práticas e saberes pedagógicos atreladas aos processos da gestão educacional em contexto.

No processo de expansão do projeto universitário, se confrontam trajetórias, sujeitos e aparecem outros perfis da formação, outros contextos da profissão docente. É uma experiência de reconhecimentos de espaços e saberes que teriam que contar na reformulação do projeto universitário.

O caráter plural na construção da nova Universidade pública nos confronta com diferentes formas da diversidade, sujeitos que representam toda uma maneira de posicionamento diante do mundo e da construção de conhecimentos. A experiência pedagógica que esse processo (expansão e descentralização) contém nos fala que devemos continuar aprendendo, incorporando as experiências formativas dos atores e sua dimensão política. Aqui, o papel da pós-graduação é revigorar o sentido crítico social do público em sua diversidade e complexidade. Nesse propósito, achamos a pertinência de sua expansão nos territórios.

Falar de pertinência universitária indica reflexão pedagógica. Pertinência não pode ser um critério instrumental para ponderar oferta educativa que se desenvolve, interessante para o crescimento econômico. Pertinência também significa a forma como os processos curriculares e pedagógicos se fazem significativos para resgatar e fazer válidas as necessidades e potencialidades dos sujeitos e culturas locais.

A pertinência também deveria levar-nos a pensar o papel político que a Universidade como instituição pública tem no desenvolvimento territorial e as novas estratégias de controle governamental, as quais significam pensar os conteúdos e processos sociais e políticos que a Universidade desenvolve nas distintas sub-regiões onde tem presença, de tal forma que a instituição seja coerente com compromisso e responsabilidade política que se tem. Não se trata de gerar oportunidades sem corresponsabilidade ou apontar para o crescimento das estatísticas de cobertura educativa, a pertinência implica também ser consciente do papel educativo transformador.

A gestão educacional pode e deve melhorar suas práticas pedagógicas de tal maneira que a autonomia universitária possa expressar as particularidades das dinâmicas das sedes sub-regionais ao tempo que mantenha a coesão como a identidade cultural e organizativa de escrita nos propósitos institucionais.

Uma Universidade pertinente: docência, pesquisa e extensão

Os eixos missionais da Universidade: docência, pesquisa e extensão constituem na contemporaneidade o sentido do fazer institucional. Eles se colocam no plano da ação como fundamentos e os eixos missionais adquirem desafios e dificuldades adicionais em relação aos níveis de autonomia real nas práticas organizativas e curriculares em contexto (regionais), fazendo complexa a construção de políticas de respaldo ao projeto de Universidade pertinente.

A docência é um dos grandes desafios do novo modelo de Universidade pública. A formação docente, e especialmente a formação para docência nos contextos regionais, se coloca de forma necessária. Problematizar a identidade profissional do professorado, hoje, convida o professor a uma experiência de revisão pedagógica. Há um necessário exercício de ponderar e auto avaliar seu fazer profissional, também questionando a pertinência.

O professorado universitário em um projeto de universidade pública não pode fechar-se na cápsula de sua especialidade acadêmica, ao azar dos ventos da crise universitária e da crise social. Ao contrário, a compreensão do significado do público e nosso papel nesse projeto político, cultural e institucional, é um passo necessário para constitui conhecimento estratégico ao projeto de universidade pública. Que educação? Em que universidade e para que sociedade? Não são respostas que devam vir dadas. Tem certamente, um projeto hegemônico neoliberal que já tem construído suas respostas. A questão é se pode surgir no cerne da instituição outro discurso contra hegemônico que construa outras respostas para as mesmas perguntas. (BONAFÉ, 2014, p.18).

A docência universitária como prática em contexto descentralizado vem mostrando que se estão gerando outras tipologias de professores, outras práticas e experiências pedagógicas; essas experiências acumulam saberes práticos e teóricos que ainda não se têm bem articulados na estratégia da gestão. Desconhecemos em profundidade esses novos professores universitários, suas práticas e suas maneiras de assimilar a questão intercultural, a forma como eles levam o processo docente nesses contextos.

A universidade não deve promover modelos idênticos da atividade docente e sim modelos diferenciados que valorizem as competências específicas de cada grupo de docentes, garantindo uma qualidade mínima dentro de cada modelo ou vertente, isto permite ampliar o retorno social da universidade e introduzir incentivos internos para novas atividades. Serve como escudo contra a pressão unilateral dos incentivos mercantis. (SANTOS, 2004, p. 103).

Almejamos um conhecimento da docência próprio e com referências ao real histórico e, assim, pertinente em relação a nosso contexto latino americano. Nesse sentido, por exemplo: a cultura investigativa que se quer promover em alguns programas nos confronta criticamente com as imagens de sujeito e suas referências, o que envolve o tipo de subjetividade e respostas que procuramos com a atividade científica.

Encontramos nos manuais da gestão educativa sugestões prescritivas sobre como a Universidade deve crescer e desenvolver-se administrativamente, mas poucas vezes achamos profundas reflexões acerca do papel da investigação na formação dessas subjetividades, as quais muitas vezes entram em tensão e contradição nesses contextos. Os processos pedagógicos e formativos que se levam a cabo desvendam diferenças culturais e sociais e também experiências de vida que nos permitem falar de novo do conceito de pertinência como um problema pedagógico e não só como problema administrativo ou de planejamento.

A descentralização deveria pensar na unidade e identidade cultural que a Universidade deverá conservar e promover. Como desenvolver uma descentralização que contenha uma proposta clara de unidade política e curricular? Esse é o grande desafio, uma proposta organizativa e de gestão que contenha um projeto formativo e educativo claro e que além de promover autonomia das unidades acadêmicas e administrativas, conserve com clareza um norte a respeito do projeto político-pedagógico, social e cultural que a Universidade pública desenvolve nos territórios.

A morfologia da nova Universidade no contexto latino-americano coloca o desafio de adaptar a gestão educativa, a análise da política educativa internacional e as realidades do desenvolvimento local. Nessa direção, consideramos que os eixos missionais deveriam dirigir, fortalecendo o sentido e o alcance da Universidade pública.

Uma gestão educacional em contexto

O caráter da gestão educacional envolve dimensões institucionais e organizativas. De um lado, a diretriz das políticas públicas em Educação Superior, com seus mecanismos de controle definidos por uma agenda geral econômica; por outro lado, de maneira simultânea, os processos de assimilação e resistência que as comunidades educativas constroem sobre as mudanças e reestruturação da organização. Esse caráter complexo da gestão educacional no contexto universitário faz com que ela deva atingir questões estruturais e relações de negociação intersubjetivas que requerem uma desenvolta capacidade crítica e de análise.

A Universidade não existe sem os sujeitos, espaços e formas culturais particulares que lhe caracterizam. Esse caráter material lhe confere suas necessidades e perfil organizativo. A Universidade é de forma simultânea uma instituição que deve organizar-se formal e funcionalmente, e é nesse processo que se concebe e se elabora sua gestão. O assunto complexo requer ser capaz de contextualizar suas ações e não só executar sua missão como uma tarefa pontual e geral a toda situação.

A Universidade como uma instituição historicamente vinculada ao projeto de formação do homem tem marcada sua responsabilidade social, é por isso que insistimos em recuperar sua condição política como sua função. A Universidade pública é um ator governamental, é espaço político por natureza. Por suas dinâmicas de gestão passa a necessidade de abordar criticamente a educação.

Democratizar a sociedade e melhorar as oportunidades, acesso ao ensino superior e desenvolvimento local também são colocados diante das necessidades do contexto latino-americano, na perspectiva da construção de seus próprios destinos, o qual inclui profundas reflexões e a gestão dos próprios currículo (DUSSEL, 2006).

Nessa complexidade da gestão na Universidade pública, o problema também é ser capaz de identificar e trabalhar conscientemente sobre essas estratégias de expansão, crescimento institucional e organizacional da Universidade, entendendo que fazem parte dos programas de governo para as regiões.

Essas perspectivas colocam a Universidade pública na tensão entre levar oferta para as regiões e desenvolver e criar as condições necessárias para fazer e fortalecer o seu projeto social nos territórios como projeto político-pedagógico. Acreditamos que as finalidades institucionais e organizativas expressam muitas das tensões e dificuldades na gestão da Educação Superior, mas também novas possibilidades para o desenvolvimento de um modelo alternativo e ajustado aos contextos.

A Reforma institucional aqui proposta visa reforçar a legitimidade das universidades públicas num contexto de globalização neoliberal da educação, fortalecer a possibilidade de uma globalização alternativa. As principais áreas podem ser resumidas nas seguintes ideias: rede, a democracia interna e externa e avaliação participativa. (SANTOS, 2004, p. 91).

A gestão educacional universitária contextualizada criaria um interesse especial nas maneiras como as relações pedagógicas se tornam visíveis no desenvolvimento da organização, na singularidade dos sujeitos e da cultura, nas características que são compartilhadas coletivamente, mantendo uma permanente reflexão sobre o que é procurado, tendo em conta que é um campo onde são expressas singularidades e pluralidade do macro e micro, orientação da política da educação pública e localização das realidades dos contextos e atores envolvidos no processo de trabalho, peculiaridades organizativas e particularidades socioeconômicas.

A questão coloca em evidência o caráter antropológico da organização educativa e as diversas práticas pedagógicas que definem o objeto e função da gestão no campo da educação. Mas isso não tira a forte tensão da lógica hegemônica corporativa, pois nas universidades públicas e privadas da América Latina é comum e constante que o modelo administrativo seja definido a partir do exterior como um fato de governo neoliberal (governamentalidade).

Em contraste com as práticas da gestão de caráter técnico-administrativa, orientadas no modelo do planejamento estratégico, a gestão educacional universitária, vista em uma perspectiva antropológica e pedagógica, é uma alternativa, supõe uma revisão epistemológica permanente, desde princípios da autonomia reflexiva da educação (GOMEZ; MARTINEZ; JODAR, 2006).

Pesquisar os contextos da educação superior precisa de conhecimento desde vários saberes (MUNEVAR; QUINTERO, 2000) mas, também, a especificidade do conhecimento que é construído nas práticas dos professores permite ao gestor compreender a organização educativa a partir de uma perspectiva muito mais ampla e integradora para a compreensão integral do processo organizacional na educação. Desenvolver uma atitude analítica e reflexiva diante da importância da pesquisa é finalmente a grande tarefa epistemológica da gestão educacional:

Muitas vezes, é deixado de fora na prática, embora se reconheça, em teoria, que na medida em que entendemos a administração como um território de temas e questões em torno da organização, administração e gestão, a sua história, estrutura e mudanças, compartilham os problemas epistemológicos das ciências sociais e humanas; e, portanto, para se concentrar na produção de conhecimento neste campo desde a perspectiva naturalista, terá nestas as mesmas implicações teórica e metodológica, ou seja: a renúncia da reflexão, a ignorância do peso das ideologias e sua relação com a prática geradora de novos conhecimentos e crença na neutralidade do trabalho do pesquisador.

Tudo isso determinado por uma visão de mundo técnico- econômica ou técnica-financeira, que opera como uma espécie de filtro e referência em qualquer teoria sobre a empresa, deixando o lado social, talvez por causa de sua irredutibilidade básica, que se aceita levaria problematizar outra questões relacionadas com a contribuição que pode ter ferramentas diferentes a cálculo, como a análise do significado (hermenêutica), a fenomenologia e a etnometodologia; em uma palavra, os métodos qualitativos na tradição de pesquisa. (OROZCO, 2007, p. 547).

Assim, a pesquisa necessária para os processos da gestão da cultura acadêmica, eixo missionário no caso da Universidade contemporânea, sugere que deveríamos fazer-nos perguntas desde a ordem epistemológica, permitindo-nos que o processo de pesquisa seja amplo e crítico e coloque em reestruturação um saber próprio, com status de cientificidade e corpo conceitual próprio e em relação a outros conhecimentos e saberes também válidos.

A crítica como guia para uma atitude reflexiva no campo da educação superior e como dimensão importante da pesquisa poderia permitir-nos configurar um campo conceitual alternativo para discutir a gestão educacional, aproximando-nos da análise da organização e suas realidades específicas como uma tarefa para repensar as estruturas epistemológicas e metodológicas que são impostas. Assim, em termos do fazer acadêmico contemporâneo do gestor e pesquisador pedagógico e educacional, suas relações transdisciplinares, devemos ser capazes de construir um caráter argumental complexo e em mudança dos discursos teóricos de nosso campo. Não se deve definir uma perspectiva crítica da gestão fora da pesquisa pedagógica e educativa, não deve estar fora dos discursos, saberes e práticas que na vida cotidiana dão significado às ações e posturas de professores e alunos.

Essa recepção acrítica e falta de autoconhecimento e compreensão histórica do que nos levou em nosso contexto latino-americano a assumir, sem questionar, esse discurso hegemônico da gestão, acabaram moldando profundamente nossas identidades profissionais como professores e também reestruturando o sentido social e cultural da instituição universitária contemporânea. Compensar o lugar crítico e analítico deve ser a tarefa de uma gestão alternativa que pode rearticular e trabalhar a partir de referências e necessidades locais. A educação superior nos confronta hoje em termos de organização, dentro da qual se mobiliza um aparelho administrativo e gerencial complexo que tem seus recursos e lógicas operacionais, mas não podemos esquecer que há, também, processo de formação que pode vir a explicar melhor o significado da educação como forma de progresso e também de emancipação.

A gestão educacional, como ação do governo, deve ter o máximo de informações e compreensão de como funciona o ambiente sociocultural desses processos formativos, tanto interna como externamente.

As características do modelo da Universidade moderna na América Latina combinam aleatoriamente várias imagens de organização: a Universidade orientada para a profissão técnica, a Universidade empreendedora (Universidade cluster) e, de forma mais reservada, a Universidade de pesquisa. É desde essas perspectivas que é moldado o projeto universitário em nosso contexto e é dessas múltiplas orientações que não existe um caráter puro, as ações críticas da gestão educacional podem dar-nos outras respostas para essas necessidades.

Para pontuar, a descentralização da universidade pública nos confronta com o problema da contextualização pedagógica da gestão universitária e com as contradições que temos dentro do contexto histórico latino-americano. O desafio é manter critérios dentro do modelo atual para construir a qualidade e pertinência, sem estandardizar as práticas e nossos próprios conhecimentos e trajetórias formativas, assimilando as diferenças e incorporando-as como chaves para o processo de gestão educacional da Universidade pública em contexto.

[...] a crise institucional resulta da contradição entre a afirmação da autonomia na definição de valores e objetivos da universidade e a pressão crescente para sujeitar as últimas a critérios de eficiência e produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social. (SANTOS, 2004, p. 10).

Uma gestão alternativa na Educação Superior começa por reconhecer as particularidades da organização para nos tornar conscientes de nossas circunstâncias sociais, culturais e políticas, das peculiaridades como comunidade e da possibilidade de definir nosso próprio destino. Abordar as necessidades particulares e desnaturalizar o discurso é a tarefa de uma perspectiva pedagógica e crítica a partir da qual pode-se começar a redefinir outros lugares de gestão na Universidade pública latino-americana.

Como temos colocado [...] a dificuldade que nossas universidades estão enfrentando no processo de Bolonha, não é uma questão de organização da transnacionalização; porque quem poderia opor-se: o maior dinamismo dos conhecimentos, o intercâmbio de professores e alunos em cursos de carreiras de outros países, produções conjuntas. Aqui o problema e a questão é outra: é sobre a finalidade política da universidade latino-americana.

Além do que comumente podemos perguntar-nos em nossas reuniões de professores: O que universidade nós queremos? Esta questão não é uma questão política. A questão política é, de quem e para quem são universidades latino-americanas? A partir daqui emerge a minha reflexão: Quem agora ocupa a universidade latino-americana? Os hispanistas da colônia? Os estudiosos dos processos de independência? Os jovens dos 18? Ou talvez a mistura de todos eles? Para quem a universidade latino-americana? Neste sentido, a questão política é a questão da justiça social. (TELLO, 2015, p. 83-84).

É contundente a pergunta de Tello: de quem e para quem são as Universidades latino-americanas? Essa é uma questão crucial para uma perspectiva crítica da gestão educativa, e seguimos questionando: qual é modelo de sociedade e sujeitos que promovem as práticas diretivas e organizacionais para a Educação Superior? A questão política é talvez uma das necessidades mais urgentes para colocar em outro âmbito a discussão sobre modelos de gestão e políticas educacionais em nosso contexto, na intenção de ajustar essas perspectivas macro a nossas realidades e reivindicações específicas. Isso nos confronta sobre os paradigmas de formação que trabalhamos e do tipo de projeto de educação e Universidade que colocamos ao serviço da sociedade.

Referências

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DUSSEL, I. Gestión y desarrollo curricular en América Latina. Ponencia presentada en el contexto de la Segunda Reunión del Comité Intergubernamental del Proyecto. Regional de Educación para América Latina y El Caribe (PRELAC). Santiago de Chile, 11 al 13 de mayo de 2006. Oficina Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y el Caribe. OREALC/UNESCO Santiago. [ Links ]

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2Tradução nossa, texto original em espanhol

3Este texto recolhe parte do estudo sobre o programa de Regionalização da Universidade de Antioquia, apresentado na tese de doutorado: A gestão educativa na perspectiva governamental: uma leitura antropológica pedagógica (2016), PPGEDC, Universidade do Estado de Bahia

Recebido: 03 de Março de 2019; Aceito: 30 de Março de 2019

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