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Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.28 no.69 Cuiabá set./dez 2019  Epub 15-Jun-2020

https://doi.org/10.29286/rep.v28i69.7868 

História da Educação

Construções discursivas acerca da criança pobre na imprensa uberabense nas primeiras décadas do século XX

Discursive constructions about the poor child in the Uberaba press in the first decades of the 20th century

Marilsa Aparecida Alberto Assis SOUZA1 

Betânia de Oliveira Laterza RIBEIRO2 

José Carlos Souza ARAÚJO3 

1Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia na linha de pesquisa: História e Historiografia da Educação (2018). Mestre em Educação (2012); Especialista em Avaliação Educacional (2002). Graduada em Pedagogia (2001) pela Universidade Federal de Uberlândia e em Letras (2017) pelo Instituto Federal do Triângulo Mineiro.Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) desde 2007. Endereço Institucional: Av. Getúlio Guaritá, 159, bairro Abadia. Uberaba/MG. CEP 38.025-440. Telefone: (034) 3700-6824. E-mail: marilsa.souza@uftm.edu.br.

2Doutorado em Educação pela USP-SP. Integra o Núcleo de Pesquisa em História e Historiografia da Educação da UFU. Professora do curso de Pedagogia do Instituto de Ciências Humanas do Pontal e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, linha de História e Historiografia da Educação. Endereço Institucional: Rua 20, nº 1600 - Bairro Tupã. CEP 38.304.402. Ituiutaba-MG. Telefone: (34) 3271-5234 E-mail: laterzaribeiro@uol.com.br.

3Doutorado em Educação pela UNICAMP. Integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação - HISTEDBR - História, Sociedade e Educação no Brasil. Professor dos Programas de Pós-graduação em Educação na Universidade de Uberaba e na Universidade Federal de Uberlândia. Endereço institucional: Av. Nenê Sabino, 1801. CEP:38.055-500.Telefone: (34)99144-2090. Uberaba-MG. E-mail: jcaraujo.ufu@gmail.com.


Resumo

Este artigo é decorrente de uma tese de doutorado que teve como propósito conhecer as práticas assistenciais voltadas às crianças pobres no município de Uberaba (MG) entre 1920 a 1964. Entretanto, o artigo aqui apresentado teve como objetivo identificar as construções discursivas acerca dessas crianças na imprensa jornalística local na primeira metade do século XX. A metodologia utilizada estabeleceu a dialética entre o contexto local e nacional, com o intuito de compreender como os discursos circulantes no país reverberaram na cidade. Concluiu-se que a imprensa incentivava práticas utilitaristas e higienistas que, de certa forma, influenciavam a sociedade.

Palavras-chave: Criança Pobre; Imprensa; Utilitarismo; Higienismo

Abstract

This article is the result of a doctoral thesis whose purpose was to know about the care practices directed to poor children in the city of Uberaba (MG) between 1920 and 1964. However, the article presented here aimed to identify the discursive constructions about these children in the local press in the first half of the 20th century. The methodology used established the dialectic between the local and national context, in order to understand how the circulating discourses in the country reverberated in the city. It was concluded that the press encouraged utilitarian and hygienist practices that, in a way, influenced society.

Keywords: Poor Child; Press; Utilitarianism; Hygienist

Introdução

Menor abandonado

De onde vens, criança?

Que mensagem trazes de futuro?

Por que tão cedo esse batismo impuro

que mudou teu nome?

Em que galpão, casebre, invasão, favela,

ficou esquecida tua mãe?

E teu pai, em que selva escura

se perdeu, perdendo o caminho

do barraco humilde?

Criança periférica rejeitada…

Teu mundo é um submundo.

Mão nenhuma te valeu na derrapada.

Ao acaso das ruas - nosso encontro.

És tão pequeno… e eu tenho medo.

Medo de você crescer, ser homem.

Medo da espada de teus olhos…

Medo da tua rebeldia antecipada.

Nego a esmola que me pedes.

Culpa-me tua indigência inconsciente.

Revolta-me tua infância desvalida.

[...] (CORALINA, 2003)

Este artigo é oriundo de uma ampla pesquisa, situada no âmbito da história e da historiografia da educação, que investigou as práticas caritativas e filantrópicas de assistência às crianças pobres de Uberaba (MG), com foco nas instituições de internação existentes entre os anos de 1920 a 1964, com destaque para o Orfanato Santo Eduardo. O recorte da pesquisa, ora apresentado neste artigo, teve como objetivo identificar a forma com que as crianças pobres e abandonadas que viveram naquela cidade foram retratadas pela imprensa local durante as primeiras décadas do século XX.

O corpus empírico selecionado para análise foi composto por diversos excertos de jornais circulantes na cidade, com destaque para o Lavoura e Comércio, periódico criado no final do século XIX para defender os interesses dos fazendeiros e comerciantes locais.

De acordo com Souza (2009, p. 195, grifos da autora), “[...] estudar a infância de uma perspectiva histórica é, no mínimo, assumir que ela é uma história sem palavras”, motivo pelo qual faz-se necessário recorrer à voz de outras pessoas, já que “[...] só se pode conhecer a história da infância através de traços indiretos, ou seja, do ponto de vista dos adultos que, nas diferentes épocas, deixaram registros sobre o que pensavam e como tratavam a infância” (LOPES; GALVÃO, 2005, p. 64).

Assim, a opção por dar voz a este segmento populacional por meio do viés jornalístico justifica-se pelo fato de as crianças - no caso, as mais pobres - terem sido fartamente noticiadas pela imprensa local, sendo que esta exposição contribuiu para reforçar, no imaginário social, a crença de que aqueles meninos e meninas pobres e/ou abandonados representavam um risco à sociedade, motivo pelo qual precisavam ser mantidos sob controle, de preferência em instituições de internamento.

Conforme observado por Gonçalves Neto (2002, p. 206), o jornal é um “[...] veículo de divulgação rápida de notícias, de ideias, de programas, etc.”, no qual “[...] a insistência continuada em determinadas temáticas acaba por criar a adesão ao que é proposto”. Campos (2009, p. 32), por sua vez, assevera que “[...] o jornal é não só um produto significativo da cultura na qual ele está inserido, mas também produtor dessa cultura, a que ele ajuda a dar sentido”. Dessa forma, as páginas dos jornais são revestidas de uma intenção educativa que forma não somente opiniões, mas também crenças e representações coletivas. Com a dupla condição de informar e formar, o jornal adquire conotação política e ideológica.

Ainda sobre o poder de influência da imprensa, Faria Filho (2002, p. 134) destaca o caráter educativo dos periódicos jornalísticos uma vez que eles são uma “[...] importante estratégia de construção de consensos, de propaganda política e religiosa, de produção de novas sensibilidades, maneiras e costumes”.

Concordando com esses autores, é possível admitir que os jornais contribuíram para acentuar, no imaginário coletivo da população uberabense, a representação da criança pobre como um perigo à sociedade, uma vez que a publicação contínua dessas notícias acerca da vadiagem infantil reforçava a imagem nefasta que se tinha dos pobres, dando origem, de forma incongruente, não somente a práticas repressivas e de controle social, mas também a práticas caritativas e filantrópicas. Por outro lado, ao mesmo tempo em que os jornais iam tipificando esses sujeitos sociais indesejáveis, era possível antever, nas linhas e entrelinhas dos periódicos, qual a imagem de infância desejada e bem vista pela sociedade da época.

A metodologia utilizada estabeleceu a dialética entre o contexto local e nacional, com o intuito de compreender como os discursos circulantes no país reverberaram na cidade de Uberaba. Para tanto, os excertos dos jornais foram analisados à luz de uma extensa bibliografia que trata da temática em questão, tendo como parâmetro as seguintes categorias: criança pobre, imprensa, utilitarismo e higienismo.

A propósito, essas categorias foram emergindo a partir do diálogo com as fontes. Em concordância com Vieira, Peixoto e Khoury (2007, p. 68), é possível afirmar que os procedimentos que envolvem uma pesquisa em história, dentre eles o estabelecimento de categorias, “[...] não são visíveis passo a passo”, mas são “[...] forjados no diálogo entre o pesquisador e os registros e formulados explicitamente”.

Assim, analisando e conversando com as fontes encontradas, foi constatado que em Uberaba as crianças pobres eram tratadas pela sociedade de forma paradoxal, pois ao mesmo tempo em que eram vistas como criaturas dignas de compaixão, também eram consideradas indivíduos perigosos que precisavam ser invisibilizados, ou seja, afastados da sociedade para não deporem “[...] contra os fóros de civilização” (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 8.656, de 13/12/1940, p. 3) e não comprometerem o aspecto ordeiro de uma cidade em processo de desenvolvimento.

Quanto à relevância do estudo aqui apresentado, ele pode ser sintetizado nas palavras de Boto (1994, p. 24) ao afirmar que “[...] compreender o que uma época perguntou a respeito da outra conduz à possibilidade de maior familiaridade com ambas”. Voltar o olhar e dialogar com temáticas semelhantes, tendo como perspectiva temporalidades distintas, conduz a uma possibilidade de maior familiaridade com ambas, o que permite apontar caminhos que possam ao menos minimizar um problema que ainda não foi superado em nosso país: o abandono e a discriminação de crianças e jovens.

Enfim, por meio desta pesquisa de caráter bibliográfico e documental foi possível constatar que os discursos circulantes nos jornais incentivavam práticas utilitaristas e higienistas em relação às crianças pobres que viviam no município, conforme será demostrado no decorrer deste artigo.

O Brasil e a pobreza no início do século XX

A situação das crianças pobres de Uberaba na primeira metade do século XX, dialoga com a conjuntura nacional, ou seja, o que aconteceu no município reflete o cenário do restante do país que, na passagem do século XIX para o subsequente, passou por uma série de transformações urbanas, políticas e sociais que concorreram para agravar os problemas decorrentes da pobreza, tornando mais agudos aqueles referentes à infância. Dentre essas transformações temos o crescimento das cidades e o surgimento de problemas urbanos devido ao aumento demográfico, como as precárias condições de trabalho, a ausência de condições mínimas de salubridade e saneamento, o aumento de doenças e epidemias, etc.

Outra mudança no país que concorreu para a multiplicação de crianças abandonadas à própria sorte foi o fim da escravidão, que não veio acompanhada de reformas políticas e sociais que protegessem os libertos no processo de transição para o sistema de trabalho livre, já que “[...] aos libertos não foram dadas nem escolas, nem terras, nem empregos”, conforme destacado por Carvalho (2016, p. 57). Passada a euforia inicial da libertação, os ex-escravos que não regressaram às fazendas, retomando suas atividades em troca de baixíssimos salários, foram para as cidades, contribuindo para aumentar a parcela da população sem emprego fixo.

Somados a esses ex-escravos existia a população livre, mas pobre, que era considerada, desde o contexto da escravidão, resíduos sociais ou ainda, desajustados que não se enquadravam na bipolaridade de classes da sociedade escravocrata (KOWARICK, 1994).

Nessa ambiência começaram a circular discursos nominando novas categorias sociais, dentre as quais estavam incluídas as crianças: as chamadas classes pobres, perigosas e viciosas, conforme apresentado por Chalhoub (1996).

Forjou-se, a partir de então, um discurso calcado na ideia da positividade do trabalho, que passou a ser considerado uma panaceia contra os vícios, a ociosidade e a criminalidade, a conferir honra e dignidade ao ser humano. Os enunciadores desse discurso pretendiam remover o caráter aviltante e degradador até então conferido ao trabalho depois de centenas de anos de escravidão, dando-lhe uma nova roupagem (CHALHOUB, 2001). Entretanto, conforme sugerido por Bresciani (1982), esse discurso também era uma forma de classificar, segregar e estigmatizar os indivíduos considerados exteriores ao pacto constitutivo do social inerente ao sistema capitalista. As crianças, por sua vez, também estavam inseridas nessa ética do trabalho, já que as instituições de assistência criadas naquele contexto tinham como principal preocupação o ensino de algum ofício que as preparasse para o desempenho de atividades laborais.

Além de serem adjetivados como classes perigosas, outra forma utilizada para fazer referência aos pobres foi por meio das expressões vadios e vagabundos. Inicialmente o termo vagabundo era empregado para designar indivíduos mal afamados ou com profissão de má-reputação. Posteriormente, também foram enquadrados nessa categoria aqueles que estavam vinculados a uma situação de “ausência de trabalho, isto é, a ociosidade associada à falta de recursos, e o fato de ser sem fé nem lei, isto é, sem pertencimento comunitário” (CASTEL, 2009, p. 120, grifos do autor).

Analisando esta nota publicada em 1906, no jornal da capital mineira Diário de Notícias4, percebe-se que essa vagabundagem era uma situação a ser resolvida pela repressão policial:

Bom concurso trariam a acção restauradora das nossas forças productoras em boa hora emprehendida pelos poderes públicos, os senhores da policia conseguissem a completa extincção da vadiagem em nossa terra. Mesmo na capital, é contristador o espetáculo que presenciamos: as tavernas vivem locupletadas de parasitas que tantos serviços podiam prestar [...] e não seria esse cancro social que todos nos devemos temer. Guerra, pois, aos vadios [...] (RIBEIRO; ARAÚJO; SILVA, 2017, p. 70-71).

Conforme postulado por Ribeiro, Araújo e Silva (2017, p. 73-74), a elite econômica via “[...] a sujeira, a mendicância e a doença como o avesso das promessas de progresso e ordem, de bem-estar”, que “[...] descaracterizavam os ares de modernidade” da recém-inaugurada República.

Em meio a essa ebulição social que caracterizou a virada daquele século, o aumento cada vez mais expressivo de pobres e de crianças desamparadas pelas ruas das cidades brasileiras passou a exigir políticas públicas renovadas no atendimento a esses segmentos populacionais. A pobreza - considerado foco de desordem, imoralidade e doenças - passou a ser tratada como um problema social e moral, uma vez que a circulação de pessoas desta classe perigosa, pelos centros urbanos, comprometia o aspecto da recém instaurada República, erigida sob o símbolo da ordem e do progresso.

Segundo Geremek (1986), o pauperismo fez disseminar duas crenças na sociedade: primeiramente, ele era considerado “[...] um fenômeno que urge submeter a rigoroso controle e procurar limitar por todos os meios”. Ademais, espalhou-se também o pensamento de que “[...] a miséria e o crime andam associados”, motivo pelo qual o autor afirma que “[...] apercebemo-nos menos dos sofrimentos dos pobres do que dos seus delitos, o que diminui a nossa compaixão por eles [...]” (GEREMEK, 1986, p. 277-278).

Crianças e pobres sob a mira da imprensa uberabense

Nas primeiras décadas do século XX, as construções discursivas acerca da infância nos jornais uberabenses contribuíram para compor a imagem das crianças pobres (e dos pobres em geral) como pessoas vadias, vagabundas, delinquentes e criminosas, entregues ao ócio, ao vandalismo, aos vícios e à mendicância. Em consonância com que acontecia no cenário nacional, Uberaba também tinha a preocupação de ocultar seus pobres, já que “[...] essa mendicidade generalizada numa terra como a nossa onde se compra zebu5 por centenas de contos, dá a nossa cidade um aspecto desolador, impressionante, que parece desmentir a abastança e o conforto em que vivemos” (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 2.236, de 9/11/1919, p. 2).

Os debates emanados das páginas dos jornais estavam centrados, principalmente, nos destinos daqueles meninos e meninas que deambulavam pelas ruas, incomodando as pessoas de bem. No início de 1911, por exemplo, o jornal Lavoura e Comércio publicou, por cinco edições seguidas, em sua primeira página, uma coluna cujo título era Menores e vagabundos. O texto que abriu essa série de artigos dizia:

Há uma carencia absoluta de menores que nos sirvam, em casa, e, entretanto, as ruas vivem cheias delles, numa vadiagem que faz nascer temores nos espiritos, mesmo os mais scepticos, sobre o futuro dessa criançada que vagueia dia e noite. Os habitos perniciosos que vão se adquirindo na vagabundagem em que vivem, com a responsabilidade absoluta de seus actos lhes trará, necessariamente, maus dias para um futuro proximo. Ficarão incapazes para a vida com o desfallecimento de energias, pois é rudimentar em psychologia e physiologia que o habito de nada fazer produz o enfraquecimento das energias physicas e um profundo abatimento, um desanimo e um torpor. O espirito se acostuma e quando os pequenos se fizerem homens ou serão inuteis á sociedade pelo desfallecimento de sua vontade, desacostumados de um trabalho honesto e tonificador, ou lhes serão perniciosos, nocivos, sem razão dos habitos que adquiriram, frequentando as tavernas e as casas de tolerancia em que não vai um, como o homem operario, descançar do labor diario, mas blasonar coisas mal feitas, furtos e valentias, que esses são os logares propicios a scenas dessa ordem [...]. Mal amanhece o dia, ei-los postados nas esquinas, nas vendas; á noite nos cinematographos, pronunciando palavras immoraes que nos fazem corar. Nas manifestações são os primeiros que chegam, desordenados, e sem proposito algum, bebendo umas quantidades enormes de cerveja e vangloriando-se depois de terem bebido muito. Não faz muito tempo que fomos cumprimentar um distincto Filho desta terra, o sr. major Carlos Machado, no dia de seus anos. Com a gentileza que lhe é peculiar offereceu-nos esse cavalheiro alguns copos de cerveja. Formamos um grupo perto da janella e no peitoral da mesma collocamos os copos. Notamos, porém, que entretidos em amistosa palestra, os copos se esvasiavam apressando-se o major Carlos Machado a enche-los de novo, isto durante muito tempo; afinal observamos que postos na janella os copos, os meninos que de fóra se achavam tiravam-nos, bebiam-no collocando-os vasio em seu logar. Precisamos corrigir esses costumes que não podem ser chamados travessuras de crianças pois os praticam rapazes visando a satisfação de um vicio - a bebida. Mal se pinta uma casa, se renova uma fachada, sujam-se as paredes de rabiscos, de traços a carvão e a lapis principalmente de palavras que fazem corar um homem quanto mais uma moça e uma menina. Muitos desses rabiscadores são analphabetos, que o viver na vadiagem não lhes dá tempo para o estudo e não podendo escrever letreiros inmoraes, gravam cousas horriveis, o que faz admirar a gente como as concebem um pensamento infantil. E as nossas familias ficam expostas a ver essas cousas, a ler esses escritos em letras garrafaes [...]. É indispensavel uma correcção para isso, que façamos o bem desses meninos dando-lhes escolas, conselhos e trabalhos. (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 1.195 de 29/01/1911, p. 1).

Observa-se nesse excerto que, para conferir legitimidade ao próprio discurso, o articulista se apropriou do saber científico, utilizando argumentos da medicina e da psicologia para justificar a necessidade de incutir hábitos saudáveis nas crianças e jovens, objetivando torná-los úteis à sociedade. A apropriação do discurso científico como forma de intervir nos modos de viver das pessoas provenientes dos estratos mais baixos da sociedade foi muito utilizada àquela época, uma vez que esse saber simbolizava a modernidade e o progresso, ideais diuturnamente perseguidos pela intelectualidade brasileira. Conforme Schwarcz (1993, p. 41), esse cientificismo tinha como objetivo demonstrar “[...] uma espécie de hierarquia natural à comprovação da inferioridade de largos setores da população”, o que justificaria o asilamento do convívio social daqueles que não se enquadrassem no ordenamento estabelecido.

Observa-se também a importância dada à ética de valorização do trabalho, - que por sinal trazia implícita a ideia de recriminação de atitudes tipificadas como vagabundagem e vadiagem - que iniciou e encerrou o artigo em tela.

Em um outro artigo da série Menores e vagabundos, o articulista explicava que o abandono de menores era dividido em dois tipos: material e moral. Na situação de abandono moral se enquadravam “[...] os filhos dos alcoólicos, dos condenados, dos vagabundos”. A classe de crianças viciosas e criminosas poderia ser resultante tanto do abandono material como do abandono moral (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 1.197, de 05/02/1911, p. 1).

Como o crime era “[...] o resultado necessario do meio e si este inquestionavelmente é mau”, o jornalista defendia a ideia de retirar os menores daquele ambiente nocivo, adotando, inclusive, os mesmos sistemas utilizados nos paizes cultos da Europa e America”:

Na Inglaterra que é [...] ‘o paiz classico da educação de creanças’, ha as escolas para os pobres - poor houses, - e as escolas industrias, ragged schools. - Aceitam essas casas de protecção á infancia 48.000 creanças, anualmente, e bom razão tem o professor da Universidade de Roma, pois todo mundo vê o grau de progresso economico desse grande povo, principalmente nas industrias [...]. Os filhos dos alcoolicos, dos bebedores de brandy, whisky e absyntho, encontram, nas grandes fabricas de Londres, Liverpool, Edimburgo e Manchester um derivativo ás inclinações e ás tendencias que tenham para o mal. Nas amplas, arejadas e severas escolas industriaes ela dá a infancia uma educação methodica, magnifica, e nós vemos a toda hora os pequenos engraxates e limpadores de chaminés do hoje serem os grandes milionários. E nem só nas escolas industriaes que se educam as creanças; nas casas de familias, apesar dessa liberdade que se dá aos jovens, existe o principio severo da obediencia, do trabalho, da ordem, e os pequenos cowboys transformam-se muitas vezes, por uma educação systemática, em grandes farmers [...]. As creanças vagabundas das ruas de Londres são mandadas para as colonias agricolas do Canadá e quando regressam são homens fortes, trabalhadores honestos que servem ás familias, á sociedade e á Patria. (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 1.197, de 05/02/1911, p. 1, grifo do autor).

O fragmento citado indica admiração pelos paradigmas educacionais europeus e norte-americanos, países classificados como modelos de civilidade e progresso. Na perspectiva do jornalista, uma educação de sucesso era tanto aquela que transformava “engraxates e limpadores de chaminés” em “grandes milionários” como aquela que transformava “crianças vagabundas” em “homens fortes, honestos, que servem ás famílias, á sociedade e á Patria”.

Não eram somente os vícios e a delinquência dos menores que incomodavam a sociedade uberabense. As brincadeiras nas ruas e os jogos de futebol também contrariavam a ordem urbana e o sossego da população, motivo pelo qual era imperativo que a autoridade policial interferisse nessa situação, conforme observado neste artigo que foi publicado em uma coluna intitulada Reclamações:

Levamos hoje ao conhecimento de quem de direito a queixa que nos fizeram os moradores da rua Padre Zeferino e immediações contra os meninos despreocupados que ali passam o dia a jogar foot-ball e a promover algazarras, perturbando assim não só ao transito de vehiculos como o sossego das familias. Entendem esses menores que a nossa cidade é um campo do Red and White ou do Uberaba S.C., e que a vida dos outros não merece complacencia nem respeito. E o pior é que dessas turbulencias diarias surgem constantemente discussões e conflitos, dos quais não raro acontece a ter pelo menos um ferido. Como medida preventiva, de saneamento moral e garantidora da ordem publica, seria bom que as autoridades policiaes acabassem de vez com os pequenos foot-bolls ambulantes. (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 2.231 de 23/10/1919, p. 2).

A atuação da força policial na contenção de uma ação tão espontânea (crianças brincando nas vias públicas), em uma época em que o trânsito de veículos não era muito intenso, indica mais a preocupação das autoridades em evitar que o espaço urbano fosse apropriado pelas crianças pobres por meio de práticas não autorizadas pelos detentores do poder do que uma preocupação com a integridade física daquelas crianças.

Nesse fragmento jornalístico, também é possível constatar que a tríade saneamento, ordem pública e autoridade policial estava entranhada nos discursos em circulação, fato que corrobora o que foi pontuado por Koga (2011, p. 53, grifo da autora) ao afirmar que:

[...] a cidade moderna parecia estabelecer suas técnicas urbanísticas de forma excludente, limpando tudo e todos que não estavam de acordo com as regras estabelecidas pelas autoridades políticas e policiais, pelos engenheiros, médicos locais, pois os pobres representavam não apenas um perigo para a ordem pública, mas também um perigo de proliferação de doenças contagiosas e vícios de toda natureza - a pobreza era contagiosa e perigosa.

Sendo a pobreza algo contagioso e perigoso, era necessário proceder a uma limpeza da cidade, retirando e asilando, longe dos olhos da população, todos que não vivessem de acordo com as regras estabelecidas. Tratava-se, portanto, de uma política excludente que, ao invés de investir em moradia, saúde e educação, preferia apartar os pobres do convívio social, pois sua presença configurava “[...] um grave problema que afeta não somente o lado moral como o lado estético e mesmo econômico” (GAZETA DE UBERABA nº. 4.742, de 26/01/1935, p. 1).

O excerto seguinte, retirado de uma edição jornalística de 1919, demonstra os transtornos causados pela vagabundagem de menores que infestavam as ruas e incomodavam os moradores:

Alguns moradores da rua dos Bandeirantes vieram se queixar a nossa redação de que certos garotos, que vão a Penitenciária levar almoço e jantar aos presos, ao passarem por aquella rua pertubam a tranquilidade das familias, atirando pedras nas casas e promovendo desordem. Ainda hontem um dos queixosos, quando se achava no patio de sua residencia a cuidar das plantações, escapou milagrosamente de ser ferido na cabeça por uma pedrada que podia occasionar-lhe até a morte se atingisse em logar mortal. Seria bom que as autoridades policiaes tomassem alguma providencia no sentido de acabar com a vagabundagem dos menores que infestam as nossas vias publicas, obrigando-os a respeitar as propriedades alheias e a vida de seu semelhante. A continuar no pé que vamos, daqui há alguns annos a cidade estará cheia de candidatos a delinquencia. Cumpre agir enquanto é tempo. (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 2.232 de 26/10/1919, p. 2).

Havia uma explícita preocupação em disciplinar os meninos vadios para que não se tornassem, no futuro, criminosos e delinquentes, aumentando as estatísticas criminais na região. A propósito, estudo realizado por Silva (2004), que analisou a criminalidade na Comarca de Uberaba entre 1890 a 1920, constatou que dos 1.129 crimes cometidos nesse período, três foram praticados por pessoas com idade de até dez anos e 251 por pessoas de 11 a 21 anos. Embora o autor tenha elencado, de forma geral, os tipos de contravenções e crimes cometidos (contra a pessoa; contra a propriedade; contra a honra e honestidade da família; ultraje ao pudor; contra a boa ordem e administração pública e outros), os dados apresentados não permitem fazer a correspondência do tipo de crime cometido à faixa etária, o que viabilizaria a identificação dos principais delitos cometidos por esses jovens. Na perspectiva desse autor,

A criminalização [de menores] era vista como uma maneira de evitar a não reincidência [...]. O índice de réus menores processados (22,5%) atesta que as determinações estabelecidas no Código Penal de 1890 eram cumpridas, isto é, apesar de a consulta a outras fontes poder esclarecer melhor a questão, acreditamos que, talvez, a preocupação com a não criminalização do menor não suplantasse a preocupação em respeitar a lei e impedir a impunidade. (SILVA, 2004, p. 24).

Em suma, as construções discursivas acerca da infância na imprensa uberabense acarretaram a disseminação de rótulos e classificações pejorativas, aumentando o estigma imputado àquelas crianças. Além disso, levaram a sociedade a pensar em medidas que permitissem a higienização do município por meio da retirada dos menores abandonados, mendigos e doentes do perímetro central da cidade, precauções necessárias para evitar que as pessoas de bem acabassem se afastando das áreas comerciais e das áreas públicas de lazer.

Contraditoriamente, as mesmas pessoas de bem que reprimiam também tinham esses menores como foco da caridade, pois “[...] aos olhos dos filantropos locais, se viviam nessas condições era por ausência, negligência e imoralidade das famílias” (ARAGÃO, 2011, p. 112). A propósito, a complexidade que envolve o sentimento e o comportamento caritativo foi analisada por Geremek (1986), que afirma que a situação, não só da criança carente, mas dos pobres em geral, continuamente inspiraram na sociedade sentimentos contraditórios: por parte dos indivíduos, a compaixão ou a repulsa e, por parte das autoridades, a piedade ou a forca. Ou seja, no lado reverso do discurso piedoso é possível identificar uma extrema aversão social ante as crianças pobres e pedintes que ocupavam os espaços urbanos.

As práticas eugenistas nas páginas dos jornais

No final da década de 1930 e início da seguinte, durante o Estado Novo, em meio aos artigos jornalísticos que contribuíram para consolidar uma imagem negativa da criança menos favorecida, também é possível encontrar matérias nas quais a imprensa promovia, em contrapartida, um tipo ideal de criança: bela, robusta e saudável. Embalada pelo discurso eugenista fortemente presente no pensamento cientificista da época, a imprensa deu ampla divulgação aos concursos de robustez infantil, promovidos em Uberaba pelo Lactário Whady Nassif sob o patrocínio do Centro de Saúde.

Os concursos de robustez infantil, que difundiam ideais e cuidados com a saúde da criança, foram bastante disseminados por todo o país, na maioria das vezes integrando o programa de comemorações da Semana da Criança. Em Uberaba, amplo destaque foi dado pelo Lavoura e Comércio ao certame realizado em 1940, cuja matéria, que ocupou mais de duas páginas inteiras do jornal, trazia o seguinte título e subtítulos:

Interessante prélio entre bebês sadios realizado pelo Lactário ‘Whady Nassif’ sob o patrocínio do Centro de Saude de Uberaba. O exito que obteve o patriotico certame - A entrega dos premios - Os discursos pronunciados - Aclamados, com entusiasmo, os nomes do presidente Getulio Vargas, general Góes Monteiro, ministro Gustavo Capanema, incentivadores da grande parada eugenica (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 8.675, de 04/01/1941, p. 4, grifo do autor).

O trecho do discurso transcrito a seguir, que traz as emblemáticas e pomposas palavras pronunciadas por Mario Figueiredo - chefe do Centro de Saúde de Uberaba e diretor do Lactário Whady Nassif - demonstra o quanto o ideal eugênico de fortalecimento e melhoria da raça por meio dos cuidados com a criança estava presente naquela ambiência e temporalidade. As crianças robustas e bem cuidadas eram, acima de tudo, depositárias de esperança, uma vez que permitiriam que o país caminhasse rumo ao progresso:

[...] O espetáculo grandioso, que aqui estamos presenciando, este quadro cheio de beleza, de alegria e santidade tem origem, meus senhores, nos princípios da conservação da espécie, nos princípios que afirmam a vida. Esta parada eugênica nada mais representa que uma manifestação espontânea da vida em si: vida destes bebês que se afirma na realidade serena, celestial, de seus sorrisos inocentes; vida destas mães amorosas, que numa demonstração eloquente de compreensão de seus deveres para com a sociedade, com a Pátria e com a Humanidade, exibem, orgulhosas, os frutos de seus esforços, vida da Nação que contemplando estas criancinhas bem cuidadas e sadias se enche de fé e de confiança nos seus destinos; vida da Humanidade que tem no aperfeiçoamento de seus agrupamentos esparsos a garantia da promessa de uma era que talvez tarde mas que certamente chegará - a era de ouro tão sonhada por todos [...] (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 8.675, de 04/01/1941, p. 5).

Esse objetivo de regeneração nacional por meio da criança só poderia ser alcançado com a participação da mulher-mãe. Naquele contexto, a maternidade atingiu proporções que iam além de um desejo pessoal e familiar, passando a ser uma aspiração daqueles que encaminhavam as políticas públicas de saúde e educação no país, conforme explicitado por Almeida (2004, p. 7): “[...] repousa na mãe a responsabilidade pela saúde dos filhos e, consequentemente, pela projeção da Pátria no cenário internacional, pois nenhum país pode ser forte e soberano se seus cidadãos não possuem o perfil idealizado da raça que vai construir a nação”.

Mães que me ouvis! Continua vossa jornada como até aqui o fizestes. Fugi sempre e cada vez mais, daquele outro tipo de mães que só merecem nossa comiseração. Mães menos mães que individualidade mundana. Mães que negam o seio aos pequeninos inocentes porque os deveres de sociabilidade absorvem todo o tempo; mães que sacrificam a viabilidade do pequenino ser em holocausto à impecabilidade de seus contornos, estúpido preconceito de uma elegância mórbida enchendo cérebros vazios de uma individualidade de moral decadente. Mães que me ouvis! Pelo amor entranhado dessa Pátria imensa e bela que é a nossa, pela observação de sua grandeza e pujança harmonica, de forças e de saúde cerrais fileiras em torno da puericultura, ciência que vigia a gestação socorrendo-a com todos os recursos necessários, tomando depois o recen nascido debaixo de seus carinhos higiênicos acompanhando-a solícita e austera pelos primeiros roseos horizontes da vida até se torne ele fruto sazonado e são [...]. Ao terminar quero deixar consignada nossa profunda admiração a todas as mães que inscreveram seus filhos nesta prova de robustez. Nesse gesto nobre as mães uberabenses evidenciaram não só a beleza explendida da maternidade bem compreendida, como a beleza dos seus patrióticos sentimentos, pois que assim procedendo mostraram que sabem - formando seres fortes e sadios - servir à Pátria, á Humanidade e a Deus. (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 8.675, de 04/01/1941, p. 5).

O excerto acima evidencia que, assim como havia um processo de dicotomização da infância, distinguindo as crianças (ricas) dos menores (pobres), o mesmo se repetia em relação às mulheres que não tinham ou não podiam ter filhos de acordo com o modelo idealizado pela sociedade. As mulheres que não correspondiam a esse ideal de mulher/mãe foram tachadas pelo conferencista de mundanas e individualistas, sendo dignas de comiseração. Por outro lado, as demais, aquelas que haviam compreendido a beleza esplêndida da maternidade, eram dignas de louvores e aplausos por servirem não somente à Pátria, mas também à Humanidade e a Deus.

Para escolher as crianças vencedoras do concurso de robustez infantil, os jurados utilizavam a tabela de dados biométricos adotada pela Saúde Pública do estado e também percorreram a galeria dos retratos da petizada constatando, com prazer, um elevado índice de robustez, aliado a uma grande vivacidade de expressão. A matéria ainda dizia que a escolha daquelas crianças foi feita com orgulho e satisfação, haja vista que alguns bebês eram “[...] filhos de pessoas que lutam com grande dificuldade de vida, e somente com enormes sacrifícios podem dispensar à prole o cuidado e o conforto necessário ao seu desenvolvimento e à sua saúde” (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 8.675, de 04/01/1941, p. 5).

Tais concursos, portanto, apresentavam um ideal de infância que dificilmente poderia ser perseguido pelas famílias mais pobres uma vez que, conforme Wadsworth (1999, p. 103), eles tentavam

[...] impor concepções de saúde infantil provenientes das elites, incentivando as mães pobres a se conformarem a condições de higiene que elas dificilmente poderiam colocar em prática. Os concursos procuravam reafirmar, perante a população mais carente, a necessidade de se adotar, no trato das crianças, os preceitos da higiene, que tão bons resultados poderiam trazer para o país.

Em meio à reportagem, o jornal trazia os retratos das crianças vencedoras do prélio em Uberaba: aparentemente todas eram brancas, belas, sadias e robustas, fato que revelava “[...] a permanência de um ideal racial europeizado que marca pela exclusão a vivência de parte das crianças brasileiras” (VEIGA; GOUVEA, 2000, p. 135). Ainda se referindo aos concursos de robustez infantil, essas autoras observam:

Àqueles que tinham sua identidade definida a partir da identificação com tal modelo era dada a tarefa de construir o futuro da nação, espelhando em seu corpo e suas ações a responsabilidade de seu lugar social, o papel na construção de tal futuro. Ao mesmo tempo, para aqueles que por sua conformação racial e inserção social eram impossibilitados da realização de tal ideal, tinham reconhecida pelo Estado e pela população sua especificidade, a ser contemplada através de práticas filantrópicas, auxílio e consolo. (VEIGA; GOUVEA, 2000, p. 135).

A análise empreendida por essas autoras pode ser melhor compreendida por meio de uma outra matéria publicada no Lavoura e Comércio, cujo título era bastante sugestivo: “Sociedades de assistência e culturais de Uberaba contribuindo para o aperfeiçoamento da raça brasileira” (LAVOURA E COMÉRCIO nº.10.429, de 29/01/1944, p. 3).

Ao contrário da reportagem anterior, que apresentava bebês brancos, robustos, bem cuidados e, de acordo com os padrões eugênicos, perfeitos, essa publicação trazia um menino de nome Benedito Procópio, porém tratado, em diversos momentos do texto jornalístico, por Pretinho:

Benedito Procópio, um dos tipos de rua mais populares que nós já tivemos. Para que essa reportagem atinja à sua verdadeira finalidade, vamos rememorar, em rápidas linhas, a história de Benedito, o negrinho que nasceu e à luz das estrelas estaria vivendo até hoje, se não tivesse sido, em boa hora, conduzido para o Abrigo. Benedito veio ao mundo fadado unicamente ao sofrimento. Não chegou a conhecer seu próprio pai. Iniciou cedo uma vida de sofrimentos. Comia quando sua mãe conseguia da caridade pública um pedaço de pão ou um prato de comida. E assim foi crescendo Benedito. Aos cinco anos era um verdadeiro moleque como ninguém [...]. Para aumentar sua desdita, Benedito tinha um grande defeito físico [...]. Tinha o pé completamente torto, mas isso não o impediu, embora mancando e gingando, de praticar as mais terríveis diabruras. (LAVOURA E COMÉRCIO nº 10.429, de 29/01/1944, p. 3).

Além de Benedito não corresponder ao ideário de criança disseminado naquela época, pois era negro e pobre, também tinha um defeito físico que fazia com que fosse menos apto ao trabalho. Nesse sentido, ele seria praticamente inútil em uma sociedade na qual às pessoas de sua condição social estavam reservadas as atividades laborais que exigiam força física. Utilizando as palavras publicadas no jornal, o pesinho torto era um eterno empecilho e uma humilhação, pois o impossibilitava de cumprir à risca suas obrigações. O jornal ainda trazia, ao centro da página, uma fotografia de Benedito, sentado, com as pernas cruzadas, destacando assim o pé torto que tanto chamava a atenção.

Entretanto, o destino de Benedito mudou quando conheceu Antonio Alberto de Oliveira, diretor do Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira que, mesmo contra a vontade do menino e a de sua mãe, levou-o para ser internado na instituição. Porém, quando Benedito se adaptou às normas do Abrigo, tornou-se um menino exemplar e o diretor foi-se interessando mais diretamente por ele, estudando sempre um meio de operar aquele pesinho torto.

O médico Sabino Vieira, membro da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba, realizou, com êxito, uma cirurgia no pé de Benedito, que ficou completamente livre do terrível defeito e o Abrigo teve o seu já grande conceito aumentado, uma vez que novos pedidos para internato de meninos vieram de vários municípios e os auxílios também aumentaram, conforme palavras transcritas da mesma reportagem.

Na sequência da reportagem o redator dirigiu elogios à Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba, ao Sanatório Dr. Sabino e ao Abrigo de Menores e, por fim, apresentou o resultado da conversa que teve com Benedito após realização da cirurgia:

Benedito é um negrinho vivo e demonstra gozar de perfeita saúde. No seu andar pouco ou quase nada se nota do antigo defeito, que o constrangia a andar “ás bacadas”, mal podendo se suster sobre o pezinho torto. Meio receioso, Benedito acomodou-se com o repórter em um banco, e tudo foi contando. Disse ter ido para o Abrigo á força do pulso de Antonio Alberto. Fez tudo para escapar, mas Chico o pegava sempre na “hora H”. Hoje, tem pelo Abrigo verdadeira adoração. Disse que, depois de Deus, tudo deve a Antonio Alberto e ao médico que o operou. A cura de seu defeito físico foi para ele a maior satisfação de sua vida. Quanto á sua cura moral, talvez nem ele mesmo ainda sabe o alcance da sua significação. Benedito demorou-se com o repórter contando cousas do Abrigo, dizendo que lá quer continuar por toda a vida, auxiliando no cultivo da terra e servindo de exemplo aos que, como ele, gritam e esbravejam quando para lá são conduzidos. Mostrou-nos o seu pézinho, completamente são, e teve palavras elogiosas para com seu médico (LAVOURA E COMÉRCIO nº 10.429, de 29/01/1944, p. 3).

Embora tendo um final aparentemente feliz, com a cura do defeito físico que importunava Benedito, chama a atenção, em sua história, saber que nem ele nem sua mãe queriam seu internamento no Abrigo de Menores. Tal fato permite reportar a Caponi (2000, p. 94-95), que explica que “[...] na ética da compaixão, assim como na ética utilitarista, se parte de uma evidência; se acredita conhecer, sem sombra de dúvida, aquilo que representa um bem para quem será assistido”. Dessa forma, a crença de estar fazendo um bem acaba validando ações de violência - que pode ser física ou simbólica - uma vez que não se estabelece o diálogo e não se ouve a voz daquele que é assistido. A caridade, portanto, possui uma “[...] vertente impositiva, legitimadora de relações assimétricas e sociedades desiguais” (GUEDES, 2013, p. 21).

Com o êxito da cirurgia, Benedito passou a se sentir eternamente grato ao diretor do Abrigo e ao médico. Para Guedes (2013, p. 21), tal situação também é indicadora de uma relação assimétrica, uma vez que:

Do lado de quem serve, há uma certeza que se conhece o que representa o bem para aquele que é assistido, acreditando-se ter uma responsabilidade absoluta sobre ele. A quem recebe, é exigido o pagamento dessa dívida, sob forma de reconhecimento, gratidão, humildade e obediência ilimitadas. A assimetria é legitimada por essas práticas, na medida em que supõe alguém debilitado, que apenas pode superar sua limitação com a ajuda de uma pessoa compassiva. Na ação caritativa, quem ajuda se engrandece, e quem recebe a ajuda, é diminuído ao recebê-la.

Bruckner (1997, p. 248-249), por sua vez, é categórico ao afirmar que:

[...] o escândalo ontológico da caridade reside na desigualdade entre o doador e o beneficiário, que, incapaz de se ajudar a si próprio, só pode receber, sem devolver nem corresponder. Amá-lo por essa única razão, prezar seu infortúnio é exercer sobre ele não a nossa nobreza d’alma, mas nosso desejo de poder. Queremos ser o proprietário do sofrimento do outro; nós o recolhemos e o destilamos como um néctar que vem nos consagrar. Portanto, existe uma caridade que eleva e prepara para a emancipação daquele que ajudamos, e existe outra que o rebaixa, o enterra em sua enfermidade, lhe pede que colabore para sua própria inumanidade. Com isso o filantropo moderno, em vez de amigo dos pobres, transforma-se em amigo da pobreza: os indigentes só sangram para permitir que ele cuide deles e extraia de sua perdição um prestígio inconsiderável.

Enfim, trata-se de uma hierarquia na qual aos sujeitos que estão em posição inferior restam a obediência, o favor e a proteção, ao invés dos direitos. Caponi (1999, p. 93), porém, alerta que “[...] é preciso descartar a existência de um maquiavelismo consciente que prefere se apresentar como compassivo para poder exercer assim, mais livremente, o domínio e o poder”. Tanto as pessoas do Abrigo de Menores quanto as da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba foram prestativas para com Benedito, transformando sua situação de vida, sem se darem conta, talvez, da desigualdade e da distância que era consolidada entre os benfeitores e o beneficiário daquela ação.

Considerações Finais

Conforme observado, a perspectiva utilitarista em relação às crianças pobres foi bastante disseminada nos discursos em circulação no país nas primeiras décadas do século XX, bem como nos jornais uberabenses que, conforme transcrição apresentada a seguir, chegaram a identificar esses sujeitos como “[...] precioso material humano” que não poderia se perder como se fosse um “detrito” (LAVOURA E COMÉRCIO nº. 6.250, de 11/07/1934, p. 3).

Tal perspectiva justificou a criação de inúmeras instituições de internamento que tinham como propósito transformar aqueles meninos e meninas em homens e mulheres úteis à Pátria, além de utilizarem sua força de trabalho infantil para a manutenção e o sustento da própria instituição. A criação destas instituições também está relacionada a uma perspectiva higienista, já que a não-circulação dos pobres pelas vias urbanas faria com que a cidade se tornasse um local mais aprazível, tanto aos olhos dos uberabenses quanto aos olhos dos visitantes.

Retomando o poema O menor abandonado, de Cora Coralina, cujo excerto é apresentado na epígrafe que inicia esse artigo, cabe observar que ele foi escrito em 1979, por ocasião do Ano Internacional da Criança. Entretanto, estes versos podem ser considerados atemporais, visto que no decorrer da história da humanidade até a contemporaneidade, crianças são vítimas do abandono e da negligência dos pais, da discriminação e do descaso do poder público e da sociedade. Abandonadas e circulando pelas ruas, despertam, em alguns, piedade. Em outros, revolta e temor. Despertam, nos dizeres de Coralina, medo de uma rebeldia antecipada e medo do que poderão vir a ser no futuro.

O trabalho aqui apresentado pretende somar-se a outros que tratam da infância desvalida, promovendo reflexões acerca deste segmento populacional que requer, sem sombra de dúvida, maior atenção das autoridades governamentais e da sociedade.

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4Em todas as transcrições jornalísticas será mantida a grafia original.

5O município de Uberaba projetou-se nacionalmente como Capital do Zebu devido ao pioneirismo na produção deste gado, cujas primeiras matrizes foram trazidas da Índia, e na realização de exposições anuais da raça indiana.

Recebido: 24 de Janeiro de 2019; Aceito: 06 de Agosto de 2019

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