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Revista de Educação Pública

versión impresa ISSN 0104-5962versión On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.28 no.69 Cuiabá set./dic 2019  Epub 15-Jun-2020

https://doi.org/10.29286/rep.v28i69.7596 

Notas de leituras, resumos e resenhas

Comunicação, Estado e o poder na sociedade em rede

Communication, State and power in networked society

Aliana França Camargo COSTA1 

Terezinha FERNANDES2 

1Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso. Mestre em Cultura Contemporânea pela UFMT. É graduada em Jornalismo e Rádio e Televisão. Atua na interface mídia e educação. E-mail: alianacamargo@gmail.com.

2Atuação e pesquisas no âmbito da EaD, educação online e letramentos digitais no Laboratório de Estudos sobre Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação (LeTECE) e grupo Docência e Cibercultura GpDoc/UERJ. E-mail: terezinha.ufmt@gmail.com.

CASTELLS, Manuel. O poder da comunicação. Trad. Vera Lúcia Mello Joscelyne, 1º ed, São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. 629 p.p. 1


Nesta obra, Manuel Castells (2015) enfocará o papel das redes de comunicação na geração de poder, com ênfase na geração do poder político. Através de pesquisa empírica, argumenta que o poder é multidimensional e está alicerçado nas redes programadas em cada esfera da atividade humana, de acordo com os interesses e valores de atores que detêm poder.

As redes de poder, baseadas nestas atividades humanas, formam redes entre si e, apesar de não se fundirem, envolvem-se em estratégias de parceria e competição num jogo de interesses em contexto e momento específicos. O Estado desempenha um papel central na relação de poder sobre as redes de um modo geral, primeiro porque tem a função de coordenar e regular o sistema político e segundo porque o Estado tem formas diferentes de exercer o poder em diferentes esferas sociais, de exercer o monopólio da violência como capacidade de impor o arbítrio. Portanto, o Estado é a instituição que constitui a rede previamente selecionada para o funcionamento adequado de todas as outras redes de poder.

Para desenvolver esse argumento central, o autor desenvolve cinco capítulos. “O poder na sociedade em rede” (p. 57) é o primeiro deles, no qual o leitor perceberá que o poder é o processo mais fundamental da sociedade. Sendo o poder a capacidade relacional que permite a um ator social influenciar as decisões de outro ator social, através de uma base discursiva ou por meio de coerção, tal processo está condicionado pela capacidade estrutural da dominação. A dominação vem das instituições da sociedade e as relações de poder são marcadas pela dominação. Portanto, o poder é relacional e a dominação está na esfera institucional. Assim, quanto maior a dominação das instituições sobre os sujeitos, maior relação de poder elas têm sobre as pessoas.

A estruturação social tem camadas e escalas múltiplas, que operam em diferentes níveis de prática social, são elas: econômicas (produção, consumo, intercâmbio), tecnológicas, ambientais, culturais, de gênero, políticas e militares.

Para o autor, o Estado exerce o poder ao articular três fontes: violência, dinheiro e confiança. Sendo a confiança a fonte decisiva do poder, que pode ser criada ou destruída pelas redes de comunicação.

Nesse processo de relações de poder, existem formas distintas para exercê-lo nas redes. A primeira delas é o poder das redes (networking Power), em que os atores e organizações que as compõem exercem o poder e influência sobre as pessoas que não estão na rede. Castells afirma que não há uma localização do poder na rede (network power), embora o Estado seja um dos seus principais detentores com grande influência na mídia, mas ele não detém O Poder.

Atualmente, o poder está em criar redes (networking-making power), o que determinará os rumos da sociedade em rede. Os que têm a capacidade de constituir redes e de programar/reprogramar são os programadores e os comutadores. Os primeiros têm o poder de definir e administrar os programas na rede, com o objetivo de aumentar a audiência, em geral são proprietários e controladores das corporações da mídia, sejam empresas ou o Estado. O gerenciamento de interface entre duas ou mais redes está nas mãos dos comutadores. Os comutadores e programadores definem a elite de geração de poder na sociedade em rede. Para o autor, é importante apontar quem são os detentores de poder para desafiar a sua dominação oculta e crucial. Em suma, o poder da sociedade em rede é o poder da comunicação.

No segundo capítulo, “A comunicação na era digital” (p. 101), entenderemos que a internet torna-se o “tecido de comunicação de nossas vidas” (p. 111). O autor discorrerá sobre uma nova forma de comunicação a partir da rede - a autocomunicação de massa, na qual o receptor passa a ser, também, o produtor num sistema em que a mensagem é autogerada e autosselecionada, configurando uma nova ecologia comunicacional, cujo modelo é: todos conversando com todos.

Castells (2015) compreende as transformações decorridas a partir da comunicação em rede perpassadas por quatro dimensões: a transformação tecnológica - digitalização a partir dos computadores e utilização dos softwares remodela a comunicação; a estrutura organizacional e institucional da comunicação - grandes conglomerados da mídia mundial fazem um jogo de poder em relação ao que será visto no panorama global/local, elevação do consumo, expansão de mercado e geração de lucro; a dimensão cultural do processo de transformação de várias camadas da comunicação - numa tensão entre o que é a identidade local e o cosmopolitismo (cultura global); e, por fim, as expressões das relações sociais, que prefiguram as relações de poder.

No terceiro capítulo, o foco serão as “Redes da mente e do poder” (p. 191), nas quais o poder é construído nas redes neurais do cérebro, através das molduras conceituais. Para tanto, o autor teoriza, a partir da neurociência, as relações que o cérebro realiza para a tomada de decisão e como isso implica na política. Em síntese, a nossa tomada de decisão pode ser baseada pelo raciocínio, mas são afetadas duplamente pela emoção, por uma via direta e outra indireta.

Nesse processo, as metáforas utilizadas para perceber o mundo são emolduradas pela comunicação e operam associando a linguagem (campo semântico) às suas experiências alojadas na mente. Decorrem dessa ação as narrativas que definem os papeis sociais em contextos coletivos, o que leva aos enquadramentos que condicionam um modo de pensar, resultado do interesse pelo poder.

“Programando as redes de comunicação: a política da mídia, a política de escândalos e a crise da democracia” (p. 247) é o quarto capítulo, no qual Castells traça um cenário complexo, mas esclarecedor, sobre como as relações de poder passam pela mídia e que o Estado continua a ser um ator fundamental na definição das relações de poder por meio das redes de comunicação. No tabuleiro desse jogo, as batalhas travadas pela ferramenta do escândalo são perniciosas para todos os lados: para a mídia com a questão da credibilidade, para a confiança no cenário político e para a democracia, já que a política de escândalos promove rupturas nas relações sociais e desempenham um papel de fermentação do descontentamento e na articulação dos desafios, como resultado há uma desmobilização no campo social.

Portanto, a mídia é, por excelência, um espaço poderoso de produção de poder, daí o poder da comunicação. No entanto, para além da mídia de massa tradicional existe a internet, com plataformas de comunicação distintas, mas que se relacionam e convergem para o que caracteriza a política da mídia na era digital.

A matriarca de toda política da mídia é a economia. As operações financeiras do mundo corporativo e a busca pela publicidade resultam de um comércio atravessado pelo entretenimento, que inclusive, atinge as notícias através da linguagem do infotenimento. Logo, não são apenas as risadas que importam, mas o drama humano também que constitui a “política da ilusão” (Bennett apud Castells, p. 278).

No último capítulo, “Reprogramando as redes de comunicação: movimentos sociais, política insurgente e novo espaço público” (p. 353), o desenvolvimento se dará explicando como o descontentamento frente às ações de controle, injustiças e até ilegítimas atitudes por parte das instituições provocam ondas de contrapoder, motivadas pela mudança de mentalidade do indivíduo e do coletivo.

O autor desenha uma paisagem positiva diante das águas incertas da globalização, quando os atores sociais iniciam o processo de mudança cultural (uma mudança em valores), cujo objetivo é a mudança política e cultural vigente por meio dos movimentos sociais e da política insurgente, implicando, por exemplo, em alterações no cenário eleitoral.

A política insurgente opera ao incorporar sujeitos mobilizados para uma mudança cultural ou política em um sistema ao qual eles não pertenciam (seja pelo impedimento de votar, pela falta de interesse na política etc.). Quando o indivíduo (individualismo), descontente com a ordem social imposta, compartilha suas frustrações com comunidades de práticas (comunalismo), as redes de indivíduos passam a serem comunidades insurgentes. Essas comunidades de práticas são agrupamentos sociais de indivíduos que compartilham valores, crenças e normas com aqueles que se identificam com a causa da comunidade. Para ilustrar: o Black Block com seus integrantes vestidos de preto em várias partes do mundo. Diante disso, a rede autoproduzida, autogerenciada e autodesenvolvida por seus atores-rede passa para a esfera de imaginar um ideal cultural que projeta modelo de organização política e da reorganização da sociedade como um todo.

A mudança social é multidimensional, sendo que a maneira como sentimos e pensamos, determina a maneira como agimos. De modo que a mudança no comportamento individual e no coletivo, modificará as normas e instituições que estruturam as práticas sociais de determinada localidade ou de forma global.

O movimento de contrafluxo, a partir da transformação da mentalidade das pessoas, ocorre pela reprogramação das redes de significados, que afetam o jogo de poder por todas as redes. A participação de atores sociais na mudança cultural é a base para um novo espaço público de interações, cujos ideais e valores são formados, transmitidos, apoiados e resistidos; espaço que, em última instância, se torna um campo de treinamento para ação e reação.

Ao concluir sua obra (p. 471), na busca por uma teoria do poder da comunicação, Manuel Castells (2015) postula que o meio de comunicação não é a mensagem, embora o emissor seja condicionado ao formato e a distribuição da mensagem, ela será sempre a mensagem. Para digerir a moldura de práticas sociais há o contexto cultural, ou seja, a mente receptora que é individual ou coletiva.

Nesse cenário, a autocomunicação de massa passa a ser uma forma de desafiar o controle corporativo da comunicação, que são redes fundamentais da geração de poder na sociedade. A capacidade de produzir nossas próprias mensagens, avalia o autor, está na forma como reprogramamos a rede através de nossas ações, assim, se pensarmos (indivíduo e coletivo) de forma diferente, as redes de comunicação operarão de forma diferente, podendo influenciar na maneira como construiremos as redes de nossas vidas.

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. O poder da comunicação. Trad. Vera Lúcia Mello Joscelyne. 1º ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2015. 629 p [ Links ]

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Doutor em sociologia pela Universidade de Paris. É professor nas áreas de sociologia, comunicação e pesquisador dos efeitos da informação sobre a economia, a cultura e a sociedade em geral.

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