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Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.29  Cuiabá jan./dez 2020  Epub 02-Mar-2020

https://doi.org/10.29286/rep.v29ijan/dez.9912 

Artigos

Políticas públicas para formação de professores: entre conquistas, retrocessos e resistências

Public policies for teacher education: between achievements, setbacks and resistances

Denise Silva ARAÚJO1 

Iria  BRZEZINSKI2 

Helvécio Goulart Malta de SÁ3 

1Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás . Professora Adjunto da Universidade Federal de Goiás (UFG)

2Doutorado em Administração Educacional e Economia da Educação pela Universidade de São Paulo. Professora titular da PUC Goiás. (PUC Goiás).

3Mestre em Educação. ITEGOSS


Resumo

Artigo resultante de pesquisa de cunho teórico e documental, no qual se analisam conquistas e retrocessos no campo das políticas públicas para formação de professores no tempo presente, no Brasil. Objetiva-se apontar agendas necessárias para o movimento de resistência aos retrocessos, anunciar possibilidades de avanços e desafios a enfrentar. Para tanto, adota-se a orientação do materialismo histórico dialético, que permite apreender e revelar as contradições da realidade concreta. Na atual conjuntura de graves ataques à garantia do direito constitucional à educação pública estatal de qualidade social e às políticas de formação docente, é indispensável a resistência ativa e propositiva.

Palavras-chave Políticas educacionais; Formação e valorização docente; Movimentos de luta e resistência

Abstract

This article is the result of a theoretical-bibliographic and documentary research, in which the achievements and setbacks in the field of public policies for teacher education and valorization in the present time are analyzed. It aims to point out the necessary agendas to resist the setbacks and to announce the possibilities of progress made. It is also intended to indicate the challenges to be faced. In order to do so, it adopts the orientation of dialectical historical materialism, which allows to apprehend, to reveal and to present the contradictions of concrete reality.

Keywords Educational policies; Teacher Education and Valorization; Movements of fight and resistance

Introdução

Nesse artigo, resultante de pesquisa teórica e documental, objetiva-se analisar as políticas públicas para a formação docente da atualidade e apreender as conquistas e os retrocessos nesse campo. Pretende-se apontar as agendas necessárias para o movimento de resistência a esses retrocessos, bem como as possibilidades de avanços nas conquistas. Para tanto, adota-se a orientação do materialismo histórico dialético, que permite conhecer, revelar e expor as contradições da realidade concreta, evidenciando o processo de transformação da sociedade, que se realiza por meio de movimentos de permanência e ruptura.

O termo políticas públicas designa múltiplos campos de atuação do Estado, como: políticas educacionais, econômicas, sociais, ambientais e outras. Esse termo, portanto, tem sido identificado com o Estado e suas normas, regras e marcos jurídicos. Neste trabalho, enfocam-se as políticas educacionais, que se inserem no âmbito das políticas públicas de caráter social. Azevedo (2004) defende que, embora, nas sociedades capitalistas, o Estado esteja submetido aos interesses do capital, as políticas públicas, especialmente as de cunho social, são produtos de tensões, lutas, pressões e conflitos entre os grupos e classes que constituem a sociedade capitalista. Araújo e Sá (2015), ao adotar essa compreensão, afirmam que elas devem ser analisadas como resultado de embates entre projetos de educação, oriundos de diferentes concepções de mundo, homem e sociedade. Daí a importância de conhecer o contexto social, político e econômico do qual emanam tais políticas, tanto para analisá-las, como transformá-las.

As diferentes concepções de sociedade, educação, escola, formação e valorização dos profissionais da educação, que fundamentam as políticas e as orientações legais para a formação de professores, resultam em interpretações antagônicas e disputas político-ideológicas, que, de acordo com Brzezinski (2018a), podem ser reunidas em dois grandes projetos: um assumido pelo mundo oficial ou mundo do sistema e outro defendido pelo mundo real ou mundo vivido. O primeiro consiste no projeto dos tecnocratas e da sociedade política1, orientado por princípios mercadológicos. Seus adeptos assumem concepções de sociedade, de educação e de formação docente alinhadas às agendas dos organismos internacionais2 caracterizadas pela reprodução das reformas educacionais empreendidas em outros países; institucionalização de lócus formativos fora das universidades; centralidade na dimensão técnica e instrumental do trabalho e da formação docente; adoção de um modelo curricular fragmentado no qual o rendimento do aluno é avaliado por meio de testes padronizados; formação aligeirada dos professores, voltada para atender os interesses do mercado de trabalho e da reprodução do capital (BRZEZINSKI, 2018a). De acordo com a pesquisadora, esse grupo atua na formulação de políticas de regulação e controle, que reduzem a educação ao status de mercadoria e estreita sua finalidade à formação de produtores e consumidores para favorecer a reprodução mais eficaz e eficiente do capital (BRZEZINSKI, 2008).

O segundo projeto representa a sociedade civil organizada em entidades científicas do campo da educação reunidas no movimento nacional de educadores3, cuja atuação tem por princípio a qualidade social fundamentada na concepção sócio-histórica de educação. Perante a adoção desse paradigma, a escola pública, laica, universal e gratuita em todos os níveis, é defendida como direito social de todos os cidadãos e o seu objetivo maior consiste na promoção da emancipação humana e da cidadania. Esses movimentos vêm desenvolvendo ações conjuntas e se organizando sob a forma de rede4 que elegeu como tarefa fundamental a defesa da formação e da valorização dos profissionais da educação básica, balizada em um “paradigma educacional” dialético, que “leva em conta as transformações sociais, das forças produtivas e do mundo do trabalho, e, consequentemente, mudanças no papel social atribuído ao professor.” (BRZEZINSKI, 2018a, p. 105).

O projeto educativo do mundo vivido defende a formação docente assentada nos seguintes princípios: a formação de professores alicerçada em uma base comum nacional5 (ANFOPE, 2012), que tem a docência como fundamento da identidade dos profissionais do magistério; “o conhecimento e a cultura como eixos epistemológicos fundamentais da formação do professor; uma sólida formação teórica sustentada na Pedagogia como ciência e nas Ciências da Educação” (BRZEZINSKI, 2018a, p. 105); formação inicial presencial realizada em universidade como forma de assegurar a articulação entre ensino, pesquisa e extensão; formação continuada de qualidade referenciada no social6, como direito do profissional da educação; articulação entre formação, valorização e profissionalização docente a condições de trabalho, saúde, carreira e salários dignos; a defesa da criação de um subsistema nacional de formação e valorização dos profissionais da educação a fim de superar a fragmentação das políticas públicas para área (BRZEZINSKI, 2018a).

Em consonância com esses princípios, analisam-se, neste texto, os avanços das políticas de formação docente nos governos democrático-populares de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) e os desafios que permaneceram como horizonte a conquistar. Discutem-se, ainda, os retrocessos vivenciados no Governo Temer (2016-2017), a fim de apontar as principais agendas de resistência dos movimentos sociais de educadores.

Das diversas leis, programas e políticas que foram desenvolvidos nesses períodos, selecionaram-se aqui os que tiveram maior repercussão na formação e valorização dos profissionais do magistério. No governo Lula, destacaram-se:

  • a aprovação da Emenda Constitucional N.o 53 de 2006 - EC/2006 (BRASIL, 2006), que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), regulamentado pela Lei N.o 11.494 (BRASIL, 2007);

  • a aprovação da Lei N.o 11.738 (BRASIL, 2008), que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica;

  • a emissão do Decreto N.º 6.755 (BRASIL, 2009a), que regulamentou a Política Nacional de Formação de Professores da Educação Básica e possibilitou a formulação de diversos programas e projetos de formação e de valorização dos docentes da educação básica.

No governo Dilma, salientam-se:

  • a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE2014-2024), por meio da Lei N.o 13.005/2014 (BRASIL, 2014a);

  • as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da Educação Básica, consubstanciadas no Parecer CNE/CEB N.o 02/2015 e na Resolução CNE/CEB N.o 02/2015;

  • a emissão do Decreto N.º 8.752 (BRASIL, 2016a), que instituiu a Política de Formação dos Profissionais da Educação Básica.

Do Governo Temer, destacam-se:

  • a aprovação da EC N.o 95/2016 (BRASIL, 2016c), resultado da PEC N.o 241 e da PEC N.o 55, que tramitaram, respectivamente, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Essa Emenda implementou um novo regime fiscal, para os próximos vinte anos (até 2036), impedindo nesse período sua ampliação dos gastos com as despesas primárias (entre elas, educação, saúde, previdência social, segurança);

  • a reforma do ensino médio, empreendida por meio da Medida Provisória (MP) N.o 746/2016 (BRASIL, 2016b), posteriormente aprovada pelo Congresso Nacional por meio da Lei N.o 13.415 (BRASIL, 2017a);

  • a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil e do Ensino Fundamental pelo Conselho Nacional de Educação por meio da Resolução CNE/CP N.o 02/2017(BRASIL, 2017b) e da BNCC do Ensino Médio, pela Resolução CNE/CP N.o 04/2018 (BRASIL, 2018b).

Políticas para a formação docente no Governo democrático-popular Lula da Silva

Ao adotar o método materialista histórico dialético, assume-se a análise do objeto de estudo circunscrito à historicidade, no campo das contradições, mediações, determinações e superações, que o constituem, o que implica necessariamente:

[...] tomá-lo na relação inseparável entre o estrutural e o conjuntural. Por outra parte, implica tomar o objeto de análise não como um fator, mas como parte de uma totalidade histórica que o constitui, na qual se estabelecem as mediações entre o campo da particularidade e sua relação com uma determinada universalidade. (FRIGOTTO, 2011, p. 236-237).

Advém dessa opção a necessidade de compreender as políticas de formação docente empreendidas no Brasil nas últimas décadas, no contexto das transformações pelas quais tem passado a sociedade contemporânea em meio às crises do capitalismo e ao reordenamento das relações de produção. De acordo com Lopes e Castro (2012), no âmbito econômico, emergem novos mecanismos regulatórios, por meio de acordos econômicos regionais e mundiais, que reordenam a divisão global do trabalho, pela atuação política de empresas e organismos transnacionais, e alteram as relações entre Estado, trabalho e capital. Esse reordenamento das relações de produção tem resultado na desregulamentação e liberalização do Estado de modo a promover uma “convergência para a ampliação do fenômeno da mundialização e financeirização7 do capital” (LOPES; CASTRO, 2012, p. 22).

O capital financeiro vem se reproduzindo de maneira cada vez mais independente do mundo da produção de mercadorias. Com isso, amplia-se a taxa de desemprego e a precarização do trabalho, por meio de vínculos temporários, com formas flexíveis de contrato e remuneração, bem como a perda no valor real dos salários, aumentando a competição entre os trabalhadores e enfraquecendo o poder dos sindicatos. Essa crise tem atingido, até mesmo, os países centrais, pois a globalização produtiva, com elevado nível de competição pelos mercados globais, vem gerando também nos países desenvolvidos, uma imensa maioria de excluídos, desempregados ou precarizados.

Essas alterações nas dinâmicas internas de produção e nos processos de acumulação do capital interferem no conjunto das relações sociais, em que se inserem as políticas educacionais. À medida que o mundo do trabalho se reestrutura, globalmente, no plano ideológico, se produz uma série de noções e conceitos, que justifica e consolida essas novas relações e o papel do Estado em seu interior: a ideologia neoliberal, que defende o Estado mínimo, enxuto, com gastos reduzidos. Os direitos historicamente conquistados, como saúde e educação, passam a ser tratados como mercadorias.

As políticas educacionais, nesse contexto, se traduzem em propostas que articulam educação e desenvolvimento econômico, num processo semelhante àquele preconizado pela teoria do capital humano, que predominou na década de 1970. Essa tendência, porém, é retomada, sob novas bases, no contexto da chamada revolução do conhecimento, assentada nos avanços tecnológicos, que trazem a educação para o centro do processo de desenvolvimento. A categoria trabalho foi substituída pelas categorias prática e prática reflexiva (FREITAS, 2002), conferindo centralidade à figura do professor e de sua formação como solução para os problemas educacionais, sem considerá-los na concretude das relações sociais e econômicas.

As políticas educacionais do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram marcadas por essas concepções neoliberais, fazendo com que, da educação básica à pós-graduação, se firmassem as parcerias entre público e privado, se implantassem modelos gerenciais de gestão educacional e se ampliasse a dualidade estrutural da educação. Essas concepções predominaram tanto no conteúdo ensinado como nos métodos de sua produção, socialização e gestão.

Nesse contexto econômico, político, ideológico e pedagógico, a eleição de Lula foi acompanhada por grandes expectativas de mudanças. Esperava-se a inauguração de um novo projeto societário, no qual se assumisse

[...] uma opção clara de efetivação de medidas políticas profundas capazes de viabilizar a repartição da riqueza e suas consequências em termos de reformas de base na confrontação do latifúndio, do sistema financeiro e do aparato político e jurídico que os sustentam [...] uma revolução nacional, capaz de abrir amplo acesso aos bens econômicos, sociais, educacionais e culturais por parte da grande massa até hoje submergida na precária sobrevivência e com seus direitos elementares mutilados. (FRIGOTTO, 2011, p. 237).

Existia a esperança de que um governo democrático popular pudesse construir condições objetivas necessárias para que a grande massa dos trabalhadores assumisse o papel de sujeito político e superasse sua condição de marginalidade na definição dos rumos da história do país (FRIGOTTO, 2011). Essas expectativas não se cumpriram, pois, em nome da governabilidade, assistiu-se a uma série de alianças político-eleitoreiras que impediram a realização de alterações radicais da estrutura social brasileira. O que se concretizou foi a continuidade do modelo de modernização e de capitalismo dependente em que:

[...] a classe dominante brasileira se associa ao grande capital abrindo-lhe espaço para sua expansão, o que resulta na combinação de uma altíssima concentração de capital para poucos, com a manutenção de grandes massas na miséria, o alívio da pobreza ou um precário acesso ao consumo, sem a justa partilha da riqueza socialmente produzida. (FRIGOTTO, 2011, p. 238).

Embora tenha havido, por um lado, continuidade da política econômica, fiel aos interesses da classe detentora do capital, é necessário evidenciar que houve, por outro lado, investimento na melhoria de vida de uma significativa parcela da classe trabalhadora. Esse investimento se contrapunha à política de desmonte da face social do Estado, fundamentado no liberalismo conservador, redutor da sociedade a um conjunto de consumidores, que prevaleceu no governo Fernando Henrique Cardoso. Apesar da continuidade no âmbito da política macroeconômica e da reforma do Estado8, no Governo Lula (2003-2010) registra-se uma ruptura no que se refere à:

[...] retomada da agenda do desenvolvimento; alteração substantiva da política externa e da postura perante as privatizações; recuperação, mesmo que relativa, do Estado na sua face social; diminuição do desemprego aberto, mesmo que tanto os dados quanto o conceito de emprego possam ser questionados; aumento real do salário mínimo (ainda que permaneça mínimo); relação distinta com os movimentos sociais, não mais demonizados nem tomados como caso de polícia; e ampliação intensa de políticas e programas direcionados à grande massa não organizada que vivia abaixo da linha da pobreza ou num nível elementar de sobrevivência e consumo. (FRIGOTTO, 2011, p. 240).

Da mesma forma, no âmbito das políticas públicas para a educação e, mais especificamente, para formação de professores não houve ruptura radical com o projeto educacional dos governos nitidamente neoliberais, que antecederam as gestões do Partido dos Trabalhadores, pois elas permaneceram orientadas pela ótica da melhoria da qualidade da educação assentada em princípios gerencialistas, mediada pela parceria entre público e privado. Por outro lado, há que se reconhecer o aumento substancial de investimento em educação, que possibilitou a criação de novas universidades e institutos federais de educação, ciência e tecnologia9 e impulsionou a interiorização do ensino técnico e superior, bem como a ampliação das matrículas nesse nível e modalidade de ensino no âmbito federal10. Há que se evidenciar, ainda, a ênfase nas políticas de educação de jovens e adultos, população do campo, indígena e quilombola e de outros setores tradicionalmente excluídos da escola e da sociedade11.

No plano do financiamento da educação e das políticas de formação e valorização de professores, salienta-se como conquista dos movimentos sociais, durante o Governo Lula, a criação do Fundeb, que trouxe inovações importantes, como: unificação de toda a Educação Básica em um mesmo fundo; ampliação da sua vigência para 14 anos; ampliação das fontes de recursos; especificação mais clara dos valores complementados pela União aos estados, Distrito Federal e municípios. Ademais, a EC N.o 53/2006 assegurou avanços relevantes no que se refere à valorização dos profissionais da educação ao contemplar os trabalhadores não docentes, assegurando-lhes, pelo menos no âmbito legal, a ampliação da garantia de um Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) e Planos de Carreira. Embora sejam necessários ainda muitos embates para implementação desses direitos, é imperioso reconhecer que o fato de estarem inscritos na CF/1988 possibilita aos trabalhadores da educação avanços em sua organização e mobilização para exigi-los.

Nessa perspectiva, outra vitória foi a aprovação da Lei N.o 11.738/2008 (BRASIL, 2008), que instituiu o piso salarial profissional nacional (PSPN) para os profissionais do magistério público da educação básica. Embora seja um valor abaixo do necessário para garantir uma vida digna, a instituição do PSPN significa o reconhecimento do valor social desses profissionais. Ademais, além de determinar o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, no § 2o de seu Art. 2o, essa Lei esclarece quem são esses profissionais, ampliando seu alcance aos docentes que atuam na gestão das instituições da educação básica (BRASIL, 2008).

A Lei do Piso determina, ainda, no § 4o do Art. 2o, que na “composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.” (BRASIL, 2008). Esse foi um importante avanço no que se refere à valorização dos professores da educação básica, visto que sua atuação extrapola as atividades desempenhadas nas relações de ensino ao aluno. O trabalho docente implica em criação, que exige estudo e planejamento individual e coletivo. Para isso, é necessário tempo. As atividades desenvolvidas fora da sala de aula não são contingenciais, mas constitutivas da função docente e precisam ser devidamente remuneradas. O reconhecimento dessa especificidade do trabalho docente é importante conquista legal, mas ainda precisa ser efetivada para muitos docentes que não têm esse direito respeitado, conforme demonstram pesquisas na área (OLIVEIRA; VIEIRA, 2012).

Outra medida importante, neste período, foi a instituição do Decreto N.º 6.755/2009 (BRASIL, 2009a)12, que estabeleceu a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplinou a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no fomento a programas de formação inicial e continuada dos professores da educação básica. Sua finalidade era organizar, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, a formação inicial e continuada dos professores. Esse instrumento legal deu origem à Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e aos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente (Fepad). Esses últimos assumiram a atribuição de elaborar, no âmbito dos estados e Distrito Federal, o Plano Estratégico da Formação de Professores, a ser desenvolvido por meio de ações e programas específicos do Ministério da Educação.

Evidencia-se que as ações dos Fepad só se realizariam de maneira satisfatória se fosse levado a efeito o princípio constitucional do regime de colaboração. Cury (2010) aponta como um dos principais entraves na garantia do comprimento do direito à educação de qualidade a ausência de definição do que seja o regime de colaboração determinado pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988). De acordo com a Carta Magna e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) – Lei N.o 9.394 (BRASIL, 1996), a União deveria assumir uma presença articuladora supletiva, técnica e redistributiva, diante do conjunto da educação nacional. Entretanto, esse dever tem sido sistematicamente negligenciado, nutrindo, desse modo, as disparidades regionais da federação. Para superar essa situação, é necessária a regulamentação do Art. 23 da CF/1988, que define competências comuns à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, dentre elas, a tarefa de proporcionar os meios de acesso à educação (BRASIL, 1988).

Araújo (2010) avalia que o maior desafio para as relações intergovernamentais no Brasil e para a constituição de um Sistema Nacional de Educação (SNE)13 é a definição do regime de colaboração por meio de regulamentação que promova uma justa distribuição de poder, autoridade e recursos entre os entes federados, na qual se assegure a independência e articulação entre governos nacional e subnacionais, a fim de possibilitar um projeto de desenvolvimento nacional, que promova a superação das históricas desigualdades regionais e intraestaduais. A permanecer a arrecadação e distribuição de recursos financeiros como está, a formação inicial e continuada de professores para a Educação Básica de cada sistema de ensino será mais uma tarefa delegada aos entes federados, sem alocação de recursos suficientes para tal, tornando-se mais uma forma de responsabilização dos estados e municípios e desobrigação da União, reproduzindo assimetrias e desigualdades regionais.

Para atender o que preconiza o Decreto N.º 6.755 (BRASIL, 2009a), foi instituído o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) que oferta, como política de caráter emergencial, cursos de licenciatura para professores leigos em exercício nas redes públicas de ensino. O regime de colaboração, no que se refere ao Parfor, teve como marco inicial a adesão dos estados ao Pacto de cooperação Técnica com a União, representada pelo MEC/Capes/DEB e a Secretaria de Articulação dos Sistemas de Educação (Sase). A oferta de cursos e a distribuição de vagas por todo o país foi organizada por meio da Plataforma Paulo Freire no sítio eletrônico do MEC.

Uma pesquisa realizada pela Anfope sobre o Parfor, que envolveu pesquisadores de 23 estados na Federação e o Distrito Federal, participantes dos Fepad, permitiu apreender que o regime de colaboração vem cumprindo lentamente sua dupla finalidade de:

    a).

    ser mecanismo determinante para a obtenção de resultados bem-sucedidos do Parfor em estados que fortaleceram a parceria em ações conjuntas pactuadas entre a União, os estados e os municípios e demonstraram a viabilidade do regime colaborativo na implementação dos cursos do Parfor, a exemplo dos estados do Pará e da Bahia;

    b).

    a União tornou-se, para a grande maioria dos municípios que firmou o Pacto Parfor, a única fonte de recursos financeiros, devido ao endividamento interno de estados e municípios, sem condições de manter o que fora pactuado. Ou mesmo por falta de vontade política do Poder Executivo estadual ou municipal. Essa dependência interferiu negativamente na implementação dos cursos, pois era impraticável para a maioria dos entes federativos a concessão de bolsas de estudos ao professor cursista ou auxílio financeiro para seu deslocamento, alimentação e pagamento de substitutos durante a formação inicial ou continuada em serviço. (BRZEZINSKI, 2018b, p. 234).

Muitos alunos do Parfor, professores em exercício, moram em cidades do interior, que não possuem instituição de ensino superior (IES) em seu município, e participam dos cursos nas capitais ou outros polos. Isso intensifica as dificuldades encontradas pelos professores/alunos para o seu deslocamento, alimentação, hospedagem, levando-os muitas vezes a abandonar o curso sem concluí-lo, em decorrência da omissão por parte dos municípios em assegura-lhes o devido apoio financeiro. Além disso, grande parcela deles, ainda, arca com pagamento de substitutos, quando se ausentam do trabalho durante a formação em serviço.

Diante das precárias condições de trabalho e da desvalorização da profissão docente, os jovens têm se afastado da carreira do magistério. As estatísticas demonstram a diminuição da procura por cursos de licenciatura (OLIVEIRA; MORICONI; LOUZANO; ROCHA, 2010). Diante disso, o Governo Lula empreendeu medidas de incentivo ao ingresso e à permanência bem-sucedida em cursos de licenciatura, como: o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), que visa promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas, desde o início da sua formação acadêmica; o Prodocência (Programa de Consolidação das Licenciaturas), que financia atividades voltadas para inovação e qualidade de ensino nos cursos de licenciatura e o Life (Programa de apoio a laboratórios interdisciplinares de formação de educadores), que custeia equipamentos para o desenvolvimento de metodologias, práticas pedagógicas interdisciplinares nesses cursos.

As iniciativas sob supervisão da CAPES estavam sujeitas a normas pré-estabelecidas que nem sempre respeitavam as especificidades das instituições de ensino superior que efetivamente desenvolvem o processo. Para não perder a oportunidade e ter acesso à verba de incentivo, as instituições que concorrem aos editais, muitas vezes, enfrentam problemas que demonstram a necessidade de uma Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica, que viabilize o atendimento às necessidades regionais e institucionais, bem como as especificidades do magistério nos seus diferentes níveis, etapas e modalidades.

Políticas de formação docente nos governos Dilma e Temer: continuidades e rupturas

Destaca-se, no Governo Dilma Rousseff (2011-2016), a aprovação do PNE (2014-2024) pelo Congresso Nacional, por meio da Lei N.o 13.005 (BRASIL, 2014a). A sociedade civil articulada por meio de diversas entidades nacionais, que defendem a educação pública estatal como direito de todos os cidadãos, assumiu papel de protagonista na construção e aprovação desse PNE14, principalmente, no processo de preparação e realização das Conferências Nacionais de Educação Conae/2010 e da Conae/2014, nos âmbitos intermunicipais, estaduais e nacional, coordenadas pelo Fórum Nacional de Educação (FNE)15.

O PNE está organizado em dez diretrizes gerais, 20 metas e 244 estratégias, que indicam as políticas necessárias para efetivar as metas estabelecidas. Dourado (2017) assevera que sua análise conjunta, acompanhamento e avaliação pela sociedade civil e política são fundamentais para a efetiva implementação das estratégias e cumprimento das metas previstas. Neste texto, enfatizam-se aquelas que impactam mais diretamente a formação e valorização dos profissionais da educação básica.

De suas 20 metas, o PNE dedica quatro especificamente ao conjunto dos profissionais da educação básica: as metas 15 e 16 abordam os processos de formação inicial e continuada; a meta 17 refere-se à remuneração; e a meta 18 dispõe sobre os planos de carreira e o piso salarial nacional profissional. Dourado (2017) afirma que essas metas, em sintonia com a concepção de valorização dos profissionais de educação aprovadas na Conae (2010), articulam formação inicial, carreira, salário e condições de trabalho.

A Meta 15 determina o prazo de um ano para o estabelecimento de política nacional de formação dos profissionais de educação básica. Essa meta prevê, ainda, que ao final da vigência desse Plano, todos os professores da educação básica deverão ter formação específica de nível superior, obtida em curso na área de conhecimento em que atua.

Para a consecução da Meta 15, Dourado (2017) enfatiza a aprovação do Parecer CNE/CP N.o 2/2015 e da Resolução CNE/CP N.o 2/2015, que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em nível superior dos professores da educação básica (DCNFICPM/2015), bem como a aprovação do Parecer CNE/CES N.o 256/2016 e da Resolução CNE/CES N.o 2/2016, que definem as DCN para a formação inicial e continuada em nível superior para funcionários da educação básica. O autor enfatiza, também, o lançamento da proposta de política nacional de formação de profissionais da educação pelo MEC, em junho de 2015, que foi consubstanciada no Decreto N.o 8.752/201616.

A trajetória de elaboração e discussão das DCNFICPM/2015 possibilitou diversos embates e debates entre vários segmentos da sociedade civil e política, o que permitiu que nelas se incorporassem significativos avanços. Dentre eles, destaca-se o reconhecimento de que a valorização do profissional do magistério só pode ser assegurada pela garantia de formação inicial e continuada, plano de carreira, salário e condições dignas de trabalho (BRASIL, 2015a).

Evidencia-se, também, a adoção dos seguintes princípios norteadores da base comum nacional para a formação inicial e continuada: sólida formação teórica e interdisciplinar; unidade teoria-prática; trabalho coletivo e interdisciplinar; compromisso social e valorização do profissional da educação; gestão democrática; avaliação e regulação dos cursos de formação, pelo poder público (BRASIL, 2015a). Esses princípios assumidos pelas DCNFICPM/2015 estão presentes em vários documentos produzidos pelos movimentos em defesa da formação e valorização dos profissionais da educação (ANFOPE, 2018).

Araújo (2016) avalia como uma importante vitória dos movimentos sociais a assunção pelas DCNFICPM dessa compreensão de base comum nacional, orientando a formação docente, em um tempo de disputa de projetos curriculares, no qual as propostas do mundo oficial retrocedem aos modelos de currículo mínimo do período da Ditadura Militar.

Como iniciativas conexas à Meta 15, Dourado (2017) cita, ainda: o Parfor, a Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Pibid, o Programa de Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (ProLind), o Programa de Formação Inicial de Professores em exercício na Educação do Campo e Quilombola (ProCampo), o Plano de Formação Continuada dos Servidores da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Plafor), de formação inicial e continuada dos profissionais que atuam na educação profissional e tecnológica (EPT), o Prodocência, a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores e, também, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

Todos esses programas criados e/ou ressignificados, nos governos democráticos populares Lula e Dilma, têm contribuído para impulsionar a formação dos profissionais da educação. Entretanto, os dados apresentados pelo Relatório do Segundo Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE (BRASIL, 2018a) evidenciam a distância do estabelecido pela Meta 15 de atingir 100% das docências da educação básica com formação superior compatível com a área de conhecimento que lecionam. Em 2016, esse índice atingiu 46,6% para educação infantil; 59,0% para os anos iniciais do ensino fundamental; 50,9% para os anos finais; e 60,4% para o ensino médio. Constatou-se que existe uma grande variação entre os índices de formação adequada, concernente à etapa de ensino, à disciplina avaliada, à dependência administrativa, bem como à localização na região geográfica e na zona urbana ou rural.

Outro aspecto relevante nas DCNFICPM/2015 é a ênfase na necessidade da institucionalização de projeto próprio de formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica, por parte das instituições formadoras. Esse projeto deve ter como eixo a concepção indutora de desenvolvimento profissional que redimensiona a formação dos professores da educação básica, fundamentada na concepção de docência que inclui o exercício articulado dos processos ensino e aprendizagem e a organização e gestão de instituições e sistemas educativos. A Resolução CNE/CP N.o 02/2015 (BRASIL, 2015b) determina, ainda, que esse projeto das instituições formadoras deve incluir formas de desenvolvimento da formação continuada dos profissionais do magistério da educação básica, em efetiva articulação com o planejamento estratégico dos Fepad, com os sistemas e redes de ensino. As DCNFICPM/2015 reconhecem, ainda, a importância da formação continuada oferecida pelos centros de formação de estados e municípios, bem como pelas instituições educativas de educação básica. Assim, esses lócus de formação continuada tornam-se parte constitutiva da nova política que se quer consolidar no país.

As novas DCN determinam que, além da formação inicial, em cursos de licenciatura com atestada qualidade socialmente referenciada, o professor tem direito à formação continuada como requisito fundamental para seu desenvolvimento profissional (assegurado também pela nova redação da LDB/1996 conferida pela Lei N.º 12.014/2009c). Desse modo, as DCNFICPM/2015 estão em consonância com o que determina a Meta 16 do PNE (2014-2024): no final da década, 50% dos professores da educação básica devem ter formação em nível de Pós-Graduação.

Consoante ao Relatório já citado (BRASIL, 2018a), o percentual de professores da educação básica que possuíam nível de formação de Pós-Graduação (lato sensu ou stricto sensu) era de 36,2%, o que corresponde a um crescimento de 11,6%, desde 2008. Em valores absolutos, esse percentual representa 812.949 docentes com formação em nível de pós-graduação, de um total de 2.244.128 professores atuantes na educação básica. A análise por grandes regiões, mostra que a região Sul atingiu um índice de 55,5% de professores Pós-Graduados, o maior percentual entre as regiões, seguida por Centro-Oeste e Sudeste, com 40% e 33,7%, respectivamente. As regiões com menores contingentes desses profissionais pós-graduados são a Norte (26,2%) e a Nordeste (31,5%). Esses dados refletem as desigualdades regionais do País, indicando maior dificuldade de formação ou retenção de professores com nível de Pós-Graduação nessas duas regiões (BRASIL, 2018a).

Um fator interveniente relevante na análise desses índices é a baixa atratividade da carreira docente, pois políticas de incentivo ao ingresso e à permanência nas licenciaturas não têm contribuído para a melhoria da titulação dos professores em exercício. Diante de alternativas economicamente mais atrativas, egressos desses cursos migram para outras profissões, apesar de concluírem a formação inicial e/ou até Pós-Graduação para a docência. Diferentemente dos países de maior desempenho socioeconômico e educacional, o Brasil atrai indivíduos com baixo rendimento acadêmico e perfil socioeconômico e cultural para programas de formação docente. A fim de superar esse obstáculo, são necessários incentivos salariais e elevação do status social da profissão (OLIVEIRA; MORICONI; LOUZANO; ROCHA, 2010).

Nesse sentido, a Meta 17 do PNE (2014-2024) prima pela valorização dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica e propõe a equiparação de seu rendimento ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência desse Plano. Na época da aprovação do PNE, a defasagem entre o salário do professor e demais profissionais com ensino superior era de aproximadamente 54%, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios (Pnad). Essa diferença é inaceitável, porém, em seis anos, os entes federados não terão condições de assumir esse reajuste, sem a devida ampliação das fontes de financiamento e efetivação do regime de colaboração (CAPUZZO; ARAÚJO, 2016).

Considerando os dados do Relatório em tela, a comparação entre o rendimento dos profissionais do magistério e dos demais profissionais, no período de 2012 a 2017, constata-se o crescimento de 65,2%, em 2012, para 74,8%, em 2017; portanto, situa-se em uma distância de 25,2% da meta de 100% de equiparação salarial. Denuncia-se que essa melhoria do índice se deve, em grande parte, ao decréscimo do rendimento bruto médio mensal dos demais profissionais, que, em 2012, era de R$ 5.261,75 e reduziu-se para R$ 4.678,26, em 2017. Por sua vez, o rendimento bruto médio mensal dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica demonstrou avanço insignificante de 2,0%, ao passar de R$ 3.433,25, em 2012, para R$ 3.501,09, em 2017 (BRASIL, 2018a).

Além da melhoria salarial, para a efetiva valorização dos profissionais da educação, é necessário assegurar os planos de carreira. A Meta 18 estabelece o prazo de dois anos para que os profissionais da educação básica conquistem esse direito constitucional, tomando como base o PSPN. Contudo, não há, atualmente, qualquer tipo de punição para o ente federado que alega falta de recursos para cumprir essas determinações legais.

Para concretização dessas metas referentes à formação e valorização dos profissionais da educação bem como das demais metas do PNE, a Meta 20 determinava a ampliação do investimento público em educação pública, de forma a atingir, no mínimo, 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, até 2019, e 10%, até 2024. Estabelecia, ainda, na estratégia 20.11, que no prazo de um ano após a aprovação do PNE, fosse aprovada a Lei da Responsabilidade Educacional. Pretendia-se assegurar o padrão de qualidade da educação e criar mecanismos legais para que cada sistema ou rede de ensino fosse responsabilizado pelo cumprimento das metas de qualidade aferidas por institutos oficiais de avaliação educacionais. Entretanto, o Congresso Nacional aprovou, em outubro de 2016, a PEC N.o 241, renomeada no Senado Federal com o N.o 55/2016, instituindo por meio da EC N.o 95/2016, o Novo Regime Fiscal (NRF) no Brasil.

O NRF válido para a União, na prática, congela as despesas primárias do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), nos valores de 2016, pelo prazo de 20 anos17. Esses valores são reajustados com base nos percentuais referentes à inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo IBGE. Nesse momento, é pertinente perguntar com Amaral (2016): como cumprir as metas constantes do PNE? A aprovação da EC N.o 95/2016 significou a morte desse PNE?

Além do congelamento do orçamento por 20 anos, o Governo Temer, resultante de um golpe jurídico-midiático-parlamentar, empreendeu várias medidas na direção do que Saviani (2016) denominou abastardamento da educação. Houve intervenção no Conselho Nacional de Educação com destituição de conselheiros e nomeação de novos sem consulta à comunidade científica e educacional; fim da vinculação constitucional dos recursos para educação e saúde e a homologação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil, ensino fundamental e o ensino médio, que não contempla as contribuições dos diferentes setores da sociedade civil que vinham dialogando com o MEC, nos governos anteriores.

As políticas educacionais do governo ilegítimo iniciaram-se com o encaminhamento de uma proposta conservadora de reforma do ensino médio por meio da Medida Provisória N.° 746/201618, que, convertida na Lei N.º 13.415/2017, altera de modo regressivo a LDB/1996. A referida Lei reestrutura o currículo do ensino médio em duas etapas: uma composta pela BNCC e outra enfatizando determinadas áreas, ou seja, ao invés de um currículo comum a todos, como definido pela CF/1988, pela LDB/1996, institui-se cinco itinerários formativos: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional. Além disso, a referida Lei induz à ampliação gradativa da carga horária mínima anual do ensino médio, que deverá atingir (num tempo não determinado) mil e quatrocentas horas, “devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017. ” (BRASIL, 2017b).

Essa ampliação da carga horária, porém, vem acompanhada pela redução de conteúdos científicos e culturais, visto que a BNCC ficou reduzida, no máximo, a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio (BRASIL, 2017b). Com isso, os sistemas de ensino podem propor uma carga horária menor para a BNCC, visto que a Lei não estabelece seu mínimo. Tal medida acarretará diminuição da qualidade do ensino e da possibilidade de os jovens desenvolverem uma compreensão crítica e ampliada da realidade e dificultará o acesso ao nível superior para a maioria dos alunos da escola pública.

Um dos aspectos mais polêmicos instituído pela Lei N.o 13.415/2017 foi a da possibilidade de contratação de profissionais de alguma especialidade técnico-profissional para o exercício da docência no itinerário V (Formação Técnica e Profissional)19, desde que obtenham o atestado de notório saber, reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional (BRASIL, 2017b). Dispensa-se, assim, a conclusão de curso de licenciatura para esses docentes.

O Governo Temer iniciou-se e findou-se sem apresentar nenhuma proposta estruturada para a formação docente. No apagar das luzes de 2018, assistiu-se à exibição para a imprensa (por meio de slides) de uma proposta de BNCC para os cursos de formação de professores, que desconsidera tanto a Resolução CNE/CP N.º 02/2015, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação inicial e continuada dos professores da educação básica, quanto a experiência histórica das instituições formadoras. O único objetivo explicitado pelo MEC é o de promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de licenciatura às orientações da BNCC com vistas à implantação do Exame Nacional Avaliação do Magistério da Educação Básica (ENAMEB) e o consequente ranqueamento das instituições formadoras, a partir de um padrão estabelecido de maneira autoritária, que fere a autonomia da universidade.

Nesse contexto de reformismo, outro sinal simbólico de intervenção nos conteúdos e funcionamento do ensino é o movimento denominado Escola sem partido, que tem sido apresentado na forma de projetos de lei na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e em várias assembleias estaduais e câmaras municipais do País. O referido projeto é chamado por seus críticos de lei da mordaça, pois explicita uma série de restrições à liberdade do exercício da docência, negando o princípio da autonomia didática consagrado na legislação e nas orientações oficiais relativas ao funcionamento do ensino (SAVIANI, 2016). É importante registrar a vitória dos movimentos sociais, que conseguiram, no dia 11 de dezembro de 2018, o arquivamento do PL N.o 7.180/2014, da Escola Sem Partido, na Câmara dos Deputados, após meses de intensa mobilização contrária à censura na educação. Apesar da batalha vencida, os movimentos sociais precisam permanecer vigilantes e articulados, pois outras virão, tanto no âmbito nacional como nos entes federados. Esse tema voltará às casas legislativas com força total, no Governo Bolsonaro, recém-eleito, empunhando essa bandeira.

Na atual conjuntura, marcada por graves retrocessos na garantia do direito constitucional à educação pública estatal de qualidade social e nas políticas de formação de professores, Saviani (2016) apresenta aos movimentos sociais de educadores um duplo desafio. Por um lado, cabe-lhe exercer o direito de desobediência civil e resistir às iniciativas autoritárias conduzidas por um governo ilegítimo, por outro lado, é sua tarefa histórica lutar para transformar a caótica situação do campo da educação, na tentativa de assegurar às novas gerações uma formação sólida que lhes possibilite o pleno exercício da cidadania. O pesquisador propõe uma resistência ativa que implica dois requisitos: que seja coletiva e propositiva, isso é, que seja capaz de apresentar alternativas às medidas do governo. Para tanto, ele sugere o aporte de uma teoria pedagógica histórico-crítica que compreende a educação como um ato político. Para ele, agir como se a educação fosse isenta de influência política é uma forma eficiente de colocá-la a serviço dos interesses dominantes. Esse entendimento é inteiramente oposto àquele assumido pela autoproclamada escola sem partido20, que defende a neutralidade da educação em relação à política, como o real objetivo de:

[...] estimular o idealismo dos professores, fazendo-os acreditar na autonomia da educação em relação à política, o que os fará atingir o resultado inverso ao que estão buscando: em lugar de, como acreditam, estar preparando seus alunos para atuar de forma autônoma e crítica na sociedade, estarão formando para ajustá-los melhor à ordem existente e aceitar as condições de dominação às quais estão submetidos. (SAVIANI, 2016, p. 391).

Considerações finais

Diante do cenário de ameaças às políticas educacionais e à democracia, adota-se aqui as três principais bandeiras de luta apresentadas no Documento Final do XIX Encontro Nacional da Anfope: a revogação da EC N.o 95/2016, que, ao impor um Novo Regime Fiscal e o congelamento de gastos públicos primários por 20 anos, inviabiliza o cumprimento do PNE, afetando os investimentos em educação pública e demais áreas sociais; a revogação da Lei N.o 13.415/2017 de Reforma do Ensino Médio; a revogação da BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (ANFOPE, 2018).

O referido documento apresenta duas importantes alternativas de enfrentamento aos retrocessos e arbitrariedades impostas ao campo da formação docente e da garantia do direito à educação de qualidade socialmente referenciada a todos. Primeira: o fortalecimento da resistência a uma BNCC de Formação Docente que desconfigura a base comum nacional construída pelo movimento e consolidada na Resolução CNE/CP N.o 02/2015, por meio do fortalecimentos de projeto institucionais de formação que implementem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, aprovadas pelo CNE em 2015. Segunda: a mobilização dos estudantes e professores para novas formas de trabalho na educação básica, que rejeitem a vinculação mecânica entre as propostas político-pedagógicas das escolas com a BNCC e sua consequente preparação dos estudantes para os exames nacionais. Para tanto, é fundamental, também, envolver os pais em formas criativas e inovadoras de participação democrática no coletivo da escola, informando-os acerca dos objetivos desse novo currículo padronizado e suas consequências danosas (ANFOPE, 2018).

Nessa complexa conjuntura, é imprescindível o fortalecimento da luta pelo o direito a uma educação de qualidade a toda a população e de formação inicial e continuada articulada a políticas de valorização profissional a todos os docentes. A resistência ativa e propositiva é, pois, indispensável como estratégia de luta por uma escola pública livre das intervenções dos reformadores empresariais da educação (FREITAS, 2012), que visam à construção de uma hegemonização do campo educacional, direcionada aos interesses do mercado em detrimento dos direitos daqueles que vivem do trabalho.

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1Adota-se aqui a concepção de Estado de Gramsci (1891-1937), segundo o qual, para assegurar o domínio de um grupo sobre outro, é necessário combinar coerção e hegemonia. Ao analisar os mecanismos de construção dessa hegemonia, Gramsci amplia o conceito de Estado, que para ele é composto por duas instâncias distintas: a sociedade política e a sociedade civil. Sociedade política consiste no Estado-coerção - ou Estado no sentido estrito -, formado pelos mecanismos que asseguram o monopólio da força pela classe dominante, como a burocracia executiva, jurídica, legislativa e policial-militar. Sociedade civil é composta pelas organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias: o sistema escolar, as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, as organizações profissionais, as organizações culturais, os meios de comunicação e a indústria cultural. À segunda corresponde a função de hegemonia que o grupo dirigente exerce sobre o conjunto do corpo social e à primeira a dominação direta ou comando (GRAMSCI, 1978; MACCIOCCHI, 1980).

2A esse respeito ver as análises acerca das recomendações dos organismos multilaterais para a melhoria da qualidade da educação escolar e a concepção de professores e de formação docente que orienta os documentos emitidos por esses organismos, realizadas por Shiroma e Cunha (2016).

3Nas sociedades capitalistas, o Estado assume a tarefa de formar um tipo determinado de homem coletivo, ou seja, de conformar técnica e eticamente as massas populares à sociedade burguesa. Para contrapor-se a essa ordem, Gramsci (1979) defende a necessidade da construção de uma contra-hegemonia por parte dos grupos ou classes dominadas, para criar uma cultura que promova a unidade de pensamento e ser, teoria e prática, filosofia e política, a fim de produzir a conversão da ideologia em vontade coletiva”, constituída a partir dos problemas concretos de uma determinada sociedade (FERRETI; SILVA, 2017). Esse é o papel movimento nacional de educadores, que se posiciona em defesa de outra sociedade e outra escola possíveis.

4Essa rede é constituída pelas seguintes entidades: Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e Fórum de Diretores das Faculdades de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUNDIR).

5Aguiar (2018) faz uma excelente reflexão para distinguir a Base Nacional Comum da formação de professores defendida pelos movimentos sociais em prol da formação dos profissionais da educação, desde a década de 1980, da BNCC aprovada pelo CNE em 2017.

6Ver conceito de qualidade social no Documento Final da CONAE 2014 (BRASIL, 2014b, p. 64-79).

7Bastos (2013, p. 1) conceitua financeirização como “modo atual de funcionamento do capitalismo global, originado na década de 1980, contemporâneo da mundialização financeira. Esse modo é marcado pela importância da lógica da especulação, ou seja, por decisões de compra (venda) de ativos comandadas pela expectativa de revenda (recompra) com lucros em mercados secundários de ações, imóveis, moedas, créditos, commodities e vários outros ativos.” No processo de financeirização, os maiores beneficiados são os bancos, as empresas e as organizações familiares (portadoras de grandes fortunas), atraídos por ganhos advindos de atividades especulativas. Esse processo, no qual o Brasil inseriu-se nas últimas décadas, é mundial e impacta as relações internacionais, que influenciam o comportamento das economias nacionais.

8Carvalho (2009) resume os aspectos fundantes dessa reforma, que teve como seu principal mentor no Brasil o Ministro Bresser Pereira.

9Essas instituições têm se tornado importante lócus de formação de professores, pública e gratuita, tanto pela cobertura de todas as regiões do país, quanto pela qualidade da formação desenvolvida, que articula ensino, pesquisa e extensão, em instituições com excelente estrutura física e corpo docente altamente qualificado.

10Nas décadas anteriores, essa expansão se deu prioritariamente em instituições privadas de Ensino. No período de 1996 a 2014, embora o crescimento da oferta de vagas em cursos de graduação oferecidas pelo Setor Público tenha sido superior a 100%, pois de 735.427 ampliou-se para 1.821.629, a porcentagem dessas vagas em relação ao Setor Privado diminuiu, passando de 39% para 28%. Dados apresentados por Cabral Neto e Castro (2018).

11Ressalta-se a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), por meio do Decreto N.° 5.159/2004. Unidade administrativa do Ministério da Educação (MEC), inicialmente nominada Alfabetização e Diversidade (SECAD), teve como função elaborar, fomentar e financiar projetos e programas de inclusão e melhoria da qualidade social da educação básica, principalmente para os grupos historicamente marginalizados.

12O Decreto N.º 6.755/2009 foi alterado pelo Decreto N.º 7.415/2010, que instituiu a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica e dispôs sobre o Programa de Formação Inicial em Serviço dos Profissionais da Educação Básica dos Sistemas de Ensino Público - Profuncionário, para atender aos profissionais da educação contemplados pelo Inciso III do Art. 61 da LDB/1996, incluído pela Lei N.º 12.014/2009c. Com a homologação das novas DCN para a Formação dos Professores da Educação Básica, esses Decretos foram revogados e substituídos (já no governo Dilma Rousseff) pelo Decreto N.º 8.752/2016.

13A Lei N.º 13.005 (BRASIL, 2014a), que aprovou o PNE (2014-2024), no seu Art. 13, determina o prazo de dois anos (ou seja, junho de 2016), a partir de sua publicação para a elaboração da lei específica, que irá instituir o Sistema Nacional de Educação (SNE). O SNE prevê ações articuladas entre a União, estados e municípios, em regime de colaboração, a fim de cumprir as metas e as estratégias contidas no PNE. Essa regulamentação do SNE está pronta para votação na Comissão de Educação da Câmara, mas já deveria estar em vigor desde 2016.

14Por força da Emenda Constitucional N.º 59 (BRASIL, 2009b), o PNE passou de disposição transitória da LDB para exigência constitucional com periodicidade decenal e se constituiu no epicentro das políticas educacionais que devem ser referência para os planos plurianuais e os planos estaduais, distrital e municipais. Além disso, passou a ser compreendido como o articulador do SNE (DOURADO, 2017).

15O FNE constitui-se um espaço de interlocução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro, reivindicação histórica da comunidade educacional e fruto de deliberação da Conae (2010). De caráter permanente, o FNE foi criado por Portaria Ministerial N.º 1.407/2010 e instituído pela Lei N.º 13.005/2014. A referida Portaria em seu Art. 3º determinou a composição do Fórum com ampla participação de entidades e organizações da sociedade civil, do movimento sindical e da comunidade científica, juntamente com elementos do MEC e do Congresso Nacional. No Governo Temer, a Portaria N.o 577/2017 desconfigurou a composição do Fórum, substituindo entidades ligadas aos movimentos sociais por outras atreladas aos setores privados e aos “reformadores empresarias da educação” (FREITAS, 2012, p. 379).

16Esse Decreto abriu brechas para medidas polêmicas que foram empreendidas no Governo Temer, como a criação do Comitê Gestor Nacional. Esse órgão tem como atribuições: I - aprovar o Planejamento Estratégico Nacional proposto pelo Ministério da Educação; II - sugerir ajustes e recomendar planos estratégicos estaduais para a formação dos profissionais da Educação Básica e suas revisões, além de opinar em relação ao Planejamento Estratégico Nacional e às ações e aos programas integrados e complementares que darão sustentação à política nacional e III - definir normas gerais para o funcionamento dos Fóruns Estaduais Permanentes e do Fórum Distrital Permanente de Apoio à Formação dos Profissionais da Educação Básica e o acompanhamento de suas atividades (BRASIL, 2016a). No contexto autoritário vivenciado pelo país, após a destituição da presidenta eleita por meio de Golpe jurídico-midiático-parlamentar (SAVIANI, 2016), esse Comitê Gestor pode se constituir num sério limitador da autonomia dos Fepad em definir a políticas de formação docente de sua unidade federativa. O Decreto estabelece no § 3o do Art. 1o, que a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica deverá assegurar sua coerência com: I - as Diretrizes Nacionais do Conselho Nacional de Educação - CNE; II - com a Base Nacional Comum Curricular [...] (BRASIL, 2016a). Ademais, no Inciso VII do Art. 11, cria condições para o modelo de residência pedagógica realizada no interior da formação inicial, ao reconhecê-la como programa de iniciação à docência. Assim, legitima as prescrições do Edital CAPES N.º 06/2018, que faz a Chamada Pública para apresentação de propostas no âmbito do Programa de Residência Pedagógica. O Edital apresenta, dentre seus objetivos: induzir a reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, tendo por base a experiência da residência pedagógica e promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de licenciatura às orientações da BNCC, ferindo a autonomia das IES no que se refere à construção de seus currículos e de suas políticas de estágio supervisionado.

17Esses 20 anos, que se estenderão até 2036, abrangerão para além do período do PNE (2014-2024), também, o período do próximo PNE que deverá ser de 2025 a 2035.

18A Medida Provisória (MP) no 746 foi editada no dia 22 de setembro de 2016, apenas 22 dias após a posse de Michel Temer como Presidente da República, que assumiu esse cargo, em decorrência do conturbado processo de impeachment de Dilma Rousseff, levando ao questionamento: quais os interesses que motivaram a urgência dessa reforma?

19Esse quinto itinerário tem sido, inclusive, apresentado como alternativa para a formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental e educação infantil.

20A proposta da escola sem partido se origina de partidos situados à direita do espectro político com destaque para o PSC e PSDB, secundados pelo DEM, PP, PR, PRB e os setores mais conservadores do PMDB. Saviani (2016, p. 391) explica que a “escola sem partido” é “a escola dos partidos da direita, os partidos conservadores e reacionários, que visam manter o estado de coisas atual com todas as injustiças e desigualdades que caracterizam a forma de sociedade dominante no mundo. ”

Recebido: 23 de Setembro de 2019; Aceito: 25 de Setembro de 2019

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