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Revista de Educação Pública

versión impresa ISSN 0104-5962versión On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.29  Cuiabá ene./dic 2020  Epub 01-Dic-2020

https://doi.org/10.29286/rep.v29ijan/dez.7019 

Artigos

Compreensão da linguagem matemática no 9º ano do Ensino Fundamental

Comprehension of mathematical language in the 9th year of elementary school

Giselle de Paiva SILVA1 

Adelmo Carvalho da SILVA2 

1Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professora da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso – SEDUC/MT.

2Doutor em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. Professor Associado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).


Resumo

A pesquisa teve como objetivo investigar as causas das dificuldades de compreensão da linguagem matemática apresentada nas atividades de sala de aula. Usou a abordagem qualitativa e o método interpretativo, tendo como instrumentos: a observação participativa, entrevista semiestruturada, diário de campo e material dos alunos. A análise norteou-se pelo método interpretativo. Os sujeitos foram alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e seus professores de Matemática. Os resultados indicaram que: os alunos investigados apresentaram dificuldades de compreensão daquilo que se lê. Nesse sentido, a investigação contribui para discussões relacionadas às dificuldades de compreensão da linguagem matemática e sua relação com a aprendizagem matemática.

Palavras-chave Linguagem Matemática; Ensino; Matemática; Compreensão

Abstract

The aim of the research was to investigate the causes of difficulties in understanding the mathematical language presented in the classroom activities. He used the qualitative approach and the interpretative method, having as instruments: participatory observation, semi-structured interview, field diary and student material. The analysis was guided by the interpretive method. The subjects were 9th grade students and their mathematics teachers. The results indicated that: the students investigated presented difficulties in understanding what they read. In this sense, the research contributes to discussions related to the difficulties of understanding the mathematical language and its relation with mathematical learning.

Keywords Mathematical Language; Teaching; Mathematics; Comprehension

1 Introdução

O estudo que se apresenta parte da premissa que a compreensão da linguagem matemática colabora para o desenvolvimento da aprendizagem em Matemática. Nesse sentido, foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa que buscou, por meio do método interpretativo, analisar como os alunos compreendem a linguagem matemática utilizada pela escola para ensinar Matemática na Educação Básica. Os instrumentos utilizados na análise foram a observação participativa, entrevista semiestruturada, diário de campo e material dos alunos. Os sujeitos foram alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e seus professores de matemática de duas escolas públicas do Estado do Mato Grosso.

Para situar os leitores utilizou-se de alguns excertos do capítulo da “Análise de dados”, da pesquisa que foi construído a partir da interpretação das informações coletadas com os instrumentos utilizados na pesquisa. Os dados produzidos foram organizados por categorias, buscando suas relações no que se refere a análise das informações coletadas na pesquisa. Sendo assim, obteve-se três categorias principais: práticas pedagógicas; dificuldades apresentadas pelos alunos na compreensão da linguagem matemática e compreensão da linguagem matemática. Apresentar-se-á aqui um recorte da análise dos dados relacionado com a categoria: compreensão da linguagem matemática, por entender da importância do debate sobre esta temática para o processo de ensino e aprendizagem da matemática.

2 Ensino da matemática na escola

A história da educação no Brasil mostra que o ensino foi entendido durante muito tempo como um processo de transmissão do conhecimento. Em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais já apontavam a necessidade de reverter este cenário. O documento ressalta que “em nosso país, o ensino da matemática ainda é marcado pelos altos índices de retenção, pela formalização precoce de conceitos, pela excessiva preocupação com o treino de habilidades e mecanização de processos sem compreensão” (BRASIL, 1998, p. 19).

Diante desse cenário, o Estado do Mato Grosso, na tentativa de garantir a qualidade e terminalidade na idade certa, concebeu a implantação da escola organizada por ciclo de formação humana. Dados do Plano Nacional de Educação (PNE-2014-2024) indicam uma significativa superação na taxa de alunos que frequentam o Ensino Fundamental em Mato Grosso, pois 99,3% dos alunos estão na escola.

Todavia, segundo PNE (2015), os dados do IDEB1 revelaram que mesmo com os avanços sua média ainda se encontra abaixo da meta (4,7) estipulada para 2015. O IDEB do MT2 iniciou em 2005 com 3,1 e está em 4,5 em 2015 e tem como desafio aumentar seu índice para 5,0 em 2017. Esse fato abre a discussão para um ensino da matemática que proporcione condições de terminalidade na idade certa e a aprendizagem, para que ao final do Ensino Fundamental o aluno tenha garantia de aquisição dos conhecimentos referentes à etapa concluída.

Diante da complexidade do atual cenário vivido pelo ensino no Brasil, a escola tende a empregar um modelo de ensino que não condiz com a realidade. Conforme afirma Micotti (1999), as reformas curriculares estão presentes nos meios escolares, contudo sua efetivação encontra várias dificuldades e neste contexto está inserido o ensino da matemática.

Como ressalta a autora, a principal função da escola é educar, no sentido de conduzir o aluno a compreender o ambiente em que está inserido, cabendo ao mesmo organizar e sistematizar o conhecimento. Nessa perspectiva cabe ao professor atuar como mediador do conhecimento conduzindo os alunos à uma interação significativa com os objetos de aprendizagem que os permitam oferecer sentido e significado ao saber matemático. Dessa forma, o processo de ensino aprendizagem exige de seus sujeitos novas posturas didáticas e pedagógicas. Saber ensinar implica um ato de reflexão crítica sobre os processos de ensinar e apreender na escola de Educação Básica.

A reflexão sobre o ensinar matemática remete-se ao apreender. Entende-se que apreender matemática envolve também compreender sua linguagem, logo “aprender matemática é, em grande parte, aprender e utilizar suas diferentes linguagens – aritmética, geométrica, gráfica, entre outras” (KLÜSENER, 2011, p. 183). Coadunando dessa opinião, Cândido (2001, p.16) afirma que,

aprender possui um caráter dinâmico, o que requer ações de ensino direcionadas para que os alunos aprofundem e ampliem os significados que elaboram mediante suas participações nas atividades de ensino e aprendizagem (CÂNDIDO, 2001, p. 16).

É nessa ótica que o presente texto se orienta, ao compreender que,

o ensino é um conjunto de atividades sistemáticas, cuidadosamente planejadas, nas quais o professor e o aluno compartilham parcelas cada vez maiores de significados com relação aos conteúdo do currículo escolar, ou seja, o professor guia suas ações para que o aluno participe em tarefas e atividades que o façam aproximar-se cada vez mais daquilo que a escola tem para lhe ensinar.(CÂNDIDO, 2001, p. 16)

Nessa mesma perspectiva, as Orientações Curriculares de Mato Grosso (2009, p.9) entendem que “a escola é a instituição legitimada como lócus de aprendizagem de conceitos e a construção de ideias”, onde pode-se subsidiar as reflexões e desenvolver a autonomia intelectual. O mesmo documento orienta que é necessário considerar para o processo de ensino e aprendizagem as dimensões psicológicas (afetiva, cognitiva e sociocultural) dos alunos.

Ainda conforme afirma Panavello (2007), a aprendizagem da matemática ocorre quando os sujeitos envolvidos, alunos e professores, compreendem que o processo de construção do conhecimento matemático é muito mais do que fazer contas ou exercícios padronizados. Segundo a autora, nesse processo deve existir um exercício constante do pensamento, de comunicação e de interpretação da linguagem – natural ou matemática.

Retomando o principal, o propósito da educação mato-grossense – terminalidade na idade certa – é cogente que os processos de aprendizagens da matemática estejam voltados para a compreensão daquilo que se aprende na escola, ou seja, o conhecimento matemático. É necessário que a escola entenda que o ensino da matemática colabora na formação integral do indivíduo, especialmente, quando se considera o sentido e o significado dos conceitos na construção do aprendizado.

  1. Ensino da matemática e sua linguagem

A capacidade de se comunicar é própria do ser humano, que ao nascer traz consigo estruturas físicas, biológicas e cognitivas que proporcionarão esta atividade no decorrer do seu desenvolvimento. No grau de efetivação deste processo estarão envolvidos o indivíduo e o meio social ao qual está inserido. A partir disso, surgiram ao mesmo tempo novos meios de comunicação, criou-se a necessidade de aprender e ensinar a se comunicar para que houvesse diálogo entre seus pares, tendo como consequência a promoção do desenvolvimento de diversos setores da ciência.

Atualmente, a informação devido ao resultado do desenvolvimento tecnológico está a cada dia mais acessível em todos os contextos sociais. Nesse sentido, para compreender a mensagem divulgada, seja na escola ou em qualquer outro ambiente, é necessário entender as diversas formas de linguagens utilizadas para expressar ideias, fatos e acontecimentos. A linguagem matemática está inserida nesse contexto, visto que a mesma é a expressão da própria matemática e sendo ela parte constituinte do processo histórico do desenvolvimento humano, faz-se presente nas relações sociais. Dessa forma, é importante a compreensão de sua linguagem para que se entenda o contexto social em que se vive e possa estabelecer a comunicação e exercer a cidadania.

É por meio da língua, nesse caso a língua materna, que o homem expõe suas ideias e pensamentos, argumenta, expressa seus sentimentos e estabelece vínculos socioculturais. Machado (2011) e Vygotsky (1993), afirmam que a principal função da língua é a comunicação. Entende-se que neste movimento de comunicar-se ocorre a reflexão sobre o que se propõe a falar ou o falado. Nessa perspectiva a comunicação promove o processo de aprender e o ensinar.

Com isso, a língua materna é peça fundamental no processo de ensino e aprendizagem, sobretudo, na escola. Para o ensino da Matemática a mesma age como base para a significação dos conceitos e ideias, colaborando para a compreensão de sua linguagem e o aprendizado do conhecimento matemático (CÂNDIDO, 2001; MACHADO, 2011).

Granell (1999), ao teorizar sobre o assunto, afirma que há entre os teóricos que se ocupam com o estudo da linguagem matemática uma dicotomia sobre a matemática como linguagem ou a matemática possuidora de uma linguagem, ao ponto que para alguns é impossível estabelecer uma separação de forma efetiva entre as duas. Todavia, há o acordo sobre sua universalidade e formalidade, o qual proporciona a capacidade de comunicação entre os seus interlocutores independentemente da língua materna falada.

A partir de estudos realizados sobre a temática, entende-se que a Matemática é um conhecimento que se constitui historicamente, possuidora de uma linguagem específica e universal, integrada no processo de acesso aos seus objetos. Concebe-se que compreender os seus objetos, envolve também compreender a linguagem que é utilizada na construção desse conhecimento, pois a linguagem assim como a Matemática, passou por diversas mudanças ao longo da História. Nesse sentido, é importante conhecer algumas definições sobre a linguagem matemática. Iniciamos com o esclarecimento de Granell (1999, p. 272), para a autora a linguagem matemática possui um alto grau de generalização, sendo essencial e constitutivo do conhecimento matemático e sua função principal é converter os conceitos matemáticos em objetos mais compreensíveis para possibilitar a inferência.

Lorenzato (2010, p. 43), é assertivo ao afirmar em seus escritos que “A matemática também possui uma linguagem própria que se apresenta com seus termos, símbolos, tabelas, gráficos, entre outros”. Caracteriza-se “por ser resumida e precisa, possui expressões, regras, vocábulos e símbolos próprios”. Corroborando com a discussão, Silva (2003, p. 72) afirma que “a linguagem matemática dispõe de um conjunto de símbolos próprios, codificados e que se relacionam segundo determinadas regras”. Em sua estrutura admite-se os componentes da linguagem escrita, oral e pictórica, utiliza a língua natural como língua suporte.

A linguagem matemática no princípio da vida escolar é representada por situações do cotidiano do aluno. Com o avançar da escolarização, passa a apresentar aspectos mais formais, exigindo atenção deliberada do professor no que se refere ao ensino da matemática de forma significativa. Logo, ela está inserida na realidade social e escolar da criança. Assim, como destacam Skora, Junior, Stadler (2011, p. 4) sobre a importância de trabalhar a linguagem matemática desde as series iniciais, conduzindo os alunos a perceberem essas diferenças ao longo da escolarização, usando a língua materna como meio de “tradução”.

Granell (1999), afirma que as mudanças na forma de representar a Matemática passam despercebidas pelos alunos, visto que para os mesmos seria “ilógico” mudar a forma de representar a Matemática, promovendo dificuldades na construção da compreensão dos significados. Dificuldade enfrentada por alunos e professores na sala de aula para entender e explicar uma linguagem com símbolos próprios, pois não se estabelece a ampla visão sobre a progressividade na forma de representar a linguagem matemática no processo de escolarização.

No ensino da Matemática, a língua materna colabora como suporte nos mecanismos que envolvem a oralidade, leitura, escrita e tradução dos significados. Desse modo, observa-se uma impregnação entre ambas, diante do paralelismo de suas funções no sistema de representação da realidade:

[...] para caracterizar a impregnação entre a Matemática e a Língua Materna, referimo-nos inicialmente a um paralelismo nas funções que desempenham no sistema de representação da realidade, se complementam nas metas que perseguem, são irredutíveis uma à outra e imbricações básicas no ensino de ambas (MACHADO, 2011, p. 95).

Assim, como afirma as autoras, quando apresentam a relação entre a língua materna e a matemática é necessário que ao resolver problemas

[...] o aluno passa por um processo que envolve a língua materna, que é uma significação externa, num primeiro momento, para depois chegar à solução do problema obtendo a significação interna. Ele entende o problema (movimento externo) para então elaborar a solução (movimento interno). Esse elo externo-interno precisa ser completo para que ocorra a aprendizagem matemática (VIALLI; SILVA, p.14, 2007).

Todavia, apesar de fazerem parte do mesmo sistema de representação da realidade, a comunicação do dia a dia é realizada na língua materna. Dessa forma, quando o aluno chega a escola já está familiarizado com a mesma, ao contrário da linguagem matemática, cujo aprendizado acontece nos bancos escolares e a partir da vivência escolar o aluno constitui a relação entre a linguagem e a Matemática. Como afirma Nascimento e Silva (2010, p. 6) “as especificidades da linguagem matemática requerem que o aluno se familiarize com os símbolos próprios para encontrar sentido no que lê e ouve”.

Segundo Granell, (1999, p. 280) “A linguagem matemática envolve a ‘tradução’ da linguagem natural para a linguagem universal formalizada”, permitindo a abstração do essencial. A Matemática “usa uma linguagem específica, diferente das linguagens naturais e cuja aquisição não pressupõe a mera ‘tradução’ para a linguagem natural”.

Colaborando nessa temática, Klüsener (2011, p. 194) entende que “a linguagem matemática e sua compreensão, somente serão possíveis à medida que a língua materna for utilizada de maneira adequada, já que a informação matemática, na maioria dos casos, nos chega mediante a linguagem oral ou gráfica”. Para o autor é importante resgatar na prática pedagógica as diferentes expressões de linguagem no desenvolvimento dos conceitos.

Nesse sentido, entende-se como tradução, o ato pelo qual o professor apresenta o significado matemático ao aluno sem tirar suas características únicas. Logo, traduzir permitirá a abstração dos objetos matemáticos. Entretanto, é preciso considerar que na conversão em uma linguagem compreensível para os alunos não sejam utilizados termos que mudem o significado matemático ou que substituam a própria linguagem matemática por outra não oficial. Para que os alunos se apropriem ao longo do processo escolar dos significados matemáticos se familiarizando com uma linguagem que é própria da Matemática.

Nessa perspectiva, considera-se que o trabalho do professor tem papel fundamental, pois ele mediará a compreensão da linguagem matemática, promovendo a significação. Sua tradução conduzirá o aluno a estabelecer o significado do objeto que se pretende apreender. E a efetivação desta compreensão dependerá do sentido que o professor utilizará na sua tradução. É importante promover a tradução sem retirar o significado matemático, ou seja, descarta-se o uso de termos populares muito comuns nas salas de aula, que na intenção de promover a compreensão por fim conduzem a um aprendizado momentâneo, pois o aluno não se familiariza com a linguagem própria da Matemática.

Esta pesquisa não buscou, apenas, valorizar a formalidade da linguagem matemática, mas sim mostrar que o processo de apreender matemática envolve entender o significado dos seus símbolos, códigos e signos. Dessa forma, no aprendizado matemático permeiam o aprender e compreender sua linguagem

[...] aprender matemática significa aprender a observar a realidade matematicamente, entrar na lógica do pensamento e da linguagem matemática, usando as formas e os significados que lhe são próprios”. (GRANELL, 1999, p. 282).

O PCN II evidencia a importância da linguagem matemática no processo de apreensão da Matemática e orienta a valorização da sua linguagem para aprender a se expressar com clareza, dentre seus objetivos para o Ensino Fundamental

[...] comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apresentar resultados com precisão e argumentar sobre suas conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo relações entre ela e diferentes representações matemáticas (BRASIL, 1998, p. 48).

O documento orienta que os alunos que estão cursando os anos finais do Ensino Fundamental apresentam condições para perceber as múltiplas formas de representação da linguagem matemática. Sendo assim, essa etapa do ensino é compreendida como a preparação, na perspectiva de habituar-se a comunicar e escrever utilizando a linguagem própria da matemática, visto que, o próximo passo no Ensino Médio os alunos deverão “Reconhecer e utilizar adequadamente, na forma oral e escrita, símbolos, códigos e nomenclatura da linguagem científica” (BRASIL, 2002, p.114).

Do exposto, Cândido (2001) entende que a tarefa dos professores com relação à linguagem matemática na educação básica desdobra-se em duas direções:

Primeiro, na direção do trabalho sobre os processos de escrita e representação, sobre a elaboração dos símbolos, o esclarecimento quanto às regras que tornam certas formas de escrita legítimas e outras inadequadas. Segundo, o desenvolvimento de habilidades de raciocínio que, para as crianças, se inicia com o apoio da linguagem oral e vai, incorporando textos e representações mais elaborados (CÂNDIDO, 2001, p. 17).

Isso posto, destaca-se importância da compreensão de sua linguagem para o aprendizado matemático. O caráter formal da linguagem matemática pode tornar uma das dificuldades dos alunos, dessa forma, o papel do professor é fundamental, pois a ele caberá relacionar os significados da linguagem matemática.

3 Compreensão da linguagem matemática pelos alunos

Como afirmado, este texto é uma fração da pesquisa de mestrado “Compreensão da linguagem matemática por alunos do 9º ano do Ensino Fundamental”, que teve como um de seus objetivos específicos: Analisar as implicações da não compreensão da linguagem matemática no processo de aprendizagem da Matemática ensinada na escola. Nesse sentido, apresenta-se alguns dados significativos obtidos por meio da observação participativa durante as aulas nos lócus da pesquisa, intituladas de Escola A e Escola B.

Os sujeitos participantes foram alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e suas respectivas professoras de matemática, “Rita” e “Neide”, em duas escolas públicas do interior do Estado do Mato Grosso. Primeiramente, apresentar-se-á as interpretações da Escola A, seguida pela Escola B.

    a). Escola A

Durante o ato de explicar/ensinar, da professora Rita, foi possível observar, pelas manifestações e falas de alguns alunos, a dificuldade em compreender a relação de igualdade entre os radicais. Ao explicar que (1), a professora comenta que a resposta poderia ser (2) ou (3), que matematicamente não se alterara o valor do radical; entretanto, se escreve (3) por já subentender que (1). Percebe-se que os alunos não compreendem que, ao omitir o índice da raiz e o expoente do radicando, as expressões têm o mesmo significado, ou seja, o mesmo valor. E o aluno questiona a professora: “Professora, sempre vou ter que usar o ou?”

\sqrt[2]{5^1} = \sqrt{5} (1)
\sqrt[2]{5^1} (2)
\sqrt{5} (3)

Assim, presencia-se em suas falas que o mesmo ainda não compreende a relação de igualdade existente entre as expressões (1). Causando estranheza para o aluno o fato de formas diferentes de escrever representar o mesmo valor. O aluno ainda não compreende a linguagem matemática utilizada para representar e ler a atividade proposta. Não há como resolver a atividade de forma significativa. Nesse sentido, depreende-se que o seu processo de ensino não possibilitou ao mesmo a familiarização com as formas de representar a matemática, a ele parece não fazer sentido que (1). Confirmando-se que a escrita matemática “só terá sentido se as combinações dos símbolos tiverem algum significado para quem os estiver lendo” (VIALLI; SILVA, p. 10, 2007).

Para Smole e Diniz (2001), a escrita é um dos meios de comunicação da matemática. Para Machado a (2011), a escrita é um produto básico na atividade escolar e a oralidade desempenha um papel singular na aprendizagem da língua escrita. O oral e o escrito apresentam uma relação simbiótica, a cada instante o oral e o escrito parecem indicar que os papéis que desempenham na comunicação e na expressão são fundamentais e insubstituíveis.

Corroborando com o debate sobre a escrita matemática, Cândido (2001) destaca a importância do trabalho pedagógico considerar os processos de representação da matemática mostrando aos educandos as formas legítimas e inadequadas de escrita, além de promover o desenvolvimento de habilidades como o raciocínio matemático. Pois, “saber Matemática implica dominar os símbolos formais independentemente das situações específicas e, ao mesmo tempo, poder devolver a tais símbolos o seu significado referencial e então usá-los nas situações e problemas” (GRANELL, 1999, p. 274).

Outro ponto significativo da discussão sobre a compreensão da linguagem matemática foi levantado durante a entrevista semiestruturada. No intuído de entender as dificuldades dos alunos, perguntou-se a eles, qual palavra ou símbolos que não haviam entendido na atividade, dos 15 alunos entrevistados, cinco relataram não entender o significado de: perímetro, (4) e radiciação. Verifica-se que a problemática está justamente na não compreensão da palavra/conceito que estava sendo ensinado aos alunos. Diante deste apontamento, entende-se que os mesmos podem estar reproduzindo técnica e regras sem ocorrer a compreensão daquilo que está sendo apresentado.

\frac{\sqrt[3]{24}}{\sqrt[3]{3}} (4)

Tal fato pode ser confirmado durante a observação da realização das atividades, alguns alunos se aproximavam para solicitar auxílio na solução das atividades e surgiram situações como a de do sujeito S7. Ao solicitar explicação na atividade na qual era necessário determinar as raízes, a dúvida era em efetuar a expressão: (5) , o aluno questiona: “Tá certo aqui? Quanto dá?” Indicando a fatoração de 16, a pesquisadora responde: “sim”. Em seguida, ele questiona, “e esse 4?”, referindo-se ao (6).

\sqrt[4]{16} (5)
\sqrt[4]{} (6)

Duas situações podem ser percebidas em suas falas, primeiramente, ele não soube fazer a leitura do símbolo e não compreendeu a função do índice da raiz. Ou seja, como se tratava de uma raiz quarta, que era necessário compreender que (8), logo (9), o índice da raiz pode ser simplificado com o expoente do radicando. Dados do caderno de campo apontam que vários alunos apresentaram dificuldade para operacionar as raízes com índice superior a três, tal dificuldade pode estar relaciona a não compreensão da propriedade de resolução das raízes.

2^4 = 16 (7)
\sqrt[4]{16} = \sqrt[4]{2^4} (8)

Ao observar e ouvir as dúvidas dos alunos durante as aulas e suas falas na entrevista, interpreta-se que a não compreensão do símbolo (10), que (11), conduz os alunos ao erro e desmotiva o aluno a prosseguir na resolução da atividade. A não compreensão da linguagem matemática pode conduzir os alunos a diversas dificuldades com a resolução das atividades, porque para eles perde o sentido, pois a escrita matemática tem seu modo próprio, “há uma especificidade, uma característica própria na escrita matemática que faz dela uma combinação de sinais, letras e palavras que se organizam segundo certas regras para expressar ideias” (SMOLE; DINIZ, 2001, p. 70).

\sqrt[n]{a} (9)
n > 2 (10)

Conforme afirmam as autoras, a escrita matemática tem especificidades e características próprias, podendo-se afirmar que a sua escrita não segue a mesma lógica que a escrita da língua materna. Esse fato torna a compreensão da linguagem matemática um pouco mais complexa, principalmente, para os alunos, ao considerar que ainda estamos repetindo um tipo de ensino baseado na repetição de modelo sem compreender ao menos os símbolos ali envolvidos.

    b). Escola B

No que se refere as dificuldades de compreensão dos alunos da Escola B, a entrevista revelou que entre os 19 participantes, 10 alunos manifestaram ter alguma dificuldade com a resolução da atividade – figura abaixo – aplicada pela professora Neide, na qual era solicitado calcular o segmento AC e DE. Tal atividade foi utilizada na entrevista semiestruturada, que entre os diversos questionamentos da pesquisa destaca-se, “fale sobre as suas principais dificuldades”.

Ao expor suas dificuldades os mesmos relatam: “Eu não entendi a três”; “A figura está montada diferente”; “Eu não sabia o que ia ligar”; “Foi entender AB//DE”, “AB=30, CD=8, daí aqui no final está AB=DE, para tirar o lado de DE”. Ficando evidente no exposto pelos alunos, que a principal dificuldade foi em compreender o símbolo (12), como indica a figura a seguir:

\overline{AB}/ / \overline{DE} (11)

Fonte: material do aluno

Figura 1 Imagem da atividade proposta pela professora e entregue aos alunos 

Na questão quatro da entrevista, os alunos eram solicitados a realizar a leitura do enunciado de uma atividade à sua escolha. A maioria afirmou que entendeu todos os símbolos e palavras das atividades, entretanto ao serem questionados pela pesquisadora sobre o significado de //, surgiram respostas como “não sei”, “não entendi”, “eu não tinha reparado” e “são semelhantes”. Relacionando as falas dos alunos com as respostas das questões da entrevista, pode-se advogar que a não compreensão de // e ainda a confusão com o significado do símbolo de semelhantes (~) pode ter conduzido os mesmos a não realizarem a atividade ou a realizarem de forma errônea.

Percebe-se que os alunos não compreenderam as informações expostas no enunciado e na figura da atividade, ou seja, era necessário que os mesmos compreendessem que se tratava de dois triângulos semelhantes pelo caso AA, pois têm dois ângulos congruentes (

, opostos pelos vértices,

, ângulos alternos internos). Então

e ainda

. A partir do exposto é notório que era necessário que os alunos dispusessem da compreensão de diversos conceitos como semelhança de triângulos, proporcionalidade e Teorema de Talles.

Ao questionar os alunos como resolveram a atividade S1, eles explicam que resolveram a semelhança entre os triângulos da seguinte maneira: “O comprimento do maior para o menor, aí você vai fazer a regrinha de três, e fazer uma conta e dividir por x, o x vai embaixo e o número que estava sem x vai em cima, aí dividi, aí encontra o valor de x”. Interpretando o exposto pelos alunos, inclusive S1, e consulta ao material do aluno, nas atividades relacionadas aos conceitos de semelhança, percebeu-se que a professora utiliza-se de uma técnica para ensinar os alunos a solucionar as atividades. Tal forma de conduzir o ensino prevalece a fixação de técnicas de resolução e não colabora para a compreensão da linguagem matemática, principalmente, com aprendizado efetivo da Matemática.

Diante disso, ao analisar as dificuldades dos alunos com a compreensão do símbolo //(paralelo), que aqui como afirma (VIALLI; SILVA, 2007) não está relacionada à condição de “saber o significado”, mas sim de entender o mesmo dentro do contexto matemático. E ainda, é necessário que a linguagem seja apresentada de forma clara e objetiva para que não traga prejuízo para processo, com o propósito de evitar as interpretações e conclusões errôneas.

A pesquisa revelou que a não compreensão do símbolo // na atividade proposta pela professora foi motivo que levou a maioria dos alunos a não resolver a atividade ou a proceder a resolução de forma errônea, “assim aprender o significado de um conceito não é permanecer na exterioridade de uma definição, pois a sua complexidade não pode ser reduzida ao estrito espaço de uma mensagem linguística”. Pais (2001 apud VIALLI; SILVA, 2007, p. 13).

Nesse sentido, para que o processo de ensino e aprendizagem da matemática ocorra de forma efetiva faz-se necessário entender que na apropriação de seus objetos envolve também compreender como se relaciona o movimento de abstração e representação de um conceito. É importante que no processo de ensino considere-se a compreensão daquilo que está se aprendendo, ou seja, abrir mão da técnica pela técnica, e priorizar um ensino que promova a compreensão dos objetos matemáticos.

Considerações finais

O recorte da pesquisa aqui apresentada teve como propósito mais que debater as implicações da não compreensão da linguagem matemática, mas também refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem da matemática no contexto atual.

Percebe-se que há diversos movimentos, sejam nos documentos oficiais ou em pesquisa sobre a educação, que buscam apresentar/debater/refletir sobre as formas de entender o ensino da matemática. Entretanto, ocorre um movimento ínfimo para as mudanças nos métodos de ensino, assim como na sua concepção.

Entende-se que no ensino da matemática faz-se necessário considerar as funções dos sujeitos envolvidos nos processos. E ter como alvo que “o ensino é um conjunto de atividades sistemáticas, cuidadosamente planejadas, nas quais o professor e o aluno compartilham parcelas cada vez maiores de significados” e “aprender possui um caráter dinâmico, o que requer ações de ensino direcionadas para que os alunos aprofundem e ampliem os significados” (CÂNDIDO, 2001, p. 16).

A pesquisa revelou que a não compreensão da linguagem matemática é um dos motivos da não resolução das atividades ou da utilização de procedimentos errôneos. Possivelmente, a linguagem matemática é entendida como a dificuldade com a própria matemática e, consequentemente, isso pode conduzir professores e alunos a uma visão equivocada sobre a aprendizagem em matemática.

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2MT: Mato Grosso

Recebido: 23 de Julho de 2018; Aceito: 09 de Fevereiro de 2020

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