Introdução
A arte com seu processo de criação de perceptos (DELEUZE e GUATTARI, 1997), produz diferentes formas de intervenção no mundo e impulsiona novas possibilidades de pensar o corpo como signo de criação na educação. Especialmente a arte-performance com suas linhas de criação desdobra novos processos de experimentação nos campos da arte em conexão com a educação. Com sua linguagem híbrida, anárquica e experimental, instiga a percorrer novos horizontes no campo do ensino da arte, como também abre novos caminhos para explorar desconhecidos territórios na confluência da arte-performance e educação.
O caminho aberto por essa composição, instiga a percorrer os labirintos cartográficos de uma arte experimental de ruptura e criação. Por meio de suas provocações e inquietações a arte-performance mobiliza professores-pesquisadores no campo das artes e da educação a traçar novas perspectivas e percursos metodológicos e construir mapas conceituais a partir de uma proposta de pesquisa-intervenção que se produz por meio de encontros, afetações, criações, atuações e aprendizagens envolvidos pela atmosfera de um corpo em pulsações anárquicas de uma arte-performance provocadora e contestadora do já instituído na educação.
Nessa perspectiva, este trabalho transita em uma zona de proximidade entre corpo, arte-performance e educação como um campo de experimentação aberto à criação e capaz de desdobrar novos horizontes de intervenção na prática educativa e no processo do aprender e suas relações com o corpo e o conhecimento na escola básica. No limiar desses dois campos de conhecimento e experimentação algumas questões ganham destaque neste estudo: O que pode um corpo envolvido pela arte-performance produzir na educação? Como pensar a conexão entre a prática educativa e arte-performance na escola básica? Como trabalhar a performance na escola básica sem instrumentalizar sua arte? Questões instigantes que emergem quando se busca pensar a educação na perspectiva da arte-performance. Em meio a essas questões, pretende-se pensar com Cohen (2002) a performance enquanto linguagem de uma arte experimental anárquica, enquanto potência criadora e produtora de devires de um corpo livre na educação.
A abordagem metodológica do trabalho segue as pistas do método cartográfico que tem como ênfase a atenção no acompanhamento dos processos pelo qual as ações acontecem e não os resultados propriamente previstos (KASTRUP, 2015). Nessa perspectiva a arte-performance é vista como criação de uma arte híbrida e anárquica lançada ao inusitado do acontecimento e da experimentação em arte, sem maior preocupação com os seus fins e resultados instrumentais. Nas pistas do método cartográfico por experimentação identificamos um instigante caminho de pesquisa quando associado ao próprio conceito de arte-performance, enquanto arte experimental que mobiliza agenciamentos coletivos, instiga novos processos criativos de aprendizagens na escola, além de provocar processos de “desterritorializações nas práticas pedagógicas” (PEREIRA, 2013) de professores da educação básica.
Uma arte-performance que pensa e experimenta a prática educativa como um intenso processo de criação, aprendizagem e intervenção. Uma arte experimental que faz os participantes vivenciarem o estranhamento e a indeterminação do caminho a ser percorrido, como também faz pulsar uma vontade criativa de correr o risco e se embrenhar nos labirintos de uma arte desconhecida. Afinal, o que pode um corpo em arte-performance na educação? Que processos de criação, agenciamentos e aprendizagens podem ser experimentados pelo corpo no encontro com a arte-performance na educação básica?
A resposta a essas perguntas permanece em aberto e continua produzindo efeitos nas diferentes formas de pensar e experimentar a arte na educação. O que podemos enfatizar é que o encontro com arte-performance na educação convida a experimentar outros processos de aprendizagem e criação; produz abertura de novos caminhos nas fronteiras disciplinares do conhecimento; instiga a traçar novos mapas cartográficos da arte na educação impulsionados pelas pulsações do desejo, fabulações do pensamento, perversões dos conceitos movimentados pela energia libidinal que se produz no encontro da arte-performance e educação. Além disso, desafia pensar a performance como impulso de criação da arte na escola e linha de fuga capaz de criar processos de intervenções movidos por pulsações do desejo de um corpo que inventa por meio de experimentações performáticas variadas formas de expressar a singularidade e multiplicidade da arte na educação.
Nesse percurso reverberam, por meio de vivências pedagógicas e construções coletivas, novos modos de pensar e experimentar a arte na escola. Uma arte por experimentações performáticas que desvia de modelos educacionais disciplinares instituídos e busca construir outras conexões e relações com o corpo e o aprender na educação. Produz verdadeiros deslocamentos na forma de pensar a arte na escola a partir do princípio anárquico da liberdade, criação, atuação e intervenção nos espaços escolares e, com isso, potencializa formas outras de conceber a arte, o corpo e o processo de aprendizagem na escola básica.
O acompanhamento das intervenções na escola evidenciou que a arte não é algo fixo e nem distante da vida, mas que a arte enquanto criação acontece em constante movimento de experimentação e conexão com a vida. Seu processo de criação e atuação é envolvido por um fluxo vital e ativo do corpo que produz ressonâncias sonoras, gestuais, imagética, ruídos, silêncios, vozes, olhares, enfim, intensifica as movimentações de um corpo em experimentação com pulsações anárquicas de vida na educação. Nas experimentações realizadas juntamente com os alunos participantes o corpo foi entendido como um signo móvel, uma superfície de inscrição, de criação e intervenção da arte-performance nos espaços escolares.
A partir dessas considerações, o estudo visa perspectivar a arte-performance e suas pulsações anárquicas na educação. Inicialmente aborda os aspectos conceituais da arte-performance para em seguida apresentar o percurso cartográfico e os resultados das experimentações com arte realizada na escola básica.
Arte- performance, corpo e linguagem
Percorrer o campo da arte-performance no cenário brasileiro, na tentativa de desdobrar pontos de conexões com a educação e a prática pedagógica, nos remete ao encontro com os estudos e a experiência desenvolvida por Renato Cohen. Ator-performer, diretor de teatro, professor, pesquisador que realizou a partir década de 80 estudos diversos a respeito da performance, motivado principalmente pelo fato de ter sido um ator de Teatro que buscava novas formas de interpretação e expressão cênica, haja vista que as formas que até então vinham sendo desenvolvidas, já não atendiam mais às suas inquietantes expectativas, buscava uma arte nova, experimental e que permitisse romper com o instituído, o saturado e sem vida. Desejava experimentar uma arte que potencializasse um corpo em criação, uma prática artística que produzisse sensações diversas, inusitadas, ousadas, anárquicas, experimentar uma arte de ruptura, híbridas e fronteiriça em que os efeitos de seus resultados provocassem um “não sei o quê”, em um “não sei como” e em um “não sei onde”. Uma arte de criação anárquica de um corpo livre de qualquer modelo previamente estabelecido.
Em sua obra Performance como Linguagem, Cohen (2002) considera a performance como uma arte de resistência, que rompe com formas e modelos pré-existentes, pois usa o corpo como uma extensão dessa expressão estética, na performance o corpo é o próprio suporte artístico (body art), uma arte de expressão corporal que comove, assusta, choca, experimenta as mais inusitadas sensações. Cabe ressaltar que a década de 60 é marcada por profundas transformações que transitam entre os mecanismos de regulação, controle e imposição da ordem social por meio do Estado e as manifestações políticas de transgressão, resistência e rebeldia inseridas no contexto da contracultura e de luta pela liberdade e expressão do corpo e pensamento. Nos fins dos anos 60 as artes plásticas, como um todo, também passavam por mudanças e, portanto, recebiam inúmeras influências, buscavam novas formas de expressão corporal e visual; momento de efervescência da arte, de resistência política aos excessos de poder do estado e período de manifestações da contracultura em que o mundo todo passava por essa transformação que visava um novo fazer artístico ousado e desafiador. A performance como arte anárquica dispara por meio de uma arte viva novas imagens de pensamento e insinua práticas de intervenções micropolíticas em meio a um cenário de efervescência artística, política e cultural.
A performance como expressão de uma arte anárquica que percorre a fronteira do conhecimento realiza um movimento de ruptura com a arte instituída, sua movimentação transita por caminhos da contracultura e da transgressão, tocando em dimensões ainda desconhecidas da arte, momento em que corpo e pensamento, arte e vida se entrecruzam produzindo um campo indeterminado de novas experimentações. “É justamente nesse problema, o das fronteiras, dos limites, dos territórios e, sobretudo, no borramento de tais demarcações, que a Performance tomou forma, desenvolveu-se e estilhaçou uma série considerável de noções em campos variados de conhecimento” (ICLE, 2013, p. 10). Enquanto arte experimental a performance é uma arte livre e anárquica que se organiza e desorganiza, acontece infinitamente a seu próprio modo, sem um modelo previamente determinado e estipulado a seguir.
A performance na sua ordem-desordem acontece como uma arte livre e de fronteira que por meio de sua linguagem híbrida expressa uma perspectiva de resistência e contestação aos conceitos e modelos sociais conservadores e de uma estética padronizada estabelecida. Condena e contesta a arte morta inserida em museus e galerias, como mera exposição e contemplação de um passado sem vida, a performance vai mais além dos enquadramentos, insinua provocações de uma arte viva onde o performer por meio de sua criação e atuação performática produz os signos de sua própria obra de intervenção.
Para Cohen (2002, p. 45) na performance “existe uma identificação com o anarquismo que resgata a liberdade na criação, esta a força motriz da arte”. Isso indica que a performance é uma linguagem de experimentação anárquica, sem compromissos previamente estabelecidos, sem garantias de cumprir normas estéticas de atuação, não visa atender expectativas construídas de público e nem assume grandes compromissos com uma ideologia engajada, trata-se de uma arte experimental de fronteira grandemente desprendida de normas, por isso ela se identifica com o pensamento anárquico, no sentido de instigar a liberdade de criação, liberdade esta necessária para o fazer artístico que transgrida todo e qualquer resultado esperado. Uma arte experimental livre e de linguagem híbrida com espectros anárquicos na sua forma de criação e intervenção.
A performance, enquanto arte experimental anárquica, sobressalta o corpo e a figura do performer como elementos mobilizadores da arte em seu acontecimento. O corpo metamorfoseia-se com a própria arte, o corpo do performer tornado signo da arte. Nas palavras de Cohen (2002, p. 30) “ao invés de pintar, de esculpir algo, ele mesmo se coloca enquanto escultura viva. O artista transforma-se em atuante, agindo como um performer (artista cênico)”. Entretanto o entendimento que envolve o conceito de atuante na performance, não se restringe somente ao ser humano (ator), podendo também ser alargado a outros elementos que compõem uma performance, o atuante pode ser um animal, um boneco, um objeto. Nesse lugar de atuação de uma arte de fronteira a performance começa a transitar como linguagem que possui características semióticas, por meio de signos e símbolos que servem como enigmas que deixam o participante-expectador livre para fazer suas inferências daquilo que lhe foi proposto enquanto provocação. Parafraseando Cohen (2002, p. 27), a performance é uma “arte de fronteira”, que na expressão anárquica rompe com padrões instituídos e convencionais, desestabiliza formas estéticas padronizadas, num movimento de quebra, ruptura, conexão e aglutinação.
Essa aproximação conceitual da performance como arte experimental anárquica de fronteira, possibilita “reconverter o corpo em signo” conforme a perspectiva de Glusberg (2013, 76) e pensar o corpo em seus processos de criação, montagem e desmontagem, em suas variações e devires. O corpo como signo da arte envolvido em um fazer criativo que produz efeitos performáticos por meio de intervenções, provocações e metamorfoses.
Envolvido no jogo provocativo e indeterminado da performance o artista performer experimenta um devir outro da arte, um corpo em metamorfose e mutação, em que os outros espaços são possíveis de serem inventados, um corpo em performance mobilizando processos libertários capazes de romper com imagens cotidianas fixas e enrijecidas que controlam o olhar e disciplinam o corpo. Na performance o conceito de corpo é pensado como signo capaz de questionar “imagens dogmáticas do pensamento” já empoeirados e instituídos como verdades fixas e perenes e criar linhas de fuga e devires outros na arte e educação. Como nos falam Deleuze e Guattari (1997), pensar a ação de metamorfose da própria ideia de conceito em sua história e devir.
Enquanto uma arte-intervenção, a performance apresenta característica híbrida e anárquica pelo fato de escapar dos limites disciplinares da organização e fragmentação do conhecimento. Por meio de múltiplas manifestações de criação compostas por aglutinação, ruptura e provocação incorpora as mais variadas formas artísticas, tais como a dança, a pintura, a poesia, a escultura, conjugadas ao corpo em movimento, imagens, silencio, sons que produzem variadas composições disparando efeitos performáticos naqueles que vivenciam e experimentam o acontecer de uma performance.
Perspectivar a arte-performance na educação
Parafraseando os modernistas, podemos dizer que “a performance está no ar”. Sua atmosfera envolve o campo das artes e da educação produzindo intervenções criativas e provocando o nascer do novo nos espaços educacionais. No texto sobre Performance docente Pereira (2013, p. 23), afirma: “A pergunta pela performance está em voga, sobretudo no campo da educação”. Uma pergunta que abre inúmeras perspectivas para se pensar as conexões entre performance e educação, além dos múltiplos caminhos que podem ser abertos e percorridos por essa questão. Propomos aqui pensar a performance como arte de um corpo livre em processo de experimentação em busca do desconhecido, uma arte composta por ruptura e criação de “heterotopias inventivas” no espaço escolar. “A heterotopia de invenção é um espaço anarquista de fronteira disforme, em que pessoas e associações elaboram subjetividades libertárias” (PASSETTI e AUGUSTO, 2008, p.82).
Entretanto, como pensar esses aspectos na educação, uma vez que a escola em sua estrutura arquitetônica e curricular convive com o já estabelecido e estruturado a partir de normas, técnicas e conhecimentos pautados no princípio da demarcação dos espaços escolares e obtenção de resultados. Pensar uma arte anárquica, híbrida e experimental não vai de encontro a perspectiva que orienta e demarcada o funcionamento da escola? Isso indica que a performance em sua conexão com a educação não deixa de ser uma provocação e transgressão, uma vez que abre a possibilidade de experimentar uma prática educativa que sacode as estruturas curriculares da escola, produz estranhamento, instiga à liberdade, choca, incomoda os currículos disciplinares e modelos pedagógicos já instituídos.
Um convite-provocação para se pensar a performance não numa perspectiva do enquadramento, adequação ou simplesmente do seu encaixe pedagógico à escola, seu potencial de intervenção pedagógico está muito além disso, possibilita uma “desterritorialização pedagógica” (PEREIRA, 2013), pois promove encontros, afetações e sensações múltiplas, que leva a uma série de “experimentações disruptoras” (COHEN, 2002), ousadas, desafiadoras, inventivas na educação. A performance na educação cria sua própria linguagem, espacialidade e temporalidade, colocando em funcionamento lógicas de pensamento e movimentações corporais diferenciadas, produz verdadeiras “heterotopias inventivas” uma vez que no espaço e tempo do cotidiano da escola produz novos fluxos de criação de outros tempos e espaços inventivos na educação.
A performance como arte anárquica de fronteira mobiliza experimentações híbridas e provocações criativa na educação. Em sua intensidade experimental dispara processos de criação por aglutinação, ruptura, conexão e cruzamento artístico, que instiga novos modos de ensinar-aprender, observar-intervir e, com isso, potencializa um outro espaço-tempo de liberdade e experimentação na educação. Envolver a escola básica na arte da performance implica em adentrar um espaço de fronteira indeterminado da arte e da prática pedagógica, conviver com uma variedade de linguagens e potencializar as multiplicidades naquilo que possuem de impulso de criação e expressão da singularidade e diferença. A performance na educação possibilita vivenciar encontros de aprendizagens e cruzamentos entre corpo e conhecimento, atuação e pensamento na perspectiva de experimentar “heterotopias inventivas”, como possibilidade de inventar outros espaços na escola básica. Espaços pensados como um campo móvel de experimentação envolvidos e desdobrados em práticas performáticas e atividades pedagógicas criativas voltadas ao pensar-experimentar a arte no cotidiano de professores e alunos, recriando suas práticas, potencializando seus desejos e sua imaginação criativa.
A experimentação com arte-performance na escola mobiliza novas dimensões na função de educar, por meio de performances professores e alunos criam e recriam mundos de forma extremamente lúdicos e livres. A performance enquanto arte-intervenção, abre um campo de experimentação com inúmeras possibilidades para o aprender pautado no planejamento-improviso, na criação-espontaneidade, na composição-atuação, nos fluxos de sensações e afetações diversas que a arte proporciona. Além de produzir um canal intensivo de conexões entre corpo-pensamento por meio de experimentações com a arte na educação.
Essa perspectiva de pensar a performance em sua interface com a educação aproxima-se das ideias de Cohen (2002), que situa a arte da performance no horizonte das expressões anárquicas, híbridas e de fronteira, que envolve modos inventivos ousados, desafiadores e disparadores de novos mundos por meio de experimentações. A performance na educação mobiliza novas prática pedagógicas e dinamiza outros processos do ensinar e aprender de forma coletiva e criativa, a partir de alguns aspectos relacionados à performance, como proposta interventiva de uma arte que se dispõe de linguagem corporal, híbrida e libertária. Uma arte que sugere pensar o inusitado e ideias que transitam, simultaneamente, nos territórios da literatura, da poesia, das artes visuais, do teatro, da dança e da música para lançar na cena artística e educacional uma nova expressão da arte que interliga o corpo e pensamento, revitaliza o processo do aprender e produz “desterritorializações pedagógica” na escola básica.
As experimentações com performances na educação se apresentam como uma arte que mobiliza novas modalidades do aprender e da expressão corporal para além das práticas e posturas disciplinares instituídas no currículo formal da escola. Envolve os atuantes e participantes em um universo de invenção e intervenção na realidade educacional cotidiana exigindo com isso uma entrega viva e participativa no seu processo de construção e no seu acontecer. Nesse vaivém da criação performática, a escola torna-se um espaço propício para o desenvolvimento de tal experimentação, onde corpos, espaços e tempos se entrecruzam, por meio de uma arte anárquica, híbrida e contestadora.
Linhas cartográficas da pesquisa
Desenvolver um trabalho na perspectiva da arte-performance com alunos da escola básica consistiu ao mesmo tempo um desafio e um risco que envolveu permanentemente um processo de desconstrução, atuação e criação coletiva dos participantes. Ao longo de seu percurso a pesquisa-intervenção passou por inúmeros reajustes, desvios e replanejamentos. A proposta inicial era pensar o ensino da arte por meio de performances utilizando ainda o teatro como base do fazer pedagógico. Aos poucos, começamos a traçar um plano diferente de uma pesquisa-intervenção com vistas a perspectivar a arte-performance enquanto arte autônoma de expressão anárquica, híbrida e de contestação na educação. Esse desvio nos caminhos da pesquisa produziu uma nova “conversão do olhar” na forma de compreender a relação e a conexão arte e educação, possibilitando pensar o corpo e o espaço escolar não como territórios fixos e demarcados, mas pensar a arte na escola como um campo de experimentação do corpo e produção de espaços de heterotopias envolvidos por uma arte-performance na educação.
Desse modo, esta pesquisa foi pensada com o propósito de experimentar possibilidades outras do ensino das artes no espaço escolar, uma outra maneira de viver e sentir as potências que a experimentação de uma arte-performance pode provocar. Foi um processo construído gradativamente conforme o envolvimento, os desejos e as demandas de criação dos participantes envolvidos. Não foi um processo simples, tranquilo e com facilidades, justamente por se tratar de uma pesquisa-intervenção, onde os professores-pesquisadores também estão diretamente envolvidos no processo de criação, planejamento das intervenções, nas ações, composições e experimentações das performances.
A cartografia como método de pesquisa permitiu o acompanhamento do percurso no qual nos propomos a perspectivar uma prática pedagógica em arte por meio de experimentações com a arte-performance com os alunos da escola básica, a fim de buscarmos vivenciar no cotidiano as inquietação e provocações desta arte nova e desafiadora, assim como perceber de que forma a arte-performance pode ser pensada e experimentada nas ações pedagógicas no espaço escolar, bem como as possibilidades de criação a que ela se propõe e, as múltiplas sensações que dela derivam por meio de sua experimentação na escola.
Nessa perspectiva foram realizadas ações planejadas-improvisadas que aconteceram no espaço da escola básica Prof.ª Mª Nadir Filgueira Valente, Cametá/Pará, momento em que experimentamos uma pesquisa interventiva que teve como foco o acompanhar dos processos vivenciados nas aulas de Artes na escola, uma vez que nossa proposta era a de levar os alunos a experimentar o novo no processo de criação, desafiá-los, de modo que acompanhássemos os ensaios, as composições das performances, a montagem dos corpos, o planejamento das ações, sem a preocupação com a precisão de resultados, mas sempre atentos aos processos do aprender construídos nessa prática diária. Daí a opção da cartografia como método de pesquisa, que leva em consideração uma realidade heterogênea e em movimento, realidade esta que pulsa num vaivém de múltiplas ações, encontros e sensações. “Eis então, o sentido da cartografia: acompanhamento de percursos, implicação em processos de produção, conexão de redes ou rizomas” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 10).
Por esse viés cartográfico, as experimentações com a arte-performance desenvolvidas na escola básica com os alunos visavam não a obtenção de resultados e metas previamente planejados, mas consistia no desejo de experimentar uma arte viva, na satisfação de criar coletivamente uma arte nova, no viver livremente o perigo e o risco do indeterminado da arte. Percorrer o abismo de múltiplas sensações, onde transfigurações diversas nasciam e renasciam, perpassando pelas subjetividade e mundos outros dos participantes, considerando o conhecer e o fazer, o pesquisar e o intervir, fazendo um mergulho denso na realidade dos sujeitos: suas impressões, expectativas e vivências traduzidas para o processo de criação das performances. As linhas cartográficas da pesquisa nos permitiram acompanhar o espaço de criação de uma arte viva, os movimentos de corpos livres entrecruzando-se em meio a experimentação de uma arte-performance híbrida capaz de produzir novas sensações e perspectivas, compondo um plano da experiência. Na designação de Passos (2015, p.18) “A cartografia como método de pesquisa é um traçado desse plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a produção do conhecimento, do próprio percurso da investigação) ”.
Tal abordagem cartográfica manteve uma atenção ao como fazer da pesquisa, isto é, os caminhos a percorrer, os planos a traçar, percursos, trajetos, travessias construídas durante o processo de investigação, uma atenção aos acontecimentos vivenciados e experimentados no decorrer da pesquisa, num vaivém de encontros intensos e múltiplos. Meyer e Paraíso (2012, p. 16), enfatizam que “construímos nossos modos de pesquisar movimentando-nos de várias maneiras: para lá e para cá, de um lado para o outro, dos lados para o centro, fazendo contornos, curvas, afastando-nos e aproximando-nos”.
A inserção dos professores-pesquisadores no cotidiano escolar permitiu uma maior aproximação com a vida, as experiências e os pensamentos dos alunos, acompanhamento de seus movimentos de criação e ação, a fim de descrever-analisar os encontros e as sensações que atravessavam as experimentações com arte-performance na escola. Uma pesquisa cartográfica que possibilitou pensar conceitos e sentidos, forças afirmativas da vida, formas de lutas inventivas, sempre levando em conta o planejamento das ações, num movimento de cruzamento e ressignificação de olhares e perspectivas, por meio de um vaivém investigativo. Uma pesquisa tecida pelo meio e que foi tomada pelo estranhamento e desconfiança, pois nesse ir e vir da pesquisa, as certezas foram questionadas, principalmente quando os pesquisadores se lançaram ao campo da experimentação em arte e ao desafio de provocar intervenções na escola básica.
O movimento cartográfico da pesquisa fez surgir novos caminhos, por meio da experimentação com a arte-performance produzindo instantes de entrega, de liberdade, de irreverência, visto que um devir outro da arte impulsiona forças criativas, produz intensas movimentações no corpo. Nesse processo os participantes envolvidos nas performances foram também afetados e transformados, experimentaram um processo de metamorfose que, a princípio produziu estranheza, mas que num movimento dinâmico e interativo ganhou uma dimensão educativa em que, pequenas experimentações performáticas produziram múltiplas sensações e variadas formas de aprendizagens.
No entendimento de Paraíso (2012), uma pesquisa cartográfica ocupa-se do já conhecido e produzido para suspender significados, interrogar os textos, encontrar outros caminhos, rever e problematizar os saberes produzidos e os percursos trilhados por outros. Enfim, busca as mais diferentes inspirações e articulações para modificar o já dito e feito na educação.
A pesquisa com nuances cartográficas impulsionou a criar novos sentidos, novas possibilidades em que o olhar e a escuta dos pesquisadores permanecem cada vez mais atentos e aguçados para os acontecimentos; sentir, ver, ouvir, experimentar, descrever as ações vivenciadas, as tensões que ressoam em uma arte-performance desprovida da rigidez de regras fixas que limitam, governam e enquadram seu olhar. Uma pesquisa em arte que a todo momento recolocava questões aos pesquisadores, mantendo uma atenção permanente aos acontecimentos inusitados da performance, isto significa que caberia aos pesquisadores estar atento, ter a ousadia e a coragem quando se propõem algo que rompe com o habitual, sacode as estruturas do instituído, tal condição de participação e liberdade provoca, inspira, multiplica, inventa uma nova arte, que subverte, choca e se faz emergente, pois em meio a esse encontro e envolvido por múltiplas sensações, experimentamos o nascimento do novo, a produção de novas subjetividades em uma atmosfera de liberdade e criação por meio dos encontros com a arte.
Nos diferentes momentos de experimentação, fomos tomados por uma intensa força criativa de produção de desejos e afetos, devaneios e pulsações que o encontro com a arte coloca em movimento. Experimentações no ensino de Artes que jogam com desejos, aprendizagens e expectativas que se inscrevem no caos do mundo, nas pulsações do desejo, na superfície sensível do corpo, na intensidade dos afetos, de tudo aquilo que potencializa a criação de espaços heterotópicos na educação. Uma proposta ousada que se lança a experimentar o ainda não vivido como um desafio à educação. Uma experimentação com arte-performance que provocava estranheza e pulsações anárquicas da criação na escola básica.
Esse processo de construção da pesquisa-intervenção perpassou por uma metodologia dinâmica composta por movimentos do pensamento e linhas de escrita que atravessaram a prática, os enfrentamentos e as insurreições provocadas por experimentações performáticas no contexto escolar, bem como as realidades criadas a partir delas. Aproxima-se daquilo que Rolnik (1989, p. 06) fala acerca da cartografia, “um método com dupla função: detectar a paisagem, seus acidentes, suas mutações e, ao mesmo tempo, criar vias de passagens através deles”. Isto é, que transformações são construídas e percebidas através de experimentações com arte-performance e que caminhos foram percorridos até tais transformações.
Nesse percurso cartográfico foram produzidos encontros, afetos, disseminação de dúvidas, inquietações, provocações, transformações. Silêncios, vozes, sons, ruídos, gritos, risos, gargalhadas, linguagens de uma arte que está para além do previsível e esperado. Um caminhar sempre marcado pelo inesperado que produziu ecos e anúncios de algo novo no ensino das Artes na escola. Seus sinais indicavam os novos canais mobilizados pela arte da performance na escola que por vezes parecíamos ter domínio, mas que por outros, devemos ter a sensibilidade de perceber que é a performance com seus impulsos anárquicos criadores quem nos lança por labirintos desconhecidos da experimentação e criação da arte na educação.
Experimentações com arte-performance na escola básica
Perspectivar a arte-performance na educação como um campo de experimentação lança a professores-pesquisadores alguns desafios: Como pensar e experimentar a arte-performance no ensino das Artes na educação básica? Como romper com um regime de disciplinamento do corpo e experimentar a arte-performance na perspectiva de um corpo-criação e corpo-atuação na prática educativa? Essas questões nos impulsionaram a pensar “uma perspectiva que está para além de dicotomias estabelecidas como forma de potencializar aquilo que aumenta as forças da afirmação, não da negação, não do luto e da ausência, não das ironias cansadas e tristes, mas do humor e da vida” (TADEU, CORAZZA e ZORDAN, 2004, p.22).
As experimentações realizadas juntamente com os alunos compreenderam diversas intervenções com arte-performances na escola básica dentre as quais damos destaque a duas performances: Corpo-máscara e Corpo-tela. Tais atividades aconteceram no espaço escolar, durante as aulas de Artes e do Projeto de Teatro desenvolvido na escola básica com a participação de professores e alunos.
Performance: corpo-máscara
Perspectivar a performance na educação, insinua pensar a escola como um espaço instigante para o desenvolvimento de práticas inovadoras por meio de atividades criativas voltadas ao ensino das Artes, tendo como foco o cotidiano do aluno, suas vivências e capacidades de inventar e recria mundos vividos por meio da arte. Compreender a escola, enquanto instituição social de formação mobilizou pensar ações de incentivo ao convívio plural entre as diferenças e aguçar a arte da criação através de uma educação experimental, fabuladora, provocadora e contestadora, capaz de envolver a comunidade escolar de forma que os sujeitos possam conviver com a arte, participar de seu processo de criação e experimentar de forma dinâmica a produção dos conhecimentos no espaço escolar, uma vez que, esta instituição não se limita somente ao ensino-aprendizagem formal, seu horizonte envolve um ambiente de criação, encontros, participação, inventividade, alegria, enfim um espaço de desconstrução e reconstrução de valores, conhecimentos e aprendizagens.
Nesse viés comungamos das ideias de Cohen (2002), que defende uma arte-experimental que se realiza por manifestações expressivas disruptoras, híbridas, modos inventivos ousados e desafiadores que rompem com o previsível e instituído. Daí, discorremos de alguns pressupostos relacionados à performance, como proposta interventiva de uma arte que se dispõe anárquica, híbrida e com uma linguagem autônoma. Essa arte sugere ideias que provêm, simultaneamente, da literatura, da poesia, das artes visuais, do teatro, da dança e da música para compor uma nova expressão da arte revitalizada a partir da atmosfera da contracultura nos anos 1980.
Envolvidos pela atmosfera da arte-performance, a perspectiva cartográfica da pesquisa transitou no cruzamento dos campos da performance e educação buscando experimentar, descrever e cartografar os acontecimentos que envolvem a arte performance na escola básica. Manteve uma atenção ao processo de criação e as metamorfoses dos corpos produzindo signos a serem decifrados em suas performances. Uma atenção às forças e às formas do aprender, aos enfrentamentos, aos modos de subjetivação e às práticas de liberdade presentes em cada experimentação realizada, nos permitiu uma aproximação com um modo de fazer pesquisa dentro de uma perspectiva mais flexível, porém com compromisso e rigor artístico e científico necessários para acompanhar os processos, os acontecimentos. “A precisão não é tomada como exatidão, mas como compromisso e interesse, como implicação na realidade, como intervenção” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 11).
Quando falamos desses deslocamentos de corpos, enfrentamentos pessoais e luta por construção de espaços de liberdade, é porque muitas experimentações que aconteceram na escola básica tiveram esse potencial, o de provocar o instituído, quebrar regras e regimes disciplinares, romper com o padrão de comportamento instituído e que regula as ações na escola. Foram nas sutilezas dos movimentos, das ações que se inscreveram as microfissuras e se produzem as pequenas “revoluções moleculares”.
A performance corpo-máscara, explicitava por meio de uma arte do grotesco manifestações de algo que estava latente nos alunos, o desejo de ser outro e transitar de maneira livre pelos diferentes espaços da escola. As máscaras ativaram forças criativas de subjetividades desejantes em busca de experimentar a arte, mobilizaram pequenas insurreições no cotidiano, ao mesmo tempo em que produziram sensações de liberdade e desorganizaram os territórios demarcados da escola. Um corpo-mascarado percorria a escola fazendo aquilo que as pulsações da arte lhe impulsionavam “artistar”, como por exemplo, invadir as salas de aula da escola, sentar na cadeira da diretora transgredindo o lugar da autoridade, ou adentrar e ultrapassar os limites do balcão da secretaria da escola, antes espaços proibidos aos alunos. O corpo-máscara não reprimia seus desejos, não escondia sua intencionalidade, a máscara produzia efeitos performáticos em um corpo livre e em trânsito no espaço escolar.
Máscaras existem para nada esconder. Enquanto superfícies de inscrição, elas não constituem o reflexo ou o avesso deformado de algo latente que, de algum modo, se haveria de esconder na materialidade do rosto. Máscaras não servem sequer para esconder um rosto, pois este nem mesmo existe. Máscaras não são disfarces ou meros adereços que, uma vez utilizados, poder-se-ia simplesmente descartá-los dado o cumprimento de sua função. Em seu teatro de apresentação, as máscaras são simplesmente o que são: máscaras de máscaras. Metamorfoses do corpo que já implicam metamorfoses do espírito. Monumento vivo de um evento que salta independentemente dos roteiros estabelecidos para sua apresentação (COSTA, 2008, p. 149).
A performance do corpo-máscara produziu uma arte-intervenção no espaço escolar que surgiu do inesperado, mas também das tensões, dos anseios, das vontades de vozes silenciadas, inibidas. Surgiu da vontade de desterritorializar os espaços da escola e reinventar a prática pedagógica pelas pulsações do desejo que se inscreviam no corpo-máscara por meio de uma arte-performance libertária.
Um corpo-máscara em trânsito no espaço escolar produzindo um acontecimento novo, uma arte viva por meio de uma pintura de um corpo em performance que percorre o espaço escolar por entre olhares atentos e curiosos daqueles que ainda conseguem estranhar o cotidiano da escola. Corpos que se lançaram ao inusitado da performance, compondo uma cena em que a ordem estabelecida fora subvertida: carteiras, salas de aula, lousa, refeitório, “hora do recreio”, aulas de Artes agora eram transbordadas para os corredores e pátios da escola por meio da intervenção de corpos desejantes de uma arte viva. Produções alegres, sorrateiras eram anunciadas, gerando espanto, ociosidade, nervosismo e curiosidade dos que ali transitavam e participavam do acontecer da arte.
Performance: corpo-tela
Quando acompanhamos percursos cartográficos de pesquisa em artes há de se notar que são acontecimentos que não se esgotam em um dado momento, pelo contrário, tendem a crescer, proliferar, torna-se potente, reconfigurar-se a cada processo sempre em dimensões múltiplas, isto é, “um gesto inacabado não finda. Um gesto gesta. Depois do parto, outras formas continuam a reivindicar espaços inéditos para os seus contornos em movimento. Por menor que seja o intervalo entre a intenção e a realização, é ali que a criação tem lugar” (SALLES, 2013, p. 19).
Performances lidam com o transitório, onde olhares são cruzados, entrecruzados, compartilhados e singularizados, momento em que o cotidiano convive com movimentos criativos de ruptura e abertura de mundos possíveis.
Assim aconteceu na experimentação corpo-tela, na qual o corpo foi exposto como convite aos demais alunos da escola para fazerem suas inscrições mediante ao enunciado que dizia: Sou uma tela em branco, pinte-me ao seu gosto. Um corpo-tela em branco exposto no espaço escolar para aquele que quisesse pintar e, foi surpreendente as ações dos outros estudantes sobre aquele corpo que ali estava: de certa forma, exposto às inscrições, aos riscos e rabiscos dos que desejavam participar daquela arte inusitada. E, frente à situação, o corpo-tela tremia, mantinha-se estático, paralisado, pois era a expressiva materialidade de uma tela em branco que se realizava por meio de seu corpo.
Um corpo-tela em experimentação, um convite para inscrição do outro e uma provocação em constante fluxos de sensações, isto é, um corpo exposto capaz de criar um espaço de possibilidades, de construção de mundos, conhecimentos e aprendizagens, por entre idas e vindas, paradas e inscrições algo novo acontecia, produzindo encontros, sensações, aprendizagens.
Nas experimentações performáticas realizadas na escola, o corpo assumiu o centro da expressividade da arte. O corpo nas suas pulsações e intensidades compunham o fazer performático. Um corpo que reagia das mais diferentes formas. Por vezes ativo, enérgico, eufórico. Por outras, aparentemente passivo, estático, paralisado, envolvido por uma energia da ação performática. Um corpo que também assusta, insinua, provoca, questiona o instituído e faz despertar as mais variadas sensações. É um corpo que produz signo a ser decifrado, um corpo em devir performático que na sua expressão híbrida transita na fronteira em busca da liberdade.
A perspectiva era experimentar uma live-art, onde a presença do corpo passa a fazer parte da criação e a liberdade de ação proporciona ao artista novas escolhas, experimentações e sensações. Daí considerar que esta arte viva é uma das precursoras da arte da performance, a qual pretende abandonar tudo o que está ligado ao rotineiro pré-estabelecido, para apropriar-se de ações espontâneas, longe dos padrões estéticos, onde, por exemplo, ao invés de um artista pintar uma tela, ele, seu corpo, será a própria tela. O corpo é a obra de arte, pois este está presente durante todo o processo da composição e criação da performance.
A performance do corpo-tela no espaço escolar assumiu o corpo como matéria da ação dos participantes e do próprio performer, em que a tela é o próprio corpo do aluno, um corpo-tela como convite para inscrições dos participantes, como elemento de exposição e matéria de ressonância que irradia provocações pelos espaços da escola. Uma arte que transitou pelos corpos e pelo gênero pois alunos e alunas performaram seus corpos-telas provocando intensas sensações nos performers e nos participantes. Um corpo-tela em performance exercendo uma arte de ousadia e entrega que não tinha qualquer domínio de seus resultados e o que daí poderia gerar, até porque o público escolar agia diretamente no corpo-tela como proposta de intervenção da arte no espaço da escola.
Presenciamos a arte saindo de lugares instituídos (museus e galerias) para experimentar uma outra construção, agora em lugares nunca antes imaginados (um corpo como tela?), em um movimento de entrelaçar vida e arte na materialidade de um corpo exposto livremente oportunizando aos alunos performers uma intensa e potente forma de expressão. Como destaca Glusberg (2013, p. 46-47), sobre o papel do corpo do performer na arte da performance “exaltando suas qualidades plásticas, medindo sua resistência e sua energia, desvelando seus pudores e suas inibições sexuais, examinando seus mecanismos internos, seu potencial para a perversidade, seus poderes gestuais”. Artistas de uma arte viva e de fronteira que muitas vezes testam os limites do corpo e ampliam as possibilidades de sua criação e intervenção.
A performance do corpo-tela foi um acontecimento caracterizado como um processo participativo da arte em construção, pois olhares, risadas, murmúrios, olhares atentos foram capazes de transgredir convenções educacionais, provocando, de certa forma, estranheza e deslocamentos na escola. Uma arte que busca agregar questões estéticas e conceituais, tocando o cotidiano nas variadas instâncias. A performance corpo-tela na escola provocou inúmeros processos de interação, inquietou olhares e estimulou múltiplos sentidos, produziu um inusitado encontro e contato sensível com o outro, nesse encontro o signo do corpo-tela expressava de maneira viva a própria arte da performance no espaço da escola básica.
As experimentações pedagógicas vivenciadas com a arte na escola básica possibilitam pensar a arte-performance em sua relação com a educação a partir da produção de novas formas de interação com o conhecimento e oportunidades de construir outras conexões com o corpo nas práticas educativas de professores. Experimentação de uma arte inusitada, híbrida e de intervenção capaz de mobilizar diversas possibilidades de aprendizagens, em que espaços, temporalidades, materialidades e interações se entrecruzam em um cenário dinâmico de atuação e expressividade produzindo múltiplas pulsações anárquicas no espaço escolar.
Considerações finais
Como vimos ao longo deste trabalho, a performance é uma arte que envolve o corpo, o signo, a ação, o tempo e o espaço e, onde a textura da pele, o movimento e a expressão do corpo inscrevem na performance uma dimensão singular, na sua forma de atuação e uma perspectiva diferente de pensar a arte na educação. Daí considerar como uma linguagem híbrida, anárquica e de fronteira sem regras pré-estabelecidas, onde os acontecimentos são produzidos por ações de um corpo na sua potência de signo. Além do que a performance é, antes de tudo, um contato vivo com o outro, e com o mundo, uma atuação como meio de transgressão, contestação e transformação de olhares, pensamentos e ações.
Nessa perspectiva as performances com os alunos na educação básica percorreram um conceito de uma arte experimental e de um fazer performático que tivesse uma relação direta com o corpo e com as suas potências criativas. Uma arte que pudesse transitar pelos lugares mais inusitados possíveis, capaz de produzir uma desobediência institucional, que desestabilizasse, transgredisse e percorresse às fronteiras do corpo provocando múltiplas sensações e pulsações do desejo de aprender pelo envolvimento da arte. E, por assim ser, desenvolvemos um tipo de movimento artístico de quebra e aglutinação, onde o aluno é o próprio artífice, que joga, cria, produz, aprende e inventa a arte de sua existência.
Apostar em práticas pedagógicas por experimentações com a arte, permitiu pensar o novo na educação e desestabilizar espaços empobrecidos de experiências. Por iniciativa de movimentações livres e criativas na educação abriu-se a possibilidade de sacudir as estruturas escolares, libertar-se das amarras institucionais e disciplinadoras do corpo e experimentar o novo na educação. As performances realizadas propuseram por meio de uma arte-intervenção libertar o corpo, sacudir as práticas pedagógicas rotineiras, inventar novas percepções estéticas na educação, produzir instigantes provocações no espaço escolar. Um princípio anárquico que propõe uma nova educação, que instiga processos de produção de “heterotopias inventivas” e “desterritorializações pedagógicas”, que permita a professores e alunos educar a partir da liberdade e da criação por experimentação.
A performance busca o incompreensível, expressa uma questão, insinua uma provocação, rompe com o modelo instituído. Por vezes choca olhares e ouvidos, contesta valores e normas, por ser vista como algo absurdo e indeterminado que abala e destitui a estrutura, que se organiza e desorganiza, monta e desmonta infinitamente a seu próprio modo, sem um modelo previamente estipulado. Talvez, a arte viva e indeterminada de experimentar-se anarquicamente, insinue e indique o potencial artístico, pedagógico e libertário do acontecer da performance na educação.
Por fim, a pesquisa permitiu acompanhar um processo de criação de uma arte-performance coletiva com os alunos, um percurso com diferentes ondulações, variações, caminhos e descaminhos. Uma pesquisa-interventiva de caráter cartográfico, construída e vivenciada com os alunos da escola básica e, que se lançou o desafio de experimentar e pensar a arte da performance com o corpo inteiro.