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Revista de Educação Pública

versión impresa ISSN 0104-5962versión On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá ene./dic 2022  Epub 30-Abr-2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.12751 

Artigos

Diálogos, tensões e desigualdades no processo de implementação do ensino remoto nas escolas indígenas Tremembé

Dialogues, tensions and inequalities in the process of implementing remote teaching inTremembé indigenous schools

Maria do Carmo Walbruni LIMA1 
http://orcid.org/0000-0002-6499-3190

Antonio Germano MAGALHÃES JUNIOR2 
http://orcid.org/0000-0002-0988-4207

1Doutoranda em Políticas Públicas na Universidade Estadual do Ceará - UECE. Assistente Social do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE e professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Ceará.

2Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Professor da Universidade Estadual do Ceará - UECE.


Resumo

O artigo discute as desigualdades no ensino remoto no contexto da COVID-19 a partir do caso das escolas indígenas Tremembé da zona rural do Ceará, que adotaram a estratégia de entrega de atividades impressas aos estudantes, considerando as limitações de acesso aos meios de conexão virtual dentro das aldeias. O estudo é resultado de pesquisa documental em Decretos, Pareceres e Diretrizes oficiais. Os relatórios de videoconferências analisados expressaram o tensionamento entre diretores indígenas e representantes do órgão estadual de educação, pois os Tremembé resistiam a essa estratégia porque temiam a proliferação do coronavírus durante a entrega das atividades aos estudantes.

Palavras-chave Ensino remoto; Desigualdades; Escolas indígenas; Resistência Tremembé

Abstract

The article discusses inequalities in remote education in the context of COVID-19, based on the case of Tremembé indigenous schools in rural Ceará, which adopted the strategy of delivering printed activies to students, considering the limitations of access to the means of virtual connection within of the villages. The study is the result of cocumentary reserarch in official Decress, Opinions and Guidelines. The videoconference reports analyzed expressed the tension between indigenous directors and representatives of the state education agency, as the Tremembé resisted this etrategy because they feared the proliferation of the coronavirus during the delivery of activities to studants.

Keywords Remote teaching; Inequalities; Indigenous schools; Tremembé resistance

Introdução

Este artigo aborda o processo de implementação do ensino remoto nas escolas indígenas Tremembé1 após a suspensão das atividades escolares presenciais provocadas pela pandemia da COVID -19. A partir de uma pesquisa documental, procurou-se compreender como as escolas indígenas Tremembé, instaladas em aldeias localizadas na zona rural dos municípios de Acaraú e Itarema, Ceará, se adequaram ao novo cenário da educação do Ceará em tempos de Pandemia da COVID-19, que exigia a substituição de aulas presenciais por aulas remotas em um contexto de limitações de acesso aos meios de conexão virtual nessas aldeias. Nosso interesse em relação às escolas indígenas Tremembé vincula-se ao problema investigado em uma pesquisa de doutorado2 em andamento que discute a situação educacional e profissional de jovens Tremembé que concluíram o Ensino Médio nas escolas Tremembé das aldeias de Itarema.

Este estudo é resultado de uma análise documental cujas principais fontes de consulta foram Decretos e Portarias publicados pelo governo do estado do Ceará, Pareceres do Conselho Nacional de Educação, Diretrizes elaboradas pela Secretaria de Educação do Ceará - SEDUC e relatórios de reuniões realizadas por videoconferências3 entre representantes locais do órgão estadual de educação, diretores e professores das escolas indígenas Tremembé.

O recorte temporal para a seleção dos documentos oficiais analisados foi limitado aos meses de março, abril e maio de 2020, considerando que os documentos emitidos no período mencionado apresentam as principais orientações que embasaram o processo de organização inicial do ensino remoto nas escolas públicas estaduais do Ceará com o advento da Pandemia da COVID-19.

O artigo traz um esboço dos principais documentos oficiais que fundamentaram as medidas adotadas pelo governo do estado do Ceará para dar continuidade ao ano letivo de 2020 de forma remota nas escolas da rede pública estadual de ensino. Além desses documentos, são analisados os relatórios das videoconferências com a participação dos diretores e professores indígenas Tremembé que trazem os registros das reuniões realizadas nos meses de abril, maio e junho de 2020, período em que as escolas indígenas de Acaraú e Itarema aderiram de forma gradual ao ensino remoto e se adequaram à proposta da SEDUC de ensino remoto no contexto das (im)possibilidades existentes nas aldeias no que refere aos meios de conexão virtual.

Na última parte do artigo, apresentamos e discutimos as informações coletadas nos relatórios que se referem aos modos como as escolas indígenas Tremembé se organizaram durante a Pandemia para dar continuidade às atividades do ano letivo de 2020, apesar das limitações tecnológicas existentes nas aldeias e das tensões nas negociações com os representantes do órgão estadual de educação que determinava a continuidade das aulas das escolas indígenas, de forma remota, através de atividades impressas a serem entregues nas residências dos estudantes.

Para nossas análises acionamos o conceito de campo presente no pensamento de Pierre Bourdieu como ferramenta analítica que ajuda a compreender a posição de desvantagem ocupada pelas escolas indígenas no interior do campo representado pelo conjunto de escolas cujos estudantes se encontram em diferentes níveis de acesso aos bens tecnológicos. Nesse contexto de Pandemia da COVID-19, tais bens tecnológicos podem ser considerados como capital4 necessário para que os estudantes permaneçam vinculados às suas escolas. No caso das escolas indígenas de Itarema e Acaraú, evidencia-se que os estudantes ocupam uma posição de desigualdade na estrutura de distribuição desse capital (BOURDIEU, 2011b).

Iniciando a conversa sobre um tempo que parecia breve

A publicação do primeiro decreto do governo do estado do Ceará com as medidas para enfrentamento e contenção da infecção pelo novo coronavírus, Decreto nº 33.510 de 16 de março de 2020, ocorreu em um contexto em que ainda não éramos capazes de prever a extensão do tempo de duração das medidas de isolamento social necessário à contenção da COVID-19 e suas implicações para as atividades escolares do Ano Letivo de 2020.

O Inciso III, do Art. 3º do decreto mencionado, suspendeu por 15 (quinze) dias as atividades educacionais presenciais de todas as escolas das redes de ensino pública, suspensão que já poderia ser iniciada no dia 17 de março de 2020, dia seguinte à publicação Decreto nº 33.510, mas que se tornava obrigatória a partir de 19 de março do mesmo ano.

A brevidade representada pelos 15 (quinze) dias de suspensão das atividades presenciais das escolas da rede pública é um indicativo de que ainda não se mensurava com qual intensidade a COVID -19 afetaria as dinâmicas escolares. A suspensão temporária das atividades presenciais por 15 (quinze) dias parecia poder ser recuperada, posteriormente, através de ajustes no calendário letivo das escolas da rede pública estadual de ensino, como pode ser observado no § 2º, do Art. 3º do Decreto nº 33.510 que abriu a possibilidade de o período de paralisação das atividades presenciais ser considerado como um recesso ou antecipação das férias escolares.

A partir desse decreto estadual, as escolas indígenas do Ceará, assim como as demais escolas que integram a rede pública estadual de ensino, foram orientadas pelo Ofício Circular nº 007/20205 da Secretaria da Educação do Ceará – SEDUC a suspenderem as aulas presenciais durante o período de 18 de março a 02 de abril de 2020. Para a reposição das aulas que não seriam ministradas, presencialmente, esse Ofício Circular afirmava que as escolas poderiam “[...] adotar estudos domiciliares relativos aos temas de cada componente curricular, devendo deixar registrado em ata a correspondência entre atividades realizadas pelos estudantes com os dias letivos” (SEDUC, Ofício Circular nº 007, 2020).

Para o desenvolvimento dessas atividades, o Ofício Circular nº 007 orientou que as unidades de ensino deveriam utilizar os livros didáticos e outros materiais pedagógicos que tivessem disponíveis. Além dessas indicações de recursos didáticos, foram mencionados outros meios que deveriam ser utilizados pelas escolas para manter as interações entre professores e estudantes, como e-mail, aplicativos de mensagens e as Plataformas específicas, gerenciadas pela SEDUC, como Aluno Online e Professor Online e/ou plataformas de Educação a Distância – EAD de instituições parceiras da SEDUC.

Destacamos aqui a Nota de Esclarecimento emitida pelo Conselho Nacional de Educação – CNE, em 18 de março de 2020 que afirma a competência das autoridades dos sistemas de ensino, dentre eles o sistema estadual, de autorizar a realização de atividades a distância para a educação básica, podendo os estudantes serem atendidos em seus domicílios, tendo em vista as implicações da pandemia da COVID-19 para o fluxo do calendário escolar.

O Parecer CNE nº 5/2020 de abril de 2020 que trata da reorganização do Calendário Escolar e do cômputo de atividades não presenciais para cumprimento da carga horária mínima anual, em decorrência da Pandemia da COVID -19 apresentou um destaque para cada nível e modalidade de ensino, tendo incluído nesses destaques o item 2.14 que trata sobre Educação Indígena, do campo, Quilombola e Povos Tradicionais, reconhecendo

[...] as diversidades e singularidades das populações indígena, quilombola, do campo e dos povos tradicionais, tendo em vista as diferentes condições de acessibilidade dos estudantes e a atribuição dos sistemas de ensino dos Estados e Municípios (para organizar e regular medidas que garantam a oferta de recursos e estratégias para o atendimento dessas comunidades) [...] (CNE, Parecer nº 5/ 2020, p.15).

O item 2.14 do mesmo Parecer menciona que poderia ser facultada às escolas dessas comunidades, onde se incluem as escolas indígenas, a realização de atividades pedagógicas não presenciais, desde que essas escolas dispusessem das condições necessárias para esse tipo de atividade. Entende-se que, de acordo com o Parecer CNE nº 5/202, essas comunidades teriam a opção de não aderir às atividades pedagógicas não presenciais. Em outra passagem do mesmo Parecer é afirmado que, posteriormente, com a retomada de aulas presenciais, essas escolas poderiam encontrar alternativas para cumprimento da carga horária anual exigida pela LDB nº 9.394/96. Mas, o Parecer CNE nº 5/2020 alertou sobre a possibilidade de que o período de emergência causado pela pandemia da COVID-19 fosse de longa duração, podendo causar dificuldades para a reposição das aulas

O Ofício Circular nº 007 emitido pela SEDUC já afirmava que, no caso da unidade de ensino não apresentar condições de adotar as estratégias de estudos domiciliares, os dias letivos de suspensão das aulas deveriam ser, posteriormente, compensados pelas escolas. Embora esse Ofício não tenha mencionado as diferentes situações de acesso aos meios eletrônicos e aos equipamentos necessários para o uso desses meios por parte de professores e estudantes, como telefones celulares, computadores ou tablets, assim como o acesso ou não acesso à internet, o referido documento dava indicativo de que haveria escolas sem as condições necessárias para adoção da estratégia de estudos domiciliares através desses meios, ao afirmar a possibilidade de posterior compensação das aulas pelas escolas que não conseguissem adotar a estratégia dos estudos domiciliares.

O agravamento global da Pandemia e a iminente proliferação da COVID-19 no estado do Ceará nos dias que se seguiram ao primeiro decreto estadual, que definiu as medidas preliminares de distanciamento social para conter o avanço do coronavirus, mostraram que o tempo não seria breve e que um recesso escolar provisório, com a posterior compensação das aulas não ministradas pelos professores, ou a antecipação das férias escolares, não seriam suficientes para o enfrentamento do problema. Afirmando a necessidade de manter a continuidade dos serviços públicos por ela prestados, onde se inclui a educação escolar, a SEDUC publicou, em 13 de abril de 2020, a Portaria nº 0268/2020 com orientações para as escolas públicas da rede estadual de ensino sobre as atividades de sala de aula. De acordo com essa Portaria:

As atividades de sala de aula, a serem desempenhadas pelos professores da rede estadual de ensino, enquanto perdurar a suspensão das atividades presenciais nas escolas, determinada pelo Decreto n° 33.510, de 16 de março de 2020, dar-se-ão unicamente por meio do regime de trabalho remoto, de acordo com o Plano de Atividades Domiciliares de cada escola (SEDUC, Portaria nº 0268, 2020).

Um novo conceito de trabalho foi introduzido no universo escolar da rede pública estadual do Ceará: o trabalho remoto, tipo de trabalho ainda não experenciado pelos professores indígenas e que traria implicações para as práticas pedagógicas desses profissionais.

O ensino remoto é apresentado pela SEDUC (2020) como uma “[...] experiência de ensinar a distância, com o suporte de tecnologias ou não, tanto para disponibilização de conteúdo quanto para acompanhamento das/os estudantes e de suas atividades desenvolvidas” (SEDUC, 2020, p.3) e que necessitava da realização de acompanhamento do estudo domiciliar dos estudantes por parte dos professores e dos gestores.

Em abril de 2020, foram iniciadas as videoconferências com os gestores das escolas indígenas dos municípios de Acaraú e Itarema e os representantes locais do órgão estadual de educação para esclarecimentos sobre as orientações oficiais para continuidade do ano letivo. De acordo com Relatório 16, as escolas indígenas foram orientadas a seguir as recomendações das Diretrizes da SEDUC para dar continuidade ao ano letivo de 2020 de forma remota, como pode ser observado em um trecho do referido Relatório, citado abaixo:

A SEDUC não seguirá os municípios que decretaram férias. Não haverá antecipação de férias, considerando não ser possível prever o tempo necessário de isolamento social. As Diretrizes orientam a realização de atividades a distância/domiciliares, utilizando estratégias de ensino e acompanhamento da aprendizagem de forma remota. Todas as escolas da rede pública estadual do Ceará devem se orientar pelas Diretrizes, não havendo possiblidade de suspensão das atividades para estender o calendário escolar. (Não se pode prever o tempo para o retorno das aulas presenciais) (CREDE 3, Relatório 1 Videoconferência com gestores indígenas, 02 de abril de 2020).

Observou-se, através dos relatórios analisados, que na primeira semana de abril de 2020, das 09 (nove) escolas indígenas Tremembé acompanhadas pela CREDE 3, apenas duas haviam iniciado a experiência com ensino remoto e esse trabalho começou a ser realizado através da entrega de atividades impressas aos estudantes. Para as 07 (sete) escolas que se encontravam com as atividades paralisadas, um dos encaminhamentos apresentados no Relatório 1 afirmava que os gestores dessas escolas “[...] repassariam aos professores de suas escolas as orientações apresentadas na videoconferência para decidirem como atuar nesse contexto" (CREDE 3, Relatório I Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

Os registros do Relatório 2, referente à 2ª videoconferência, já traziam indícios da resistência por parte das demais escolas indígenas Tremembé em seguirem as Diretrizes da SEDUC. Para os gestores dessas escolas, a estratégia de entrega de atividades nas próprias residências dos seus alunos era percebida como negação do isolamento social e como um risco de contágio pela COVID-19 para os indígenas, historicamente afetados por pandemias que dizimaram muitos povos no passado, como pode ser observado em um dos registros do Relatório 2, citado abaixo:

O diretor [...] afirmou que a preocupação com a COVID – 19 aumentou entre eles após a confirmação de um caso no município [...] A maioria do grupo não aceitou seguir as Diretrizes estabelecidas pela SEDUC. Esse gestor ainda destacou a situação do passado dos povos indígenas do Brasil em relação às epidemias que dizimaram muitos grupos. Citou ainda a preocupação com os idosos e outras pessoas que fazem parte do grupo de risco e que teme o que possa acontecer com a escola diante do posicionamento de não seguir as Diretrizes. Enfatizou [...] estão se precavendo”. (CREDE 3, Relatório 2 Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

O registro denota o medo de contaminação pelo coronavírus, mas também o medo das consequências para a escola por não aceitarem seguir as Diretrizes da SEDUC naquele momento de suspensão das aulas presenciais. Compreendemos que o segundo medo estaria associado ao fato de os professores indígenas não terem vínculo efetivo7 de trabalho com a SEDUC.

Quanto ao medo de contaminação pelo coronavirus, de acordo com dados disponibilizados no IntegraSUS8, o município de Itarema apresentou entre os meses de março e maio de 2020, período priorizado neste estudo, o total de 105 (cento e cinco) casos confirmados de COVID-19 entre indígenas Tremembé9. Itarema é o município que concentra o maior número de escolas indígenas Tremembé, 07 (sete) das 09 (nove) escolas indígenas que fazem parte da Regional de Educação do Ceará, CREDE 3, no período investigado. O município de Acaraú, com 02 (duas) escolas indígenas Tremembé instaladas, apresentou 01 (um) caso confirmado de COVID-19 dentro do mesmo período. Os dados do IntegraSUS não indicaram registro de óbito por COVID-19 entre indígenas Tremembé em nenhum desses dois municípios, até 31 de maio de 2020.

No mesmo Relatório da videoconferência citada, anteriormente, há registro do relato de outro diretor que destaca a dificuldade de acesso a celular e internet na aldeia, assim como menciona o medo de reunir os profissionais da escola por conta da Pandemia da COVID -19, como pode ser observado na citação abaixo:

Afirmou que se reuniu com os professores logo após a primeira videoconferência, onde conversaram e resolveram parar as atividades, aguardar e encontrar formas para repor esses dias. Está vendo a situação se agravar [...] Destacou a dificuldade para reunir os professores da Aldeia [...], pois muitos não possuem celular ou internet e que o grupo de professores é muito grande e que as decisões são sempre tomadas no coletivo. Temem reunir o grupo por conta das orientações da saúde (CREDE 3, Relatório 2 Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

Os registros sobre o medo do contágio e a dificuldade de acesso à internet apareceram em vários Relatórios das videoconferências. Abaixo citamos outros registros extraídos do Relatório 5 de uma videoconferência realizada, especificamente, com os diretores das escolas indígenas que ainda se encontravam paralisadas até o final de abril de 2020:

Afirmou que diante do que está acontecendo, entende que, pela vivência deles, para aderir às atividades domiciliares teriam que sair do isolamento social (CREDE 3, Relatório 5, Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

Enfatizou que as crianças não tinham acesso às tecnologias para ajudar nos estudos e que não alcançariam 50% dos alunos, exceto se renunciassem ao isolamento social. Esse seria o motivo para não adesão às atividades domiciliares (CREDE 3, Relatório 5, Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

Afirmou que nem todos os pais são alfabetizados, não podendo ajudar nas tarefas escolares domiciliares de seus filhos (CREDE 3, Relatório 5, Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

O conteúdo desses relatórios reforçam que o problema da dificuldade de suporte tecnológico para as interações entre professores e estudantes já se apresentava como um problema de difícil superação para as escolas indígenas Tremembé e a ele somava-se o medo de contágio pela COVID -19, que se aproximava das aldeias com o surgimento de casos de contaminação pelo coronavírus nos municípios onde as aldeias se localizavam. Mas, outro problema também foi apontado nos registros do Relatório do final de abril de 2020: o fato de existirem pais não alfabetizados e sem condições de ajudar os filhos nas atividades domiciliares que seriam entregues pelos professores.

Os dados informados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS indicam que as taxas de analfabetismo10 entre indígenas dos municípios de Itarema e Acaraú correspondem, respectivamente, a 31, 3 % e 19,7%. Como pode ser observado, o município de Itarema, onde se concentra o maior número de escolas indígenas Tremembé, é também o município que apresenta maior taxa de analfabetismo entre o povo dessa etnia que vive nas aldeias de Itarema. Esses dados ajudam a compreender a preocupação dos diretores das escolas indígenas com a adoção da estratégia de atividades domiciliares para os estudantes, considerando a inviabilidade da ajuda dos pais, não alfabetizados, aos seus filhos. Segundo Almeida (2011),

Entre os estudantes submetidos à ação pedagógica da escola encontram-se aqueles para quem a cultura escolar é a cultura do seu próprio grupo social, isto é, aqueles em que foram imersos desde o nascimento numa família determinada. Para outros, trata-se de uma cultura estrangeira ou quase (ALMEIDA, 2011, p. 49).

Para os estudantes indígenas cujos pais não são alfabetizados, a cultura escolar poderá parecer uma cultura estrangeira, situação que pode justificar a preocupação dos professores indígenas em adotar as atividades domiciliares impressas como estratégia de ensino remoto, uma vez que, nesses casos, os estudantes indígenas não contariam com a ajuda dos pais na resolução dessas atividades.

Medo de romper com o distanciamento social e contrair a COVID -19, dificuldades de acesso à internet, pais não alfabetizados, todos esses problemas fortaleceram a resistência dos diretores e professores das escolas indígenas Tremembé a adotarem o ensino remoto proposto pelo órgão estadual de educação, mas não produziram argumentos “convincentes” (HABERMAS, 2002) para permanecerem paralisados e não houve flexibilização pelo órgão estadual de educação no sentido de permitir a continuidade dessa paralisação.

O “ensino remoto possível” para os estudantes das escolas indígenas Tremembé: as limitações do suporte tecnológico e o medo de contágio pela COVID-19

Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua (2018), apontam diferenças na utilização da internet entre os estudantes da rede pública e os estudantes da rede privada. De acordo com os dados da PNAD CONTÍNUA (2018):

Entre os estudantes da rede privada o percentual dos que utilizaram a Internet passou de 97,6% para 98,2%, de 2017 para 2018. No caso dos estudantes da rede pública, o percentual dos que utilizaram a Internet ficou abaixo daquele dos estudantes da rede privada, mas a diferença reduziu-se de 19,1 p.p. (pontos percentuais), em 2017, para 16,5 p.p., em 2018. (IBGE, 2018, p. 67-68)

Embora esses dados apresentem uma queda na diferença dos percentuais de acesso à internet entre estudantes da rede pública e estudantes da rede privada do ano de 2017 para 2018, permanece uma diferença de 16,5 p.p entre esses dois grupos de estudantes. A diferença se amplia quando é considerada a área de localização dos domicílios brasileiros. Para os domicílios localizados em área urbana, o percentual de utilização da internet era 83,9%, em 2018, enquanto para os domicílios das áreas rurais esse percentual correspondeu a 49,2% (IBGE, 2018). Os dados indicam que os domicílios das áreas rurais estão 34,7 p.p abaixo dos domicílios das áreas urbanas na utilização da internet, o que pode representar dificuldades para inclusão dos estudantes que residem nas áreas rurais dos municípios brasileiros em um modelo de ensino remoto que tenha a internet como ferramenta principal de acesso às atividades escolares.

A PNAD Contínua (2018) mostrou ainda a existência de uma diferença significativa entre os estudantes da rede pública e os estudantes da rede privada quanto à posse de telefone móvel, equipamento que poderia facilitar as interações entre estudantes e professores em tempos de ensino remoto. Segundo os dados da PNAD Contínua (2018), os estudantes da rede privada apresentam uma vantagem de 28,7% p.p sobre os estudantes da rede pública de ensino.

Esses dados apontam para a existência de desigualdades de acesso aos meios tecnológicos entre estudantes da rede pública e da rede privada de ensino, situação que pode ser agravada dependendo da área de residência desses estudantes, se em áreas urbanas ou rurais. Desse modo, entendemos que, se os bens tecnológicos não se encontram igualmente distribuídos a todos os estudantes, esse fato nos impede de falar de “ensino remoto” de forma genérica e ignorar “[...] as desigualdades de capital econômico e cultural e as desigualdades daí decorrentes [...]” (BOURDIEU, 2001, p. 269) que podem repercutir nos processos de aprendizagem desses estudantes.

Em relação à situação específica dos estudantes da rede pública estadual do Ceará em relação ao acesso à internet, a SEDUC solicitou que as escolas da Rede Pública Estadual preenchessem um questionário de acompanhamento do ensino remoto, em maio de 2020, no qual deveria ser informada a situação de acesso dos estudantes à internet. O questionário, respondido por 91,2 % das escolas públicas estaduais do Ceará, apresentava as seguintes opções: Não acessam; Pelo telefone; Internet fixa ou Dos vizinhos.

Os resultados das respostas ao referido questionário indicaram que 22,7% dos estudantes de escolas localizadas na zona rural do Ceará não acessavam a internet no período em que as informações foram coletadas. Em números absolutos esse percentual representa mais de 5.000 (cinco mil) estudantes). Esse número de estudantes pode ser ainda maior, considerando que cerca 8% das escolas estaduais não responderam o questionário.

De forma complementar foram filtradas as situações específicas sobre a situação de acesso à internet entre os estudantes das escolas indígenas, de acordo com o levantamento realizado pela COAVE/SEDUC, indicam que cerca de 26,3% dos estudantes das escolas indígenas do estado do Ceará não tinham acesso à internet até maio de 2020, como mostra a Figura 2:

Fonte: Arquivos da família L. S. Vigotski

Figura 1 Situação de acesso à internet para estudantes de escolas da Rede Pública Estadual do Ceará por categoria de escola 

Pensando sobre a desigual distribuição de poderes no interior da sociedade, Bourdieu (2001) afirma:

Quando os poderes estão desigualmente distribuídos, em vez de se mostrar um universo de possíveis igualmente acessíveis a todo sujeito possível – postos a ocupar, estudos a fazer, mercados a conquistar, bens a consumir, propriedades a trocar etc, -, o mundo econômico e social se apresenta como um universo balizado, semeado por injunções e proibições, por signos de apropriação e exclusão, por sentidos obrigatórios ou barreiras intransponíveis [...] (BOURDIEU, 2001, p.275)

Se analisarmos a situação dos estudantes das escolas indígenas Tremembé de Acaraú e Itarema11 a partir dessas reflexões de Bourdieu (2001), entendemos que há uma limitação “no universo de possíveis” para esses estudantes Tremembé no contexto de estudo remoto caso se tomasse como estratégia de estudo as interações via internet. Há, portanto, “impossibilidades efetivas” (BOURDIEU, 2001), que inviabilizam as interações entre professores e estudantes através de contatos por e-mail ou por outros aplicativos de mensagens que dependem do uso de internet.

Diante desse quadro de impossibilidade de uso da internet, as escolas indígenas Tremembé deveriam adotar a elaboração de atividades impressas como estratégia de estudo remoto. Através da entrega de atividades impressas nas residências dos estudantes, manteriam as atividades escolares de forma não presencial e as interações e os vínculos com os estudantes no contexto de isolamento social. No relatório da primeira videoconferência com os gestores indígenas, do período da Pandemia da COVID-19, consta o seguinte registro de orientação do órgão estadual de educação sobre as atividades remotas: “Podem ser entregues aos alunos xerox de atividades, sugestões de atividades dos livros didáticos. As atividades podem ser entregues ao aluno em uma semana, e na semana seguinte, poderiam devolvê-las aos professores, momento em que receberiam as atividades da semana seguinte” (CREDE 3, Relatório 1da Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

Os relatórios analisados indicaram que os gestores indígenas Tremembé, ao adotarem a estratégia de atividades domiciliares impressas, temiam o risco de contágio pela COVID-19 nos momentos de entrega e recebimento dessas atividades nas residências dos estudantes, como demonstra outro registro do Relatório da videoconferência realizada com os gestores das escolas paralisadas, em abril de 2020: “[...] aceitar as atividades domiciliares seria desistir do isolamento social, do distanciamento social, pois um aluno seria visitado por várias pessoas na entrega das atividades” (CREDE 3, Relatório 5, Videoconferência com gestores indígenas, 2020). Para alguns gestores indígenas, aderir ao ensino remoto através da entrega de atividades domiciliares impressas parecia uma renúncia ao isolamento social exigido para o contexto epidêmico vivido.

Ensino e Estudo Remoto através de Atividades Domiciliares Impressas

No início do mês de abril de 2020, os gestores das escolas indígenas de Acaraú e Itarema passaram a se reunir todas as semanas, virtualmente, com os técnicos da Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação – CREDE12, regional de Acaraú (CREDE 3). Essas videoconferências13 passaram a constituir o espaço para acompanhamento do ensino remoto praticado por essas escolas. Na primeira videoconferência, os gestores indígenas foram informados que o governo estadual não seguiria a mesma decisão dos municípios que anteciparam as férias escolares e que a Diretriz da SEDUC era a adoção de atividades domiciliares por todas as escolas públicas da rede estadual do Ceará, uma vez que não se poderia prever o fim da pandemia e o retorno às atividades escolares presenciais.

Os relatórios consultados indicam que, para parte dos diretores das escolas indígenas Tremembé, a estratégia de ensino remoto através de meios virtuais era considerada inviável para a realidade das famílias atendidas pelas escolas de suas aldeias que, em sua maioria, não dispunham do acesso a esses meios e, mesmo entre os professores havia dificuldades para uso desses recursos tecnológicos, como pode ser observado no Relatório 2 onde consta o registro de que um diretor “[...] destacou a dificuldade para reunir os professores da aldeia [...], pois muitos não possuem celular ou internet e que o grupo de professores é muito grande” (CREDE 3, Relatório 2, Videoconferência com gestores indígenas, 2020).

Em março de 2020, após a divulgação das orientações contidas no Decreto do governo do estado do Ceará, Decreto nº 33.510, e do Ofício Circular nº 007/2020 emitido pela SEDUC, das 09 (nove) escolas indígenas Tremembé em funcionamento nas aldeias dos municípios de Acaraú e Itarema, 02 (duas) escolas aderiram à estratégia de ensino remoto. As outras 07 (sete) escolas indígenas justificaram a não adesão aos estudos domiciliares em função dos riscos de contaminação pelo coronavirus para professores, estudantes e seus familiares nos momentos de deslocamentos dos professores nas residências das aldeias para entrega e recebimento das atividades domiciliares, conforme já mostrado nos registros dos relatórios da videoconferências comentados, anteriormente.

A partir da segunda semana do mês de abril de 2020, outras 04 (quatro) escolas Tremembé decidiram adotar o modelo de ensino remoto através das atividades domiciliares impressas, passando a 06 (seis) escolas Tremembé com oferta de ensino remoto. No entanto, 03 (três) escolas indígenas Tremembé permaneceram paralisadas até o início do mês de maio de 2020. Essas 03 (três) escolas Tremembé resistiram durante os dois primeiros meses às orientações contidas nas Diretrizes para o período de suspensão das atividades educacionais presenciais emitidas pela SEDUC.

Embora os Tremembé não seja um povo indígena isolado e que já mantenha contatos há séculos com outros regionais não índios, o risco de contaminação pela COVID-19, em 2020, trouxe de volta lembranças de um passado em que muitos povos indígenas do Brasil foram afetados por doenças contagiosas que lhes provocaram a morte. Essas lembranças foram acionadas por alguns gestores das escolas indígenas Tremembé em suas justificativas para a manutenção do isolamento social nos primeiros meses da pandemia e não adesão ao ensino remoto através de estudos domiciliares com atividades impressas entregues aos estudantes.

A respeito do medo de contaminação que aflige os indígenas em relação à COVID-19, Capiberibe (2020) afirma que

Assim se passa porque vírus e bactérias são aliados, há séculos, da ganância da exploração econômica, agindo junto com esta na mortandade das populações indígenas. Coqueluche, varíola, catapora, sarampo, malária, peste bubônica, tifo, difteria, conjuntivite e gripe são doenças cujos agentes patológicos exterminaram ou reduziram substancialmente povos que não possuíam barreira imunológica para os males trazidos com a suposta civilização. (CAPIBERIBE, 2020, p.306)

A referência a essas situações de pandemias ocorridas no passado e que dizimaram muitos povos indígenas estiveram presentes nos argumentos apresentados pelos diretores das escolas indígenas Tremembé que permaneceram paralisadas até o início do mês de maio de 2020, como mostramos através dos registros de alguns relatórios das videoconferências. Para esses diretores, aderir à estratégia de ensino remoto através da entrega de atividades domiciliares impressas aos estudantes representava um rompimento com as orientações de distanciamento social propostas pela Organização Mundial de Saúde – OMS. Para eles, não seria possível praticar o isolamento social e manter contatos com as crianças da escola, por exemplo, pois um aluno da escola poderia ser visitado por vários professores, ampliando os riscos de contágio pela COVID-19. Os fluxos de parentes dos Tremembé, vindos de outras cidades para as aldeias, após a perda de trabalho em decorrência da Pandemia, também foi apontado como um fator de preocupação para a realização de deslocamentos dentro da aldeia e riscos de contaminação (Relatório 5, 2020).

Situados em posição de desvantagem no acesso aos meios eletrônicos que poderiam viabilizar as interações com os professores em tempos de ensino remoto durante a pandemia, a essa desvantagem somava-se o problema de os familiares desses estudantes não dominarem os conhecimentos escolares necessários para ajudá-los nas atividades propostas pelos professores, conforme registrado em uma das passagens do Relatório 6 que menciona que um dos diretores destacou “[...] alguns pais não acompanhariam as atividades escolares dos filhos [...] por não terem conhecimento necessário para ajudar nas tarefas” (CREDE 3, Relatório 6, Videoconferência, 2020).

Nesse contexto, para os estudantes Tremembé, as desvantagens sociais podem ser convertidas, progressivamente, em desvantagens escolares (BOURDIEU, 2011). A possibilidade de continuarem estudando durante a pandemia ficou limitada às atividades domiciliares que passaram a ser entregues em suas residências, atividades que seriam resolvidas sem o apoio direto dos professores, como na “antiga normalidade” da sala de aula e sem o recurso de outros meios eletrônicos que poderiam auxiliá-los nesse momento de afastamento do espaço escolar.

Entre o risco de contaminação e o risco do abandono escolar: paradoxos da Pandemia da COVID – 19 para o ensino remoto entre os Tremembé

A adesão de todas as escolas indígenas Tremembé ao ensino remoto foi alcançada, em maio de 2020, quando as 03 (três) escolas que ainda resistiam a esse modelo de ensino concordaram em adotar a estratégia das atividades domiciliares impressas entregues nas residências dos estudantes. De acordo com relatos dos gestores das escolas Tremembé, a adesão à estratégia de entrega de atividades domiciliares precisava ser uma decisão pactuada com os professores de cada escola e com os pais dos estudantes, uma vez que não poderia ser uma decisão exclusiva da escola, pois as famílias dos estudantes também correriam riscos de contaminação pela COVID-19 através do contato com os professores que se deslocariam para várias residências das aldeias. Abaixo estão citados alguns registros encontrados nos Relatórios analisados que remetem a essa prática de tomada de decisões coletivas pelas escolas indígenas:

Disse não ter autonomia para decidir sobre esse problema, mas que iria conversar com os professores (CREDE 3, Relatório 5, videoconferência, 2020).

Desse modo, não teria muito a dizer, pois o fato de ser diretora não significava que poderia dizer sim ou não sem ouvir o restante do grupo da escola (CREDE 3, Relatório 5, videoconferência, 2020)

Destacou [...] que as decisões são sempre tomadas no coletivo. (CREDE 3, Relatório 2, videoconferência, 2020).

Mesmo após a adesão de todas as escolas ao ensino remoto, a organização da periodicidade na entrega das atividades domiciliares seguiu uma decisão consensuada pelos atores de cada escola Tremembé. As Diretrizes da SEDUC (2020) para o período de suspensão das atividades presenciais orientaram as escolas a elaborarem um Plano de Atividades Domiciliares organizadas, preferencialmente, por semana. Mas, entre as escolas indígenas Tremembé, a periodicidade da entrega das atividades nas residências dos estudantes variou entre uma semana, quinze dias e um mês.

Com a divulgação dos primeiros casos de contaminação pela COVID-19 nas aldeias, a maioria das escolas que realizavam a entrega semanal de atividades domiciliares passou a entregá-las, quinzenalmente ou mensalmente, considerando que entendiam que a entrega semanal representaria maior risco de contágio. Os registros contidos no Relatório 6, no Relatório 7 e Relatório 8 indicam essa mudança:

Afirmou que faziam a entrega das atividades domiciliares todas as sextas-feiras, mas que passariam a fazer a entrega, quinzenalmente, para reduzir os contatos. (CREDE 3, Relatório 6 Videoconferência, 2020).

Relatou que iniciaram com entrega semanal de atividades e discutiram a possibilidade de entrega quinzenal para evitar maior contato com os alunos. (CREDE 3, Relatório 6, Videoconferência, 2020).

Afirmou que fariam a entrega mensal de atividades e que os pais dos alunos seriam chamados a receber essas atividades na escola na intenção de diminuir os contatos físicos entre eles. (CREDE 3, Relatório 7, Videoconferência, 2020).

Ainda que as interações com os estudantes tenham sido favorecidas através dos contatos realizados durante a entrega das atividades pelos professores14, os relatórios das videoconferências mencionam dificuldades na adoção dessa prática de estudos domiciliares, repercutindo para a ocorrência de casos em os estudantes indígenas não resolviam as atividades ou as devolviam incompletas, conforme nos registros citados abaixo:

Enfatizou o fato de muitos alunos do Ensino Fundamental II devolverem as atividades domiciliares em branco, principalmente aquelas que exigem pesquisa na internet. (CREDE 3, Relatório 11, Videoconferência, 2020)

Afirmou que os alunos estão tentando do jeito deles e quando os alunos devolvem atividades em branco, orienta o aluno a retornar com a atividade para resolver (CREDE 3, Relatório 8, Videoconferência, 2020)

Destacou que passou a tirar dúvidas através do Whatssap, mas que nem todos os alunos têm acesso à internet, não tendo condições de manterem contato com o professor (CREDE 3, Relatório 8, Videoconferência, 2020).

Outro problema também sinalizado nos registros dos relatórios analisados fez referência à possibilidade de evasão escolar provocada pela busca dos estudantes por trabalho, como foi observado no seguinte registro: “Destacou ainda a possível perda de alunos por evasão, uma vez que alguns alunos foram trabalhar no mar após a paralisação das atividades presenciais da escola” (CREDE 3, Relatório 8, videoconferência, 2020).

Os relatórios indicam que, para os gestores e professores indígenas Tremembé, a entrega periódica das atividades domiciliares contribuiria para a manutenção do elo com os estudantes, seus familiares e a escola, evitando o abandono escolar, como pode ser observado nos registros citados abaixo:

O referido diretor destacou que as mães estavam procurando por essas atividades da escola, principalmente, as mães das crianças do Fundamental I, uma vez que essas crianças teriam menos alternativas de atividades em casa, quando não estão na escola. (CREDE 3, Relatório 2, videoconferência, 2020).

[...] destacou que o mais difícil é manter o elo. Mas, como eles estão perto das famílias, isso se torna mais fácil de alcançar. (CREDE 3, Relatório 3, videoconferência, 2020).

Apontou como positivo o apoio dos pais e sente que as coisas estão diferentes dentro da comunidade, pois se juntaram mais e a comunidade passou a se preocupar com todos. (CREDE 3, Relatório 10, videoconferência, 2020).

Entende que tem que enfrentar esse desafio e que, muitos professores falam que são forçados, mas que ela vê de outra forma, vê o direito dos alunos de não ficarem parados. (CREDE 3, Relatório 10, videoconferência, 2020).

Sobre a necessidade de manutenção dos vínculos entre escola e estudantes, o Parecer CNE 5/2020 afirma que, “A realização de atividades pedagógicas não presenciais visa, em primeiro lugar, que se evite retrocesso de aprendizagem por parte dos estudantes e a perda do vínculo com a escola, o que pode levar à evasão e abandono” (CNE, Parecer 5/2020, p.6). O Parecer destaca a manutenção do vínculo entre aluno e escola com uma possibilidade de evitar a evasão e o abandono, mas enfatiza a necessidade de evitar o retrocesso dos estudantes em seus processos de aprendizagem. Nesse mesmo sentido apontam os resultados do estudo realizado pelo IEDE & Instituto Rui Barbosa (2020) ao afirmar que

A maioria das redes de ensino ouvidas neste estudo disse ter expectativas positivas em relação à atuação, neste período, dos responsáveis pelos estudantes. Algumas, inclusive, acreditam que a participação das famílias pode melhorar no período pós-pandemia, dada a união de esforços que se fez necessária ao enfrentamento desta crise, em que novas modalidades de ensino foram impostas e exigiram e exigem adaptações por parte de todos — profissionais da Educação, estudantes e seus pais ou responsáveis. A união e colaboração entre as partes envolvidas tornaram-se cruciais para a efetividade das ações. (IEDE & Instituto Rui Barbosa ,2020, p.33)

O fortalecimento dos vínculos entre as famílias dos estudantes e a escola parece ser um legado deixado pela Pandemia da COVID-19. Apesar do medo de contágio pela COVID-19 e considerando as condições de possibilidades disponíveis a estudantes e professores Tremembé para a manutenção das interações pedagógicas durante a Pandemia, as escolas indígenas Tremembé de Acaraú e Itarema ofertaram o “ensino remoto possível” para seus estudantes. Cabe perguntar: Qual seria o “ensino remoto necessário” para essas escolas nesse contexto de Pandemia e quais as condições para viabilizá-lo de modo a garantir o vínculo dos estudantes indígenas com a escola, mas também garantir o sucesso desses estudantes em seus processos de aprendizagem escolar?

O Plano Nacional de Educação– PNE (2014) afirma que os entes federados devem estabelecer em seus planos de educação estratégias que “[...] considerem as necessidades específicas das [...] comunidades indígenas [...], asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural” (PNE, 2014). Assegurar o acesso aos meios tecnológicos que viabilizem a participação dos estudantes Tremembé em situações de Ensino Remoto pode constituir uma medida necessária para que esses atores sociais não sejam colocados em uma situação de inferioridade no campo escolar.

Resultados e considerações

Os principais resultados do estudo mostraram a resistência inicial de uma parte das escolas Tremembé de Acaraú e Itarema à adoção do ensino remoto, considerando a impossibilidade de acesso de estudantes e professores aos meios tecnológicos necessários a esse modelo de ensino. Diante do problema de acesso a esses meios tecnológicos e das determinações do órgão estadual de educação, essas escolas precisaram flexibilizar a resistência e adotar o ensino remoto através da entrega de atividades domiciliares impressas, apesar do medo de contágio pela COVID-19.

Essas escolas indígenas, no entanto, procuraram manter sua autonomia dentro desse processo ao definirem a periodicidade da entrega dessas atividades aos estudantes, levando em consideração as oscilações nos níveis de transmissão da COVID-19 dentro de cada aldeia, como foi observado nos registros dos relatórios analisados e comentados, anteriormente.

Os resultados do estudo também indicam que entre os professores indígenas Tremembé prevalecia o entendimento de que a estratégia de ensino remoto realizado através da entrega de atividades domiciliares impressas aos estudantes favorecia a manutenção dos vínculos entre esses atores sociais e a escola, mitigando as possibilidades de casos de evasão e abandono escolar.

Entendemos que um problema como a Pandemia da COVID-19 pode aparecer de forma não prevista e trazer à tona muitos outros problemas que, embora conhecidos pelos agentes públicos, não tiveram força política suficiente para mobilizar o interesse dos governos a ponto de incluí-los em suas agendas para formulação de políticas públicas.

A Pandemia da COVID-19 fez emergir as fissuras que atravessam a educação pública brasileira e as desigualdades sociais que atingem os seus diferentes públicos, como as questões que envolvem a falta de acesso à internet e/ou aos meios eletrônicos que poderiam viabilizar esse acesso e que afetaram, imediatamente, a vida escolar de muitos estudantes das redes públicas de ensino do país quando as escolas precisaram suspender o estudo presencial. O problema relacionado ao acesso à internet foi apenas um desses problemas emergentes, considerando a existência de questões estruturais que atingem as famílias brasileiras e que se agravaram com a pandemia.

Os documentos emitidos pelo governo federal e pelo governo do estado do Ceará, direcionados às medidas no campo da educação escolar durante a pandemia da COVID-19, reconhecem as desigualdades e autorizam adequações de estratégias das escolas às diferentes situações para minimizar os problemas instalados com a suspensão das atividades presenciais nas escolas. No entanto, reconhecer as desigualdades de condições entre os estudantes para participarem do ensino remoto e autorizar que as escolas públicas possam utilizar as estratégias “possíveis” para aqueles que já se encontram em situação de desvantagem social não é suficiente.

Entendemos que os diversos problemas que emergiram com a Pandemia da COVID-19, particularmente, para os estudantes da rede pública de ensino, necessitavam de respostas emergenciais do poder público, pois tais problemas pareciam estar fora das pautas das agendas dos governos. Segundo Secchi (2017):

Um problema é a discrepância entre o status quo e uma situação ideal possível. Um problema público é a diferença entre o que é e aquilo que se gostaria que fosse a realidade pública. Um problema público pode aparecer subitamente [...] Um problema público pode estar presente por muito tempo, porém não receber suficiente atenção [...]” (SECCHI, 2017, p.44).

A exclusão digital de professores e estudantes das escolas indígenas Tremembé não é um problema novo, mas talvez não tenha chamado, suficientemente, a atenção do governo (VIANA, 1996) antes da COVID -19. Mas, diante das experiências já acumuladas nesse período de pandemia pelos agentes públicos, responsáveis pela tomada de decisões no campo da educação, e considerando os prejuízos acumulados pelos estudantes que não tiveram acesso ao “ensino remoto necessário”, é urgente incluir na agenda governamental o problema da exclusão digital de estudantes e professores Tremembé e de outros problemas vivenciados por esses atores sociais que dificultam seus processos de aprendizagem escolar.

Referencias

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No estado do Ceará, as aldeias indígenas Tremembé estão localizadas nos municípios de Acaraú, Itapipoca e Itarema. Para este estudo, foram consideradas as escolas indígenas dos municípios de Acaraú e Itarema que estão vinculadas à Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação – CREDE 3, órgão regional subordinado à Secretaria da Educação do Ceará – SEDUC. Os Tremembé vivem na zona rural dos municípios citados e falam português.

2A pesquisa principal está cadastrada na Plataforma Brasil com Parecer Consubstanciado pelo CEP nº 4.393.438, aprovado em 11/11/2020.

Com a suspensão das atividades presenciais nas escolas e órgãos da administração pública do governo do estado do Ceará em março de 2020, as reuniões entre os diretores das escolas indígenas e representantes do órgão estadual de educação foram adaptadas ao modelo de videoconferência com o uso da ferramenta do google meet.

4Para Bourdieu o capital pode se referir a bens materiais ou simbólicos cuja posse pode conferir poder e vantagem a quem os detém.

O Ofício Circular nº 007/2020 da SEDUC foi emitido na mesma data do Decreto nº 33.510, em 16 de março de 2020.

6A numeração dos Relatórios foi atribuída pelos responsáveis por este estudo, seguindo a sequência cronológica em que ocorreram as videoconferências selecionadas entre os meses de abril e junho de 2020.

7No estado do Ceará, os professores indígenas mantêm contrato temporário de trabalho com a SEDUC, uma vez que ainda houve concurso público para o cargo de professor indígena que viabilizasse a efetivação desses profissionais.

8O IntegraSUS ‘[...] integra sistemas de monitoramento e gerenciamento epidemiológico, hospitalar, ambulatorial, administrativo, financeiro e de planejamento da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) e dos 184 municípios”. Fonte: https://integrasus.saude.ce.gov.br/#/home . Acesso em 02 jul.2021.

9O estudo sobre as Etnias Indígenas que associou “[...] a etnia dos indivíduos autodeclarados indígenas a partir do município de residência”, disponível: https://integrasus.saude.ce.gov.br/#/indicadores/indicadores-coronavirus/indice-transparencia . Acesso em 03 jul.2021.

10Taxa de analfabetismo por Cor/Raça segundo Município Cor/Raça: Indígena - Período: 2010. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/alfbr.def . Acesso em 05 jul.2021.

Destacamos há 01 (uma) escola indígena Tremembé em funcionamento no município de Itapipoca. Mas, neste artigo, nossa análise é direcionada, exclusivamente, às escolas indígenas Tremembé localizadas nas aldeias de Acaraú e Itarema.

Órgão de execução regional e local vinculado à SEDUC com a “competência de coordenar a implementação e execução das políticas e diretrizes educacionais na sua jurisdição, voltadas para expansão e melhoria da educação da rede pública de ensino [...]” (CEARÁ, Decreto nº30.282, de 04 de agosto de 2010, Aprova o regulamento, altera a estrutura organizacional e dispõe sobre a denominação dos cargos de direção e assessoramento superior da secretaria da educação (SEDUC), e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Fortaleza, CE, Ago. 2010, disponível em: http:// seplag.ce.gov.br. Acesso em 01/01/2021.

Como já mencionado, anteriormente, os relatórios dessas videoconferências constituíram fonte de consulta para este estudo.

De acordo com informações dos gestores e professores indígenas registradas nos relatórios analisados, os momentos de entrega das atividades nas residências eram também momentos de repasse de orientações para os estudantes sobre as atividades sugeridas. Ainda foi mencionado que os professores disponibilizavam o número do celular para que os estudantes pudessem tirar suas dúvidas com os professores, posteriormente.

Recebido: 10 de Setembro de 2021; Aceito: 09 de Fevereiro de 2022

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