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Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá jan./dez 2022  Epub 29-Jun-2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.13394 

Artigos

Pandemia, Travessias e Mídias em Diálogo com Paulo Freire e a Pedagogia da Esperança

Pandemic, Crossings and Media in Dialogue with Paulo Freire and the Pedagogy of Hope

1Professor Doutor Associado IV da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro no Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar (Campus Nova Iguaçu) e no Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc-UFRRJ). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Paulo Freire, Currículo e Estudos Culturais, atuando principalmente nos seguintes temas: juventudes, cotidiano escolar, pedagogia da imagem, estética, cultura e identidades. Coordenador do GRPESQ Estudos Freireanos Contemporâneos e Currículo. Membro do Fórum Estadual de Educação do Rio de Janeiro como representante da UFRRJ (2021).

2Doutoranda em Educação na UFRRJ pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)-robertasandim@gmail.com. Atualmente membra do grupo de pesquisa FRECON - Estudos Freireanos Contemporâneos e Currículo.


Resumo

Este artigo desponta a partir de um cenário pandêmico, em tempos de isolamento social no contexto da cultura da conectividade. Nesse sentido, problematizamos acerca da prática democrática por uma educação pública e remota, na capacidade de diálogo atravessado pelas mídias sociais, portanto, buscando maneiras de (re)existir. Objetivou-se compreender os novos caminhos diante da crise epidemiológica. Como método, apoiamo-nos nas obras Freireanas quanto à urgência da esperança, do desenvolvimento de uma rede linkada à coletividade por intermédio das mídias e da boniteza da experiência de quem faz a travessia. Assim, seguimos inspirados pelo legado de Paulo Freire inclinados para educação popular.

Palavras-chave Pandemia; Mídias; Paulo Freire; Esperança

Abstract

This article emerges from a pandemic scenario, in times of social isolation in the context of the culture of connectivity. In this sense, we problematize about the democratic practice for a public and remote education, in the capacity of dialogue crossed by social media, therefore, looking for ways to (re)exist. The objective was to understand the new paths in the face of the epidemiological crisis. As a method, we rely on Freirean works, with regard to the urgency of hope, the development of a network linked to the collectivity through the media and the beauty of the experience of those who make the crossing. Thus, we continue inspired by the legacy of Paulo Freire, leaning towards popular education.

Keywords Pandemic; Media; Paulo Freire; Hope

Introdução

 

Este texto tem como ponto de partida o evento SemiEdu/2021, intitulado A educação no digital: a pandemia covid-19, democracias sufocadas e resistências, iniciado em 08 de novembro de 2021, organizado pelo LêteCe/PPGE/IE/UFMT. Nesse sentido, retornamos às apresentações, em especial, à live - Paulo Freire: perspectivas educacionais em resistência e fortalecimento das democracias - com efeito, compomos estes escritos a partir da linguagem audiovisual, lives disponibilizadas no Youtube1, para o presente Dossiê.

Na manhã desta sexta-feira, 30 de janeiro de 2022, momento que temos a oportunidade de debruçarmos neste texto, estamos em luto coletivo por 626.524 mortes registradas no Brasil, a contar desde o início da pandemia em fevereiro de 2019, segundo dados da Universidade Johns Hopkins (JHU)2. Somado a isso, somos noticiados a respeito da circulação de novas variantes - principalmente Ômicron - a qual possui maior potencial de transmissibilidade, logo, o aumento no número de casos já é indicado.

É sabido que perdemos brasileiros e brasileiras diante do empenho de certas autoridades em deslegitimar o perigo da contaminação massiva, pela demora nas políticas de vacinação, das práticas negacionistas, ausência de políticas públicas democráticas. Os impactos do isolamento social de mais da metade da população engenham uma experimentação social sem precedentes.

A intenção é compreender os novos caminhos no decurso da crise epidemiológica provocada pelo Novo Coronavírus, (Sars-CoV-2) causador da doença infecciosa - covid-193. Como professores, estamos nos mobilizando na tentativa de evitar o acirramento das desigualdades em face do que é considerado o “novo normal” para o ensino público, sobretudo para as classes populares. A finalidade é que estudantes não sejam ainda mais prejudicados em seu processo de formação e de escolarização.

Nesse cenário, todas mudanças provocadas pelas práticas de distanciamento social levarão anos para serem entendidas. Embora ainda não consigamos dimensionar seus efeitos, é possível identificar como propriedade recorrente, que as mídias sociais, digitais e os compartilhamentos em rede atravessaram os cotidianos e os processos educacionais e escolares.

A inquietação sugere construir táticas, como nos ajuda a pensar Certeau (1994, p. 92) “táticas desviacionistas, não obedecem a lei do lugar. Não se definem por ele”. Assim, nós, professores, seguimos atravessados pela emergência das lives, na cultura da conectividade em um cenário pandêmico. Nesse âmbito, problematizamos acerca da prática democrática por uma educação remota em tempos de isolamento social, na capacidade de comunicação através das linguagens audiovisuais e digitais, portanto, dialogando e buscando orientações para compreender e (re)existir.

Com o intuito de compreender as linguagens audiovisuais e digitais, procuramos pensar com Barbero (1997) em maneiras de tensionar os espaços de aprendizagem, assim, enveredar-se sobre um lugar onde muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, um lugar de compartilhamento que proporcione uma visão ampliada sobre a contemporaneidade e as questões significativas dos campos da educação e da comunicação, especialmente as questões relacionadas aos estudos de educação para as mídias.

No contexto das mídias sociais, as lives - atuantes como aulas - nos parecem revolucionárias como “um espaço de jogo para maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar''. [...]. Por uma arte de intermediação”, então aproveitamos os efeitos imprevistos (ibidem, p.93). Destarte, usamos como um arranjo cuja finalidade é dar sentido à presença no mundo, “assumir-se como criador da sua própria presença nele, rompendo com as condições opressivas que deprimem as nossas possibilidades como viventes” (FREIRE, 2000 apud BERINO, 2021, p.47).

Optamos por organizar este texto em três momentos. O primeiro, “ (Re)existindo a mais um ano de pandemia: saberes-fazeres docentes”, a mobilização dos professores. O segundo, “O inédito viável e as mídias sociais”, as dimensões da situação-limite. E, o terceiro, “Esperançar durante a travessia”, necessidade de ação na educação. Contudo, caminhamos indignados sobre o processo de democracia no Brasil.

(Re)existindo a mais um ano de pandemia: saberes-fazeres docentes

É irrevogável os afetamentos experienciados pela educação pública no decurso da pandemia no Brasil. Consequentemente, a educação brasileira escancarou ainda mais o cenário das desigualdades nos ambientes escolares. Esses efeitos são tensionados e agravados quando pensamos nas escolas inseridas em classes periféricas, as quais estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica e emocional.

A experiência do afastamento social provocou numerosos contextos e vivências, muitos docentes foram atraídos por amenizar um processo devastador no ensino público brasileiro. Face à emergência epidemiológica, tornou-se improrrogável o uso de mídias sociais, a finalidade inicial foi disponibilizar aulas em páginas públicas, por intermédio das lives, aulas remotas, aulas online, plataformas em episódios síncronos e assíncronos. O emergir da crise epidemiológica incitou a emergência das lives como movimento de urgência, de construção da mobilização social, especialmente para educação.

A palavra experiência é considerada nestes escritos a partir do conceito proposto através dos estudos e leituras das obras de Jorge Larrosa Bondía (2002), em específico, o artigo Notas sobre a experiência e o saber da experiência, que me parece adequado para tratar do acontecimento como experiência.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002, p. 24)

Neste âmbito, a experiência como acontecimento cria oportunidades para que se examine a realidade, contribuindo para aprendizagens e transformações da nossa trajetória. Daí, falar de experiência é perceber elementos que possam funcionar como dispositivos para pensarmos o que ainda não sabemos pensar ou o que ainda não podemos pensar.

Nessa direção, cremos que o livro Educar com a mídia: novos diálogos sobre educação, Paulo Freire em diálogo com Sérgio Guimarães publicado em 1984, rememora situações intermediadas pelas tecnologias, apesar de uma significativa distância temporal, defende uma abordagem das tecnologias em seu conceito técnico e que seja de maneira ampla para o papel ativo e criativo do educando (FREIRE, 2011). Consoante, aos escritos de (BERINO, 2021, p.109) “O fato é que as tecnologias estão ainda mais desenvolvidas para usos educacionais e os conceitos também, mais associados às tecnologias digitais”.

Dessarte, Paulo Freire relata a admissão das tecnologias a partir de uma abordagem crítica pode ser considerada dentro de uma pedagogia dialógica, obviamente sem negar os interesses econômicos, e nos remete a seguinte circunstância:

Eu mesmo já dei entrevista sobre nosso livro num desses programas em que o radialista transmite o programa de nossa própria casa. Um outro entra no ar, dá um palpite, faz perguntas etc. São programas em que o ouvinte conversa com o ouvinte, mediado pela estação de rádio. (FREIRE, op. cit., p. 21)

Dessa maneira, se coloca a favor do conhecimento, da comunicação e do diálogo. O livro aborda sobre as possibilidades que as tecnologias oferecem aos professores e o poderoso uso da comunicação dentro da sala de aula para promover uma educação transformadora. Ainda na obra referida, discorre também sobre educação, mídia e a relação entre os meios de comunicação de massa, dentro de um campo político e ideológico, defende seu uso em termos de uma política educacional que ensine o aluno a ler o mundo e a transformá-lo. Em meio a esse discurso e no tocante à pedagogia emancipatória, faz-se necessário que educadores e educandos assimilem as mídias e suas linguagens, visando uma educação democrática e dialógica, a serviço da educação ativa pública para as classes populares.

Nesse percurso, muitos professores foram desafiados pelos recursos midiáticos na tentativa de contornar as crises, a finalidade é garantir a todos a possibilidade do direito à educação. Embora os impactos no processo de ensino-aprendizagem tenham sido significativamente relevantes, é pertinente apontar o olhar para o movimento que os professores promoveram a partir dos usos das tecnologias, isto é, na cultura digital.

Certeau (1994), ao abordar os usos considera os sujeitos comuns como usuários4, os quais desenvolvem contornos como forma de resistência, provocam intervenção com táticas. Em meio a esse discurso, apropriamos dos espaços à procura de gerir o afastamento social, criamos táticas para escapar de alguma forma do lugar de total distanciamento. Sim, estamos presencialmente afastados, mas conectados por outros meios e formas de interação. “A tática é movimento dentro do campo de visão do inimigo” (ibidem, p.100).

A escolha por Certeau acontece por considerarmos um autor que transitava por entre diferentes campos, (re)inventando o cotidiano, movimentando o percurso de investigação para tratar das questões que o afligia. Conseguimos experienciar, inovar e compilar esse conhecimento, coletivamente mediatizados pelo processo de aprendizagem. Alcançamos a potência da linguagem audiovisual mediados por recursos tecnológicos disponibilizados, cujo uso, para muitos, era até então desconhecido.

Cabe ressaltar, que nossas ações não romantizam o excesso de trabalho que devastou nosso cotidiano e de muitas outras pessoas, julgamos pertinente elencar algumas ações realizadas por professores de escolas públicas. Diante da magnitude do desafio, elaboramos vídeos, lives, aulas-remotas, aulas online, momentos síncronos e assíncronos, exploramos grupos de Whatsapp5, Instagram6, Facebook7, Twitter8 e, principalmente, Youtube.

Portanto, enfrentamos as estratégias das grandes instituições cujo objetivo, além de anular vidas, era também a alienação dos processos educacionais das classes populares (ibidem, p. 92).

Nessa incessante fluidez, fomos carregados pela quantificação de tarefas, de mais um encontro pelo Jitsi9 ou Zoom10 pela celeridade que planeja contra o descanso, a provocar ainda mais dor e desespero. Logo, parecíamos por ora, efetuar operações atendendo às demandas do Capital, aos critérios e métodos de poder. Berino (2021, p. 37) nos lembra que:

Apesar da contração das instâncias externas que antes pesavam sobre o indivíduo, há uma pressão interna permanente que leva o sujeito do desempenho ao esgotamento. A aparente liberdade é aqui apenas outro esquema de controle, mais apropriado para um capitalismo que precisa da entrega máxima, de vidas produtivas como um movimento perpétuo ativado pelo próprio indivíduo. O sujeito do desempenho precisa acreditar na espontaneidade com que supostamente dirige sua vida. Na verdade, há uma aderência correspondente à produtividade integral movida pelo hipercapitalismo.

Detenhamo-nos neste ponto, a fim de destacar que, professores desenvolveram astúcias sutis, artes de fazer e táticas de resistência alçando capacidades criativas, transformando as práticas diante dos efeitos imprevisíveis. (CERTEAU, 1994, p. 93).

Na percepção dialética, o futuro com que sonhamos não é inexorável. Temos de fazê-la, de produzi-la, ou não virá da forma como mais ou menos queríamos. É bem verdade que temos de fazê-lo não arbitrariamente, mas com os materiais, com o concreto de que dispomos e mais com o projeto, com o sonho por que lutamos. (FREIRE, 2002, p. 47)

São tempos diferentes, espaços outros de aprendizagem e, além disso, os estudantes estão em condições desiguais de suporte e acesso às tecnologias, ainda que a cultura digital seja uma linguagem incorporada na sociedade. Neste ponto, (BERINO, op. cit., p. 63) ajuda pensar “Uma resposta democrática à emergência social da pandemia, para a universidade, depende da nossa capacidade de abertura para o popular dos seus estudantes, sabendo com eles, legitimamente, sobre as condições para o ensino e aprendizagem”.

Fato, é que na democracia capitalista (QUIJANO, 2002) os entraves do poder colonial sufocam e reprimem, se estabelecem de maneira sorrateira como algo naturalizado, negociável, objetivando a privação dos direitos às classes exploradas, assim, articulado a um modelo de democracia no qual a nossa cidadania é forjada.

O inédito viável e as mídias sociais

[...]Não te esperarei na pura espera porque o meu tempo de espera é um tempo de quefazer. [...]

(Paulo Freire, 2000, p. 5)

A expressão inédito-viável que usamos para descortinar este segundo momento do texto, foi usada por Paulo Freire em sua obra Pedagogia da Oprimido, produzido no período entre 1964 e 1968, durante o exílio no Chile, preso por mais de 70 dias durante a ditadura militar. No Brasil, o livro permaneceu inédito até 1974, pois estava proibido.

Diante do exposto, é possível afirmar que o patrono da educação brasileira, assim como nós, também vivenciou as situações-limites de seu tempo, e as define como “determinantes históricas, esmagadoras, em face das quais não lhes cabe outra alternativa senão adaptar-se” (FREIRE, op. cit., p. 94). No entanto, sugere a transcendência dessas situações, tais como as marcas de seu legado, maneiras de agir, ações necessárias, mobilização e luta. Nomeadamente, o inédito viável coaduna com a epígrafe, um recorte do poema Canção Óbvia escrito também naquele entretempo, em 1971 em Genebra. Apesar das circunstâncias, o discurso freireano impulsiona ao mover e, certamente inspira nossas trajetórias e itinerâncias.

Ancorados e afetados pelos fatos gerados na pandemia, professores buscam atravessar “uma fronteira entre o ser e o mais ser fazem cada vez mais críticos na sua ação” (ibidem, p.94). Compreendemos com Freire que a democracia é o conjunto de ações e conquistas exercidas coletivamente, e todo esse processo movido por diálogo, respeito e decisão, os quais constituem a própria humanização a busca para ser mais. Ademais, aborda que “O homem como um ser inconcluso, consciente de sua inconclusão, e seu permanente movimento do ser mais”, ou seja, continuadamente e naturalmente em processo (ibidem, p.72). Daí a trazer como possibilidade uma política da incompletude, a insatisfação a trazer movimento, mobilização. Na busca por um inédito viável confiantes que durante a travessia podemos esperançar.

Desse modo, enfrentamos desafios estruturais ligados ao acesso às tecnologias, pois esbarramos em recursos restritos, exploramos as plataformas oferecidas pelas instituições públicas de ensino, criamos redes nas mídias sociais e digitais, embora já estivéssemos envolvidos com os artefatos tecnológicos. Em complemento, Freire corrobora acerca da viabilidade do conhecimento:

Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. (FREIRE, op. cit., p. 16)

As medidas tomadas foram práticas viáveis, as quais adotamos para viver este tempo de distanciamento do convívio com as pessoas, podemos chamar de ações necessárias. Assim, fomos atravessados pela cultura da conectividade mergulhados na cultura digital ou cibercultura. Entendemos este conceito com Santos (2019, p. 20), que propõe:

A cibercultura é a cultura contemporânea que revoluciona a comunicação, a produção e circulação em rede de informações e conhecimentos na interface cidade-ciberespaço. Logo, novos arranjos espaçotemporais emergem e com eles novas práticas educativas. Sendo a cibercultura o contexto atual, não podemos pesquisar sem a efetiva imersão em suas práticas.

Com emergir da crise epidemiológica tornou-se improrrogável o uso de mídias sociais, a fim de oportunizar as aulas em páginas públicas com uma ação democrática. No livro, Educação como Prática da Liberdade (1967), o currículo praticado não é determinado por um programa oficial, de suposto caráter nacional ou genericamente comum. Trata-se de um currículo tecido a partir da leitura do mundo que se faz a partir das situações existenciais a quem interessa fundamentalmente a educação como prática da liberdade e não a educação como prática da acomodação a uma realidade imposta pelas classes dominantes.

Transpondo a experiência dos Círculos de Cultura para o que nos desafia no nosso tempo, é importante dizer que os interesses das classes dominantes agora não concederão à educação popular uma oportunidade de leitura do mundo de acordo com os seus temas existenciais nas restrições da epidemia.

  

Esperançar durante a travessia

[...]Quem espera na pura espera

vive um tempo de espera vã [...]

(Paulo Freire, 2000, p.5)

A epígrafe de abertura aguça as nossas ações que se constituem à medida que nos organizamos coletivamente. Esperança é palavra e movimento, uma conjugação de esforços construídos ainda que por caminhos árduos, um resultado provido de efeito coletivo. Esperança como necessidade ética, compromisso com o direito à imaginação na possibilidade de gestar o futuro, como alternativa para se manter vivo. “Sei que as coisas podem piorar, mas sei também que é possível intervir para melhorá-las” (FREIRE, 2002, p. 27).

Amplifica-se a ideia de quefazer educação popular em muitos outros espaços, porque será uma educação para transformação social, uma formação para cidadania. Portanto, um dos sentidos da práxis “ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 1987, p. 52).

O que nos anima na ideia de esperançar é a luta que enfrentamos, para além dos formatos de (re)existir durante esta pandemia, mas também, aos atentados que já estávamos confrontando, a desconstrução da educação democrática e, consequentemente, o desmonte dos direitos sociais, culturais e econômicos. Nesse decurso, a esperança não deve ser encarada como uma ação passiva, e sim uma política-prática vivenciada cotidianamente. “O esperançar freireano é a vida cotidianamente cultivada, mesmo em tempos de pandemia e de um governo de extrema direita” (BERINO, op. cit., p. 17).

A direção não é sublimar a dor, e sim, tentar compreender como fazer a transcendência dos dias mais difíceis, a fim de reconhecer o tamanho daquilo que nos toca. A travessia intercorre porque somos feitos do que ensinamos e aprendemos, do compartilhamento de ideias, da valorização do cotidiano, da ética da partilha, do desenvolvimento de uma rede com a comunidade, da coletividade, da boniteza da experiência de quem faz um caminho novo.

Esperançar como postura existencial é também um ato de rebeldia, esperançar como acontecimento coletivo, como uma declaração para afirmar o que nos mobiliza, o que nos provoca, a despeito das contradições e das injustiças da própria vida. Temporariamente tudo nos parece fora da rota, jamais retornaremos ao normal. Afinal, o que aconteceu não desacontece. Agora, é conseguir se encontrar de novo, para o “novo começo”.

Referencias

BERINO, A. Centenário de Paulo Freire e outras conversas da pandemia. São Paulo: Pedro & João Editores, 2021. 232 p. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 74 p. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. 124 p. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Ed. UNESP, 2000. 61 p. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 184 p. [ Links ]

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MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. 360 p. [ Links ]

QUIJANO, A. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos rumos, n. 37, p. 4-28. 2002. [ Links ]

SANTOS, E. Pesquisa-formação na cibercultura. Teresina-Piauí: Edufpi, 2019. 219 p. [ Links ]

1O site permite que os usuários coloquem seus próprios vídeos na rede, sendo visualizados por qualquer pessoa no mundo inteiro.

3A Covid-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global.

4O termo usuário emerge no universo das novas tecnologias, pois permite diferenciar a caracterização feita pelo mercado na figura do consumidor ou da representação passiva do receptor das mídias de massa. A noção de “uso” aparece nas sociologias das mídias. Os promotores dessa abordagem procuravam manter-se à distância do paradigma então dominante que analisava exclusivamente a ação das mídias em termos de resultados [...].

5WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones.

6Instagram é uma rede social online de compartilhamento de fotos e vídeos entre seus usuários, que permite aplicar filtros digitais e compartilhá-los em uma variedade de serviços de redes sociais.

7O Facebook é a maior rede social de todo o mundo, contando com 2 bilhões de usuários ativos em todo o mundo.

8Twitter é uma rede social e um servidor para microblogging, que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos, por meio do website do serviço.

9Jitsi é uma aplicação software livre e de código aberto multiplataforma para voz, videoconferência e mensageiro instantâneo para GNU/Linux, Windows e Mac OS X e Android.

10Zoom é um serviço de videoconferência baseado em nuvem que você pode usar para se encontrar virtualmente com outras pessoas.

Recebido: 05 de Fevereiro de 2022; Aceito: 16 de Março de 2022

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