SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31Pandemia, Travessias e Mídias em Diálogo com Paulo Freire e a Pedagogia da EsperançaPaulo Freire: contribuições para insurgências e resistências índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá jan./dez 2022  Epub 29-Jun-2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.13385 

Artigos

VIVÊNCIA APRENDENTE NO ENSINO REMOTO – o olhar do discente de graduação sobre o seu aprendizado

LEARNING EXPERIENCE IN REMOTE EDUCATION - the undergraduate student's view of their learning

Kathia Marise Borges SALES1 
http://orcid.org/0000-0002-0584-4996

Jader Cristiano Magalhães de  ALBUQUERQUE2 
http://orcid.org/0000-0002-4484-9829

Edméa Oliveira dos SANTOS3 
http://orcid.org/0000-0003-4978-9818

1Graduada (1989) em Pedagogia pela Universidade Católica do Salvador, Mestre (2002) na área de Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutora (2013) em Difusão do Conhecimento pelo Programa Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento - DMMDC, (UFBA/UNEB/IFBA/UEFS/SENAI/LNCC). Concluiu Pós- doutoramento em dez/2021 no Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc), na linha de pesquisa Estudos Contemporâneos e Práticas Educativas, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia - UNEB.

2Doutor em Difusão do Conhecimento pela UFBA, Mestre em Administração pela UFBA, Especialista em Educação e Tecnologias e Graduado em Processamento de Dados e Administração. É Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia atuando no Dept. de Ciencias Humanas/Salvador e Depto Ciencias Exatas e da Terra/Salvador. Atua como Professor Permanente do Mestrado Nacional e Profissional de Ensino de Física (MNPEF/UNEB) e do Programa de Pós-Graduação em educação e Contemporaneidade (PPGEduC/UNEB).

3Professora Titular-Livre da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Atua no Instituto de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDUC), na linha de pesquisa "Linha 1: Estudos Contemporâneos e Práticas Educativas". Mestre e doutora em Educação pela UFBA. Pós-doutora em e-learning e EAD pela UAB-PT, onde colabora esporadicamente no MPEL - Mestrado em Pedagogia do e-Learning. Líder do GPDOC - Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura. Membro do Laboratório de Imagem da UERJ. Coordenadora do GT 16 - "Educação e Comunicação" da ANPED - Associação Brasileira de Pesquisa em Educação, vice-presidente da ABCIBER - Associação de Pesquisadores em Cibercultura. Atua na inicial e continuada de professores e formação. Áreas de atuação: "Educação e Cibercultura, Pesquisa e Práticas Pedagógicas, Formação de Professores, Currículos: teorias, práticas e políticas, Informática na Educação, Educação Online, EAD. da ANPED - Associação Brasileira de Pesquisa em Educação, vice-presidente da ABCIBER - Associação de Pesquisadores em Cibercultura.


Resumo

Apresenta pesquisa com foco no olhar do discente de graduação sobre sua vivência aprendente no ensino remoto, tendo como método a aplicação de questionários online após a realização dos primeiros períodos de oferta de disciplinas. Teoriza sobre aprendizagem, ensino remoto e docência online, organizando a análise dos dados partindo dos recortes: aprendizagem e desenvolvimento, suporte institucional, prática docente e perspectivas para o ensino remoto. Conclui pela queda no nível de satisfação dos estudantes entre as ofertas, notadamente quanto à interatividade e aos processos avaliativos, revelando, entretanto, que sua percepção aponta um campo promissor para ofertas hibridas, alternando presencial e online.

Palavras-chave Aprendizagem; Ensino Remoto; Docência Online; Educação Superior; COVID-19

Abstract

It presents research focused on the undergraduate student's perspective on their learning experience in remote teaching. As a method, this research use the application of online questionnaires, after the first periods of remote teaching. It theorizes about learning, remote teaching and online teaching, organizing the data analysis based on the following sections: learning and development, institutional support, teaching practice and perspectives for remote teaching. The research concludes that there is a drop in the level of student satisfaction between the offers, notably in terms of interactivity and evaluation processes, revealing however that their perception points to a promising field for hybrid offers, alternating face-to-face and the online teaching.

Keywords Learning; Remote Teaching; Online Teaching; College education; COVID-19

Introdução

A pandemia da COVID-19 impôs ao mundo regras sanitárias rígidas para a convivência social, entre elas o distanciamento físico com grave e direto impacto na oferta de educação em todos os níveis. Repentinamente todas as instituições educacionais e seus atores – docentes, discentes, servidores, gestores, tiveram que adequar-se e buscar estratégias para a continuidade das atividades formativas. Foram muitos os desafios e diversos também os caminhos trilhados na busca pelo enfrentamento destes.

A pesquisa em desenvolvimento na Universidade do Estado da Bahia - UNEB intitulada Tecnologias Digitais em Rede e Educação: Processos Cognitivos e Mediação Pedagógica1 debruça-se sobre a investigação das ações formativas implementadas nas redes públicas de ensino para oferta remota, tendo entre os seus objetivos específicos “Identificar como os discentes avaliam os processos de ensino que vivenciaram no contexto da oferta remota excepcional, e como avaliam o seu processo de aprendizado nesse formato.” (SALES, 2020).

Esse texto apresenta parte dos resultados da referida pesquisa, com reflexões e elaborações construídas no bojo do desenvolvimento de estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares PPGEDUC/UFRRJ. Intenta apresentar resultados no que concerne ao objetivo específico apresentado acima, buscando trazer o olhar do discente para a avaliação das práticas desenvolvidas no ensino remoto, bem como suas expectativas para ofertas futuras que utilizem a mediação tecnológica. Estabelece um estudo comparativo entre as respostas dos discentes após a realização da primeira oferta remota – o período especial em 2020, e após a oferta em semestre regular em 2021.2, identificando permanências e avanços a partir da vivência aprendente neste modo de oferta.

Com este objetivo, o texto inicia com uma apresentação introdutória de categorias teóricas que orientam a investigação, estabelecendo um diálogo entre aprendizagem, ensino remoto e docência on-line. Em seguida busca-se descrever o percurso metodológico adotado, o qual apoia-se em uma perspectiva, exploratória e descritiva calcada em fontes de dados primários, obtidos a partir da aplicação de questionário e pesquisa documental de natureza institucional. Por fim apresentam-se e analisam-se os resultados encontrados nas duas consultas realizadas, organizando-os comparativamente a partir dos recortes: 1. aprendizagem e desenvolvimento, 2. suporte institucional, 3. prática docente e 4. perspectivas para o ensino remoto.

APRENDIZAGEM, ENSINO REMOTO E DOCÊNCIA ONLINE – articulando a base teórica

Para suporte à investigação em pauta, e especialmente para o recorte da análise nesse texto, faz-se necessário apresentar alguns marcos teóricos da perspectiva aqui adotada. Iniciemos pela compreensão de desenvolvimento e aprendizagem.

Processo eminentemente individual e interno, a aprendizagem em cada sujeito é permeada pela sua subjetividade e por fatores sócio/histórico/culturais do meio no qual está inserido. Dentre as muitas concepções de aprendizagem já desenvolvidas no campo educacional, nos pautamos na concepção sociointeracionista de Vygotsky e no olhar sociopolítico de Paulo Freire para conceber o processo de aprendizagem, dialogando com esses autores na busca pela interpretação da vivência aprendente desses estudantes.

Para Vygotsky (1984), as capacidades psicológicas humanas se diferenciam de outras espécies animais considerando a forma como os seres humanos interagem com o ambiente, utilizando instrumentos mediadores - “signos”. De acordo com este autor as capacidades humanas são reguladas através da mediação de signos, em uma prática consciente que permite aos humanos reagirem aos significados representados pelos instrumentos mediadores muito mais que ao estímulo externo diretamente.

Um dos princípios da teoria Vygotskiana é a importância da interação social no desenvolvimento do que nomeia funções psicológicas superiores . Para ele, estas funções são desenvolvidas primeiro no plano social - na interação com o outro, só depois surgindo no plano individual. A relação do homem com o mundo dar-se em um ativo e contínuo processo de interação, assim, o conhecimento é construído em um processo no qual o indivíduo é protagonista

Esses instrumentos mediadores – com origem social, elaborados na história da humanidade, permitem ao ser humano, perceber e representar o meio externo de diversas formas, superando o imediato da influência direta. Vemos aqui uma perspectiva bastante pertinente para compreensão do processo dos sujeitos aprendentes no contexto tecnologizado. Os meios telemáticos, assim como outros instrumentos e signos criados historica e culturamente pela humanidade, desempenham uma mediação na relaçao do sujeito contemporâneo com o meio a sua volta, os conteúdos e fenômenos que interage/vivencia. (SALES e ALBUQUERQUE, 2020, p. 165-166).

Esse aspecto da perspectiva sociointeracionista é especialmente significativo para a análise em desenvolvimento nesse texto considerando os elementos de mediação tecnológica que permearam a vivência dos sujeitos aprendentes no contexto do ensino remoto, e todo o significado simbólico, linguagem próprias que foram construídas e ressignificadas a partir desta mediação.

De Freire (1994) trazemos para esta análise a concepção problematizadora da educação, que tem sua base na relação dialógico-dialética entre educador e educandos, aprendendo juntos, a partir do reconhecimento de que o educando tem toda uma experiência de vida e por isso também é portador de um saber. Para este autor, o mundo social e humano só existe a partir da comunicabilidade entre os sujeitos, a propósito do objeto

Assim, para Freire (1985) compreender o pensamento implica reconhecer sua dupla função: cognoscitiva e comunicativa, sendo que comunicação é diálogo, implica numa reciprocidade sem a qual não há “um significado significante mediador dos sujeitos”. (FREIRE, 1985, p. 67). São os sujeitos que, em uma relação dialógico-comunicativa, se comunicam o seu conteúdo através de signos linguísticos com significado partilhado entre ambos, de forma a haver a compreensão.

Outro marcador importante para o recorte desse texto é a compreensão do que tratamos aqui como ensino remoto, especialmente diferenciando-o de educação a distância, ensino hibrido e educação online, expressões que têm sido massivamente utilizadas no contexto da imposição do distanciamento físico, e ao nosso ver, equivocadamente tratadas como sinônimo.

Iniciemos pela educação a distância, uma das modalidades de ensino previstas na LDB 9394/96 (Art. 80) e que dispõe hoje no Brasil de ampla regulamentação para o seu desenvolvimento, definição de formatos e critérios para oferta, bem como para acompanhamento e avaliação pelos sistemas de ensino e órgãos reguladores. Diferente das demais terminologias ainda com regulação e suporte teórico-metodológico em construção, os estudos e experiências sobre a EaD já acumulam um vasto e significativo repertório que permite subsidiar práticas consistentes e orientar definições curriculares, epistemológicas e operacionais.

Ressaltando nesse ponto da discussão que a simples ausência da presencialidade física simultânea não indica que tudo é EaD, trazemos uma reflexão de Santos (2020:s.p)

Em tempos de pandemia da covid-19, (...) A diferença é que, agora, todo currículo vem sendo praticado remotamente com mediações audiovisuais das modernas plataformas de webconferência. Muitas delas equipadas com outras interfaces que permitem projetar conteúdos, anotar digitalmente nos materiais, dialogar com chats acoplados numa mesma plataforma. Assim, os professores encontram seus alunos no dia e hora da agenda presencial, só que agora com mediação digital. O ciberespaço é subtilizado como lugar de encontro, cabendo ao recurso assíncrono apenas o acesso a conteúdos e material de estudo da disciplina. Alguns docentes abrem discos virtuais nas nuvens, outros postam em plataformas diversas. Mas ninguém conversa com ninguém fora da hora marcada. Aqui temos o que atualmente em tempos de pandemia da covid-19 chamamos de “ensino remoto”.

Em sua maioria reativos a toda forma de educação que utilize alguma mediação tecnológica, instituições de ensino e toda a comunidade que a habita se viram constrangidos (a palavra é forte, mas indica o sentimento preponderante) a utilizar esses recursos de mediação. Órgãos reguladores e gestores instituíram regulações em caráter emergencial utilizando essa terminologia – ensino remoto, sem uma clareza epistemológica ou definições claras de formato. De comum apenas a autorização para que as atividades curriculares ocorressem sem a presença física concomitante de professores e alunos, através de mediação tecnológica. Prossegue Santos (2020 s.p) em sua reflexão:

Ensino remoto não é EAD e muito menos Educação Online. Exaustão e traumas estão sendo instituídos. O ensino remoto tem deixado suas marcas... para o bem e para o mal. Para o bem porque, em muitos casos, permite encontros afetuosos e boas dinâmicas curriculares emergem em alguns espaços, rotinas de estudo e encontros com a turma são garantidos no contexto da pandemia. Para o mal porque repetem modelos massivos e subutilizam os potenciais da cibercultura na educação, causando tédio, desânimo e muita exaustão física e mental de professores e alunos. Adoecimentos físicos e mentais já são relatados em rede. Além de causar traumas e reatividade a qualquer educação mediada por tecnologias. Para o nosso campo de estudos e atuação, a reatividade que essa dinâmica vem causando compromete sobremaneira a inovação responsável no campo da educação na cibercultura.

E nesse ponto trazemos o que pode ser uma perspectiva para o pós-pandêmico, e que nós que pesquisamos e militamos por práticas responsáveis e comprometidas de educação mediada por tecnologias já defendíamos faz algum tempo: o ensino híbrido. Com uma já significativa e recente construção teórica, o hibridismo é apontado como um caminho para a superação da dicotomia entre o presencial e a EaD, em um arranjo curricular que contemple práticas formativas com inserção das Tecnologias (hoje predominantemente Tecnologias Digitais em Rede) em articulação com atividades presenciais nas ações formais de educação.

Fechando esse breve lastro teórico trazemos o conceito de educação online articulado com a prática docente, no que aqui trataremos como docência online. “Educação online” (SANTOS, 2005; SANTOS; SILVA, 2009), tem como princípio a promoção da (co)autoria do sujeito que aprende, mobilizando uma aprendizagem crítica e colaborativa, através de uma mediação docente pautada na interatividade e colaboração. Enquanto fenômeno nascido da cibercultura, a educação online é uma perspectiva pedagógica potencializadora de situações de aprendizagem que podem ser mediadas por encontros presenciais, a distância ou em processos híbridos.

A concepção de educação online que fundamenta essa investigação reconhece o papel fundamental do docente no processo formativo dos aprendizes, para o que faz-se necessária uma mediação ativa na busca pela aprendizagem colaborativa, o que pressupõe a promoção da interatividade.

Para compreender a interatividade trazemos três características sistematizadas por Silva (2009):

a) participação-intervenção: participar não é responder sim ou não ou escolher uma opção dada, significa modificar a mensagem; b) bidirecionalidade-hibridação: a comunicação é produção conjunta da emissão e recepção, é cocriar, os dois polos codificam e decodificam; c) permutabilidade-potencialidade: a comunicação supõe múltiplas redes articulatórias de conexão e liberdades de trocas, associações e significações (SILVA, 2009, p. 32).

Na promoção da aprendizagem colaborativa o docente deve fomentar que todos participem e articular o diálogo entre os sujeitos do grupo. É seu papel também apresentar diferentes fontes de informação sobre o tema em estudo, mediando as conversas e oportunizando que outras discussões sejam criadas entre esses sujeitos. (SANTOS, CARVALHO e PIMENTEL, 2016).

Percurso Metodológico da Investigação

Os caminhos metodológicos adotados para a pesquisa de campo do projeto Tecnologias Digitais em Rede e Educação: Processos Cognitivos e Mediação Pedagógica foram definidos a partir do seu objetivo geral “Investigar ações formativas implementadas nas redes públicas de ensino para oferta remota, com mediação telemática, em função do distanciamento social imposto pela Pandemia da COVID-19, buscando identificar práticas pedagógicas implementadas e seus princípios fundantes”, tendo como recortes os objetivos específicos ali delimitados. Nesse texto temos como foco o objetivo específico “Identificar como os discentes avaliam os processos de ensino que vivenciaram no contexto da oferta remota excepcional, e como avaliam o seu processo de aprendizado nesse formato.”

São sujeitos da construção destes dados os discentes dos cursos de graduação oferecidos no Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT XIX/UNEB (Bacharelados em Direito e em Contabilidade), que vivenciaram processos formativos no modo remoto nos períodos acadêmicos da “oferta especial 2020” e do semestre 2021.1. Considerando o total de estudantes que compõem este coletivo - 838 discentes matriculados de acordo com o Sistema Acadêmico SAGRES2 em 25/02/2021, e ainda considerando as regras de distanciamento social impostas pela pandemia, foi adotado o questionário online como instrumento de escuta destes atores.

Foi criado um formulário específico no Microsoft forms (da plataforma MS_Teams, adotada institucionalmente pela UNEB) com dezesseis questões (04 abertas e 12 fechadas), sendo aplicado inicialmente no período de 11/12/2020 a 05/01/2021, tendo como foco a vivência do período nomeado na UNEB como “oferta especial”. Nesta 1ª aplicação o questionário obteve 148 (cento e quarenta e oito) respostas, representando 17,6% do total de discentes do Campus XIX. Este mesmo formulário foi adaptado mudando apenas as informações que identificavam o período de oferta em análise, e reaplicado- no período de 10 a 30/06/2021, agora focando a vivência da oferta remota do semestre 2021.1. Em sua segunda aplicação o formulário alcançou 100 (cem) respondentes, que representam 12% do total de discentes. Considerando a classificação estatística, tratou-se e uma pesquisa de amostragem voluntária, com alto grau de representatividade uma vez que a amostra foi retirada de uma população estatisticamente homogênea, no que tange a área de concentração, por tratarem-se de discentes de cursos de ciências socais aplicadas pertencentes a um mesmo campus.

As questões fechadas que compuseram este formulário foram estruturadas tendo como referência a escala de Likert3 ou opções elaboradas pelos pesquisadores a partir dos elementos já pautados pelos movimentos discente e docente da UNEB nos espaços colegiados de discussão da oferta remota. As questões abertas tiveram o intuito de permitir que o respondente acrescentasse mais alguma informação ou opinião a respeito do tema, que não tivesse sido contemplada nas questões fechadas.

O formulário ficou aberto por aproximadamente vinte dias nos dois períodos de sua aplicação, sendo divulgado amplamente através dos canais institucionais do Departamento e dos Colegiados, além de divulgação informal através das redes sociais de atores deste coletivo.

As respostas ao questionário, recebidas nos dois períodos de sua aplicação, foram organizados em forma de gráficos e tabelas comparativas, sendo analisados a seguir através dos recortes definidos para esta análise.

Conhecendo e Discutindo os Resultados

Foram bastante significativos os dados levantados com esse processo de escuta em dois momentos, como descrito acima, para apresentação e análise neste texto os organizamos a partir das categorias listadas a seguir, construindo gráficos comparativos das respostas dos discentes em 2020 (sobre a oferta especial no formato remoto) e em 2021 (semestre regular no formato remoto).

Aprendizagem e desenvolvimento na oferta remota

Este recorte visa verificar a percepção dos discentes no que tange ao seu processo de aprendizagem, bem como este avalia o desenvolvimento das disciplinas na modalidade remota, são apresentadas aqui a resposta à duas questões, consideradas pelos pesquisadores como mais representativas.

    a). Perguntados se quanto à oferta do ensino não presencial de graduação4 que estavam cursando concordavam com a afirmação: “Acredito que posso alcançar com a oferta não presencial, o mesmo desenvolvimento em meu processo formativo, desde que garantidas algumas condições”, os discentes assinalaram seu grau de concordância.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

Gráfico 1  Expectativa quanto ao Desenvolvimento Formativo 

O gráfico comparativo, demonstra de forma muito explicita a mudança de percepção do grupo, onde em 2020 a perspectiva de “concordo totalmente” era nula e atinge os 10%, a concordância parcial reduz em quase 15% e o “discordo totalmente” também tem uma queda de 10%, percebe-se um discreto aumento de menos de 10% no “discordo parcialmente” e no “indiferente”. Diante dos dados coletados, avalia-se que na oferta de 2021 os discentes aumentaram suas expectativas quanto ao seu desenvolvimento formativo, o que pode nos levar a inferir que a experiencia em 2020 foi desenvolvida de forma adequada, gerando percepções positivas.

    b). Perguntados se quanto à oferta do ensino não presencial de graduação que estavam cursando concordavam com a afirmação: “Quanto à sua experiência GERAL” nessa oferta de graduação não presencial que o estudante estava vivenciando:

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

Gráfico 2  Nível de satisfação quanto a Experiência Geral 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

A partir do gráfico apresentado, fica explicitada que a satisfação total quanto a experiencia geral sofreu uma queda da oferta de 2020 para 2021, onde o “totalmente satisfeito” reduziu em 15% e o “parcialmente satisfeito” aumentou menos de 5% abarcando em 2021 quase 45% da satisfação. Por outro lado o “totalmente insatisfeito”, aumentou quase 5% em 2021 e o “parcialmente insatisfeito” aumentou pouco mais de 10%. Não obstante a conclusão geral é que em 2021, a combinação dos qualificadores de satisfação (totalmente e parcialmente) juntos representaram aproximadamente 60% das respostas, contra aproximadamente 70% em 2020, o que demonstra uma efetiva queda na satisfação. A partir das repostas abertas, não discutidas aqui nesta subseção, verificou-se que a oferta de 2021, por ser mais abundante na disponibilização de componentes, por desenvolver-se em um semestre completo, adotando a sistemática regular de avaliações, gerou um desgaste dos discentes. Ainda com base nas respostas abertas, verificou-se também relatos que sobrecarga de atividades e eventuais reagendamentos de aulas e reajustes de cronogramas, que podem ter contribuído para uma redução na avalição geral.

Suporte institucional ao discente

Este recorte pretende verificar a percepção dos discentes no que se refere à disponibilidade de apoio institucional, direto ou indireto ao discente, envolvendo desde recursos técnicos, financeiros, até a dimensão metodológica. Nessa seção são apresentadas a resposta à duas questões complementares consideradas pelos pesquisadores como mais representativas.

    a). Foi questionado ao discente “Quais condições considera essenciais para garantir um desenvolvimento satisfatório da oferta de graduação não presencial”, sendo listadas algumas opções de múltipla escolha, elaboradas a partir das manifestações da representação discente nos diferentes fóruns da universidade. Dentre estas opções, listamos a seguir as três mais assinaladas em ambos os questionários aplicados em 2020 e 2021:

  • Programa de Assistência Estudantil específica para aquisição de dispositivos digitais

  • Apoio técnico para docentes durante o planejamento e desenvolvimento das atividades

  • Implementação de Metodologia de ensino específica para este formato de oferta

Observa-se que em 1º. lugar o discente explicita a sua necessidade de dispor de equipamentos telemáticos mais adequados ao ensino remoto, e indiretamente a limitação econômica para adquiri-los. Tal carência, em outras análises, podem ajudar a explicar eventuais insatisfações com o processo, baixo aproveitamento ou até desistências.

Os itens II e III demonstram uma percepção mais elaborada sobre as particularidades do ensino remoto, onde o discente manifesta sua atenção para com a práxis docente, que eventualmente ao longo do processo demonstrou dificuldades em manipular o ambiente virtual, objeto digitais de aprendizagem e demais artefatos digitais. Revela também a possibilidade de aplicação de metodologias não adequadas ao ensino remoto, que caracterizaria um preparo inadequado para exercer plenamente à docência on-line.

    b). Na mesma questão apresentada anteriormente foi também oferecida ao respondente a possibilidade de acrescentar “outras condições” que considere relevantes e não tenham sido contempladas nas opções apresentadas. Reunimos esses dados em uma nuvem de palavras como forma de representá-los imageticamente. Destacamos que os discentes responderam através de frases elaboradas e para representar sob a forma de nuvem foi necessário proceder com alguns ajustes retirando conjunções, preposições e artigos.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

Imagem 1 Nuvem de palavras – Outras condições – Consulta 2020 

Nesta nuvem, podemos identificar um primeiro conjunto de palavras composto por “conteúdo”, “aula”, “disciplina”, “aprendizado”, “tempo”, “professor” e “disponibiliza” que podem ser lidas como a tradução das expectativas, e demandas dos discentes quanto a operacionalização de um semestre atípico, novo e inédito para eles, aplicado após seis meses de suspensão de atividade letivas. Em um segundo bloco de palavras, podem ser destacadas “prazo”, “carga horaria”, “curto”, “duração” entre outros substantivos e adjetivos que se referem à temporalidade fazem-se presentes na oferta de 2020 e traduzem a brevidade com que o semestre excepcional foi desenvolvido, gerando uma insatisfação quanto à prazos de exequibilidade das tarefas demandadas.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

Imagem 2 Nuvem de palavras – Outras condições – Consulta 2021 

Nesta nuvem, coletada em formulário disponibilizado no ano de 2021, segunda oferta remota, com um semestre regular para integralizar as disciplinas, verifica-se uma menor diversidade de palavras e mais afeitas a um nível de rotina semestral, onde a palavra “aula” tem maior frequência, seguida de “atividades”, “estudo”, “assunto”, “disciplina”, “curso” tem destaque e remetem ao desenrolar de um semestre menos atípico. Observa-se em relação à nuvem de 2020 a ausência de referências expressivas a palavras que denotem temporalidade.

Metodologia de ensino e avaliação – a prática docente

Este recorte visa verificar a percepção dos discentes no que se refere a metodologia empregada no processo de ensino e mais especificamente como o discente compreendeu o processo de avaliação adotado nas disciplinas durante o regime remoto. São apresentadas aqui as respostas às duas questões, consideradas pelos pesquisadores como mais representativas.

    a). Perguntado ao aluno, “Quanto à INTERATIVIDADE (com a turma e com os docentes) nas disciplinas, nesta oferta de graduação não presencial que vem sendo desenvolvida na UNEB, extraordinariamente, como você se sente:” obteve-se o seguinte gráfico síntese de satisfação:

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

Gráfico 3  Nível de satisfação quanto a Interatividade 

Ao analisar-se o gráfico, observa-se uma queda nos indicadores de concordância de satisfação onde o “totalmente satisfeito” cai aproximadamente 5% e o parcialmente satisfeito cai em quase 10%, por outro lado o “parcialmente insatisfeito” aumenta em quase 10% e o “indiferente” tem um aumento imperceptível assim como o “totalmente insatisfeito” também tem uma queda imperceptível, assim conclui-se que há uma leve migração na satisfação quanto a interatividade de 2020 que predominava “parcialmente satisfeito” para em 2021 predominar o “parcialmente insatisfeito”. Com esta conclusão pode-se depreender que a interatividade, avaliada como um todo em 2021 foi menor, o que pode ser atribuído a uma oferta mais ampla, com mais docentes, com maior carga horária remota, maior frequência de conexão e com menor suporte de apoio uma vez que toda a Universidade ampliou sua oferta remota em relação a 2020, podendo de fato ter implicado na capacidade docente de promover formas diversas e reiteradas de interatividade. Tal observação reitera o cuidado necessário na preparação do docente, e na não sobrecarga de atividades visando o desenvolvimento de atividades online (em sentido lato) com qualidade.

    b). Perguntado ao aluno, “Quanto ao SISTEMA DE AVALIAÇÃO adotado nas disciplinas, nesta oferta de graduação não presencial que vem sendo desenvolvida na UNEB, extraordinariamente, você se sente:” obteve-se o seguinte gráfico comparativo de satisfação:

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

Gráfico 4  Nível de satisfação quanto a Avaliação 

Ao verificar o gráfico, verifica-se que em 2020 a soma das satisfações (total e parcial) representaram aproximadamente 70% contra pouco mais de 45% em 2021. Por outro lado, a insatisfação (total e parcial) se desloca de quase 15% em 2020 para aproximadamente 30% 2021. Nesta questão então pode-se verificar mais uma vez o aumento da insatisfação da 1ª. para a 2ª. oferta, entendendo-se como consequência de um grande volume de disciplinas, com um maior número de docentes, com menos habilidade e competências para a modalidade remota, sem o adequado preparo para exercer a docência on-line.

Outra questão que pode contribuir para elucidar os resultados verificados nesta seção são as respostas apresentadas no item 4.2. alínea (a) logo acima, onde o discente considerou como “condições essenciais para o desenvolvimento da disciplina em regime remoto” o “apoio técnico” aos docentes e o “uso de metodologias adequadas” ao ensino remoto. Tais assertivas, são indicativos complementares que o discente percebeu como um aspecto crítico para o sucesso da oferta neste formato.

Ganhos e perspectivas para o ensino remoto

Este recorte visa verificar a percepção e expectativa futura dos discentes quanto ao ensino remoto, buscando um indicador potencial de aceitação do discente para a continuidade e/ou ampliação de ofertas nas modalidades não presenciais mediadas por tecnologias, notadamente a perspectiva do ensino híbrido. Será analisada aqui a resposta a uma questão consideradas pelos pesquisadores como mais representativa.

    a). Perguntado aos discentes “Após a pandemia, depois que for reestabelecida a regularidade das atividades presenciais, considere a seguinte afirmação: - O ensino presencial e o ensino remoto podem ser articulados e adotados de forma regular e continua – “

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

Gráfico 5  Nível de concordância quanto a Articulação entre ensino presencial e remoto pós-pandemia 

O tratamento deste gráfico é particularmente curioso pois nas respostas de concordância (total e parcial) não houve mudança percentual do ano de 2020 para 2021. As discordâncias (total e parcial) tiveram uma leve queda de 1% do ano de 2020 que somam 25% para 24% em 2021. Pode-se concluir desta forma, que o nível de expectativas potencias acerca de ofertas que conjuguem o presencial com a mediação tecnológica remota não se alteraram da pesquisa de 2020 para a 2021, o que denota para um aumento relativo no potencial de implantação de regimes híbridos, visto que os indicadores de metodologia, ensino e avaliação (seção 4.3) , bem como experiencia geral (seção 4.1) foram negativas, mas ainda assim os discentes mantêm uma perspectiva de poder articular o remoto com o presencial.

Considerações Finais

Diante da análise de dados foi possível perceber que nos recortes que tratavam de indicadores quanto a “experiencia geral com o ensino remoto”, “satisfação com interação” e “satisfação com a avalição” há uma queda na concordância quando analisamos comparativamente os respondentes na oferta do ano de 2020 frente às respostas do ano de 2021. A explicação para tal queda, parece encontrar justificativas na seção 4.2 que trata do “suporte institucional discente” que oferece pistas empíricas quando os discentes além de indicar a necessidade de ter “assistência estudantil para aquisição de dispositivos digitais” indicam a necessidade de “apoio técnico ao docente” bem como o emprego de “metodologias adequadas” ao regime remoto, o que pode indicar que ao longo das duas ofertas os discentes observaram algumas deficiências nos processos de ensino-aprendizagem das disciplinas, seja nas avaliações, seja na interação, seja nos materiais disponibilizados e demais recursos empregados.

A despeito das conclusões acima, em que pese uma percepção de retrocesso quanto à análise do processo ensino-aprendizagem, no recorte da seção 4.4, que trata do indicador de concordância “Articulação entre ensino presencial e remoto pós-pandemia” a percepção do discente sobre o imbricamento entre a oferta presencial e remota mediada por tecnologias no pós-pandemia praticamente não se altera, o que aponta um campo promissor de ofertas hibridas que alternem entre o presencial e o remoto, o síncrono e o assíncrono.

Cumpre registrar como limitações da pesquisa a amostra de discentes participantes, que embora significativa para o universo daquele Departamento/Campus da Universidade, não representa toda a diversidade de uma Universidade Multicampi como a UNEB. Entretanto os instrumentos estão prontos e podem ser utilizados com outros grupos de estudantes desta ou de outra IES. Buscou-se minimizar as limitações próprios do instrumento questionário contemplando questões de aprofundamento das respostas objetivas e opções abertas para complemento livre do respondente.

Ressalta-se da análise aqui apresentada, com as lições obtidas a partir das críticas captadas na tabulação de dados, a emergência em cuidar das dimensões de ensino aprendizagem próprias da docência em ambientes com mediação tecnológica na perspectiva de docência on-line defendida nesse texto.

Referencias

BRASIL. Governo Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9394/96. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htmLinks ]

FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1985. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança – um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1994. [ Links ]

SALES, K. M. e ALBUQUERQUE, Jader Cristiano. Práticas Híbridas dos Sujeitos Aprendentes - Uma proposição de Modelagem para análise das formas de hibridismo presentes nas instituições formativas. REVISTA PRÂKSIS, v. 2, p. 162-186, 2020. [ Links ]

SALES, K. M. Tecnologias Digitais em Rede e Educação: Processos Cognitivos e Mediação Pedagógica. Projeto de Pesquisa em desenvolvimento. Universidade do Estado da Bahia – XXXX, Camaçari, BA, 2020. [ Links ]

SANTOS, E. EAD, palavra proibida. Educação online, pouca gente sabe o que é. Ensino remoto, o que temos. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, agosto de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/re-doc/announcement/view/1119Links ]

SANTOS, E.; CARVALHO F. P.; PIMENTEL, M. MEDIAÇÃO DOCENTE ONLINE PARA COLABORAÇÃO: NOTAS DE UMA PESQUISA-FORMAÇÃO NA CIBERCULTURA. ETD – Educ. Temat. Digit. Campinas, SP v.18 n.2 p. 23-42 jan.abr.2016. Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8640749Links ]

SILVA, M. Formação de professores para a docência online. Braga: Universidade do Minho, 2009. [ Links ]

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. [ Links ]

1Pesquisa em desenvolvimento no Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT XIX/ UNEB, submetida e aprovada pelo Comitê de ética da instituição através do parecer: 4.761.485, de 09 de junho de 2021.

2Sistema de registro digital das informações acadêmicas adotado na UNEB.

3Ao responderem a um questionário baseado nesta escala, os perguntados especificam seu nível de concordância com uma afirmação. Esta escala tem seu nome devido à publicação de um relatório explicando seu uso por Rensis Liberta. https://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_Likert.

4Optou-se por adotar a terminologia “ensino não presencial” pelo fato de que esse formato de oferta era ainda muito recente e considerando a pouca clareza comum à maioria das pessoas na diferenciação entre os conceitos de ensino remoto, a distância ou online.

Recebido: 04 de Fevereiro de 2022; Aceito: 09 de Março de 2022

Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons CC BY-NC-SA 3.0 BR.