SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31Que pensam os/as estudantes da área de Saúde de uma universidade pública sobre diferentes propostas de práticas de ensino na comunidade?Formação de leitores: proposta pedagógica a partir da análise dos determinantes presentes no conto “O poço” de Mário de Andrade índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá jan./dez 2022  Epub 26-Set-2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.13579 

Artigos

Do processo formativo-educacional enquanto afirmação das forças da vida segundo Nietzsche e a correlação envolvendo arte e filosofia no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”

From the formative-educational process as an affirmation of the forces of life according to Nietzsche and the correlation involving art and philosophy in the film “Dead Poets Society”

Luiz Carlos MARIANO DA ROSA1 
http://orcid.org/0000-0001-7649-2804

1Doutor em Filosofia. Professor de Filosofia da SEDUC/SP – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.


Resumo

Baseado no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, o artigo assinala o impacto na escola Welton dos novos métodos de ensino e aprendizagem do professor John Keating, que sublinha o sentido e o valor da vida, defendendo o cultivo de si e o conhecimento enquanto afirmação das forças da vida. Dessa forma, fundado na crítica de Nietzsche à “cultura histórica” e à questão envolvendo os professores de filosofia - filósofos ou servidores da “história”? -, o artigo propõe a superação da redução do ser, da vida e da visão à cultura da “moda” e à alienação dos instintos e perda da liberdade.

Palavras-chave Educação; Nietzsche; Filosofia; Cultura

Abstract

Based on the film “Dead Poets Society”, the article highlights the impact on the Welton school of Professor John Keating’s new teaching and learning methods, which emphasizes the meaning and value of life, defending the cultivation of the self and knowledge as an affirmation. of life forces. Thus, based on Nietzsche's critique of “historical culture” and the question involving philosophy professors - philosophers or servants of “history”? -, the article proposes to overcome the reduction of being, life and vision to the culture of “fashion” and the alienation of instincts and loss of freedom.

Keywords Education; Nietzsche; Philosophy; Culture

Aspectos Introdutórios

Baseado no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”1 (1989), o artigo assinala o caos instaurado no ano de 1959 no âmbito da escola tradicional norte-americana Welton através do trabalho do professor John Keating2 na instauração de novos métodos de ensino e aprendizagem para a literatura em um processo que se sobrepõe ao objetivo da instituição escolar de proporcionar uma formação educacional capaz de possibilitar o ingresso dos alunos em uma universidade conceituada e o consequente desenvolvimento profissional.

Dessa forma, o artigo sublinha que se o trabalho do professor Keating tende a fomentar o questionamento acerca do sentido e do valor da vida em sua individualidade em um movimento que encerra o cultivo de si como possibilidade de produção de um conteúdo novo e extemporâneo, convergindo para a construção do conhecimento enquanto afirmação das forças da vida, o suicídio de Neil Perry3, um de seus alunos, no contexto socioeducacional do filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) se caracteriza como um acontecimento que deflagra uma crise envolvendo as representações histórico-culturais, econômico-sociais e ético-religiosas da sociedade contemporânea e o seu arcabouço de valores, práticas e condutas, tendo em vista o papel da instituição escolar no processo de formação-educacional.

Nesta perspectiva, fundado na crítica de Nietzsche em relação à “cultura histórica” enquanto produto da contradição envolvendo vida e cultura, o artigo sublinha que o saber que guarda raízes na “cultura histórica” se caracteriza como um capital improdutivo, convergindo para as fronteiras que encerram falsidade e artificialidade, na medida em que a massa de “conteúdo” histórico acumulado enquanto “conhecimento” tende a impedir a vivência do presente e resulta na constituição de seres “humanos” inaptos à vida enquanto acontecimento que se impõe como lócus do vir-a-ser do novo.

Dessa forma, assinalando a inexistência de direitos da Filosofia entre a cultura histórica e o processo formativo-educacional e a necessidade da correlação envolvendo arte e filosofia diante da ciência e da verdade, o artigo analisa o diagnóstico de Nietzsche que sentencia que, baseada no lema fiat veritas, pereat vita4, a história enquanto ciência do vir-a-ser universal e sob a acepção de ciência pura implica um movimento que atribui ao seu poder caráter supremo e determina o saber em relação ao passado como um conteúdo cuja condição de universalidade se impõe como modelar.

Atribuir ao arcabouço que encerra os acontecimentos e os personagens do passado uma condição que implica, no que concerne ao presente, na subtração da sua efetividade, tanto quanto, em relação ao futuro, na extirpação das suas raízes, eis o que se impõe à concepção de cultura que tende a gerar um pensamento que se torna incapaz de conferir um novo sentido às coisas, à medida que se caracteriza pela sua impossibilidade de produzir vida, mantendo o saber imune à transformação que se lhe é inerente, circunscrevendo-o às fronteiras da esterilidade, mumificando-o, fossilizando-o.

Nessa perspectiva, o que cabe à cultura é uma condição que, sobrepondo-se ao processo que traz como base a vida e as necessidades que se lhe impõem, converge para a sua transformação em um objeto de saber, engendrando uma ruptura que se lhe priva de conteúdo e acarreta um antagonismo entre ambas, o que implica na sua crescente artificialização e assinala, consequentemente, a perda de sentido, à medida que emerge como uma massa de conhecimento histórico que, pressupondo uma atividade passiva e receptiva, prescinde de qualquer tipo de relação com a existência humana e cuja posse impede o homem de exercer a sua capacidade de criação e desenvolver a experiência que possibilita o “vir-a-ser” do novo, tal qual o artista que, para a construção da sua obra, depende de um “estado de esquecimento”, uma ambiência “não-histórica”.

Encerrando o esgotamento da natureza civilizatória, o referido contexto, segundo a leitura de Nietzsche, inviabiliza a emergência da filosofia, cuja manifestação se circunscreve ao exercício monologal, reduzindo-se às fronteiras da subjetividade e ao nicho da teoria, relegada à condição de uma atividade especulativa, à medida que o que se impõe não é senão a impossibilidade da sua vivência, tendo em vista o sentido que a caracteriza como uma disposição que implica um originário modo de ser, sobrepujado pela oca estrutura que a instituição do ato de filosofar consagra, se lhe destituindo de direitos e convergindo para uma existência de caráter errante.

Nesta perspectiva, contrapondo-se à transformação da filosofia em erudição em nome da “cultura histórica” e aos “filósofos” que se colocam a seu serviço, Nietzsche denuncia a redução do ser, da vida e da visão ao arcabouço de conceitos, opiniões, passados, livros em uma análise crítica que examina a relação entre o filósofo e o ensino enquanto processo formativo-educacional que se mantém sob a égide da instituição estatal e se detém na questão envolvendo os professores de filosofia entre a vida e a ciência do vir-a-ser universal: filósofos ou servidores da “história”?

Da capacitação de profissionais para o mercado de trabalho e a conformação de indivíduos ao arcabouço sociocultural como objetivos da instituição escolar no filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989)

Detendo-se no trabalho do professor John Keating no sentido de estimular os seus alunos à experiência do desenvolvimento da autonomia em relação ao pensamento, ao conhecimento e à formação propriamente dita enquanto exercício que se sobrepõe ao arcabouço de esquemas e conceitos pré-estabelecidos através de uma construção rígida e imutável que encerra a estaticidade e a contemplação, o filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) assinala o atrito, o antagonismo, o caos instaurado no ano de 19595 no âmbito da escola tradicional norte-americana Welton, cuja instituição se caracteriza pela inflexibilidade disciplinar e metódica que tem como princípios basilares a tradição, a honra, a disciplina e a excelência enquanto valores histórico-culturais e socioeducacionais que determinam o seu funcionamento há um século.

Instaurando novos métodos de ensino e aprendizagem para a literatura em um processo que se sobrepõe ao objetivo da instituição escolar de proporcionar uma formação educacional capaz de possibilitar o ingresso dos alunos em uma universidade conceituada e o consequente desenvolvimento profissional, o professor Keating realiza um trabalho que tende a fomentar o questionamento acerca do sentido e do valor da vida em sua individualidade em um movimento que encerra o cultivo de si como possibilidade de produção de um conteúdo novo e extemporâneo, convergindo para a construção do conhecimento enquanto afirmação das forças da vida.

Nesta perspectiva, contrapondo-se à racionalidade científica enquanto método de interpretação e análise de uma construção textual poética, o professor Keating se sobrepõe à perspectiva que atribui caráter fundamental ao rigor formal da composição em uma construção baseada no cânone institucionalizado para o processo e que envolve o recurso a um gráfico capaz de medir a grandeza de uma obra e a sua condição, tendo em vista as metas objetivas propostas.

O prefácio “Entendendo a poesia’, do dr. J. Evans Pritchard, estabelece o canône para a interpretação da poesia, um gráfico em que se poderia medir com precisão a grandeza de Shakespeare e Byron, segundo a relevância das metas objetivas propostas e atingidas nas suas poesias. (ARALDI, s/d, p. 61)

Impulsos, paixões, busca pela fruição da vida, eis o que se impõe ao processo de interpretação e análise de uma construção textual poética, de acordo com o professor Keating que, dessa forma, contrapondo-se ao método científico-literário do Dr. J. Evans Pritchard6, pretende a instauração de uma experiência formativa irredutível à acepção de um conteúdo passível de assimilação enquanto saber caracterizado pela esterilidade e descontextualização através de um movimento que guarda correspondência com as necessidades, disposições e aspirações dos sujeitos em sua singularidade na concreticidade de um contexto histórico-cultural. Tal experiência formativa converge para a ruptura envolvendo as ordenações e as normalizações impostas por intermédio da proposta educacional da Welton Academy e cujos objetivos implicam a capacitação de profissionais para o mercado de trabalho7 e a conformação de indivíduos ao arcabouço sociocultural enquanto conjunto de valores, práticas e condutas condicionantes da existência histórico-social nas fronteiras de uma determinada comunidade.

Nesta perspectiva, alcança relevância no filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) a descoberta dos alunos do professor Keating acerca da confraria secreta Sociedade dos Poetas Mortos, da qual o professor Keating havia sido membro e cuja finalidade era a organização de reuniões para a leitura de poemas, assim como a discussão de produções próprias e expressão das paixões juvenis de seus membros, tendo em vista que tal episódio estimula os jovens à restauração da Sociedade dos Poetas Mortos8 em uma caverna situada nas proximidades da instituição escolar. O processo de restauração da Sociedade dos Poetas Mortos, baseado no lema carpe diem9, converge para a construção de um lócus de criação e instauração de experiências significativas envolvendo o conhecimento enquanto conhecimento que traz como fundamento o conhecimento de si e implica a tensão que encerra ética e estética, “dever-ser” e “poder-ser”, objetividade e subjetividade, heteronomia e autonomia, sociedade e indivíduo, entre outros elementos que se tornam antinômicos e transformam a existência em um paradoxo irredutível.

A direção da escola expulsa o professor Keating e põe fim à Sociedade dos Poetas Mortos, mas não consegue extinguir a busca da liberdade e autonomia dos alunos. Um deles, entretanto, o sonhador e romântico Neil (Perry), não consegue suportar a pressão da instituição e do pai, que não quer que ele siga sua inclinação mais própria de tornar-se ator de teatro, e se suicida. (ARALDI, s/d, p. 59)

O suicídio10 de Neil Perry no contexto socioeducacional do filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) se caracteriza como um acontecimento que deflagra uma crise envolvendo as representações histórico-culturais, econômico-sociais e ético-religiosas da sociedade contemporânea e o seu arcabouço de valores, práticas e condutas11, tendo em vista o papel da instituição escolar no processo de formação-educacional enquanto movimento que se sobrepõe ao ser humano em sua individualidade concreta e à própria vida na singularidade de sua manifestação em função dos objetivos institucionalizados em nome das necessidades e aspirações de uma determinada cosmovisão histórico-cultural e de uma específica organização econômico-social e político-jurídica.

Nessa perspectiva, o que se impõe é a ambiguidade que caracteriza a natureza da instituição educacional, cuja função, no âmbito da organização social, correlaciona necessidades antagônicas, convergindo simultaneamente para a instauração de um processo de adaptação do sujeito às estruturas do sistema em vigor e para o desencadeamento de reações que, guardando raízes no acontecimento que envolve a construção do conhecimento e as relações que implica, não tendem senão a desnudar para o indivíduo um reino de possibilidades no que tange à transformação da realidade, tendo em vista a responsabilidade do fenômeno de ensino-aprendizagem tanto de corresponder às demandas do arcabouço econômico-social (que assumem caráter ideológico à medida que dissimulam o concreto em nome da abstração) quanto de disponibilizar recursos para a sua superação. (MARIANO DA ROSA, 2015b, p. 31-32)

Dessa forma, se a Welton Academy encerra como objetivos a capacitação de profissionais para o mercado de trabalho e a conformação de indivíduos ao arcabouço sociocultural enquanto conjunto de valores, práticas e condutas condicionantes da existência histórico-social, assinalando o fracasso de uma instituição que tem como princípios basilares a tradição, a honra, a disciplina e a excelência enquanto valores histórico-culturais e socioeducacionais, o filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) assinala o caráter irredutível da busca pelo sentido da vida e seu valor enquanto uma experiência baseada na relação envolvendo a arte, a literatura e a poesia, conforme sublinhado na referida produção cinematográfica através dos alunos do professor Keating como membros da Sociedade dos Poetas Mortos e cuja aspiração como tal traz como interlocutores textuais Shakespeare, Henry Thoreau e Walt Whitman12.

Nietzsche e o saber enquanto capital improdutivo entre o excesso de história e a ruminação do passado na “cultura histórica”

Convergindo para as fronteiras que encerram falsidade e artificialidade em uma construção que implica a contradição envolvendo vida e cultura, o saber que guarda raízes na “cultura histórica” se caracteriza como um capital improdutivo, na medida em que a massa de “conteúdo” histórico acumulado enquanto “conhecimento” tende a impedir a vivência do presente enquanto possibilidade de instauração de uma experiência inaudita em um processo de assimilação baseado no mecanicismo de repetição de ideias, conceitos, noções e princípios em um movimento que assinala a ruptura entre vida e cultura enquanto operação que resulta na constituição de seres “humanos” inaptos à vida enquanto acontecimento que se impõe como lócus do vir-a-ser do novo.

Um homem que quisesse sempre sentir apenas historicamente seria semelhante àquele que se forçasse a abster-se de dormir, ou ao animal que tivesse de sobreviver apenas da ruminação e ruminação sempre repetida. Portanto: é possível viver quase sem lembrança, e mesmo viver feliz, como mostra o animal; mas é inteiramente impossível, sem esquecimento, simplesmente viver. (NIETZSCHE, 1996a, p. 273-274)

Se a cultura envolve um movimento cuja possibilidade de nascimento, crescimento e desenvolvimento guarda correspondência com a vida e as necessidades que encerra, manter a história a serviço do passado converge para a degeneração da vida, tanto quanto da própria história, na medida em que, longe de afirmar a perspectiva envolvendo necessidade de ausência de sentido histórico, Nietzsche questiona utilidade da história em relação à vida tendo em vista a sua desmedida em um processo que implica que a ultrapassagem dos limites acarreta efeitos patológicos, convergindo para impedir o exercício da capacidade de criação em uma construção que torna o saber um “conhecimento-morto” enquanto produto do acúmulo de conteúdo histórico que nenhuma correspondência guarda com a vida.

Guardando raízes nas fronteiras do legado da crença imobilista de uma representação teológica da Idade Média em uma construção que encerra como conteúdo o Fim do Mundo e o Juízo Final13, a “cultura histórica”, segundo Nietzsche, implica uma construção que sobrepõe o passado enquanto história monumental ao presente em um movimento que, guardando correspondência com a lógica da temporalidade, atribui primazia ao conhecimento do “acontecido” em detrimento da possibilidade de ação, convergindo para as fronteiras que torna tudo sempre “tarde demais” em um processo que se opõe ao vir-a-ser do novo, na medida em que o reino irrefreado do sentido histórico destrói as ilusões e subtrai às coisas sua atmosfera, destituindo o instinto criador de sua força e ânimo.

Diagnosticando que um fenômeno histórico enquanto um fenômeno de conhecimento tende a se tornar “morto” no termo do processo de sua apreensão como tal, Nietzsche assinala que a transformação da sua potência histórica em “saber” atribui ao fenômeno histórico a condição de impotência para o sujeito cognoscente, convergindo para as fronteiras que assinalam a posse de uma carga de “indigestas pedras de saber”. A referida perspectiva encerra a imprópria oposição entre interior e exterior, relegando à interioridade tal conteúdo, que se impõe ao instinto e à necessidade que, dessa forma, escapa à condição de “motivo transformador”, não detendo nada que possa caracterizá-lo como “vivo”, haja vista que “não é de modo algum uma cultura efetiva, mas uma espécie de saber em torno da cultura; fica no pensamento-de-cultura, no sentimento-de-cultura, dela não resulta nenhuma decisão-de-cultura” (NIETZSCHE, 1996a, p. 278).

Estabelecendo relações envolvendo aproximações, a história monumental tende à universalização em um processo que converge para as fronteiras que atribui a condição de igual ao desigual, sobrepondo-se aos motivos e às ocasiões em suas diferenças em um movimento que torna os effectus modelares, constituindo-se “uma coletânea de ‘efeitos em si’”, na medida em que prescinde das causas e da verdadeira conexão entre causas e efeitos em função de uma construção que encerra acontecimentos que em todos os tempos produzirão efeito, omitindo o fato de que a exposição das causas e da relação entre causas e efeitos revelaria a impossibilidade de um resultado correspondente e exatamente igual no âmbito do “jogo de dados do futuro e do acaso”.

Sobrepondo-se às diferenças em um processo que impõe a fortiori à individualidade do passado uma forma universal, a história transforma os effectus em exemplos dignos de imitação em uma construção que converge para a encarnação da veracidade icônica através dos eventos, dos clássicos e dos raros dos tempos antigos em sua grandeza, segundo Nietzsche, que denuncia que a atribuição à história do caráter de ciência pura e poder supremo deflagra o contexto de uma situação típica de “balanço da vida para a humanidade”, haja vista que “a história, na medida em que está a serviço da vida, está a serviço de uma potência a-histórica e por isso, nunca, nessa subordinação, poderá e deverá tornar-se ciência pura, como, digamos, a matemática” (NIETZSCHE, 1996a, p. 275).

Constituindo-se como ciência pura, a história se sobrepõe ao seu sentido salutar e à possibilidade que encerra de prometer futuro em um movimento que mantém raízes em um poderoso e novo fluxo de vida por intermédio de uma civilização vindo a ser, na medida em que o seu domínio enquanto poder supremo como um exercício que pressupõe desmedida, guardando-se para além da vida, converge para o seu desmoronamento e degeneração e, consequentemente, para a degeneração da própria história, desestabilizando a saúde tanto do ser humano em sua individualidade quanto da coletividade, o que implica a necessidade envolvendo “a constatação dos limites da racionalidade, a sua reavaliação, que se impõe às relações de poder que pressupõem, convergindo, enquanto dialoga com o horizonte da arte, para as fronteiras da afirmação das forças da vida” (MARIANO DA ROSA, 2011, s/n).

Da inexistência de direitos da Filosofia entre a “cultura histórica” e o processo formativo-educacional e a necessidade da correlação envolvendo arte e filosofia diante da ciência e da verdade

Baseada no lema fiat veritas, pereat vita, a história enquanto ciência do vir-a-ser universal e sob a acepção de ciência pura em um movimento que atribui ao seu poder caráter supremo determina o saber em relação ao passado como um conteúdo cuja condição de universalidade se impõe como modelar em um movimento que se sobrepõe à correspondência envolvendo causas e efeitos, convergindo para a monumentalização dos effectus. Tal construção encerra a cultura histórica como um conjunto que envolve tempos, costumes, artes, filosofias e religiões que não guardam correspondência com uma cultura efetiva, como se a sua emergência não mantivesse raízes nas fronteiras que implicam vida e cultura tanto de um ser humano em sua individualidade quanto de uma coletividade na concreticidade de um contexto histórico-cultural e econômico-social, artístico, ético-religioso, entre outros elementos que o constituem.

Nesta perspectiva, denunciando a cultura histórica como uma espécie de saber envolvendo a cultura, cujo conteúdo é relegado à interioridade como um processo que se circunscreve às fronteiras do “pensamento-de-cultura” e ao “sentimento-de-cultura”, Nietzsche assinala as situações desnaturadas, artificiais e indignas que se impõem à Filosofia em tal contexto, caracterizado pela uniformidade exterior, convergindo para uma atividade ou exercício desenvolvido sob a égide da “aparência erudita”, haja vista a restrição política e policial instaurada através de governos, igrejas, academias, costumes e covardias em um movimento que a expressa como suspiro (“mas se...”) ou como reconhecimento (“era uma vez”).

Identificando a inexistência de direitos da Filosofia nas fronteiras da cultura histórica em uma construção que a encerra como um saber que se detém nos limites da interioridade e, dessa forma, não guarda capacidade de produzir efeito, Nietzsche esclarece a ruptura envolvendo a vida em um processo que permite o pensar, o escrever, o imprimir, o falar, o ensinar filosoficamente, mas não permite o agir:

Sim, pensa-se, escreve-se, imprime-se, fala-se, ensina-se filosoficamente – até aí tudo é permitido; somente no agir, na assim chamada vida, é diferente: ali o permitido é sempre um só, e todo o resto é simplesmente impossível: assim o quer a cultura histórica. São homens ainda – pergunta-se então -, ou talvez apenas máquinas de pensar, de escrever e de falar? (NIETZSCHE, 1996a, p. 279)

Sobrepondo a cultura histórica à vida, o processo formativo-educacional da Alemanha de Bismarck14 (final do século XIX) se circunscreve à transmissão e à assimilação do conjunto que envolve tempos, costumes, artes, filosofias e religiões, acontecimentos e experiências memoráveis do passado em uma construção que atribui aos princípios, valores, técnicas e condutas do arcabouço histórico-cultural da história monumental condição de aplicação e possibilidade de produção de resultados correspondentes na vida do ser humano em sua individualidade em sua realidade concreta.

Dessa forma, contrapondo-se à metodologia de ensino de Filosofia na Alemanha no final do século XIX, seja nas universidades, seja nos liceus (Ensino Médio), Nietzsche afirma que o ensino de filosofia serve mais para afastar os estudantes da filosofia do que para aproximá-los da filosofia, na medida em que os estudantes não são convidados a pensar senão somente aquilo que se tornou objeto do pensamento dos filósofos em um processo que implica a memorização dos sistemas filosóficos para fins de avaliação escolar.

Nesta perspectiva, tendo em vista o ensino de Filosofia, a crítica de Nietzsche implica o processo educacional da Alemanha que, baseado na transmissão de conteúdos, mantém sob a égide da passividade professores e alunos em uma relação envolvendo comunicação e audição que demanda a interrupção da escuta como possibilidade do exercício da autonomia e a construção da independência em face da instituição escolar diante do caráter da atitude filosófica enquanto desejo de saber e estímulo ao exercício de pensar, o que implica um movimento que se sobrepõe ao sistema de aprendizagem que contempla a transmissão, a assimilação e a memorização do objeto de estudo em detrimento da produção do pensamento que é capaz de suscitar como tal.

Para Nietzsche, o esquema acadêmico foi tão bem montado que não permite ao professor sofrer com a falta do que dizer, pois nem o professor nem o aluno pensam por si mesmos. A cultura histórica e científica forma planejadas pelo sistema universitário para preencher qualquer lacuna. Há mesmo quem acredite que o filósofo universitário não precisa ser um pensador, constituindo, no máximo, “um re-pensador e um pós-pensador”, um conhecedor erudito de todos os pensadores, com os quais poderá contar para poder dizer algo aos seus alunos. (DIAS, s/d, p. 25)

Se a condição da filosofia enquanto objeto de ensino como um conteúdo não se impõe pela propensão, aptidão ou disposição ou necessidade, na medida em que tal necessidade não existe em si e demanda criação em um processo que se sobrepõe ao caráter instrumental e converge para as fronteiras que envolvem uma relação baseada no espanto enquanto princípio do saber e impulso em direção ao conhecimento, se contrapondo ao caráter mecanicista de métodos e tecnologias de ensino que convergem para uma concepção reprodutivista no tocante à aquisição do conhecimento enquanto transmissão de conteúdos, consiste em um elemento fundamental para o ensino de Filosofia uma estratégia didático-pedagógica que se sobreponha à lógica da “cultura histórica” que encerra como etapas do processo a leitura, a explicação, o comentário e a redação dos clássicos, tendo em vista a ineficácia de tais procedimentos no referido contexto histórico-cultural em face da necessidade de uma construção identitária cultural baseada na correspondência entre vida e cultura.

Sobrepondo-se à formação humanística, o processo formativo-educacional atribui primazia às questões históricas e científicas em uma construção que prioriza a profissionalização, segundo Nietzsche, que se contrapõe à tendência cientificista que caracteriza a referida atividade em um movimento que tende à desvalorização do sentido artístico da língua em prol do estilo jornalístico e à negligência envolvendo causas práticas, convergindo para a necessidade de restauração das temáticas essenciais da condição humana através da instauração da relação entre arte e filosofia.

À possibilidade de que a subsistência da vida dependa de erros inatos, não de verdades inatas, se impõe às formas diversas de falsidade, a saber, metafísica, moral, religião, ciência, que auxiliam a relação do homem com a vida, emergindo a verdade, nesta perspectiva, como ilusão vital, ficção útil, transpondo a arte estas fronteiras à medida que, além de tecer um véu de ilusões que se impõe, pois, ao abismo, se lhe ocultando, converge, à medida que não se identifica senão com o poder criador da vida, para participar na produção e na invenção de formas cujo caráter harmonioso possibilita a dissimulação das torpezas da existência, se lhes sobrepondo a alegria e o entusiasmo que, uma vez suscitadas, estabelecem a reconciliação entre o homem e a vida. (MARIANO DA ROSA, 2014, p. 92)

Possibilidade de produção de uma experiência de uma forma de vida correspondente às verdadeiras necessidades dos seres humanos em sua realidade concreta, a relação entre arte e filosofia converge para a restauração das ilusões e do seu valor como fonte de dissimulação diante da aspiração científica e do seu indômito instinto de conquistar e manter o conhecimento de todos os seres e coisas, enfim, tudo, na medida em que a arte ensina um olhar baseado no interesse e prazer em face da vida em todas as suas formas impulsionando a sensação de tal modo que o sujeito então exclama que a vida é boa.

“Seja como for, a vida, ela é boa!” Esse ensinamento da arte, que consiste em encontrar prazer na existência e considerar a vida humana como quem considera um pedaço da natureza, sem se empolgar demais, vendo-a como objeto de um desenvolvimento conforme a leis – esse ensinamento se arraigou em nós, ele agora retorna à luz como necessidade onipotente de conhecimento. Poder-se-ia abrir mão da arte, mas com isso não se perderia a aptidão aprendida dela: assim como se pode abrir mão da religião, mas não das intensidades e elevações de ânimo adquiridas através dela. (NIETZSCHE, 1996b, p. 84)

Encerrando o poder criador da vida em um processo que envolve a produção e a invenção de formas cuja harmonia se sobrepõe às torpezas da existência, a arte guarda capacidade de tecer um véu de ilusões em relação ao abismo em um movimento de dissimulação que converge para a alegria e o entusiasmo, instaurando a experiência de reconciliação entre o ser humano e a vida através de uma construção que, ocultando ou reinterpretando, tende a “fazer transparecer o significativo” em um processo que ultrapassa infinitamente a verdade.

Vivemos seguramente, graças ao caráter superficial de nosso intelecto, numa ilusão perpétua: necessitamos, portanto, para viver da arte a cada instante. Nossa visão nos prende às formas. Mas se somos nós próprios aqueles que educamos essa visão, vemos também reinar em nós mesmos uma força artista. Vemos até mesmo na natureza mecanismos contrários ao saber absoluto: o filósofo reconhece a linguagem da natureza e diz: “Temos necessidade da arte” e “só precisamos de uma parte do saber”. (NIETZSCHE, 2007, p. 27)

Dessa forma, se consiste em uma atividade específica do ser humano em um movimento que guarda correspondência com as necessidades envolvendo a sua conservação e preservação vital, o conhecimento encerra a condição de um instrumento antropomórfico, na medida em que produz a assimilação do mundo à perspectiva humana, haja vista que “este intelecto, que humaniza o mundo, tornando-o uma imagem humana, apropria-se de uma porção da realidade e a submete, criando e agindo como um intelecto artista” (BRUM, s/d, p. 43), convergindo para as fronteiras que implicam um processo que caracteriza a linguagem como fundamento da estrutura de antropomorfismos que traz em sua constituição denominações arbitrárias, conceitos e abstrações que se impõem à vida.

Baseada na suposição que encerra o saber em relação às coisas, a linguagem consiste na iniciativa humana em sua primeira fase em direção à ciência em um processo que atribui aos conceitos e nomes a condição de aeternae veritates e instaura a crença na verdade, convergindo para o desenvolvimento da razão através de uma construção cujos pressupostos fundam a lógica, assim como a matemática.

A significação da linguagem para o desenvolvimento da civilização está em que, nela, o homem colocou um mundo próprio ao lado do outro, um lugar que ele considerou bastante firme para, apoiado nele, deslocar o restante do mundo de seus gonzos e tornar-se senhor dele. (NIETZSCHE, 1996b, p. 72)

Diagnosticando o saber falso e artificial como produto da “cultura histórica” em uma construção que demanda a administração do seu conteúdo a fim de impedir que o seu excesso não ponha em risco a capacidade de criação e o vir-a-ser do novo, Nietzsche se contrapõe ao estilo jornalístico e às consequências que a sua imposição pela cultura histórica acarreta em um movimento que assinala a ascensão ao poder dos semiletrados, convergindo para a necessidade que envolve a instauração de uma disciplina linguística que seja capaz de possibilitar o desenvolvimento do sujeito por si mesmo através de um processo tanto de caráter interno quanto de caráter externo.

Se a subestimação da língua materna e da arte de escrever tende a provocar a degenerescência cultural característica do referido contexto histórico-social, torna-se fundamental um processo formativo-educacional que seja capaz de possibilitar a sua aprendizagem através do desenvolvimento de princípios que confira ao sujeito domínio sobre o idioma até o ponto de um exercício de uma língua artística por intermédio de uma disciplina irredutível ao mero acúmulo de conhecimentos históricos em um movimento que assinala a perda da sua riqueza e dignidade em virtude da imposição de um sistema cujo objetivo se circunscreve às fronteiras da atividade jornalística, que guarda correspondência com o efêmero instante e o produto da criação artística e filosófica de outros sobre cujas obras realiza um trabalho adaptado à temporalidade do presente, ao modus vivendi do contexto histórico-cultural, ao seu modus de pensar e ao modismo.

Confundindo sentimento e sensação na medida em que estes não guardam força no sentido de determinarem a medida em relação ao passado, a história se impõe ao sujeito que se torna incapaz de confiar em si através de um movimento que o transforma em espectador, relegando-o ao desempenho de um mero papel, convergindo para a instauração da incongruência envolvendo o ser humano e o seu domínio histórico, segundo Nietzsche, que identifica a referida geração como “geração de eunucos”, cuja característica é a indiferença em face de sua conduta diante da história que, como história monumental, sob a égide da “cultura histórica”, se mantém como “lindamente ‘objetiva’” na posse daqueles que, por si mesmos, jamais podem “fazer história”.

Dos professores de filosofia entre a vida e a ciência do vir-a-ser universal: filósofos ou servidores da “história”?

Identificando em seu contexto histórico-cultural um páthos de cultura geral, Nietzsche diagnostica como “compêndios encarnados” e abstrações concretas” as representações humanas da sociedade alemã em uma construção que sobrepõe à vida a formação cultural histórica em um mundo determinado pela uniformidade exterior que circunscreve o ato de filosofar às fronteiras da mera erudição em um processo que impossibilita o sujeito de “cumprir a lei da filosofia em si mesmo”, tendo em vista que a filosofia é reduzida a um “monólogo erudito do passeador solitário, fortuita presa de caça do indivíduo, oculto segredo de gabinete ou inofensiva tagarelice entre anciãos acadêmicos e crianças” (NIETZSCHE, 1996a, p. 278).

Contrapondo-se à perspectiva que encerra a vida como “um ponto no desenvolvimento de uma espécie ou de um Estado ou de uma ciência” em um processo cujo objetivo é integrar o ser humano em sua individualidade à história do vir-a-ser, Nietzsche denuncia a condição do eterno vir-a-ser como um jogo de fantoches que se mantém nas fronteiras do engano e acarreta o esquecimento de si mesmo, convergindo para tornar o fim da vida e dever o ser cidadão, ou erudito ou comerciante, diante de cuja imposição histórico-cultural e econômico-social, ou melhor, ético-lógica, Neil Perry, personagem do filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), se revolta e grita “não” em uma decisão que implica a resistência ao oco e raso em nome do enigma que somente guarda possibilidade de solução “a partir do ser, no ser assim e não ser outro, no imperecível”.

Então ele se rebela, aguça os ouvidos e decide: “Quero continuar meu!” É uma decisão pavorosa; só pouco a pouco ele compreende isso. Pois agora ele precisa mergulhar na profundeza da existência, com uma série de perguntas insólitas nos lábios: - por que vivo? que lição devo aprender da vida? como me tornei assim como sou e por que sofro então com esse ser-assim? (NIETZSCHE, 1996a, p. 293)

Consistindo em uma experiência que escapa aos demais semelhantes em um contexto que encerra cada um destes protagonizando o seu papel na sua comédia comum em um movimento que converge para desviá-los de si próprios, sofrer com a vida enquanto pressentir a vida se sobrepõe às ordenações humanas e ao seu caráter de dispositivos que submetem à vida a um processo que, envolvendo uma ininterrupta dispersão de pensamentos, instauram o engano do indivíduo em relação a si mesmo em um movimento que o torna um joguete e implica “o infindável jogo de burla que essa grande criança, o tempo, joga diante de nós e conosco” (NIETZSCHE, 1996a, p. 293).

Subindo em sua mesa na sala de aula da Academy Welton, diante da perplexidade dos seus alunos o professor Keating pergunta “Por que estou em pé aqui?” e, logo depois, assinala “Eu estou em pé na minha mesa para me lembrar que devemos ver as coisas constantemente de um modo diferente”, afirmando, então, na conclusão que “o mundo parece muito diferente aqui de cima”, tendo em vista o seu objetivo de estimular cada um de seus alunos a desenvolver uma experiência de interpretação de uma construção textual em consonância com a singularidade de sua existência. Tal movimento se sobrepõe ao paradigma institucionalizado e demanda a pluridimensionalidade perspectivacional através de um processo transtextual que guarda raízes nas fronteiras da obra em sua condição originária e não perde a capacidade de transmutá-la sem prejuízo do conteúdo ou intenção da criação. Assim, tanto nesta prática didático-pedagógica quanto na aula que recorre ao prefácio “Entendendo a poesia’, do dr. J. Evans Pritchard, assinalando outras perspectivas de interpretação e análise da construção poética em um processo que encerra os impulsos e as paixões, além da busca pela fruição da vida, o professor Keating demonstra um ímpeto nietzschiano:

Um filósofo é um homem que vive, sente, escuta, suspeita, espera e sonha sempre com coisas extraordinárias, que parece colher as próprias ideias de fora, do alto e debaixo, como uma espécie de acontecimentos apenas a ele reservados e que chegam até ele como raios, e talvez, ele mesmo seja um furacão, prenhe de raios, um homem fatal, em torno do qual se ouve incessantemente o ruído sinistro do trovão. (NIETZSCHE, 2001, p. 221)

Questionando a relação entre o filósofo e o ensino enquanto processo formativo-educacional que se mantém sob a égide da instituição estatal, Nietzsche diagnostica que tal encargo, uma vez assumido, torna inviável a manutenção da sua condição de pensador e tende a transformá-lo em um conhecedor erudito dos pensadores anteriores em um movimento que submete a filosofia à égide da erudição, haja vista que, concernente a um filósofo que tem o dever de prestar serviço ao Estado, o que se impõe é a pressuposição de que em sua vida e trabalho houve a renúncia quanto à verdade e a sua busca enquanto procura que cabe instaurar em todos os aspectos da existência em nome da possibilidade outorgada pelo Estado de que o filósofo, sob a acepção de professor, torne a filosofia um ganha-pão.

Contrapondo-se ao ensino de filosofia que se circunscreve às fronteiras da história do passado e a sua erudição, Nietzsche atribui ao conhecimento da história da filosofia enquanto tal um processo que envolve o esquadrinhamento de inúmeras opiniões alheias e pervertidas cuja ocupação se torna repelente e inoportuna, na medida em que a referida atividade escapa ao trabalho de um filósofo verdadeiro, não havendo possibilidade de que seja atribuído ao professor de filosofia em questão a condição de um filósofo propriamente senão a de “um competente filólogo, antiquário, conhecedor de línguas, historiador” (NIETZSCHE, 1996a, p. 299-300).

Se ao sentido do passado da filosofia no presente se impõe, segundo a leitura de Nietzsche, um processo que implica uma compreensão que converge para torná-lo extemporâneo através de um movimento que encerra uma ação sobre o presente cujo objetivo envolve um projeto de futuro, sobrepondo-se ao mero exercício de exposição da tradição filosófica através de uma relação com o cânone que se limita a justapor os autores clássicos em um panteão e “distinguir” os seus problemas e “enumerar” os seus conceitos enquanto seres fossilizados do sítio arqueológico do conhecimento.

As questões históricas introduziram-se de tal modo na filosofia universitária que esta se resume em perguntas como: o que pensa tal ou qual filósofo? Merecerá tal lição ser realmente aprendida? É ela, realmente, um estudo de filosofia? Essa maneira de tratar a matéria desenraizou a filosofia universitária de todos os problemas fundamentais. Em lugar de levar os estudantes a levantarem questões sobre a existência, preocupa-se com as minúcias da história da filosofia. Do mesmo modo que a filologia está interessada apenas nas etimologias, e não em um trabalho com a palavra viva, a filosofia restringe-se a estudar o pensamento morto, que não mais serve à vida. (DIAS, s/d, p. 24)

Dessa forma, o embate, a invenção e a reflexão enquanto movimento que tem como referência a tradição se impõe como imprescindível e implica um diálogo com o passado através de uma leitura que se torna interpretação do presente em uma construção que encerra a incessante redefinição identitária da Filosofia e mantém a História da Filosofia como Filosofia e sob a égide da “perspectiva filosófica”, haja vista que, escapando à referida égide, tende a tornar o conhecimento da história da filosofia um conteúdo de mera erudição que relega aos professores a condição de repensadores e pós-pensadores cujo ensino impede o gênio de manter a pureza e o amor em sua relação com as coisas.

Se a relação com os textos clássicos institucionalizados pela “cultura histórica” consiste em uma condição fundamental para o ensino de Filosofia, torna-se imprescindível se sobrepor à redução do processo formativo à mera exposição do conteúdo do arcabouço histórico do pensamento enquanto objeto de estudo cuja finalidade seja a simples reprodução de ideias e noções em um movimento circunscrito às fronteiras da “repetição” de interpretações, na medida em que tal prática impede o exercício de criação, convergindo para a necessidade da instauração de uma experiência envolvendo o referido conteúdo capaz de viabilizar a emergência do “novo” através das possibilidades suscitadas no acontecimento da construção do conhecimento.

E, por fim, em que neste mundo importa a nossos jovens a história da filosofia? Será que eles devem, pela confusão das opiniões, ser desencorajados de terem opiniões? Será que devem ser ensinados a participar do coro de júbilo: como chegamos tão esplendidamente longe? Será que, porventura, devem aprender a odiar ou desprezar a filosofia? (NIETZSCHE, 1996, p. 300)

Contrapondo-se ao ensino de filosofia enquanto processo cujo fim é a prova e o exame escolar em um movimento que encerra a necessidade de assimilação a fortiori de um conteúdo indigesto que em sua composição traz um conjunto de ideias malucas e espinhosas em relação de justaposição em face de um arcabouço de ideias grandiosas que guardam um elevado grau de dificuldade de captação, Nietzsche defende uma educação para a filosofia propriamente através de uma experiência cujo exercício seja capaz de implicar a possibilidade de que se constitua um fundamento de vida, sobrepondo-se à aridez, à selvageria e ao escárnio imbricados em uma operação didático-pedagógica que se circunscreve às fronteiras que encerram “a crítica de palavras com palavras”.

Detendo-se na condição do filósofo enquanto professor de filosofia e servidor do Estado, Nietzsche diagnostica como “emasculado” um pensar cuja atividade envolva um compromisso público baseado na definição de um horário determinado e um conteúdo pré-estabelecido, o que implica a distinção entre bons e maus filósofos e, consequentemente, a organização do seu contingente para suprir as necessidades da instituição estatal em função de uma formação educacional que visa os seus próprios interesses e objetivos, haja vista

o funcionamento de uma estrutura que traz em seu âmago um viés hierárquico que, desde o arcabouço administrativo até a situação de ensino-aprendizagem, assinala um princípio constitutivo de um exercício didático-pedagógico mecanicista que, sob a influência da burocracia estatal, tende a se esgotar na institucionalização de um “conhecimento-ídolo”, a saber, circunscrito à estéril formalidade que da estrutura curricular ao paradigma avaliativo se destina a obtenção de um título, a posse de um status quo e a condição de adequação ao sistema em vigor (...) (MARIANO DA ROSA, 2015a, p. 92-93)

Dessa forma, em virtude do vínculo laboral, o referido processo demanda a subestimação da verdade e da própria filosofia em relação ao Estado e a todas as instâncias que se inter-relacionam em sua composição e funcionamento, a saber, uma determinada forma de religião, a ordem social, a organização militar, todas as quais permanecem sob a égide de um selo de proteção, trazendo a inscrição noli me tangere15, convergindo para assinalar a extensão do compromisso e limitação do trabalho “filosófico” que porventura assim seja desenvolvido.

Pergunta: pode propriamente um filósofo, com boa consciência, comprometer-se a ter diariamente algo para ensinar? E a ensiná-lo diante de qualquer um, que queira ouvir? Ele não tem de se dar a aparência de saber mais do que sabe? Não tem de falar, diante de um auditório desconhecido, sobre coisas das quais somente com o amigo mais próximo poderia falar sem perigo? E, em geral: não se despoja de sua mais esplêndida liberdade, a de seguir seu gênio, quando este chama e para onde este chama? – por estar comprometido a pensar publicamente, em horas determinadas, sobre algo pré-determinado! (NIETZSHCE, 1996a, p. 299)

Assinalando a incompatibilidade entre erudição e filosofia, na acepção do termo, Nietzsche identifica a impossibilidade que envolve a transformação de um erudito em filósofo em uma análise que contrapõe Schopenhauer à Kant e sublinha o privilégio de Schopenhauer em virtude do fato de que não teve que se submeter a uma formação educacional para a erudição, mas à experiência de trabalho envolvendo um ambiente comercial, enquanto Kant, por sua vez - tendo em vista a relação entre filósofo e a condição humana em sua efetividade em oposição ao erudito e até ao pensador -, permaneceu em “estado de crisálida”, na medida em que a interposição de conceitos, opiniões, passados, livros na relação entre o indivíduo e as coisas encerra, concernente às coisas, a perda da capacidade de ver as coisas pela primeira vez, “e nunca será ele próprio uma tal coisa vista pela primeira vez” (NIETZSCHE, 1996a, p. 297).

Aspectos Conclusivos

Detendo-se na aspiração dos seres humanos em sua vida histórico-cultural em relação ao desenvolvimento e à expressão de inclinações e tendências correspondentes à singularidade de sua existência, o filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) assinala a impotência da instituição escolar e do processo formativo-educacional diante do sujeito em sua individualidade enquanto acontecimento a cujas possibilidades e capacidade de criação se opõe a “cultura histórica” em uma construção que atribui primazia aos eventos e personagens do passado e que, dessa forma, tende a subtrair ao presente a sua efetividade e a desarraigar o futuro, convergindo para a produção de um pensamento inapto ao movimento que implica vida e um novo sentido, transformando o saber em um capital improdutivo.

Contrapondo-se aos processos institucionalizados pelo Estado, pela Economia pela Educação, pela Religião enquanto instâncias que delimitam ideias, valores, práticas e condutas em função de objetivos que se sobrepõem às necessidades e às potencialidades do indivíduo em sua singularidade, Nietzsche sublinha o caráter antinatural da imposição de uma “cultura histórica” que tende à extirpação da ilusão enquanto condição fundamental para a vida, convergindo para as fronteiras que assinalam o “histórico” como tal, ciência do vir-a-ser universal, como germe de aniquilação de todos os aspectos e campos da existência, tal qual a Religião, haja vista o movimento que a transpõe em saber histórico e a torna um conhecimento científico em uma construção que, dessa forma, relega tudo à falsidade, à desumanidade e à violência.

Dessa forma, convergindo para o esvaziamento das subjetividades e à despersonalização enquanto objetividade, a “cultura histórica” se impõe de tal forma ao sujeito que o torna impassível diante de qualquer tipo de evento ou acontecimento ou fenômeno que seja, ato, poesia, música, tendo em vista que sobrepõe à obra a história do autor, conforme adverte Nietzsche, que designa tal espécie como “oco homem-de-cultura” em uma crítica que denuncia os riscos implicados na referida situação e que envolvem o sentido histórico, a justiça histórica, o impulso histórico, os quais, respectivamente, acarretam a erradicação do futuro, a condenação à morte, a debilitação do instinto criador, convergindo para a sua oposição à arte, “e somente quando a história suporta em ser transformada em obra de arte e, portanto, tornar-se pura forma artística, ela pode, talvez, conservar instintos ou mesmo despertá-los” (NIETZSCHE, 1996a, p. 281).

Nesta perspectiva, contrapondo-se à transformação da filosofia em erudição em nome da “cultura histórica” e aos “filósofos” que se colocam a seu serviço, Nietzsche denuncia a redução do ser, da vida e da visão ao arcabouço de conceitos, opiniões, passados, livros em um movimento que envolve a subjugação à cultura da “moda” e a sua sedução em virtude da tentação imbricada no egoísmo, nas fraquezas e nas vaidades, convergindo para a alienação dos instintos e perda da liberdade em um processo que impõe à liberdade o sentido de uma função em um processo que implica uma determinada construção humana, na medida em que o seu exercício como tal delimita uma imagem enquanto produz e reproduz a sua semelhança e os seus semelhantes nas fronteiras da instituição educacional, da sociedade e do Estado.

Se ao filósofo cabe retirar de si a maior parte do ensinamento em um movimento baseado no princípio de que o próprio se impõe em relação a si mesmo como imagem e abreviatura do mundo, Nietzsche denuncia a violência do adestramento em função da erudição no processo formativo-educacional e especificamente no ensino de filosofia, tendo em vista o objetivo de preparar indivíduos aptos às instituições do Estado, a saber, o erudito, o funcionário, o negociante, o filisteu da cultura ou, enfim, um “híbrido de todos”, convergindo para a conclusão de que se, no caso de Kant, a sua condição de submissão em relação ao Estado assinala a sua impossibilidade de justificar a filosofia enquanto objeto de questionamento e acusação, Schopenhauer e Platão teriam capacidade de advogar a sua causa, a despeito de que “nunca terão ensejo para isso, porque nunca um Estado ousaria favorecer tais homens e colocá-los nessas posições. Mas por quê? Porque todo Estado tem medo deles e sempre favorecerá somente filósofos dos quais não tem medo” (NIETZSCHE, 1996a, p. 298, grifo meu).

Referencias

ARALDI, C. L. Sociedade dos poetas mortos: uma perspectiva nietzschiana. In: Nietzsche: Em Atos. Nietzsche Pensa a Educação 2. Revista Educação Especial: Biblioteca do Professor. São Paulo: Segmento, s/d, p. 58-67; [ Links ]

ASSOCIATED PRESS. Real-life professor inspires “Dead Poets” character. Focus: Samuel F. Pickering, Jr. In: TIMES DAILY, Serving Northwest Alabama, Home Edition, v. 120, n. 191, 4B, 10 jul. 1989. [ Links ]

BRUM, J. T.. O demasiado humano conhecimento. In: Nietzsche: Conhecimento e Saber. Nietzsche Pensa a Educação 2. Revista Educação Especial: Biblioteca do Professor. São Paulo: Segmento, s/d, p. 36-45; [ Links ]

DIAS, R. M. A educação e a incultura moderna. In: Nietzsche Pensa a Educação. Nietzsche Pensa a Educação 2. Revista Educação Especial: Biblioteca do Professor. São Paulo: Segmento, s/d, p. 16-25; [ Links ]

HORÁCIO. Obras de Horácio. Tradução (em verso português) de José Agostinho de Macedo. Tomo 1. Lisboa: Impressão Régia, 1806. [ Links ]

MARIANO DA ROSA, L. C. Autoformação (“do homem completo”). Revista FACED (Entreideias: educação, cultura e sociedade), UFBA – Universidade Federal da Bahia, Salvador / BA, n. 4, p. 87-103, jul./dez. 2008. [ Links ]

MARIANO DA ROSA, L. C. Determinismo e liberdade no processo de construção do conhecimento: da condição humana entre os muros da escola. Revista da Faculdade de Educação, UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso, Cáceres / MT, vol. 23, ano 13, n. 1, p. 75-97, jan./ jun. 2015a. [ Links ]

MARIANO DA ROSA, L. C. Do “vir-a-ser” nietzschiano (do “instinto natural filosófico”). Revista Partes (São Paulo / SP), v. 11, s/n, 2011. [ Links ]

MARIANO DA ROSA, L. C. Do sistema educacional e o desafio da fundação de um novo homem entre a organização científico-técnica e a formação econômico-social. Cadernos Zygmunt Bauman, UFMA – Universidade Federal do Maranhã, São Luís / MA, v. 5, n. 10, p. 19-41, jul./dez. 2015b. [ Links ]

MARIANO DA ROSA, L. C. Schopenhauer e Nietzsche: do dualismo metafísico ao princípio da unidade-múltipla. Revista Filosofia Capital – RFC (Brasília, Distrito Federal, Brasil), vol. 9, p. 85-98, 2014 (Edição Especial: Concepções acerca da Verdade: Subjetividade, Educação e Multidimensionalidade). [ Links ]

NIETZSCHE, F. W. Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Tradução de Márcio Pugliesi. Curitiba/PR: Hemus, 2001. [ Links ]

NIETZSCHE, F. W. Considerações extemporâneas. In: NIETZSCHE, F. W. Obras Incompletas. Os Pensadores. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1996a, p. 267-336. [ Links ]

NIETZSCHE, F. W. Humano, demasiado humano (Volume I). In: NIETZSCHE, F. W. Obras Incompletas. Os Pensadores. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1996b, p. 61-134. [ Links ]

NIETZSCHE, F. W. O livro do filósofo. Tradução de Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala, 2007. [ Links ]

NIETZSCHE, F. W. O último filósofo: o filósofo (considerações sobre o conflito entre a arte e o conhecimento). In: NIETZSCHE, F. W. O livro do filósofo. Tradução de Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala, 2007, p. 13-68. [ Links ]

NIETZSCHE, F. W. Obras Incompletas. Os Pensadores. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1996. [ Links ]

SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS. O Clube dos Poetas Mortos (português). Dead Poets Society (inglês). Direção: Peter Weir. Roteiro: Tom Schulman. Elenco: Robin Williams (John Keating); Robert Sean Leonard (Neil Perry); Ethan Hawke (Todd A. Anderson). Allelon Ruggiero (Stephen Meeks Jr.); Gale Hansen (Charlie Dalton); Josh Charles Knox (Overstreet); Dylan Kussman (Richard S Cameron); James Waterston (Gerard Pitts); Norman Lloyd (Sr. Nolan); Kurtwood Smith (Sr. Perry); Carla Belver (Sr.ª Perry); Leon Pownall (McAllister); George Martin (Dr. Hager); Matt Carey (Hopkins). Gênero: Drama. Idioma: Inglês. DVD (128 min). Distribuição: Walt Disney Studios. Produção: Estados Unidos, 1989. [ Links ]

THOREAU, H. D. Walden ou a vida nos bosques. Tradução de Astrid Cabral. 7. ed. São Paulo: Editora Ground, 2007. [ Links ]

1Escrito por Tom Schulman, o roteiro teve como inspiração as suas experiências na Montgomery Bell Academy, situada em Nashville, no Tennessee (USA), guardando relação, principalmente, com o seu professor Samuel Pickering (ASSOCIATED PRESS In: TIMES DAILY, 1989, 4B). A referida produção cinematográfica recebeu 4 (quatro) indicações ao 62.º Oscar (Oscar de 1990), a saber, melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro original e melhor ator, obtendo o prêmio de melhor roteiro original.

2Personagem interpretado pelo ator Robin Williams.

3Personagem interpretado pelo ator Robert Sean Leonard.

4“Haja a verdade, pereça a vida”, em consonância com nota do editor (In: NIETZSCHE, 1996, p. 277).

5Tudo começa no outono de 1959 quando Todd Anderson inicia seu último ano do Ensino Médio na Welton Academy, uma escola preparatória de elite para homens. Tendo em vista a orientação de Todd nesta etapa da sua vida educacional, Neil Perry, um dos alunos mais promissores da instituição e que também será seu companheiro de quarto, assume a designação para a tarefa.

6Nesta perspectiva, cabe sublinhar o discurso do professor Keating em relação ao referido método: “Excremento. É isso o que eu penso do Sr. J. Evans Pritchard. Não estamos abrindo valetas. estamos falando de poesia. Como pode descrever a poesia como se fosse um concurso? (...) Quero que rasguem essa página. Vamos, rasguem a página. Vocês me ouviram. Rasguem fora. Rasguem! Vamos! Rasguem! (...) Adeus, J. Evans Pritchard, Ph.D. Esta é uma batalha. É guerra. Os feridos podem ser seus corações e almas. Exércitos de acadêmicos avançando, medindo a poesia. Não! Não aceitaremos isso. Chega de Sr. J. Evans Pritchard. (...) Não importa o que digam, palavras e idéias podem mudar o mundo. (...) Não lemos nem escrevemos poesia porque é bonitinho. Lemos e escrevemos poesia porque somos humanos. A raça humana está repleta de paixão. E medicina, advocacia, administração e engenharia São objetivos nobres e necessários para manter-se vivo. Mas a poesia, beleza, romance, amor... É para isso que vivemos.” (SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, 1989)

7

Tendo em vista a perspectiva de que “é nesta conjuntura sociocultural que o processo formativo-educacional será gestado, tendo como referencialidades o racionalismo, o antropocentrismo, o individualismo, além dos mitos que neste percurso histórico a ciência gera, a saber: do ‘mito do cientificismo’ ao ‘mito do progresso’, do ‘mito da tecnocracia’ ao ‘mito do especialista’, entre outros.

Razão instrumental. Eis o resultado da Paideia moderna que, afinal de contas, corresponde às necessidades daquilo que inescapavelmente se torna a prioridade do processo formativo-educacional contemporâneo: o trabalho. O arquétipo da pedagogia contemporânea, por sua vez, assume uma nova identidade: homo faber.” (MARIANO DA ROSA, 2008, p. 95-96)

8Eis os alunos que assumem a restauração da Sociedade dos Poetas Mortos: Neil Perry, Todd Anderson, Knox Overstreet, Richard Cameron, Stephen Meeks, Gerard Pitts e Charlie Dalton.

9Carpe diem” é uma expressão extraída da sentença poética do poeta latino Horácio (65 a.C. - 8 a.C.), Livro Primeiro, Ode XI: “Carpe diem, quam minimum credula póstero”, traduzida como “Aproveita o presente, e não confies Crédula no Futuro” (HORACIO, 1806, p. 17-18), transposta literalmente como “aproveita o dia e confia o mínimo possível no amanhã”. Além do referido lema, cabe sublinhar o texto de Henry David Thoreau (1817-1862), extraído de “Walden ou a vida nos bosques”, qual seja: “'Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido” (THOREAU, 2007, p. 38). Objeto de leitura de Neil Perry no início da reunião da Sociedade dos Poetas Mortos da Welton Academy, eis o referido conteúdo adaptado: “Eu fui para a floresta porque queria viver deliberadamente / Eu queria viver profundamente e sugar toda a essência da vida / Queria acabar com tudo o que não fosse vida / Para que quando a minha morte chegasse, eu não descobrisse que não vivi” (SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, 1989).

10Neil Perry descobre a sua vocação artística e sonha em se tornar ator e, então, consegue o papel de Puck em uma produção local de “Sonho de uma Noite de Verão” (William Shakespeare), apesar da pretensão do seu pai, Thomas, que além de determinar a sua carreira profissional na área da Medicina, define que Neil atuará na Ivy League (Liga Ivy ou Liga da Hera), uma conferência desportiva da NCAA de oito universidades privadas do nordeste dos Estados Unidos. Descobrindo o envolvimento de Neil na peça, o seu pai o obriga a desistir na véspera da apresentação. Transtornado, Neil recorre ao professor Keating a fim de obter aconselhamento e recebe a orientação de que deve manter sua decisão e provar a seu pai a vocação artística e a sua paixão pelo trabalho de ator. Inesperadamente, o pai de Neil aparece na apresentação e o encaminha para casa, informando que o filho havia sido retirado da Academy Welton e matriculado em uma academia militar a fim de que pudesse se preparar para ingressar no curso de Medicina na Universidade Harvard. Tendo em vista a sua impotência diante de seu pai em face das circunstâncias, e não obtendo o apoio de sua mãe, Neil, perturbado, comete suicídio.

11Tendo em vista a sua influência sobre a vida de Neil, o professor Keating é culpabilizado pelo seu suicídio por Cameron, um de seus alunos e integrante da Sociedade dos Poetas Mortos que, dessa forma, pretende escapar da punição pela sua participação nesta organização. Assim, baseado nas declarações de Cameron, o diretor Nolan prepara um documento, exigindo que cada um dos integrantes da Sociedade dos Poetas Mortos compareça ao seu escritório para assiná-la, confirmando a veracidade das suas alegações: sob pressão dos familiares, todos assinam, inclusive Todd, que reluta inicialmente e, mesmo não concordando com as acusações, é obrigado a confirmá-las.

12Dessa forma, cabe registrar a cena do filme que mostra a situação envolvendo a demissão do professor Keating e a sua substituição por Nolan, que havia atuado como professor de inglês em Welton antes de se tornar diretor. Diante de Nolan, cujo ensino é desenvolvido em função das regras tradicionais de Welton, Keating interrompe a aula a fim de reunir os seus pertences restantes. Quando Keating estava se retirando da sala, Todd se levanta em cima da mesa e diz "Oh, capitão! Meu capitão!" (“O Captain! My Captain!”, poema metafórico de Walt Whitman, escrito em 1865 e que guarda correspondência com o assassinato do Presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln), o que leva os outros alunos e membros da Sociedade dos Poetas Mortos a fazer o mesmo, desafiando a autoridade de Nolan, que demonstra indignação e fúria em face da constatação de que a demissão não comprometera a influência de Keating na vida dos jovens.

13“O que querem dizer alguns milênios (ou expresso de outro modo: o espaço de tempo de trinta e quatro vidas consecutivas, calculadas em sessenta anos), para que no início de um tal tempo se possa ainda fala em ‘juventude’ e na conclusão já em ‘velhice da humanidade’! Não se aloja, em vez disso, nessa crença paralisante em uma humanidade já em fenecimento, o mal-entendido de uma representação cristiano-teológica herdada da Idade Média, o pensamento da proximidade do fim do mundo, do julgamento esperado com temor?” (NIETZSCHE, 1996a, p. 282)

14Atuando como primeiro-ministro do reino da Prússia (1862-1890), Otto von Bismarck (1815-1898) unificou a Alemanha, tornando-se o primeiro chanceler do Império Alemão (1871-1890), conhecido como "Chanceler de Ferro" (Eiserner Kanzler). Constituindo-se o estadista mais importante da Alemanha do século XIX, a atividade política de Bismarck teve como referências o nacionalismo e o militarismo. Dessa forma, tendo em vista a unificação da Alemanha, Bismarck se sobrepôs aos recursos do liberalismo político, preferindo a “política da força”, havendo assumido também atitudes anticlericais contra a Igreja Católica através de um processo político-cultural identificado como Kulturkampf (Luta pela Cultura).

15“Não me toques”, em consonância com nota do editor (In: NIETZSCHE, 1996, p. 298).

Recebido: 20 de Março de 2022; Aceito: 29 de Julho de 2022

Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons CC BY-NC-SA 3.0 BR.